A uberização é um termo muito atual e pode ser, dentre outros contextos, atribuído ao mundo das relações de trabalho.
No contexto trabalhista, a uberização está relacionada à venda de um serviço para alguém ou alguma empresa de forma independente e sem o intermédio de outra empresa ou agente (empregador). Esse modelo de prestação de serviços é tão contemporâneo quanto a própria revolução digital o qual o mundo percorre.
A partir dos avanços tecnológicos oriundos da criação de smartphones e computadores mais modernos, verifica-se, cada vez mais, a utilização de aplicativos digitais como fortes prestadores de serviços que vão desde necessidades básicas, como a alimentação, até tarefas puramente estatais, como, por exemplo, a emissão de documentos e formalização de atos administrativos.
O termo uberização nasce justamente de um desses aplicativos, mais especificamente da empresa Uber, fundada em 2009 e instaurada no Brasil em 2014. Essa empresa buscou oferecer uma plataforma digital onde um motorista autônomo, chamado de parceiro, era capaz de se conectar a um usuário do aplicativo – cliente – para prestar-lhe serviços de locomoção.
No entanto, foi o conceito da prestação do serviço dessa empresa que serviu de pioneirismo para designar um novo tipo de relação de trabalho.
Sob a alegação de ser uma “economia de compartilhamento”, a empresa Uber deixa claro que não emprega nenhum motorista e não é dona de nenhum carro resumindo-se à apenas uma plataforma tecnológica para que profissionais autônomos possam ganhar dinheiro localizando pessoas que queiram se deslocar pela cidade.
Com o tempo, novas empresas, chamadas de startups digitais, foram sendo criadas ou migradas para o Brasil em busca de mercados não explorados, vindo a substituir empregos existentes que possuíssem o mesmo nicho de mercado. Exemplos disso foram a Uber em detrimento de taxistas e o Ifood em detrimento de motociclistas motofretistas.
O baixo custo oferecido para os clientes, a facilidade na exposição do negócio para a população e a redução considerável dos custos do serviço foram alguns dos fatores cruciais para que o mercado passasse a substituir velhas prestações de serviços pelos serviços tipificados por esses aplicativos intermediadores. Dessa forma, motoristas e entregadores foram perdendo seus empregos celetistas pois os empresários consideravam mais lucrativa as relações de trabalho sem vínculos empregatícios.
Além disso, houve forte apelo de marketing sobre os serviços prestados, oferecendo ao consumidor inovações fáceis, rápidas e baratas. Ocorre que quando se proporciona um benefício acima do mercado para o cliente, há, de outro lado, um sacrifício para compensá-lo.
Nesse caso, aquele que experimentava tal sacrifício de lucro era sempre o prestador de serviço, ou seja, o motorista ou o entregador. Dessa forma, a uberização passou a explicitar alguns problemas em sua estrutura.
Um dos principais problemas que permeia essa nova estrutura de trabalho é a absoluta ausência de obrigações e direitos trabalhistas entre as partes, ou a presunção dessa ausência.
Um profissional “uberizado” chega a trabalhar 14 horas por dia e, no final de anos de parceria com a plataforma, não terá direito às férias, 13º salário, descanso semanal remunerado, licença maternidade ou qualquer outro direito trabalhista. Também não possuirá a característica de contribuinte previdenciário, salvo se optar por ser contribuinte previdenciário individual, gerando assim o risco material de perder sua renda em caso de incapacidade laboral.
Aparentemente, tem-se clara, em trabalhos uberizados, uma relação de trabalho uma vez que a plataforma controla a liberdade de escolha da clientela, o destino, o tempo de execução do serviço, as penalidades pelo serviço mal prestado e o valor da corrida. No entanto, não há nenhuma contraprestação da plataforma em relação aos direitos trabalhistas que, em tese, para qualquer relação semelhante, em outro contexto, teriam sido preservados.
Num aspecto puramente trabalhista, há, nessas relações, evidências concretas de subordinação, onerosidade, pessoalidade e não eventualidade do serviço. Elementos que, conjuntamente, configuram uma relação de trabalho entre as partes.
A título de exemplo simples, ao chamar o parceiro, o cliente não diz “chamarei um motorista parceiro”, mas sim “chamarei o uber”. Ou seja, para o cliente, o motorista ou o entregador presta serviços para a empresa, e não para si mesmo.
A plataforma também pune os parceiros que, porventura, gerem um descontentamento moral na sociedade, assemelhando-se a figura de um chefe que demite um funcionário por este vir a sujar a imagem da empresa.
Nos últimos anos, porém, as decisões judiciais estão sendo no sentido de que não se deve haver relação de emprego entre tais empresas e os prestadores de serviços parceiros, apontando a ausência dos elementos descritos em suas decisões.
O argumento parece ser o mesmo: os prestadores de serviços parceiros contratam a tecnologia de intermediação digital oferecida pela plataforma, por meio de seu aplicativo, escolhendo de forma livre os dias, horários e a conveniência cada oferta de serviço, sem a necessidade de formalização de metas, quantidades mínimas de viagens ou obediência a qualquer tipo de hierarquia.
Apesar dessas empresas reforçarem que os “parceiros” de negócio possam escolher livremente a quantidade e o tempo de prestação de tais serviços, essa liberdade acaba sendo controlada e condicionada ao cumprimento de objetivos programados por algoritmos do serviço.
Nesse contexto, o prestador de serviços passa a ser uma mera força de trabalho, sem qualquer garantia ou direito dentro, porém, de uma clara relação de emprego.
Não há valores mínimos salariais, folgas, horas extras e todo e qualquer prejuízo é absorvido pelo trabalhador gerando um modelo injusto de transferência de riscos, custos e responsabilidades sem qualquer regulamentação legal.
Dessa forma, mesmo com a inequívoca relação de trabalho, leis como a CLT e a Lei 12.009/09 que regulam, por exemplo, relações de trabalho relativas a essas classes de profissionais são totalmente ignoradas apenas pelo fato do serviço ser operado por meio de aplicativos tecnológicos, o que resulta em uma contradição uma vez que, atualmente, qualquer empresa possa vir a ser tecnológica ou virtual sem que haja a perda das relações de empregos entre ela e os seus funcionários.
É importante informar que não basta apenas que os tribunais passem a rever seu panorama em relação a esses vínculos de emprego de maneira legal. Deve-se também buscar a intelecção de tais fatos por meio dos princípios do Direito do Trabalho para os casos atuais e a elaboração ou regulamentação de tais fatos jurídicos para os casos futuros, visando sempre a proteção do trabalho e do trabalhador.
De qualquer forma, a uberização no Brasil não deve ser tida como mais uma relação de trabalho entre partes sem qualquer relação patronal, tentado adequá-la a clássica legislação celetista.
Ela deve marcar o pioneirismo de uma nova legislação trabalhista, mais moderna e de igual proteção ao trabalhador brasileiro. O Direito do Trabalho deve, então, evoluir com a tecnologia e não somente aceitar ser subjugado por tais inovações de relações que sempre existiram no Brasil.