Resenha Crítica do livro A Luta pelo Direito de Rudolf Von Lhering

21/06/2021 às 16:15

Resumo:


  • "A Luta pelo Direito" de Rudolf von Ihering é uma obra que discute a importância da luta pela efetivação do direito como meio de alcançar a paz social, destacando que o direito não é algo passivo, mas sim resultado de constantes batalhas para sua manutenção e reconhecimento.

  • Ihering enfatiza que a resistência à injustiça é um dever do indivíduo, tanto para a conservação pessoal quanto para o bem coletivo, argumentando que a luta pelo direito é também uma luta pela justiça e pela lei.

  • O livro explora a relação entre o direito objetivo e subjetivo, alegando que as leis por si só não garantem o direito, sendo necessário um sentimento de pertencimento legal e uma disposição para lutar pela justiça, mesmo frente a desigualdades e desafios.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. Tradução de João de Vasconcelos. São Paulo: Forense, 2006.


Se concordarmos em agir pela maiêutica socrática1, e nos propormos a “dar à luz" ao verdadeiro significado do que hoje temos por direito, teremos como base concreta e indiscutível que sendo parte indispensável da vida de todo cidadão, o direito pressupõe, pela sua semântica e posterior definição, aquilo que é correto e adequado, subsidiando-se de princípios e bases que regulamentam a vida em sociedade.

Elevando a questão a um grau teórico avançado, porém igualmente lógico, temos a paz e a luta, que apesar de contumazmente serem tidos como antagônicos, são termos respectivamente indicativos do fim e o meio de obtê-lo, sendo a luta algo intrínseco ao direito, de modo que para a sua efetivação e consequente obtenção do estado de paz almejada, faz-se necessário ir à luta por ele. Pelo menos é o que dá a entender um dos opúsculos jurídicos mais lidos e influentes da cultura jurídica ocidental “A Luta pelo Direito” (em alemão Der Kampf um’s Recht), livro composto a partir das palavras proferidas pelo professor, jurista e pensador alemão Rudolf von Ihering (1818-1892), quando este palestrou em 1872 na Sociedade jurídica de Viena. O livro, publicado pela editora Martin Claret, com tradução de João de Vasconcelos, traz prefácio escrito pelo jurista brasileiro Clóvis Beviláqua (1859-1944). É mesmo o que se parece, a existência do direito é marcado por lutas: dos povos, do Estado, das classes, dos indivíduos que para viverem em paz sacrificam-na, a fim de que, por meio da luta, o direito legal prevaleça. Assim grita o libelo de Ihering.

O oposto também é susceptível. A lei - como elemento positivo concedente de direito e deveres - também pode vir a ser sacrificada. Assim como aqueles que abdicam daquilo que lhes é habitual e vão à campo batalhar pela supressão das condições que lhes subjugam e desfavorecem, assim também os fazem aqueles que, não desejando ir à luta, abrem mão da lei em prol de viverem com sua paz consuetudinária, praticando igualmente um sacrifício. Ato este que é criticado por Ihering, que pressupõe a não conivência pelo cidadão para todo e qualquer direito que lhe é lesado ou usurpado, não aferindo ainda, o destino ao qual tal direito se destina, importando-lhe o fato de que a luta não deve ser pautada estritamente em interesses individuais, mas sim generalizada de modo que beneficie a si e a coletividade.

Um dos pontos destacados pelo jurista é o idílio alcançado por aqueles que ao invés de receberem sem suor os seus direitos, lutam e sangram por eles, estabelecendo uma ligação incondicional e real à sua existência. Comparando essa apologia ao amor de uma mãe por seu filho, que sofre para trazê-lo ao mundo e dar-lhe à vida, e quando já crescido continua a amá-lo, estando sujeita ao sofrimento e à dor por ele, sendo capaz de sacrificar a própria existência para que ele viva. Espessando assim, a garantia de que a justiça vingará e a infringência contra o direito posto não subsistirá. Afinal, como interroga o escritor “quem despojará um povo de suas instituições e de seus direitos obtidos à custa do seu sangue?”2


O Simbolismo da Justiça

Para todos aqueles que assim como Trasímaco - personagem platônico presente no primeiro livro de A República3, acreditam ser a justiça a conveniência do mais forte, de maneira que os que não o são tem por resultado os seus direitos preteridos, parecerá a tese da luta pelo direito defendida por Rudolf von Ihering algo aparentemente condicional, quiçá utópico. Isso porque na visão do escritor, todo direito foi adquirido pela luta, o que nos leva a deduzir que qualquer outro direito a advir exigirá-nos invariavelmente que por ele lutemos. Contudo, contemporaneamente, têm-se concepções divergentes acerca da incorruptibilidade da justiça, e se de fato ela atinge imparcialmente a todas as pessoas, de forma que possam, por si próprias, lutarem por seus direitos.

Ora, de acordo com o pensador, "o direito só reina quando a força despendida pela justiça para empunhar a espada corresponde à habilidade que emprega em manejar a balança”4, sendo esta sem a espada a expressão da fraqueza do direito, bem como a espada sem a balança a força bruta. O jurista, portanto, que pressupõe a existência de um direito realista, a partir de propósitos e de interesses, defende a aplicação de uma justiça imparcial, à la deusa Themis.

O que, apesar de correto, poderá fazer com que haja indagações divergentes entre aqueles que leem a sua obra no presente século, podendo se angariar a questão da desigualdade e até da relevância da equidade no âmbito jurisdicional. Como exemplo está a narrativa sobre um pobre camponês, que depois de anos trabalhando em determinada extensão de terra e tendo-a como principal meio de sustento familiar, é sem aviso prévio expulso por um determinado senhorio, que sendo detentor de grandes meios estáveis, enfim surge alegando ser o possuidor de semelhante solo. Por conseguinte, não terá esse mísero agricultor em mãos a detenção das mesmas ‘armas e meios de luta’ que aquele que se diz dono do lugar.


Encarar ou desistir?

O que cabe a um indivíduo fazer quando tem seus direitos violados? questiona o autor, deve ele encarar ou desistir? Em contrapartida, temos a defesa de que não importa os status ou as condições, importa que lutemos, sendo a resistência à injustiça um dever do indivíduo para consigo mesmo, na defesa de um direito como ato de conservação pessoal, tornando esta luta um dever daquele que foi lesado. De forma ainda, a fazer que esta resistência sirva de exemplo para todos aqueles que tendo amor à comodidade, desejam não mais sentí-lo. Sendo, portanto, a luta pelo direito, uma luta pela lei e, consequentemente, pela justiça. Não caracterizando essa luta algo de natureza vã ou contraditória à execução do direito, mas sim que, estando intrínseca ao direito, não seja ela considerada uma maldição, porém uma graça.

Nesse contexto, todos são chamados à luta, não determinando ou discriminando o seu meio, contanto que seja legal. Afere-se com isso, que o valor e a importância da batalha não altera-se daqueles que lutam em tribunais para aqueles que na rua, via protesto e movimentações, guerreiam pelo que lhes é devido e/ou justo.

Isso porque o cidadão que tem o seu direito violado deve decidir entre lutar ou abster-se da luta, todavia não sem consequências para aqueles que dela se abstém, os quais ao serem criticados por Ihering são por ele assemelhados aos vermes, predizendo não serem dignos de reclamações até mesmo quando não mais direitos em mãos inertes tiverem.


Senso de direito

Tem-se na obra um enfoque especial ao direito subjetivo, a partir do ponto em que se apercebe como sendo o indivíduo, e seu respectivo comportamento, o responsável pelo exercício de mudança que atinge o todo. Na teoria de Ihering, as leis em estado uno não bastam para que o direito tenha garantia, é preciso então que haja o sentimento subjetivo de pertencimento legal, incrementando-se de ser a dor de ter seu direito lesado, a responsável por fazer florescer o sentimento de justiça que considera como sendo o coração do direito, pulsando a força necessária para que haja a luta por uma sociedade verdadeiramente justa. Considera-se, por isso, a sensibilidade - decorrente da absorção dos acontecimentos concretos/reais - e não a lei e seus consecutivos raciocínios abstratos, como sendo a mola propulsora do sentimento de justiça que o escritor define como sendo a fonte psicológica fundamental de todo o direito.

E é precisamente nesta questão de, como discorre o autor, “meu direito é o direito, e assim, lesado este, aquele também estará lesado, e, defendendo este último, estou defendendo o primeiro”5 que se insere a obra literária shakespeariana O Mercador de Veneza, na figura de Shylock e sua reivindicação pelo cumprimento do contrato com Antônio, que tendo concordado em financiar o empréstimo entre Shylock e Bassânio, na ocorrência do não pagamento deste em tempo por eles acordados, uma libra de sua própria carne lhe deveria. E havendo pois, inúmeros acontecimentos que direcionam Antônio à cumprir semelhante acordo, Shylock, na ânsia de vê por cumprido o contrato, clama ao tribunal que a justiça seja feita e seu direito amparado, utilizando como instrumento o próprio Estado de Veneza, citação a qual foi feita por Ihering:

“A libra de carne que eu reclamo, — lhe faz dizer Shakespeare: — Eu a paguei caro, ela é minha e eu a quero. Se vós ma recusais, onde vossa justiça? O direito de Veneza ficará sem força alguma. …Essa é a lei que eu represento. ...Eu me apoio sobre meu título.”6

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Remete-se, dessa forma - ao focar-se apenas nesse momento da obra de William Shakespeare, abrindo mão da análise completa da narrativa -, a pessoa que crendo na validação e poder do direito vigente, não mede esforços na luta pelo que concebe como seu. E representa ainda, o indivíduo que tendo o seu direito negado não busca apenas a correta reparação, mas também a defesa de uma ideia que concebe como sendo intrínseca a si, tornando-a, então, algo substancial para a sua boa vivência.

A fala de Shylock estabelece, portanto, a verdadeira relação entre o direito sob o ponto de vista objetivo e subjetivo, a partir da expressão de “eu”, enquanto cidadão de Veneza, “represento a lei”, a qual dirige-se ao indivíduo e aplica-se à ele. “Não é o judeu que reclama a sua libra de carne, mas a própria lei veneziana que assoma à barra do tribunal, porque o seu direito e o direito de Veneza são apenas um; o primeiro não pode perecer sem perecer o segundo.”7 conclui Ihering. Entretanto, como sabemos, temos a supressão do citado direito, mediante interpretação objetiva e literal do contrato, a qual diz:

“Pela letra, a sangue jus não tens; nem uma gota. São palavras expressas: Uma libra de carne. Tira, pois, o combinado: tua libra de carne. Mas se acaso derramares, no instante de a cortares, uma gota que seja, só, de sangue cristão, teus bens e tuas terras todas, pelas leis de Veneza, para o Estado passarão por direito.” 8

Tem Shylock, desse modo, o seu direito esmagado pela sentença judicial, sendo este agora não mais aquele que busca a garantia do seu direito, mas sim o réu que aguarda a sentença. É obrigado então - no desfecho da trama, após ser amplamente humilhado - a se retirar, sendo considerado um pária na sociedade que levianamente clamou por justiça.


A audácia dos canalhas

O escritor e político britânico Benjamin Disraeli (1804-1881) é muito sucinto e objetivo ao dizer: “é preciso que os homens de bem tenham a audácia dos canalhas”. Isso porque, em correlação direta ao direito que temos, aqueles que dele se aproveitam, e como consequência o corrompem, em sua timidez não se limitam, e em muitos dos casos, até mesmo a justiça que deve em sua essência ser imparcial, torna-se exemplo de parcialidade e favorecimento; e a lei que devendo ser a expressão do povo, permeia-se de termos indecifráveis, decodificados apenas por aqueles que estão no poder; e aquilo, ainda, que deveria beneficiar a coletividade, se submete aos interesses da classe dominante.

Desse modo, de nada nos serve as reclamações privadas, devendo-se tais queixas - quando derivadas de determinada transgressão de natureza pública, que reproduza consequências sociais - sair do âmbito privado para o público, para que ao ser amparada juridicamente, tal prática não se repita.

E o que é isto se não a luta pelo direito? O que faz aquela mãe que não havendo escola pública acessível a qual possa matricular o seu filho de 10 anos, tem ele a educação comprometida pela falta de vagas? Não tem ele o mesmo direito à educação que aqueles de sua mesma idade? O que deve fazer àquele que acometido por uma doença tem por negado o atendimento básico hospitalar? Não é ele igualmente cidadão? Não tem o Estado responsabilidade sobre essas pessoas? A resposta a estas perguntas é a mesma, e o meio de havê-las também.

O sentimento resultante é o de que a luta não deve e nem precisa ser isolada, pode-se expor que pessoa Y ocupou o lugar que era de B, mesmo que você não seja B. O sentido está em que não importa a sua posição, seja você X, o que interfere diretamente à sua posição na fila, ou se você é A, que estando na frente de B provavelmente nem mais na fila está. O que verdadeiramente importa é que vendo a injustiça, você não se limite a cochichar com a pessoa ao lado.

O verdadeiro sentido do que fôra escrito por Ihering ao longo de cinco breves capítulos, está na sua aplicação direta, não restringindo-se à pura teoria. Quando dito que somente por meio da luta obtém-se o seu direito, contemporaneamente se aplica ao fato de que, diariamente, há uma luta a ser travada, seja ela contra a corrupção do direito, sua usurpação, contra o regime governamental opressor, ou contra a privatização das universidades públicas, seja a favor de um direito ameaçado, da abertura das fronteiras aos refugiados, da continuidade do governante ou para que a coleta de lixo seja feita em sua rua. O fato é que o livro de Rudolf von Ihering, reveste-se com a atemporalidade, sendo um livro fecundo em matéria de ensinamentos e a pôr fim às contradições sobre o que hoje temos como Direito.


Notas

1 Parto de ideias, exigia que o interlocutor abandonasse os seus pré-conceitos e a relatividade das opiniões alheias que coordenava um modo de ver e agir e passasse a pensar, a refletir por si mesmo. [brasilescola/filosofia]

2 Ihering, Rudolf von, São Paulo: Forense, 2006, p. 27. Tradução de João Vasconcelos.

3 A República / Platão. Organização: Daniel Alves Machado – Brasília: Editora Kiron, 2012.

4 Ihering, Rudolf von, cit. p. 23.

5 Ihering, Rudolf von, cit. p. 42.

6 Ihering, Rudolf von, cit. p. 43.

7 Ihering, Rudolf von, cit. loc. cit.

8 O Mercador de Veneza - William Shakespeare. Disponível em: <https://ebooksbrasil.org/eLibris/mercador.html>

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Sobre a autora
Vikaele de Morais Silva

Graduanda em Direito pela Universidade Regional do Cariri (URCA).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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