PERSECUÇÃO PENAL E ESBULHO POSSESSÓRIO EM FINANCIAMENTO HABITACIONAL

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Há interesse do possuidor indireto em mover a persecução penal em caso de esbulho possessório. Enfoque no financiamento pelo Programa Minha Casa Minha Vida em que há atração pela Justiça Federal.

PERSECUÇÃO PENAL E ESBULHO POSSESSÓRIO EM FINANCIAMENTO HABITACIONAL

 

 

            O crime de esbulho possessório é anunciado no artigo 161§1º, inciso II, do Código Penal.           Consoante vaticina CELSO DELMANTO, em rápidas linhas:

 

 “para que haja esbulho possessório no campo penal, é necessário que a invasão tenha por fim o esbulho e seja praticada, em terreno ou imóvel alheio, com violência ou grave ameaça, ou, ainda, em concurso de pessoas” (DEMANTO, 2016, p. 594).

 

            Ressalte-se que a ação penal persegue-se por iniciativa privada se a propriedade é particular e o ato não é revestido de violência contra a pessoa. Nos demais casos, a ação torna-se pública incondicionada.

           

            O comportamento ilícito adrede mencionado irradia reflexos em mais de uma disciplina jurídica.

 

            Nesse diapasão, NORBERTO AVENA leciona que:

 

“a prática de um crime, além de gerar para o Estado o jus puniendi, eventualmente pode causar um prejuízo de ordem patrimonial para a vítima, facultando-lhe o direito à devida reparação (…). Existe, então uma natural e lógica decorrência entre a prática de uma infração penal e o prejuízo civil que dela advém ao ofendido (AVENA, 2017, p. 281).

 

            Assim, a conduta sob análise é simultaneamente ilícito civil e disciplinada, com filigranas, pelo diploma normativo correspondente (Código Civil). Encontra vinculação e intimidade  com o instituto da posse.

 

            No dizer de FLÁVIO TARTUCE:

 

 “[a posse direta é] é aquela exercida por quem tem a coisa materialmente, havendo um poder físico imediato. Como possuidores diretos podem ser citados o locatário, o depositário, o comodatário e o usufrutuário”, já a posse mediata é “exercida por meio de outra pessoa, havendo exercício de direito, geralmente decorrente de propriedade. Exemplo: locador, depositante, comodante e nu-proprietário” (TARTUCE, 2016. p. 864).

            Observamos referido instituto nos contratos de financiamento habitacionais do programa “Minha Casa Minha Vida”, regulamentados pela Lei n. 11.977/2009 e realizados pela Caixa Econômica Federal.  No vertente caso, os pagamentos são subsidiados pela União.         In casu, o fiduciante é possuidor direto e o fiduciário o possuidor indireto.

            Nesse cenário levantam-se indagações tocante à possibilidade de o possuidor indireto mover a máquina  estatal na persecução penal e, ainda, em qual Justiça deve tramitar a ação penal correspondente.

            O Superior Tribunal de Justiça recentemente incumbiu-se de enfrentar o tema (Info 700).

            De acordo com o colegiado, “além da vítima do crime de esbulho possessório, ou seja, a possuidora direta e devedora fiduciária, a Caixa Econômica Federal, enquanto credora fiduciária e possuidora indireta, também possui legitimidade para, no âmbito cível, propor eventual ação de reintegração de posse do imóvel esbulhado. Essa legitimação ativa concorrente de empresa pública federal, embora seja na esfera cível, é suficiente para evidenciar a existência de seu interesse jurídico na apuração de referido delito” (BRASIL, STJ, CC 179.467-RJ).

            Dito de outra forma, a legitimidade na seara cível tem implicações também no âmbito criminal para deflagrar órgãos persecutórios.

            Impende ainda destacar que a corte apreciou que a contenda criminal é atraída pela Justiça Federal.

            Com efeito, salutar a transcrição do dispositivo constitucional previsto no artigo 109, inciso IV:

 

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

(…)

 IV -  os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

 

Ao apreciarem o tema, NESTOR TÁVORA e ROSMAR RODRIGUES ALENCAR assentam que são contempladas, para atração da competência criminal da Justiça Federal, a empresa pública, assim entendida como:

 

 “entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criada por lei para a exploração da atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa, podendo revestir-se de qualquer da formas admitidas em direito (art. 5º, inciso II, do DL 200/1967). Ex: Caixa Econômica Federal, Correios (…).”.(TÁVORA; ALENCAR, 2018, p. 388).

 

Calha, por fim, sublinhar que o interesse da União não é permanente. Ele cederá quando houver desvinculação ao referido programa habitacional  (fora da vigência do referido contrato).

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL, STJ, CC 179.467-RJ, rel. Min. Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 09/06/2021.

 

DELMANTO; Celso; DELMANTO, Roberto; DELMANDO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Código Penal Comentado. 9ª. Saraiva. 2016.

 

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 5ª ed. Método. 2015.

 

TÁVORA, Nestor; ALENCAR; Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 13ª ed. Juspodivm. 2018.

 

 

 

 

Sobre o autor
Tristão Antônio Borborema de Carvalho

Delegado de Polícia no estado do Paraná desde o ano 2008. Ex-Delegado de Polícia Civil do estado de São Paulo (aprovado em primeiro lugar). Professor concursado de Direito Penal da Academia de Polícia Civil do estado de São Paulo: ACADEPOL. Graduado em Direito pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Especialista em Gestão em Segurança Pública pela Escola Superior de Polícia Civil do Paraná.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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