Herança digital: o direito sucessório dos bens digitais

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O tema em questão traz um pouco de esclarecimento quanto a destinação do patrimônio do falecido, haja vista em um momento da sociedade cujo a tecnologia e de extrema importância.

Resumo 

O presente artigo trata acerca do tema HERANÇA DIGITAL: O DIREITO SUCESSÓRIO DOS BENS DIGITAIS. Visando o atual momento da sociedade, podemos dizer que é um tema de profundos estudos, haja vista a evolução é o crescimento do intelecto da população. Da mesma forma os indivíduos, vêm armazenando em grande quantidade bens em forma digital como por exemplo dados bancários, imagens, documentos, perfis em redes sociais, e etc. O tema em questão é de bastante relevância e profundos estudos, sendo matéria em vários debates e discussões para saber qual será o destino dos bens que integram seu patrimônio, quando seu proprietário morre. Podemos observar, que os códigos e constituições regulamentadoras deixam lacunas acerca do tema, portanto este artigo, tem como fundamento a resolução de conflitos e preencher as lacunas.

Palavras-chave: Morte. Sucessão. Espólio. Herança digital. Internet. Bens Digital. 

Abstract

Today, digital inheritance is a subject of in-depth studies, as society is evolving more and more. With the advancement of technology, the figure of the digital good has become more used. It is with the growth of the intellect of the population that one can believe that life is limited to the digital medium that has great economic value.Thus, the digital inheritance has brought many discussions, which goods will be destined to digital form and which destination will take the goods of the deceased, whose left has not left any kind of destiny. It is noted that civil law leaves some gaps related to the theme, therefore this work of conclusion of course aims to study the theme Digital Heritage: the right of succession of digital assets.

Key-words: Death. Succession. Estate. Digital heritage. Internet. Digital Goods.

1.     INTRODUÇÃO

Nos dias de hoje a era digital é uma realidade, vive-se no auge da tecnologia, em todas as faixas etárias, desde crianças, até mesmo idosos e a probabilidade de aumento disso é cada vez maior. Gradativamente mais é notório a interação e a inclusão dos arquivos em meio digital, como músicas, fotos, ebooks e diversos outros documentos pessoais e profissionais. Diante disso, surge o questionamento acerca da destinação dos arquivos deixados pelos usuários falecidos nos servidores virtuais, bens esses que compõem a herança digital do indivíduo, a partir desse estudo, vêm correlacionados com os avanços os conflitos, litígios advindos dessa situação, no qual as normas jurídicas deixam lacunas.

Sabe-se que as inovações decorrentes do desenvolvimento tecnológico ocorrem a passos muito mais largos que o processo legislativo. A importância deste trabalho está, portanto, na tentativa de solucionar as controvérsias inerentes à possibilidade ou não de sucessão dos arquivos digitais deixados pelo de cujus, nos mesmos moldes, como é feito com os bens do falecido, no direito sucessório. Considerando, para tanto, os aspectos do direito à privacidade e ao sigilo, titularizados pelo de cujus quando em vida, e o direito à sucessão dos herdeiros, haja vista a ausência de regulamentação expressa da matéria no ordenamento jurídico brasileiro.

O presente trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro será feito uma abordagem introdutória do Direito das Sucessões, O segundo capítulo, abrange a classificação de bens perante ao código civil, além do conceito de bens digitais e sua origem. E, por fim, o terceiro capítulo trará um panorama sobre a possibilidade da transmissão da herança digital e sobre a legislação brasileira, acerca do tema. 

2.     DO DIREITO SUCESSÓRIO E SUA REGULAMENTAÇÃO LEGAL

Podemos observar que no Artigo 6º do código civil de 2002, trata-se do fim existência do pessoal natural “Artigo 6° do Código Civil: A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.” No sentido técnico da palavra sucessão, é quando uma pessoa assume a titularidade de determinados bens da outra pessoa, para que o mesmo destine a função social de cada bem.

Portanto, o direito sucessório tem a real intenção de organizar a mudança de titularidade dos bens, e promover uma nova função social, a partir da causa mortis, isto é, quando uma pessoa morre, os bens de sua propriedade irão suceder o patrimônio de outra pessoa.

  Este ramo do direito brasileiro se torna efetivo a partir do momento da morte do de cujus, sendo a morte de modo provocado, ou natural.  Da mesma forma que o direito sucessório é considerado como um direito conjunto, unindo-se várias áreas do nosso direito brasileiro. Portanto, com a morte do indivíduo pode se unir o direito administrativo, previdenciário e entre outros, como diz Paulo Lobo.

 “O direito das sucessões é parte integrante do direito privado e, notadamente, do direito civil. Sua referência principal é a morte da pessoa física. Todavia, seus efeitos irradiam-se em quase todos os campos do direito, em face de inserção voluntária ou compulsória de toda pessoa humana em posições, situações, qualificações e relações jurídicas, que são afetados pelo fim dela.” ( Paulo Lôbo, 2018) 

        A Constituição federal de 1988 em especial o seu artigo 5º que assegura o direito sucessório.

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXX - é garantido o direito de herança.” 

O código civil de 2002 traz em seus artigos a regulamentação da vida humana, no momento do nascimento, quando se tem o direito adquirido à personalidade, em seguida no trato das coisas com as relações de consumo ligadas ao patrimônio e relações familiares, e chegando ao fim da vida, com sua morte.

Podemos observar no código civil, o direito sucessório fica discriminado na parte especial, dividido em 4 partes no livro V, sendo elas; TÍTULO I (da sucessão em geral); TÍTULO II (da sucessão legítima); TÍTULO III (da sucessão testamentária); TÍTULO IV (do inventário e da partilha);

Desta forma a herança ou espólio, e o patrimônio deixado pelo de cujus, que será direcionado ou transmitido, ao seu herdeiro, nas hipóteses de herdeiros legatários ou legítimos sendo aqueles descritos no artigo 1.829º do CC/02.

“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

 I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.”

Temos também a figura da herança testamentária, isto é, quando o de cujus expressa em testamento, em forma da sua última vontade, no qual para quem irá suceder seu patrimônio como descrito no artigo 1.784 do CC/02. 

“Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.”

De acordo com o nosso código civil de 2002, no qual corrobora o instituto do direito sucessório, em especial o seu Artigo 1.786º, que traz duas modalidades de sucessão, sendo legítima/legal e testamentária. Art. 1.786 do Código Civil: A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade. Sendo a legítima disposta em lei com fundamento legal, e a testamentária e a vontade do falecido, expresso em vida, em especial o “testamento”. É importante observar que na prática se usa mais a sucessão legítima.

A sucessão legítima é regida por vocação hereditária, ou seja, os bens que pertencem ao patrimônio do falecido, por vez irão compor ao patrimônio dos herdeiros legítimos, que por sinal a legislação entende que são os parentes mais próximos.  De acordo com o artigo 1.829 do código civil de 2002 que traz um rol taxativo dos herdeiros do qual irá suceder, sendo eles; os descendentes sendo os filhos, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, isto a depender do regime de casamento, tendo em vista que o cônjuge pode chegar a ser meeiro dos bens, e também se o falecido não tiver deixado bens particulares. Na falta destes chamam-se os ascendentes sendo os pais, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, em seguida somente o cônjuge, e por fim e não menos importante os colaterais. 

Portanto, o grau mais próximo exclui-se o mais remoto, isto é, por ordem hereditária o filho irá herdar do pai, de modo que na falta do filho o próprio neto, ou bisnetos, será chamado a suceder.

3.      DOS BENS JURÍDICOS E SUA CLASSIFICAÇÃO

Os bens estão dispostos entre os arts. 79 e 103 do CC/02, na qual são passíveis de serem classificados em espécies e subespécies. Os bens são valores materiais ou imateriais, todos os objetos de relações jurídicas e de natureza patrimonial, isso significa que podem incorporar no patrimônio de um sujeito de direitos, seja ele pessoa física ou jurídica. Existem também os bens jurídicos não patrimoniais, que são aqueles que não possuem valor econômico, como a vida, a honra e a saúde por exemplo. De acordo com o Francisco Amaral:

 “em senso amplo, esse objeto pode, portanto, consistir em coisas (nas relações reais), em ações humanas (nas relações obrigacionais) e também na própria pessoa (nos direitos de personalidade e nos de família, em institutos como no pátrio poder, na tutela e na curatela), e até em direitos (como no penhor de créditos, no usufruto de direitos) (AMARAL, F. 2003).

Começando nessa classificação de espécies, existem os bens considerados em si mesmo, que são os bens fungíveis e infungíveis; o primeiro deles, disposto no art.85, do CC/02, diz que os bens fungíveis podem ser substituídos por outros do mesmo gênero ou espécie, quantidade ou qualidade. Já, os bens infungíveis, são exatamente o contrário, ou seja, aqueles bens que não podem ser substituídos, por outros da mesma qualidade, como por exemplo, uma obra de arte.

O art.86 do CC/02, trata dos bens consumíveis, ou não duráveis, que são aqueles, que o uso importa necessariamente, da destruição imediata da própria substância, da mesma forma, aqueles destinados a alienação, como por exemplo, os alimentos. Já, os bens consumíveis, ou duráveis, são aqueles que não se perdem com o uso, por exemplo, os carros.

O art.87 do CC/02, diz a respeito dos bens divisíveis e dos bens indivisíveis. O primeiro deles, são os bens que podem ser fracionados sem que sua substância seja alterada, como por exemplo, uma pizza. Os bens indivisíveis, são exatamente o contrário, impossíveis de serem fracionados, perdem a própria essência.

Conforme disposto, entre os arts.89 a 91 do CC/02, estão os bens singulares e os bens coletivos. Os bens singulares, são aqueles que, embora reunidos, se consideram por si só, independente dos demais. No caso dos bens coletivos, são a junção dos bens singulares, para formar um todo homogêneo.

Os bens coletivos, também são chamados de universalidades, que podem ser de fato ou de direito. De acordo com o art.90 do CC/02, a universalidade de fato é a pluralidade de bens singulares que pertinentes a mesma pessoa tem a mesma destinação unitária. Além disso, esses bens podem ser objetos de relações jurídicas próprias. Por outro lado, a universalidade de direito, é o complexo das relações jurídicas dotadas de valor econômico de uma pessoa, como por exemplo, herança e patrimônio.

Os bens móveis, disposto no art.82, do CC/02, são aqueles suscetíveis a movimentos, isto é, que podem ser transportados, sem que haja alteração na sua substância ou na sua destinação econômico social. Essa categoria se subdivide a outras, como a de móveis por natureza; que podem ser semoventes, que se movem por força própria, como por exemplo, um animal; ou propriamente ditos, movimentado com facilidade pela força alheia.

Previsto no art.83, do CC/02, consideram-se móveis, por determinação legal :I - as energias que tenham valor econômico;II - os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes; III - os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.

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E, por fim, a subcategoria de móveis por antecipação, que envolvem bens incorporados ao solo, para separar-se dele, no futuro.

Os bens imóveis, previsto no art.79, do CC/02, são aqueles bens, cuja, movimentação é impossível, sem que haja sua destruição. Eles aparecem, de diversas maneiras; como os imóveis por natureza, exemplo, solo e espaço aéreo; imóveis por acessão natural, ou seja, tudo aquilo que adere naturalmente ao solo; imóveis por acessão artificial, quando a aderência de um bem ao solo é feita por meio de força humana; e por último, imóveis por determinação legal, disposto no art.80, do CC/02, I - os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram;II - o direito à sucessão aberta.

A partir do art.92, do CC/02, estão dispostos os bens reciprocamente considerados, e nessa primeira categoria, está disposto os bens principais, que são aqueles, que existem sobre si mesmos, não dependem de nenhum outro bem, exemplo, o solo .A segunda categoria , denominada acessórios , por sua vez, dependem dos principais para existirem .Os acessórios são divididos em frutos , que são as utilidades produzidas periodicamente pelo bem principal e que a colheita não diminui o valor ou a substância da fonte. São divididos em produtos, que são as utilidades produzidas pelo bem principal, de forma não periódica, gerando uma diminuição na produção, até que a fonte seque. Também, são divididos em pertenças, que não fazem parte do bem principal, mas se destinam ao seu serviço. E, por último, as benfeitorias, previstas no art.96, do CC/02, são acessórios incorporados ao bem principal, pelo homem, com intuito de melhorar, conservar ou embelezar algo.

A terceira e última categoria do instituto civil de bens , são os bens considerados em relação ao titular de domínio , na qual são divididos em duas categorias , a de bens públicos e bens particulares .O primeiro deles , disposto no art.98 , do CC/02 , os bens públicos são de domínio nacional e pertencem às pessoas jurídicas de direito público interno , além de serem inalienáveis , impenhoráveis e imprescritíveis .Essa categoria , é subdividida em subcategorias ;em bens de uso comum , que pertencem ao Estado e podem ser usados por qualquer pessoa , exemplo , de praças e ruas ;em bens de uso especial , que possuem uma destinação específica , exemplo , hospitais e bens de uso dominical que pertencem ao Estado , mas que não estão sendo aproveitados , como um prédio público abandonado .

Em contrapartida, os bens particulares são todos aqueles bens que não são públicos, como por exemplo, imóvel de alguém.  

3.1   BENS JURÍDICOS DIGITAIS

A sociedade está cada vez mais evoluindo e com isso vem se atualizando a forma digital das coisas, e não seria diferente para o bem no qual se integra ao patrimônio do ser humano. Como já dizia o professor BRUNO ZAMPIER, em especial o seu livro BENS DIGITAIS:

“na perspectiva da sociedade imersa em um grande paradigma virtual, como já apresentado, torna-se natural que diversas projeções da pessoa humana passem a ser incorporadas ao mundo digital. Mais e mais a vida real vai se atualizando e migrando para o ambiente digital. Este é um processo inexorável, e sem freios e com uma velocidade impressionante.” (ZAMPIER, Bruno. livro Bens Digitais 2º edição).  

Bens digitais, são bens jurídicos que não existem fisicamente, existem apenas virtualmente, só existem no ambiente digital, não pode ser tocado, não é analógico, nem sempre vai poder ser medido, porém ele existe e é provável que dependa da internet para ser acessado ou baixado no computador, exemplos: milhas aéreas, moedas virtuais, músicas armazenadas depois de compradas, além de vídeos, filmes, programas de fidelização, contas de redes sociais, canais de Youtube, blogs, etc. Tudo isso denota uma categoria de bens jurídicos. Tudo isso pode ter um viés patrimonial, exemplo das moedas virtuais (bitcoins), milhas aéreas, que hoje são considerados como dinheiro, ou pode existir um caráter existencial, como as redes sociais por exemplo, na qual determinada pessoa, no Instagram compartilha sua intimidade, sua vida pessoal, postando fotos com família, cônjuge por exemplo, com cachorro, lugares que você viaja, tudo isso é sua vida privada, que tem caráter existencial. Podemos observar, que o professor Bruno Zampier, traz uma breve caracterização da evolução do bem:

“Naturalmente, esse passar dos anos fará com que sejam depositados na rede inúmeras informações, manifestações da personalidade e arquivos com conteúdo econômico, e todos esses ligados a um determinado sujeito. Cada internauta terá seu patrimônio digital que necessitará ser protegido, porque em algum momento ele irá falecer, manifestar alguma causa de incapacidade ou mesmo sofrer violações a este legado deixado em rede.” (ZAMPIER, Bruno. Livro Bens Digitais 2º Edição). 

O bem digital pode ser reconhecido também, como a própria identidade digitalizada, como no caso de compra de certificado digital que confirma a sua identidade biométrica e biológica e transforma isso numa cadeia de certificados, que demonstra que aquela pessoa pode ser equivalente aquela assinatura digital que está ali na internet.

Tem que se entender que existe uma nova categoria de bem intangível, incorpóreo, reconhecida tal categoria, novos problemas surgirão a partir dessa titularidade, exemplo, qual o destino dos bens digitais após a morte, ou mesmo em vida. Feitas essas considerações conceituais acerca dos bens jurídicos e, mais especificamente, dos bens digitais, é preciso agora posicioná-los dentro do ordenamento jurídico, para posteriormente compreendermos o tratamento a eles dispensado.


3.2   DO SURGIMENTO DOS BENS DIGITAIS

A contemporaneidade vem trazendo várias descobertas e inovações, com o crescimento dos avanços tecnológicos, trouxeram a mudança do convívio social e interação da sociedade, tornando- se tornando mais célere e prática da forma que as normas jurídicas não os acompanharam. Com o determinado avanço, a comunicação vem se reformulando a modo que o desenvolvimento dos aparelhos eletrônicos, traz mais proximidade para os indivíduos.

Diante do ritmo acelerado das transformações tecnológicas e da velocidade cada vez maior com que as informações circulam, os meios em que as mesmas perpassam evoluem também de forma surpreendente, devendo o Direito acompanhar essas mudanças, vez que é, em sua essência, uma ciência mutável e dinâmica. É neste ponto que nasce o Direito Digital, que vem tentar regulamentar e auxiliar em situações que nem sempre os ramos jurídicos tradicionais conseguem resolver, pois, em sua maioria, foram pensados em uma época em que sequer existia o computador, consequentemente trouxeram diversos desafios para o Direito Civil, bem como no Direito das Sucessões

Antigamente, em sua grande maioria, a matéria corpórea era através de livros, discos, quadros em paredes, jogos manuais, ou seja, bens totalmente materiais e palpáveis. Hoje em dia, a realidade é outra, na internet é possível adquirir bens digitais sendo ebooks, músicas ou aplicativos em lojas online, além de armazenar vídeos e fotos pessoais, textos de autoria própria de valor econômico ou não, que, em geral, são protegidos em contas digitais por meio de login e senha.

Uma vez elucidado o conceito básico de bens e seu surgimento que, como foi visto, decorreu com a própria evolução da sociedade, procedendo-se a uma busca rápida, percebe-se que muitas questões decorrentes dos mesmos ainda não foram totalmente resolvidas pelas empresas de tecnologia e pela legislação. Inclusive, os próprios usuários não sabem lidar com esses bens.

4.     A HERANÇA E TRANSMISSÃO DOS BENS ARMAZENADOS EM MEIO VIRTUAL

4.1   O DIREITO SUCESSÓRIO DOS BENS DIGITAIS

Apresentada a classificação dos bens digitais, o que importa agora é entender como e quais desses poderão ser herdados.

Na prática, os bens digitais, no direito de propriedade, são bens deixados pelo de cujus e serão transmitidos de forma imediata aos seus sucessores, demonstrando, assim, que os mesmos não passariam um instante sequer sem proprietário, levando, dessa forma, que o inventário ou busca por esses bens necessite de um conhecimento técnico na área de informática. Necessita, ainda, de uma legislação específica que se adeque ao cenário atual e ao futuro, que regulamente a atuação das empresas que dispõem destes bens digitais, de forma que estas não impeçam o acesso dos seus sucessores ao patrimônio virtual deixado pelo de cujus.

No testamento digital estão aglomerados todos os bens que o de cujus adquiriu em vida no meio virtual, como páginas em redes sociais, arquivos pessoais como fotos, vídeos, gravações armazenadas em nuvem, dentre outros arquivos digitais, adquiridos no âmbito virtual. O termo ‘testamento digital’ ainda não é reconhecido no ordenamento jurídico brasileiro, entretanto já é uma realidade que está cada vez mais presente no mundo atual. Algumas empresas dispõem de uma espécie de testamento quanto aos arquivos digitais deixados.

Zampier, entende que os bens digitais podem compor a sucessão, pois permitir que os herdeiros adquirem a propriedade dos bens digitais é cumprir com os direitos fundamentais, bem como com os ditames sucessórios. Destaca ainda este autor que pelo instrumento do testamento, já brevemente mencionado no presente trabalho, é possível que haja disposições de características patrimoniais e existenciais.

É claramente majoritário o entendimento de que a melhor forma de garantir a aquisição dos ativos digitais sejam eles patrimoniais, existenciais ou híbridos, é pelo instrumento de disposição de última vontade.

A ausência de disposição testamentária atrelada a ausência de legislação sobre como deve ser realizada a transmissão desses bens aos herdeiros, faz com que, conforme ensinamento de Zampier , as discussões acerca dos bens virtuais de caráter existencial sejam mais complexas, vez que a aquisição desses bens pode acarretar em lesão aos direitos da personalidade não só do morto como também dos terceiros que com ele mantiveram contato.

Exemplo da dificuldade para lidar com a questão jurídica da herança de bens digitais de caráter existencial seria o requerimento feito pelos herdeiros para ter acesso às contas pessoais do falecido, como os e-mails e as redes sociais. 

Fica evidenciado, portanto, que, a melhor maneira de garantir a proteção quanto a vedação ao acesso ou mesmo dispor a possibilidade de que os bens frutos da evolução tecnológica sejam herdados, é através do testamento, pois a última vontade do falecido será observada preliminarmente, buscando atingir a determinação que melhor represente a vontade da pessoa que se findou como estabelece o artigo 1.899 do Código Civil.

Como mencionado anteriormente, o direito brasileiro não detém de vedação para a disposição de bens digitais pelo falecido. No entanto, o que se pretende demonstrar com este trabalho é a insegurança jurídica existente em razão da ausência de legislação específica, pois da mesma forma que não há vedação, também não existem regras que estabeleçam o trâmite que deve ser adotado quando o assunto for especificamente a herança de bens digitais.

Com isso, atentos à evolução tecnológica e às implicações legais que podem acarretar, integrantes do Poder Legislativo têm buscado elaborar projetos de lei para dispor sobre a herança digital e é sobre esses projetos que o próximo tópico se fundamentará.

4.2   A AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO DOS BENS DIGITAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO) E OS PROJETOS DE LEI APRESENTADOS

No Brasil, ainda não existem normas que disciplinam a questão da herança digital, porém há propostas de lei (PL) que dialogam com o tema. Portanto, neste item, o objetivo será apresentar tais projetos de lei e seus respectivos conteúdos e fundamentos, levantando os principais pontos positivos e negativos desses textos, os avaliando à luz dos princípios que regem o ordenamento jurídico brasileiro.

Como visto anteriormente, existem alguns projetos de lei pátrios com disposições acerca do tema herança digital, conforme a seguir pontuados.

Projetos de Lei n.º 4.099/2012 e n.º 4.847/2012:

O Projeto de Lei n.º 4.099/2012, apresentado pelo Deputado Jorginho dos Santos Mello, em 20 de junho de 2012, pretende inserir alteração no artigo 1.788 do Código Civil, no sentido de autorizar o acesso de herdeiros a arquivos digitais de falecidos.

De acordo com o que foi proposto pelo referido deputado, passaria a constar no referido artigo, um parágrafo único, com a seguinte redação: “Art. 1.788. [...] Parágrafo único. Serão transmitidos aos herdeiros todos os conteúdos de contas ou arquivos digitais de titularidade do autor da herança.”. (BRASIL, 2012).

Durante a tramitação deste Projeto, ele foi apreciado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, sem serem apresentadas emendas. (BRASIL, 2012).

Em sua trajetória, foi apensado o Projeto de Lei n.º 4.847, de 12 de dezembro de 2012, criado por Marçal Filho, que previa, entre suas disposições, o acréscimo ao Código Civil do Capítulo II-A e artigos 1.797-A a 1.797-C, com as seguintes redações:

Capítulo II-A :

Da Herança Digital:

“Art. 1.797-A. A herança digital defere-se como o conteúdo intangível do falecido, tudo o que é possível guardar ou acumular em espaço virtual, nas condições seguintes:

I – senhas;

II – redes sociais;

III – contas da Internet;

IV – qualquer bem e serviço virtual e digital de titularidade do falecido.

Art. 1.797-B. Se o falecido, tendo capacidade para testar, não o tiver feito, a herança será transmitida aos herdeiros legítimos.

Art. 1.797-C. Cabe ao herdeiro:

I – Definir o destino das contas do falecido;

a) transformá-las em memorial, deixando o acesso restrito a amigos confirmados e mantendo apenas o conteúdo principal ou;

b) apagar todos os dados do usuário ou;

c) remover a conta do antigo usuário. (BRASIL, 2012).” 

Porém, após apensado o Projeto de Lei n.º 4.847/2012, o qual foi recebido pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, o mesmo foi arquivado pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, nos termos do artigo 163 cumulado com o artigo 164, parágrafo 4º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, os quais versam sobre os prejuízos da discussão no caso de existir matéria idêntica ou semelhante, cabendo o arquivamento definitivo caso a proposição seja dada como prejudicada. (BRASIL, 2012).

Prosseguiu em tramitação, então, somente o Projeto de Lei n.º 4.099/2012, sendo aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania em 2013, remetida ao Senado Federal, sendo lá arquivado em 2018, com base no artigo 332 do Regimento Interno do Senado Federal, que prevê o arquivamento dos Projetos de Lei ao final da legislatura. (BRASIL, 2012).

Projeto de Lei n.º 7.742/2017:

Em 30 de maio de 2017, foi apresentado o Projeto de Lei n.º 7.742/2017, a fim de dispor sobre a destinação das contas de aplicações de internet após a morte de seu titular, acrescentando, para tal, o artigo 10-A à Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), a conter as seguintes disposições:

“Art. 10-A. Os provedores de aplicações de internet devem excluir as respectivas contas de usuários brasileiros mortos imediatamente após a comprovação do óbito.

§1º A exclusão dependerá de requerimento aos provedores de aplicações de internet, e formulário próprio, do cônjuge, companheiro ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive.

§2º Mesmo após a exclusão das contas, devem os provedores de aplicações de internet manter armazenados os dados e registros dessas contas pelo prazo de 1 (um) ano, a partir da data do óbito, ressalvado requerimento cautelar da autoridade policial ou do Ministério Público de prorrogação, por igual período, da guarda de tais dados e registros.

§ 3º As contas em aplicações de internet poderão ser mantidas mesmo após a comprovação de óbito do seu titular, sempre que essa opção for possibilitada pelo respectivo provedor e caso o cônjuge, companheiro ou parente do morto indicados no caput deste artigo formule requerimento nesse sentido, no prazo de um ano a partir do óbito, devendo ser bloqueado o seu gerenciamento por qualquer pessoa, exceto se o usuário morto tiver deixado autorização expressa indicando quem deve gerenciá-la. (BRASIL, 2017).”

É notório que este Projeto de Lei está mais voltado à proteção dos direitos fundamentais como privacidade e intimidade, ao contrário dos Projetos anteriormente mencionados, que preveem a transmissão automática do patrimônio virtual aos herdeiros. (BRASIL, 2012, 2017).

Importante frisar que algumas dessas medidas, como exclusão de contas, já se encontravam em termos de uso de algumas aplicações da internet, como o Facebook, por exemplo, apesar de não uniformizadas, razão pela qual se propõe uma positivação por meio de legislação própria.

O Projeto de Lei n.º 7.742/2017 foi arquivado pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, nos termos do art. 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, que prevê o arquivamento dos projetos de lei que tenham sido submetidos à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação. (BRASIL, 2017).

Projeto de Lei n.º 5.820/2019:

O Projeto de Lei n.º 5.820/2019 trata da herança digital e inclui a possibilidade de realização de codicilo em vídeo no Código Civil, tendo sido desenvolvido pelos advogados Clodoaldo Moreira, Tiago Magalhães, Ângela Estrela e Marcos Niceas Rosa, em conjunto com o vereador Lucas Kitão.

Em outubro de 2019 a proposta foi apresentada ao Deputado Federal Elias Vaz, autor do texto na Câmara dos Deputados.

A proposta modifica o artigo 1.881 do Código Civil, que passaria a reger-se na seguinte forma:

“Art. 1.881. Toda pessoa capaz de testar poderá, mediante instrumento particular, fazer disposições especiais sobre o seu enterro, bem como destinar até 10% (dez por cento) de seu patrimônio, observado no momento da abertura da sucessão, a certas e determinadas ou indeterminadas pessoas, assim como legar móveis, imóveis, roupas, joias entre outros bens corpóreos e incorpóreos.

§1º A disposição de vontade pode ser escrita com subscrição ao final, ou ainda assinada por meio eletrônico, valendo-se de certificação digital, dispensando-se a presença de testemunhas e sempre registrando a data de efetivação do ato.

§2º A disposição de vontade também pode ser gravada em sistema digital de som e imagem, devendo haver nitidez e clareza nas imagens e nos sons, existir a declaração da data de realização do ato, bem como registrar a presença de duas testemunhas, exigidas caso exista cunho patrimonial na declaração.

§3º A mídia deverá ser gravada em formato compatível com os programas computadorizados de leitura existentes na data da efetivação do ato, contendo a declaração do interessado de que no vídeo consta seu codicilo, apresentando também sua qualificação completa e das testemunhas que acompanham o ato, caso haja necessidade da presença dessas.

§4º Para a herança digital, entendendo-se essa como vídeos, fotos, livros, senhas de redes sociais, e outros elementos armazenados exclusivamente na rede mundial de computadores, em nuvem, o codicilo em vídeo dispensa a presença das testemunhas para sua validade.

§5º Na gravação realizada para fim descrito neste dispositivo, todos os requisitos apresentados tem que ser cumpridos, sob pena de nulidade do ato, devendo o interessado se expressar de modo claro e objetivo, valendo-se da fala e vernáculo Português, podendo a pessoa com deficiência utilizar também a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) ou de qualquer maneira de comunicação oficial, compatível com a limitação que apresenta. (BRASIL, 2019).”

 

A justificativa do referido Projeto de Lei ressalta que uma parte do patrimônio da maioria das pessoas encontra-se nos espaços virtuais e que o direito da personalidade, como é sabido, é vitalício. (BRASIL, 2019).

Além disso, a justificativa menciona a pequena quantidade de discussões sobre o tema herança digital, necessitando, desta forma, de legislações acerca do mesmo, principalmente, no que se refere às disposições em vida, para gerenciamento e transmissão dos bens digitais após a morte de seu titular. (BRASIL, 2019).

Ainda, o mencionado Projeto traz mecanismos para a realização de testamento pelo meio digital, bem como conceitua o que seria a herança digital, não trazendo, contudo, disposições acerca da transmissibilidade ou não da herança digital aos herdeiros após a morte do de cujus. (BRASIL, 2019).

Atualmente, o referido Projeto está aguardando parecer do Relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), tendo sido despachado em 26/11/2019, aguardando até hoje o referido parecer. 

5.     CONCLUSÃO

Conclui-se que este trabalho não tem a intenção de provocar o sistema legislativo a modo que ele crie leis e entendimentos específicos acerca do tema. Até mesmo que não se compare a velocidade da era digital com o entendimento jurídico doutrinário.

Outrora, visamos que o legislativo se torne um poder mais efetivo, de modo que se faça valer das leis já existentes no qual corrobora e disciplina o instituto da era digital.

A virtualização da sociedade, e um crescimento sem fim, tendo em vista o acesso à internet da população, da mesma forma, os poderes judiciário e legislativo se tornam incapazes, portanto, devemos ter consciência e educação, a fim de regularizar mais as relações de consumo.

O Direito tem como objetivo principal regulamentar sobre as mudanças comportamentais e culturais da sociedade, a modo que o legislativo se torna inviável a que se compara com os avanços tecnológicos.

Outrora temos que pensar de uma forma mais ampla sobre a ideia de morte, que para uns é o fim de uma era, mas que para outros é um novo ciclo que se inicia. E no direito não é diferente, a personalidade de fato acompanha o falecido vindo a acabar, porém o direito patrimonial se torna efetivo para os que ficam criando um certo dever de obrigação ao qual vai se destinar.

O direito na sua evolução se fez presente de acordo com a sua necessidade, no qual não deve parar, haja vista os avanços não só tecnológicos, mas sim culturais da sociedade.

Vivemos hoje em uma era moderna a era da informação, portanto é necessário que o direito se adeque a sociedade, que seus doutrinadores se tornem mais presentes a fim de se buscar a verdadeira justiça.

 Ainda assim, temos entendimento de doutrinadores, que vislumbram que o ramo do direito civil é capaz de disciplinar o instituto do direito sucessório, em específico o patrimônio digital, porém com os grandes avanços tecnológicos acabam que determinadas matérias abrem lacunas na lei ao fim do que se julga.

É importante ressaltar que o presente trabalho não tem o intuito de criação de um novo instituto, mas a regulamentação de leis mais específicas, e uma verdadeira importância ao tema.

Do mesmo modo que o direito de personalidade fica eternizado nos meios tecnológicos, em suas publicações, fotos, post, comentários. Redes sociais e etc. em especial o direito à reputação não se leva junto da morte, se considera transmissível com a herança, portanto é uma matéria de extrema importância.

Na Constituição Federal está discriminado a proteção do indivíduo, e na confidencialidade de suas informações, com isso o acesso aos e-mails por exemplo de um falecido, vem acoplado de um justo motivo para que seu pedido seja deferido.

Por fim, e trazendo a questão acima narrada, gostaríamos que o tema fosse enquadrado com mais relevância, de modo que a era digital está cada vez mais perto de nós, e com a sua crescente evolução, pedimos que o patrimônio ou bem digital do falecido seja integrado à sua herança.

6.       REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LARA, Moises Fagundes. HERANÇA DIGITAL. 1 ed. Porto Alegre: Clube de autores ,2019.

CADAMURO, Lucas Garcia. PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE E A HERANÇA DIGITAL. 1 ed. Juruá Editora,2019.

ZAMPIER,Bruno. BENS DIGITAIS.1 ed.São Paulo.Foco,2017.   

PINHEIRO, Patrícia Peck. DIREITO DIGITAL.6 ed.Saraiva,2016.  

PEREIRA, Gustavo Santos Gomes. HERANÇA DIGITAL NO BRASIL.1 ed. Lúmen Júris,2018.

MIGALHAS. Herança digital e sucessão legítima – primeiras reflexões. Disponível em: https://migalhas.uol.com.br/coluna/familia-e-sucessoes/288109/heranca-digital-e-sucessao-legitima---primeiras-reflexoes .

Acesso em:  12 de outubro de 2020.

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