A perseguição (desnecessária) ao Serial Killer foragido

18/06/2021 às 21:34
Leia nesta página:

Analisa os problemas decorrentes da flexibilização ou má aplicação da legislação penal que acaba por permitir que criminosos perigosos permanecem em liberdade

Ganhou repercussão nacional a perseguição ao “serial killer” (cujo nome não será aqui reproduzido), que está foragido em região de mata do Distrito Federal e Goiás. Este foragido, ao que consta, tem extensa ficha criminal, e já teria fugido da cadeia por pelo menos três vezes (de acordo com notícias divulgadas).

 

Até este momento (18/06/2021), já se vão quase dez dias de perseguição, e mais de trezentos Agentes das Forças de Segurança estariam empenhados na missão de captura.

 

A pergunta intrigante, no caso, é: esta perseguição seria realmente necessária?

 

A resposta a esta pergunta exige uma análise da legislação penal, processual penal, e de execução penal vigente no país, aliado aos incontáveis entendimentos jurisprudenciais proferidos pelas Cortes de Justiça.

 

De maneira resumida, e ainda que respeitando as opiniões em contrário, a conclusão é a de que, em algumas situações a legislação é permissiva, e acaba por admitir a concessão de benefícios indevidos aos que delinquiram. E, de outro ângulo, os órgãos julgadores, por meio de interpretações por muitos chamada de “garantista”, inclinam-se por inclusive ampliar o rol de garantias penais existentes (e realmente necessárias para se evitar arbitrariedades estatais), criando outras tantas franquias que não estão expressamente previstas em lei.

 

O resultado disso é insegurança jurídica, e o mais grave, o deferimento de benefícios penais a criminosos perigosos. Interpretações estas, muitas vezes lastreadas em concepções meramente formais e subjetivas, desvinculadas da realidade gravíssima que estes posicionamentos jurídicos desencadeiam na prática.

 

Exemplo recente (outubro/2020), foi o caso da soltura do perigoso traficante André do Rap (integrante do PCC) pelo Ministro STF Marco Aurélio. Que, por uma interpretação formalística acerca da suposta falta de justificativa renovada acerca da necessidade de manutenção da prisão preventiva, simplesmente determinou sua soltura. E, para surpresa de ninguém, agora este criminoso fugiu e está a salvo da espada da justiça.

Voltando ao caso do “serial killer”, pelo que até o momento se divulga, em pelo menos uma das “fugas” este criminoso teria saído pela porta da frente do estabelecimento prisional. Agraciado com algum benefício penal, e não retornado. E nas outras ocasiões de evasão da cadeia, ainda pouco se sabe de como teriam acontecido.

 

De um jeito ou de outro, verifica-se a fragilidade do sistema penal nacional, que ou faz concessões penais indevidas, ou não consegue manter sob sua custódia aqueles que deveriam estar presos.

 

A cada dia surgem novas “surpresas” interpretativas como estas, como é o caso da notícia veiculada hoje (18/06/2021) no site do Superior Tribunal de Justiça (STJ), dando conta de decisão proferida no RHC 136961, aceitando a eficácia imediata e VINCULANTE de decisões de uma Corte Internacional, e determinando a contagem em DOBRO do tempo cumprido na prisão em condições que sejam consideradas inadequadas, cujo trecho é abaixo descrito (fonte: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/18062021-Em-decisao-colegiada-inedita--STJ-manda-contar-em-dobro-todo-o-periodo-de-pena-cumprido-em-situacao-degradante.aspx):

 

Em decisão colegiada inédita, STJ manda contar em dobro todo o período de pena cumprido em situação degradante

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) e confirmou decisão monocrática do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que concedeu, em maio deste ano, habeas corpus para que seja contado em dobro todo o período em que um homem esteve preso...

Esta é a primeira vez que uma Turma criminal do STJ aplica o Princípio da Fraternidade para decidir pelo cômputo da pena de maneira mais benéfica ao condenado que é mantido preso em local degradante.... A unidade prisional objeto do recurso sofreu diversas inspeções realizadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a partir de denúncia feita pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro sobre a situação degradante e desumana em que os presos se encontravam. Essas inspeções culminaram na edição da Resolução CIDH de 22 de novembro de 2018, que proibiu o ingresso de novos presos na unidade e determinou o cômputo em dobro de cada dia de privação de liberdade cumprido no local – salvo para os casos de crimes contra a vida ou a integridade física, e de crimes sexuais.

...

Eficácia vinculante da d​ecisão da CIDH

Ao julgar o caso na Quinta Turma, o relator lembrou que, a partir do Decreto 4.463/2002, o Brasil reconheceu a competência da CIDH em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), aprovada em 1969. Sendo assim, as sentenças da CIDH são vinculantes para as partes processuais. "Todos os órgãos e poderes internos do país encontram-se obrigados a cumprir a sentença", declarou.”

 

Ou seja, agora, com base no “Princípio da Fraternidade”, uma das mais Altas Cortes do país passou a determinar a contagem em dobro de cada dia de pena privativa de liberdade cumprida, em situação que venha a ser reconhecida como degradante. E mais, expressamente admitiu a eficácia vinculante e imediata, de uma decisão proferida por organismo judicial internacional.

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Por mais que obviamente deva-se respeitar os direitos dos presos, decisões como esta abrem mais um precedente que, na prática, pode se revelar desastroso para a manutenção da Segurança Pública.

 

Esquecendo-se que, nos termos da própria Constituição Federal, art. 5°, “caput”, todos os brasileiros corretos também tem direito à vida, e à segurança. Não parecendo que este referido “Princípio da Fraternidade” tenha aplicação para aqueles que não delinquiram. E que fiquem expostos a prática de novos atos criminosos, por parte daqueles que representam periculosidade a sociedade.

 

Neste contexto, e voltando a pergunta inicialmente feita neste texto, esta perseguição ao “serial killer” que está foragido no DF / GO seria desnecessária... caso a legislação já existente fosse rigorosamente aplicada, e não tivesse permitido que este psicopata estivesse em liberdade.

 

Nosso respeito e agradecimento aos Agentes das Forças de Segurança que estão engajados nesta missão de captura.

Sobre o autor
Sérgio de Oliveira Netto

Procurador Federal. Mestre em Direito Internacional (Master of Law), com concentração na área de Direitos Humanos, pela American University – Washington College of Law. Especialista em Direito Civil e Processo Civil. Professor do Curso de Direito da Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE (SC).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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