Uma análise da coautoria no crime de infanticídio

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O artigo busca refutar a possibilidade de coautoria no que diz respeito ao chamado infanticídio, de modo que o coautor não deve ser penalizado com uma pena mais branda do que aquela cominada para o homicídio.

Resumo

O presente artigo busca refutar a possibilidade de coautoria no que diz respeito ao chamado infanticídio, delito previsto no artigo 123 do Código Penal Brasileiro. É notório, que se aproveitando da fragilidade da mãe sob o estado puerperal, o terceiro não deveria se valer da benesse envolvendo a temática, isto é, não deve enquadrar-se no tipo penal correspondente ao infanticídio, mas sim no crime de homicídio, previsto no artigo 121 do referido código. Dito isso, cumpre assinalar que quando se trata de crimes com concurso de pessoas, o Código Penal Brasileiro adota a teoria monista. Todavia, o crime em questão é considerado pelos doutrinadores como crime próprio. Isto é, somente a mãe pode cometê-lo. Além disso, para que a genitora responda pela pena mais branda, esta deve estar sob o estado puerperal (elementar do crime). Fato é, o indivíduo que tem a audácia de utilizar-se do estado em que se encontra a genitora, visando aniquilar a vida da criança, não deve ser penalizado com uma pena mais branda do que aquela cominada para o homicídio.

Palavras-Chave: Infanticídio, Estado Puerperal, Vida.

INTRODUÇÃO

O crime de infanticídio é aquele em que a mãe ceifa a vida do seu próprio filho, podendo ocorrer durante ou logo após o parto, sob a influência do estado puerperal, na qual somente a mãe é o sujeito ativo/agente, nesse raciocínio é o entendimento da doutrina majoritária penalista.

No Código Penal Brasileiro de 1940, a prática do delito é punível com a pena de detenção de 2 a 6 anos, contudo, o que se busca com o presente artigo é refutar/demonstrar que não é cabível aplicar a mesma tipificação penal (pena) para o suposto coautor do referido crime, consoante ao artigo 123.

Tendo em vista, que o crime é próprio e exige uma elementar, ou melhor, reclama que seja a mãe o sujeito ativo e que esta esteja sob o estado puerperal, assim, é possível afirmar que o estado puerperal supracitado não é transferível para terceiro. Biologicamente falando, não é possível que uma mesma criança tenha duas mães, conquanto, conjetura-se, que aquele terceiro (coautor) tem de ser penalizado pelo delito de “homicídio”.

     Sendo assim, é cristalino, bem como é viável que o terceiro coautor seja punido pelo crime de homicídio, conforme será demonstrado no presente artigo.

1- PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL - DO DIREITO À VIDA

Para entrarmos na discussão central do tema, o tipo penal do infanticídio e seu alcance, se faz necessário evidenciar algumas considerações sobre alguns princípios.

Destaca-se, que a Constituição Federal de 1988 preconiza em seu art. 60, § 4º, algumas cláusulas pétreas, dentre elas, podemos citar os direitos e garantias individuais. É cediço, que as cláusulas pétreas, são um dispositivo constitucional inalterável, que não pode sofrer revogação, e tem por objetivo impossibilitar o surgimento de inovações imprudentes.

Dito isso, preceitua o art. 60, §4º da Constituição Federal que a proposta de emenda constitucional tendente a abolir este preceito não será objeto de deliberação. In verbis.

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

(...)

§4ºNão será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I- a forma federativa de Estado;

II- o voto direto, secreto, universal e periódico;

III- a separação dos Poderes;

III- os direitos e garantias individuais.

Nesse viés, é importante mencionar, que uns dos direitos mais relevantes são os direitos individuais, estes que são os direitos ligados ao ser humano e à sua personalidade, como à vida, à igualdade, à dignidade, à segurança, à honra, à liberdade e à propriedade.

   Nas palavras do ilustríssimo doutrinador Paulo Gustavo Gonet Branco, conceituando vida.

A existência humana é o pressuposto elementar de todos os demais direitos e liberdades disposto na Constituição e que esses direitos têm nos marcos da vida de cada indivíduo os limites máximos de sua extensão concreta. O direito à vida é a premissa dos direitos proclamados pelo constituinte; não faria sentido declarar qualquer outro se, antes, não fosse assegurado o próprio direito estar vivo para usufruí-lo. O seu peso abstrato, inerente à sua capital relevância, é superior a todo outro interesse. (BRANCO, 2010, p.441).

    Ato contínuo, o doutrinador Alexandre Moraes, dispõe que o direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos”. (MORAIS, 2003, p.63).

Perpassa, que o direito à vida, é o responsável pela existência dos demais direitos, todavia, desde os primórdios da humanidade, percebe-se a luta pela manutenção desse direito, na medida em que o direito a vida é considerado uns dos direitos mais violados da atualidade, vez que é observado pelos jornais, revistas, noticiários, dentre outros, o ceifamento de vidas de forma cotidiana.

Isto posto, o direito à vida, não pode ser desrespeitado, e uma vez desrespeitado, o agente que o viola, incorre na responsabilização criminal.

                     Diante do explanado, averigua-se, que no Código Penal Brasileiro está disposto em seu art.121, a pena por matar alguém, in verbis “matar alguém: pena- reclusão, de seis há vinte anos”.

Sendo assim, resta evidente que o agente/autor do supracitado crime, além de responder criminalmente, viola preceito de direito fundamental.

1.1 - DO HOMICÍDIO 

 Em síntese o crime de homicídio que está previsto no Código Penal em seu artigo 121 no Capítulo I- Dos Crimes Contra a Vida, na qual dispõe “matar alguém: pena - reclusão, de seis a vinte anos''. 

Tal crime contra a vida é subjetivo, isto é, podendo ocorrer por dolo ou culpa do agente ativo, ao contrário do crime de infanticídio que prevê somente o dolo pelo agente ativo contra o agente passivo. Além disso, é dividido em três espécies, quais sejam: simples, privilegiado e qualificado.

Nesse diapasão, impende destacar o entendimento do ilustre doutrinador Guilherme Nucci, ao relembrar a importância do direito à vida:

Lembremos que a história do homicídio é, no fundo, a mesma história do direito penal. Com efeito, em todos os tempos e civilizações e em distintas legislações, a vida do homem foi o primeiro bem jurídico tutelado, antes que os outros, desde o ponto de vista cronológico, e mais que os restantes, tendo em conta a importância dos distintos bens. (Nucci, 2014, pág.509).

                Portanto, é nítido que a vida é o bem maior tutelado pelo Estado, por conseguinte, o art. 121 do Código Penal, traz a sanção para aqueles que violarem o direito a vida de outrem, contudo, tal normativa não incide aos partícipes e coautores no crime de infanticídio, ainda que que esses tenham violado o direito à vida de outrem, conforme já explanado anteriormente. 

2 - DO CRIME DE INFANTICÍDIO

2.1 - BREVE APANHADO HISTÓRICO

   Preliminarmente, cabe mencionar que nos primórdios da humanidade, mais precisamente, no Direito Romano quando a mãe praticava o crime, tal conduta era considerada parricídio, “parricídio consiste no ato de um filho matar seu próprio pai”.

No entanto, quando se tratava do pai, segundo Fustel de Coulanges, esse não incidia em delito, já que era titular do jus vitae acnecis, a lei das XII Tábua (Séc. V a.C), este tinha o direito de matar, até porque vivia-se em uma sociedade patriarcalista, o pai era considerado o superior, o chefe hierárquico. Como se não bastasse, os filhos eram submissos à autoridade paterna, que podia fazer o que bem entendesse com estes, o que é ultrajante.

                  Por esse ângulo, o crime de infanticídio era visto como um direito, na medida em que se autorizava a morte do filho nascido disforme ou monstruoso.

Posteriormente, o crime passou a ser punido de forma cruel, como preceitua Magalhães Noronha  (Direito Penal, v.2, p.42):

[...] Para casos tais (infanticídio), lembra Magalhães Noronha que o passado previa punições atrozes, como coser o condenado em um saco com um cão, um galo, uma víbora e uma macaca, lançando-o ao rio, ou, como estatuído na Ordenação de Carlos V, o sepultamento do criminoso em vida, o seu afogamento, empalhamento ou dilaceração com tenazes ardentes. (Direito Penal, v. 02, p. 42, apud CUNHA, 2015, pág. 78).

                     Contudo, atualmente o crime é denominado pela doutrina como crime privilegiado do homicídio, vez que se observa os sintomas fisiopsicológicos da gestante.

2.2 - INFANTICÍDIO

  Adentrando-se, no foco da pesquisa, ou melhor, no crime de infanticídio, é imprescindível salientar, que o infanticídio, é regido pelo artigo 123 do Código Penal.

Averiguando suas características principais, percebe que, trata-se de uma verdadeira privilegiadora do tipo penal de homicídio em sua forma dolosa, já que, assim como o relevante valor social ou moral, refere-se de verdadeira cláusula de exigibilidade diminuída legalmente, concretizada quando há o assassinato de outro ser humano, isto é, o neonato.

  Deve-se ressaltar, entretanto, que é tipo próprio e autônomo, tendo status equivalente ao de homicídio privilegiado.

Vejamos, o tipo penal:

Artigo 123: Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: 

Pena – detenção, de 2 a 6 anos.

  Não é demais esclarecer, que é necessária a configuração de diversos requisitos para a sua consumação, na medida em que o sujeito ativo deve ser a mãe do sujeito passivo, estar passando por um processo fisiopsicológico denominado “estado puerperal”, e que mate o filho dentro de um curto período de tempo que abrange a duração do parto ou logo após a sua ocorrência.

Sendo assim, entende-se que se algum desses elementos constantes na figura típica for excluído, falaríamos que tal crime se refere ao crime de homicídio.

Nesse diapasão, destaca-se que para que haja o crime em questão é imprescindível, os requisitos inafastáveis do infanticídio: que o sujeito ativo seja a mãe, que a mãe/autora esteja sob a influência do estado puerperal; e que o crime seja cometido durante o parto ou logo após.

 Quanto aos dois limites temporais, quais sejam, a) durante o parto; e, b) logo após o parto, conclui-se, que no primeiro somente no início do parto há a possibilidade de configurar o infanticídio, já que antes desse marco temporal, falaríamos do crime de aborto, quanto ao segundo, diz a doutrina que o ideal seria interpretar a luz do princípio da razoabilidade, (GRECO, 2012, p. 296).

 Segundo o entendimento do doutrinador Victor Eduardo R. Gonçalves, o estado puerperal faz com que a mãe-autora do crime-objeto reduza sua capacidade:

A perturbação psíquica da mulher decorrente do estado puerperal apenas reduz sua capacidade de entendimento e, por essa razão, ela é punida, porém, com uma pena menor. (GONÇALVES, 2017, pág. 60).

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    Frente ao explanado, é importante salientar, que o objeto jurídico do infanticídio é o direito à vida do infante que está nascendo com vida ou que já nasceu com vida, conforme ensinamentos de Damásio de Jesus:

O objeto jurídico do crime de infanticídio é o direito à vida. Nos termos do art. 123 do CP, o fato é cometido pela mãe durante o parto ou logo após. Diante disso, o direito à vida que se protege é tanto o do neonato como o do nascente. Neonato, o que acabou de nascer; nascente, o que é morto durante o parto. (JESUS, 2010 , p. 138).

                      Desta maneira, não é necessário, segundo a doutrina de Bitencourt:

A existência de vida autônoma para sua caracterização, bastando a biológica: É indiferente a existência de capacidade de vida autônoma, sendo suficiente a presença de vida biológica, que pode ser representada pela existência do mínimo de atividades funcionais de que o feto já dispõe antes de vir à luz, e das quais é o mais evidente atestado a circulação sanguínea. (BITENCOURT, 2003, pág. 139).

  Por essa perspectiva, basta que o indivíduo, ora filho(a), nasça com vida para se tornar a possível vítima da própria genitora, que extermina a vida deste, ante o estado puerperal.

3 - CLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE INFANTICÍDIO SEGUNDO A DOUTRINA

A doutrina majoritária classifica o crime de infanticídio como crime próprio que deve ser praticado pela mãe, mas permite o concurso de pessoas; de forma livre, pois admite qualquer meio de execução; comissivo ou omissivo; material, pois somente se consuma com a morte do infante, instantâneo, uma vez que se consuma em determinado momento, sem continuidade no tempo de dano; unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual, já que pode ser cometido por uma pessoa, mas admite o concurso; progressivo, tendo em vista que antes da morte da vítima deve obrigatoriamente experimentar lesões.

 Todavia, perpassa que o crime de infanticídio é tema de decorrentes debates por diversos doutrinadores, dado que a coautoria pode ser equiparada ao crime de homicídio privilegiado.

Neste sentido, é importante observar a definição dada por Nucci em seu livro Manual do Direito Penal - Ed.15 - 2019, sobre a coautoria da qual é aquela que “é a pessoa, que juntada com outras, ingressa no tipo penal, em qualquer de seus aspectos”, ou seja, o partícipe/cúmplice.

 Neste passo, perfaz a ideia de que a participação do coator é como se fosse uma semi- imputabilidade, da qual fora tratada “como criação de um tipo especial”.

        Dessa forma, preceitua Guilherme Nucci:

Seja cometida durante o parto ou logo após, embora sem fixar um período preciso para tal ocorrer [...] Levamos em consideração que a expressão “logo após” encerra imediatidade, mas pode ser interpretada em consonância com a “influência do estado puerperal”, embora sem exageros e sem a presunção de que uma mãe, por trazer consigo o inafastável instinto materno, ao matar o filho, estaria ainda, mesmo que muitos dias depois do parto, cometendo um infanticídio. (NUCCI, 2019, pág.519).

E ainda, segundo os ensinamentos de Fernando Capez, o crime de infanticídio é aquele composto pela “mãe (crime próprio); matar; o próprio filho; durante o parto ou logo após; sob influência do estado puerperal. É o crime em que a mãe mata o próprio filho, durante o parto ou logo após, sob influência do estado puerperal” (CAPEZ. 2011. pág.383)

A decorrência dos debates acerca do crime de infanticídio trazida por Nucci é quanto à coautoria, tendo em vista que os legisladores teriam cometido uma falha/injustiça na Lei Penal, dessa forma, atenuando o coautor com uma pena mais branda, da qual deveria ter sido tipificado.

Além disso, não se pode olvidar que Nucci trouxe o entendimento do doutrinador Paulo José da Costa Junior, sobre a comunicabilidade em seu Manual de Direito Penal. Note:

Diante dos termos precisos do art. 30 do CP, entretanto, é inadmissível outro entendimento. A regra, aí inserida, é a de que as circunstâncias e as condições de caráter pessoal não se comunicam. E a exceção, constante da parte final do dispositivo, determina que haverão elas de comunicar-se, desde que elementares do crime. Ora, in casu, o estado puerperal, embora configure uma condição personalíssima, é elementar do crime. Faz parte integrante do tipo, como seu elemento essencial. Logo, comunica-se ao coautor. Aquele que emprestar sua cooperação à prática do infanticídio é infanticida, e não homicido. [(Direito penal – Curso completo, p. 263-264) NUCCI, 2019, pág.305].

          Outrossim, Capez aborda sobre a comunicabilidade da coautoria. Observe:

Todos os componentes do tipo, inclusive o estado puerperal, são, portanto, elementares desse crime. Assim, em regra, comunicam-se ao coautor ou partícipe, salvo se ele desconhecia a sua existência, evitando-se a responsabilidade objetiva. Diferentes, porém, poderão ser as consequências, conforme o terceiro seja autor, coautor ou partícipe. (CAPEZ. 2011. pág.383).

   Dessa forma, resta límpido que doutrinadores entendem que havendo a comunicabilidade das elementares do crime, será aplicado o art. 123, qual seja, o infanticídio.

  O que é infame, e controverso, levando-se em consideração que somente a genitora pode configurar com o sujeito ativo (crime próprio), sob a influência do estado puerperal, esta que é uma circunstância elementar do crime, e durante o parto ou logo após.

  Como se não bastasse, além dos requisitos supramencionados, é imprescindível a vontade livre e consciente da mãe de produzir o resultado morte, ou até mesmo assumir o risco de culminar a vida do próprio filho. Não cabe, portanto, modalidade culposa, uma vez que o estado puerperal influencia a vontade do sujeito ativo.

 Em razão disso, é possível afirmar que está presente um erro quanto à coautoria do crime de infanticídio, vez que o tipo penal traz circunstâncias únicas para o tipo, bem como é conceituado pela doutrina que no referido tipo, há existência de elementares personalíssimas, que não se confunde com os pessoais, já que essas seriam transmissíveis.

   Para corroborar com esta explanação, contemple o entendimento de Guilherme de Souza Nucci “é delito próprio (só pode ser cometido por agente especial, no caso a mãe).

No caso presente co-autores e partícipes respondem igualmente por infanticídio, embora presente a injustiça, que poderia ter sido corrigida pelo legislador. (NUCCI, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado, 5 ed., Revista dos Tribunais,2005).

     Igualmente nesse prisma o respeitável Fernando Capez, doutrinou a corrente arguida por alguns autores em que não há a comunicabilidade das circunstâncias pessoais das personalíssimas, observe:

Para essa corrente, o estado puerperal, apesar de elementar, não se comunica ao partícipe, que responderá por homicídio, evitando que se beneficie de um privilégio imerecido. Apesar de aparentemente mais justo, esse entendimento não tem amparo legal, pois o art. 30 não distingue entre elementares pessoais e personalíssimos. Sendo elementar, comunica-se, salvo quando desconhecida. (CAPEZ,2012, pág. 382).

     Logo, é evidente que o estado puerperal é um estado pertencente somente a mãe, isto é tecnicamente, uma circunstância pessoal, restando controverso a possibilidade de extensão a terceiro, que irá se beneficiar do tipo penal infanticídio.

     A incomunicabilidade sustentada por alguns doutrinadores, é fundamentada na teoria extraneus, na qual o partícipe ou coautor irá responder pelo tipo penal do homicídio, haja vista se tratar de uma condição pessoal (que teoricamente deveria ser somente da mãe):

O estado puerperal é uma condição pessoal e, não uma elementar normativa, portanto, diante do art. 30 do Código Penal, o extraneus participe ou coautor, responderá pelo injusto de homicídio. (CAPEZ, 2012, pág. 252).

   Destarte, que nas circunstâncias personalíssimas, importam ao autor um privilégio, por isso a influência do estado puerperal, como também ser a mãe a autora do crime, caracteriza o privilégio do crime, que não deveria se comunicar com os cooperadores, assim, estes deveriam responder pelo tipo comum do crime, isto é, pelo homicídio.

3.1 - INFLUÊNCIA DO ESTADO PUERPERAL

     Estado puerperal, é o tempo em que a mulher se recupera do parto, é cediço que com o nascimento do filho ocorre várias mudanças físicas, psicológicas, isso faz com que a mãe tenha uma mudança repentina de atitudes, segundo o Jorge de Rezende, obstetrícia:

(...) e o período cronologicamente variável, de âmbito impreciso, durante o qual se desenrolam todas as manifestações involutivas e de recuperação da genitália materna havidas após o parto. Há, contemporaneamente, importantes modificações gerais, que perduram até o retorno do organismo às condições vigentes antes da prenhez. A relevância e a extensão desses processos são proporcionais ao vulto das transformações gestativas experimentadas, isto é, diretamente subordinada à duração da gravidez (...). (REZENDE, 1998, pág. 373).

     Levando-se em consideração este posicionamento, indaga-se, como é possível constatar este estado puerperal? Existe um modo correto de se constatar este referido estado? É cediço, que nos processos judiciais quando o juiz carece de algum conhecimento específico para dizer a quem pertence o direito alegado, utiliza-se dos auxiliares do juízo, isto é, de peritos. 

  Em que pese tal informação, é importante salientar que a jurisprudência dispensa a perícia médica para a constatação do estado puerperal, sob o argumento de que este é efeito normal e corriqueiro de qualquer parto. Dirceu Barros, diz:

(...) o entendimento da jurisprudência majoritária é no sentido da dispensa da perícia médica para a constatação do estado puerperal, visto que este é efeito normal e corriqueiro de qualquer parto. O que na realidade existe é uma presunção iuris tantum, ou seja, até que se prove ao contrário, a mulher após o parto tem perturbações psicológicas e físicas, geralmente normais, mas, quando intensas causa um distúrbio tão grande que a mulher pode eliminar o neonato. (...).  (BARROS, 2007, p.125).

     Diante do exposto, resta evidente a dificuldade em se constatar o estado puerperal, todavia, pode-se afirmar que em nenhum momento doutrinadores, como também o obstetra mencionou se este supramencionado estado é transmitido a terceiros, aqui traz uma referência clara da mãe estar sob o estado puerperal durante ou após o parto.

4 - CONCURSO DE PESSOAS 

            É cediço que os crimes podem ser cometidos por uma ou mais pessoas que concorrem para a concretização do tipo penal. Nos casos em que há participação de duas ou mais pessoas, afirma-se que estamos diante do chamado Concurso de Pessoas, circunspecto pelo art. 29 do Código Penal, entreveja:

Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

§ 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.

§ 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.

   O concurso de pessoas tem como definição a ciente e voluntária participação de duas ou mais pessoas na mesma infração penal. Não é necessário acordo prévio de vontades: basta que sejam uniformes e que conjuntamente busque o mesmo fim, isto é, a concretização do tipo penal.

       Segundo Nucci, o concurso de pessoas é aquele em que há "cooperação desenvolvida por mais de uma pessoa para o cometimento de uma infração penal” (Manual do Direito Penal, pág. 294), logo, trata-se de uma modalidade em que há existência de mais de um agente, para mais há existência de coautores (aquele manda executar o crime) ou partícipes (aquele agente que colabora para o resultado, sem ter praticado o crime). 

       Nesse diapasão tem-se a existência de três correntes, três teoria no que concerne ao concurso de pessoas, quais sejam: teoria unitária, teoria pluralista e a teoria dualista. Observe do entendimento do professor Nucci, quanto a cada uma das teorias supracitadas:

Teoria unitária (monista ou monística): havendo pluralidade agentes, com diversidade de condutas, mas provocando-se um resultado, há somente um delito; Teoria pluralista (cumplicidade de delito distinto ou autonomia da cumplicidade): havendo pluralidade de agentes, com diversidade de condutas, ainda que provocando somente um resultado, cada agente responde por um delito; Teoria dualista: havendo pluralidade de agentes, com diversidade de condutas, causando um só resultado, deve-se separar os coautores, que praticam um delito, e os partícipes, que cometem outro. (Nucci, 2014, pág. 294).

   Diante disso, ressalta-se que a primeira teoria, qual seja, teoria unitária/monista é aquela adotada, em regra, pelo Código Penal Brasileiro. Damásio de Jesus, também preceitua a referida teoria, qual seja, monista. Observe:

O dispositivo emprega o termo crime no singular, demonstrando que todos os concorrentes respondem por fato típico único. (Jesus, 2014, paǵ. 453).

    De mais a mais, é necessário que esteja presente os seguintes requisitos para sua caracterização: - existência de dois ou mais agentes, - relação de causalidade material entre as condutas desenvolvidas e o resultado, - vínculo de natureza psicológica ligando as condutas entre si, - reconhecimento de prática da mesma infração para todos e - existência de fato punível.

4.1 - CONCURSO DE PESSOAS NO CRIME DE INFANTICÍDIO

  Cumpre evidenciar, que a análise do crime de infanticídio à luz do concurso de pessoas, é um tema muito complexo e contravertido, como se não bastasse percebe-se muita dissentimentos na doutrina quanto sua aplicação. 

     Frente ao exposto, a problemática diz respeito ao delito, “matar sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante ou logo após o parto. Pena – detenção de dois a seis anos”, deixando-o como tipo autônomo no Código Penal, o que é uma controversa já que, o ordenamento jurídico fez com que outros indivíduos se beneficiassem da privilegiadora quando em concurso com a genitora.

   Diante disso, surge a problemática, mais precisamente a definição sui generis criada por Nelson Hungria em sua defesa da não comunicabilidade da elementar, qual seja: sob a influência do estado puerperal, que é um caráter personalíssimo não transmitido a terceiros, o que evita a incidência do art. 29, Código Penal.

 Ante o exposto, conclui-se que aquele terceiro não pode se valer da benesse, a fim de responder pelo crime privilegiado, na medida em que este não estar sob a influência do estado puerperal, e tampouco é a mãe do neonato.

     Nesse sentido já se posicionou Heleno Fragoso em sua obra, Lições de Direito Penal:

O infanticídio constitui homicídio privilegiado porque a ação de matar o próprio filho é praticada pela mãe sob a influência do estado puerperal. Surgem, em consequência de tal elemento, problemas difíceis relativamente à participação e à co-autoria. Trata-se de saber se os que eventualmente participam da ação praticam o crime de infanticídio ou o de homicídio. Em face do nosso Direito, importantes autores entendem que a regra do art. 30, do CP, impõe a solução que admite a participação e a co-autoria. Assim, responderia por infanticídio, portanto, quem auxilia a mãe a matar o próprio filho e também executa o crime a seu pedido, por lhe faltarem forças ou coragem. Entendemos que deve ser adotado a lição de Hungria, fundada no Direito suíço, segundo qual o concurso de agentes é inadmissível. O privilégio se funda concurso de agentes é inadmissível. O privilégio se funda numa diminuição da imputabilidade, que não é possível estender aos partícipes. Na hipótese de co-autoria (realização de atos de execução por parte de terceiro), parece-nos evidente que o crime deste será o de homicídio. (FRAGOSO, 1995, p. 57).

  Neste seguimento, chega-se à conclusão de ser imprescindível a modificação do tipo penal, modificando o texto legal do art. 123, Código Penal, para que passe a constar, que aquele que concorre com a mãe, responderá pelo crime de homicídio, e/ou passar a incidir no art. 121, Código Penal a privilegiadora do infanticídio, o que já é defendido por grandes doutrinadores, como por exemplo, Rogério Greco e Damásio de Jesus, senão vejamos:

Para nós, a solução do problema está em transformar o delito de infanticídio em tipo privilegiado de homicídio. Assim, na definição do art. 121, CP teríamos duas formas de atenuação da pena. A primeira, já contida no §1º, referentes aos motivos de valor moral ou social e domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima. A segunda causa do privilégio seria a do infanticídio. Dessa forma, o delito autônomo do art. 123 seria transformado em causa de atenuação de pena do homicídio, no lugar onde se encontra hoje o homicídio qualificado (§2º). Assim, a influência do estado puerperal e a relação de parentesco não seriam mais elementares do crime, mas circunstâncias de ordem pessoal ou subjetiva. E, nesse caso, incomunicáveis na hipótese do concurso de pessoas. (JESUS, 2010, p. 143).

  Perante o exposto, acredita-se que a justiça seria finalmente alcançada com maestria, de modo que aquele terceiro não se beneficia com a pena mais branda, tendo em vista que por esta concepção não seria permitido a comunicabilidade das elementares!

5 - CONCLUSÃO

Este artigo teve por objetivo primordial refutar a ideia de que se possa existir concurso de pessoas no crime de infanticídio, bem como buscar uma possível resolução da problemática relacionada ao supramencionado crime. 

 O crime de infanticídio, de modo sucinto, nada mais é, do que o crime de homicídio privilegiado, e quando analisado de forma isolada, apresenta uma incongruência de problemas, vez que o estudo realizado evidenciou um conflito entre o direito escrito, legislado e frio, e a justiça como princípio moral.

Tal conflito, pode ser percebido pela probabilidade de haver concurso de pessoas no referido tipo penal, por ter um carater de homicídio privilegiado, qualquer um que recebesse o benefício da pena imposto no crime de infanticídio, por unir esforços com a mãe, estaria recebendo uma condenação injusta aos olhos da sociedade.

Dito isso, faz-se-àr necessário solucionar este impasse, já que, conforme visto anteriormente, entende-se descabido a possibilidade de se existir concurso de pessoas no infanticídio pela incomunicabilidade das elementares.

Diante do exposto, conclui-se que a solução ideal para o caso seria à alteração legislativa do próprio tipo (infanticídio), tornando o crime de infanticídio uma privilegia dora do homicídio, onde a mãe, tão somente esta, sob o estado puerperal, ceifando o próprio filho, durante ou logo após o parto, recebesse a benesse da pena mais branda, e/ou ainda, acrescentar no tipo penal de infanticídio um parágrafo único, que positivasse a todo aquele que de alguma forma concorresse para o crime, respondesse pelas penas cominadas no crime de homicídio, respeitando sua culpabilidade.

Alcançando, assim, a justiça com virtuosidade!

REFERÊNCIAS

BARROS, Francisco Dirceu. Direito Penal - Parte Especial. Vol. 1, Rio de Janeiro: Campus, 2007. Pág. 125

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal - Parte Geral - Vol. 1. Ed 24. Brasil, Saraiva, 2018.

CAPEZ, Fernando Curso de direito penal, volume 1, parte geral : (arts. 1º a 120) / Fernando Capez. — 16. ed. — São Paulo : Saraiva, 2012. 1. Direito penal I. Título.

CÓDIGO PENAL, Comentado Doutrina e Jurisprudência/Acacio Miranda da Silva Filho...[et al.]; coordenadores Mauricio Schaun Jalil, Vicente Greco Filho, 3.ed. – Barueri São Paulo.

CÓDIGO PENAL, Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 1940.

DA, COSTA, Álvaro M. Direito Penal - Parte Especial - Vol. IV, 6ª edição. Grupo GEN, 2008.

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Sobre as autoras
Camila da Silva Machado

Estudante de direito.

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