O TRATAMENTO JURIDICO-TERAPEUTICO DA PSICOPATIA EM PAISES ANGLO SAXÔNICOS.

27/06/2021 às 14:53
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Trabalho sobre os tratamentos jurídicos e terapêuticos praticados em criminosos psicopatas em países anglo-saxônicos.

1.  Noções Gerais:

A psicopatia tem sido um dos temas mais discutidos nos cursos de psicologia, fomentando grandes debates na área da psicologia criminal, posto que as pessoas que possuem esse tipo de transtorno de personalidade são detentores de um comportamento que apresenta uma falta de consciência moral, ética e humana, com atitudes descompromissadas com os outros e com as regras sociais, mantendo um traço marcante de deficiência significativa de empatia, sendo de interesse da sociedade a obtenção de formas de lidar com indivíduos com tais traços de personalidade, ainda mais quando estes acabam cometendo violações da legislação penal.

O primeiro grande desafio que existiu para enfrentar o problema da psicopatia fora a dificuldade para definir de maneira criteriosa e científica o diagnóstico do citado desvio de personalidade, o que acabava sendo um grande óbice para um diagnóstico preciso, e ainda tornava a chance de um tratamento eficaz para esse transtorno uma realidade distante.

Isso mudou quando Robert Hare desenvolveu sua escala, a Psychopathy Checklist (PCL, hoje já na versão Psychopathy Cheklist Revised - PCL-R), o que permitiu ao menos que pudéssemos chegar a um diagnóstico seguro de que o individuo avaliado efetivamente era psicopata.

Não obstante os avanços para se obter o diagnóstico com a citada escala, diversos estudos demonstraram que os indivíduos que possuíam aquele desvio de personalidade eram extremamente violentos e possuíam altos índices de reincidência criminal, sendo de grande relevância obter formas terapêuticas de abordar tais indivíduos que viessem a cometer delitos, com vistas a promover a mudança de seu comportamento e reabilita-los para o convívio social, tendo em vista o auto custo de manter tais indivíduos presos perpetuamente, e mais ainda o risco social de reinserir os mesmos em sociedade sem qualquer tipo de intervenção que de alguma forma melhorasse o citado transtorno e o próprio comportamento de tais indivíduos.

Nesse contexto, o tratamento de delinquentes com diagnóstico de psicopatia sempre se mostrou um grande desafio para os cientistas e profissionais que trabalham na área de ressocialização, tendo em vista que as características desse transtorno psíquico acaba sendo um fator determinante para que tais indivíduos acabem se comportando de maneira antissocial, e por vezes violenta, chegando diversos cientistas e profissionais que estudam esse transtorno a pregar, de maneira inflexível, que tais indivíduos seriam irrecuperáveis.

Nesse sentido afirma Miranda (2012) acerca da ineficiência dos programas terapêuticos em face de psicopatas:

Conforme Ogloff, Wong e Greenwood apud Huss (2011) que realizaram um estudo com 80 prisioneiros federais inscritos em um programa de tratamento, seus resultados mostraram com consistência que os psicopatas demonstravam menor melhora clínica, eram menos motivados e abandonavam o programa antes dos não psicopatas.

Tal perspectiva fez com que diversos países, principalmente os de origem anglo saxônica, a exemplo dos Estados Unidos, chegassem a conclusão que a única solução para indivíduos com esse transtorno que viessem a cometer crimes seria o confinamento e controle desse presos (exclusão permanente destes do meio social, notadamente prisão perpetua ou prisão por longos períodos de tempo).

No próximo tópico trataremos de algumas formas de como os países de origem anglo saxônica, tem tentado tratar tais indivíduos visando mudar o comportamento dos mesmos.

2. Tratamento Jurídico- terapêutico dos psicopatas nos países anglo saxônicos:

Desde sempre os tratamentos terapêuticos realizados em psicopatas mostraram respostas clínicas bastante tímidas, sendo atribuído tais resultados ao fato dos psicopatas possuírem uma deficiência na capacidade de formar vínculos, o que acaba sendo um grande obstáculo no processo terapêutico, sendo muito comum aos indivíduos que detinham esses traços abandonarem os programas de tratamento bem antes que os indivíduos que não possuíam as características de psicopatia.

Além disso, renomados autores americanos, baseados em tratamentos psicoterápicos realizados em prisões americanas, sempre afirmaram que a própria característica dos psicopatas, entre elas a tendência à manipulação e à mentira faz com que por vezes tais indivíduos acabem ludibriando os psicoterapeutas que se encontram à frente dos programas de tratamento, no intuito de obter benefícios penitenciários (como direito a condicional ou melhora no regime carcerário), simulando uma falsa evolução clínica.

Outra razão que tem motivado a ineficiência desses programas psicoterápicos de reabilitação de criminosos psicopatas se dá porque os indivíduos diagnosticados com psicopatia acreditam que não existe nada de errado com eles, onde estes tem convicção que estão bem, e isso acaba sendo um grande obstáculo no processo psicoterápico, pois é essencial que o paciente desse tipo de programa perceba o seu problema para, uma vez trabalhando junto ao terapeuta, possa superar suas limitações e melhorar seu comportamento.

Esses fatos acabaram gerando um pessimismo frente a um possível tratamento de tais indivíduos, o que motivou, durante muito tempo, que o sistema de justiça de vários países, entre eles o dos Estados Unidos, passassem a tratar indivíduos com traços de psicopatia simplesmente isolamento os mesmos do convívio social, sendo tais indivíduos condenados a penas perpetuas ou, quando não era assim, tinham rejeitados qualquer direito a algum beneficio que os livrasse da prisão, tais como liberdade condicional ou progressão de regime carcerário, pois o fato do individuo possuir o diagnóstico de psicopatia era mais que suficiente para que o mesmo tivesse negado qualquer chance de direito a uma reinserção social.

Nesse sentido afirmaram Jorge e Nunes (2014) após realizar uma pesquisa que tinha por fim a busca acerca de possíveis tratamentos de psicopatas que privilegiassem o não confinamento dos mesmos onde constataram que:

Tendo em vista que um dos objetivos de nossa pesquisa era encontrar algum tipo de tratamento para o indivíduo psicopata que priorizasse a liberdade, abordamos sobre os possíveis tratamentos que a literatura nos aponta. Assim como no estudo da definição para o termo “psicopatia”, deparamo-nos com opiniões diversas sobre o tratamento e como lidar com o indivíduo psicopata. A maioria dos autores entende que a melhor maneira seria o confinamento e o controle desse indivíduo, pois não acredita em um tratamento eficaz para este voltar ao convívio social. Gonçalves (2007), no entanto entende que todos os indivíduos têm o direito de ser inserido em algum tipo de tratamento, no caso dos psicopatas, este autor explicita que o tratamento deve ser focal, e não abrangente, no sentido de não se tentar mudar a personalidade do indivíduo, e sim apenas um aspecto desta. Encontramos apenas Silva (2006) que expõe explicitamente que o confinamento não é a medida ideal para nenhum tipo de criminoso, pois entende o encarceramento como agravante das características criminosas.

Assim, tem ganhado corpo a ideia de que essa limitação perpetua dos indivíduos diagnosticados com psicopatia, bem como o alto custo de manter os mesmos indefinidamente presos por longos períodos de tempo, e o grave risco social de que indivíduos com esse transtorno de personalidade pudessem voltar ao convívio social sem qualquer tipo de tratamento terapêutico que visasse a melhora de seu comportamento, acabou motivando uma modificação de atitude frente a essa questão no Estado Americano, onde passou-se a desenvolver tratamentos psicoterápicos compulsórios e aplicar a tais indivíduos diagnosticados com esse transtorno, contudo a obrigatoriedade desses programas era altamente contraproducente, pois em toda abordagem psicoterápica  existe a necessidade de empenho e vontade do paciente para que o tratamento funcione, e embora o individuo com psicopatia forçado a participar desse tratamento esteja preso, a só ameaça contra o mesmo de que este deve se submeter à terapia para obter benefícios penitenciários não são suficiente para fazer que o mesmo se comprometa de maneira seria com o programa, o que fez com que a resposta a esses tratamentos compulsórios tenham se mostrado ineficientes durante o período em que foram aplicados.

Outro programa muito comum nos presídios americanos são os de terapia comunitária, estes programas são terapias em grupo em que os próprios presos ou pacientes tem a responsabilidade na condução de suas vidas, sendo os mesmos ajudados pelos profissionais de custodia carcerários, onde estes recebem treinamento especial para auxiliar os presos, percebendo as necessidades e potencialidades dos encarcerados, e os tratando de maneira humanitária e respeitosa.

Esse tipo de programa (Terapia comunitária) tem mostrado bons resultados na reabilitação dos presos violentos em geral, mas não se mostrou eficiente no tratamento de criminosos psicopatas, onde estes comumente abandonam tais programas de terapia, sendo que estudos realizados demonstraram que os psicopatas que se submeteram a tal terapia acabam tendo índices maiores de reincidência após saírem da prisão. Isso poderia ser explicado porque tais programas dariam ao psicopata formas de racionalizar seu pensamentos antissocial, e a terapia em grupo acabaria dando ao mesmo um bom campo de treinamento para este aprender novas formas de enganar e manipular as pessoas.

Os cursos oferecidos em prisões americanas, também destinados a melhora do comportamento de presos (incluindo aqueles com o transtorno ora analisado), tem sido uma forma de promover a reabilitação de criminosos naquele país, contudo, no que essa prática não tem se mostrado apta a melhorar o comportamento dos psicopatas, pelo contrário, os mesmos acabam fazendo cursos de psicologia, sociologia ou criminologia, apenas para aprender tais ciências de maneira superficial com o único intuito de enganar agentes penitenciários e de condicional, fazendo todos crerem que os mesmos foram reabilitados e assim obter indevidamente vantagens legais que os mesmos não teriam condições reais de obter (como liberdade condicional, por exemplo).

Um programa que tem tido resultados um pouco mais animadores (embora moderado) nos Estados Unidos foram programas de terapia realizado em crianças e adolescentes que já apresentam traços de psicopatia, onde tais programas visam realizar uma profunda modificação nos padrões de comportamento desses indivíduos, bem como modificar a realidade familiar e o contexto social dos mesmos. Assim esse tratamento visa diminuir a agressividade e impulsividade dos jovens com traços de psicopatia e ensinar aos mesmos estratégias de satisfação de suas necessidades por meio de atitudes socialmente adequadas.

Acerca dessas Terapias Hare (2013) afirma:

Se usados quando o indivíduo ainda é bem novo, é possível que alguns desses programas sejam úteis na modificação de padrões de comportamento de “psicopatas em formação”, talvez reduzindo a agressividade e a impulsividade e ensinando estratégias para satisfação das necessidades por meio de atitudes socialmente mais positivas.

As terapias biológicas, tais como a psicocirurgia, a eletroconvulsoterapia, bem como o uso de medicamentos (todas estas baseadas nas teorias de que são fatores biológicos que influenciam de maneira determinante o comportamento dos psicopatas), igualmente tem se mostrado ineficazes no tratamento de criminosos com esses traços de personalidade, sendo que tais métodos ainda esbarram nas limitações de direitos civis que todas as pessoas, incluindo os indivíduos com o transtorno psicopático, possuem, não sendo possível ao estado impor esse tipo de tratamento, e o uso desse tipo de intervenção tem sido alvo de diversas críticas da comunidade jurídica. Outro motivo para que tais tratamentos, a nosso ver, não funcionem se deve ao fato que esse tipo de programa esquece que fatores ambientais acabam influenciando também o surgimento da psicopatia, e ao abordar um tratamento que leva em consideração apenas as causas biológicas como determinantes de tal transtorno, acaba limitando a abrangência que um tratamento efetivo deveria buscar para se desenvolver um método eficiente para tratar o problema ora em comento.

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Vale destacarmos um programa canadense para tratamento de presos psicopatas desenvolvido por Robert Hare. Esse programa é focado no infrator psicopata (não apenas no psicopata violento), e diferente de tantos outros programas psicoterapêuticos este não se destina a tentar fazer com que os psicopatas desenvolvam habilidade empáticas ou alguma consciência, mas tenta mostrar ao mesmo que seus comportamentos antissociais são extremamente contrários aos próprios interesses deles (psicopatas) atribuindo aos mesmos a responsabilidade pelos seus atos, fazendo com que os psicopatas usem suas habilidades para atender seus interesses, mas de maneira que socialmente tolerável.

Assim esse programa visa deixar claro ao psicopata que modificar seu comportamento para práticas que não são antissociais é extremamente importante para atender aos interesses desse paciente, posto que ao agir de maneira pró-social o mesmo evitará sofrer um reprimenda penal futura ou, se já estiver preso, poderá obter a liberdade e agir de modo que o mesmo não volte ao ambiente carcerário, demonstrando, dessa forma, que seus comportamentos antissociais são extremamente danosos a eles mesmos, o que faria com que tais indivíduos modificassem seu comportamento.

Nesse sentido Hare (2013):

Isso significa que o programa para psicopatas estará menos preocupado com tentativas de desenvolver empatia ou consciência e mais empenhado em esforços intensivos para convencê-los de que suas atividades e comportamento usuais não estão de acordo com seus próprios interesses e que eles devem assumir sozinhos a responsabilidade pelos próprios atos. Ao mesmo tempo, tentaremos mostrar aos psicopatas como usar seus pontos fortes e habilidades para satisfazer suas próprias necessidades de modo tolerável para a sociedade.

Esse programa possui um rígido controle e supervisão de seus resultados, e sempre deixa explicito aos participantes as consequências de violação das regras dos programas, da instituição correcional e da sociedade, e uma vez libertados os indivíduos que passaram pelo programa são supervisionados e controlados, e os resultados desse tratamento são empiricamente avaliados.

Por fim, cabe tecermos alguns comentários acerca de um tratamento realizado na Inglaterra pelo psicólogo e psicanalista Peter Fonagy, da University College London, sendo que o mesmo tem feito uso de uma terapia grupal baseada na mentalização com delinquentes violentos que encontram-se em liberdade condicional. A grande maioria dos criminosos que estão sendo tratados nessa terapia foram diagnosticados com transtorno de personalidade antissocial, cujo conceito difere do conceito de psicopatia, mas ambos os transtornos possuem características bem semelhantes. Nesse tratamento é realizado semanalmente um encontro do terapeuta com o grupo de pacientes, onde estes são estimulados a discutirem assuntos importantes para os mesmos, no intuito de introduzir um entendimento com mais nuances da posição do paciente e dos demais que se encontram ao seu redor.

Essa terapia de Fonagy, segundo Geddes (2018), faz com que os pacientes ao “reconstruir o acontecido mentalmente muitas vezes faz com que o calor do momento dissipe, reduzindo a vontade de fazer algo no impulso”. Inicialmente essa terapia mostrou-se eficaz no tratamento de transtorno de personalidade Borderline, e está agora sendo utilizado em presos com comportamento patologicamente antissocial, sendo que os resultados de tal terapia ainda se encontra em fase inicial de pesquisa.

Não obstante os métodos de tratamentos informados acima, muitos desses programas mostraram resultados tímidos ou ainda se encontram em fase de análise, o que faz com que a comunidade científica que estuda meios de tratamento de indivíduos com esse transtorno de personalidade ainda vejam a questão do tratamento de indivíduos psicopatas com certo ceticismo.

Contudo, desde os anos de 2003 e 2013, novas perspectivas acabaram demostrando a possibilidade de melhora de alguns fatores de risco existentes em tais indivíduos que seriam tratáveis, e que poderia ajudar numa melhor adequação social dos mesmos.

Essa nova perspectiva cientifica mostra-se em consonância com o direito de todo cidadão de ter a sua disposição formas de tratamento para melhorar seu comportamento e tentar buscar a ressocialização, devendo o estado, com a ajuda da ciência, buscar meios de implementar esse direito.

No próximo tópico traremos à baila alguns modelos de tratamentos que se mostraram promissores em sua aplicação em indivíduos diagnosticados com psicopatia, todos esses programas podem ser capazes de melhorar o comportamento de tais indivíduos, promovendo a reabilitação dos mesmos e evitando o risco de reincidência que sempre se mostrou extremamente elevados em indivíduos com psicopatia.

3. Modelos de programas de tratamento da psicopatia.

Primeiramente vamos falar do modelo de tratamento RNR que é baseado nos princípios do risco, necessidade ou responsividade ou disposição ao tratamento.

Esse modelo fora elaborado após diversos estudos de metánalise que acabaram por demonstrar que é possível sim se proceder a uma diminuição do risco de que o individuo submetido a um tratamento comportamental venha a praticar novos delitos.

Os citados estudos afirmaram que os princípios dantes mencionados (risco, necessidade e responsividade) poderiam informar programas de intervenção com vistas a evitar a reincidência delitiva, sendo o RNR um modelo adequado para avaliar e tratar delinquentes em geral, e apto a promover a reabilitação baixando os índices de reincidência de quem se submetesse ao dito modelo.

Passemos a análise de cada um desses três princípios.

O principio do risco indica que será o grau de risco do individuo que indicará o nível de tratamento que o mesmo deve receber, sendo destinado a delinquentes de risco mais elevado níveis mais intensivos de tratamento, enquanto os indivíduos de menos risco deveriam ser alvo de tratamentos mais discretos de intervenção, ou seja, a intensidade do tratamento é baseado em uma avaliação confiável dos riscos.

O princípio da necessidade visa identificar as necessidades do tratamento, tentando distinguir as necessidades individuais do delinquente, identificando e dividindo as necessidades desse indivíduo entre necessidades criminogênicas, que podem ser estáticas ou dinâmicas, e necessidades não criminogênicas. Assim as necessidades criminogênicas dinâmicas seriam alvo do tratamento, pois estas são passíveis de melhora/ modificação, e acabariam melhorando o comportamento do delinquente (exemplo fazer o mesmo mudar o problema de consumo de drogas), enquanto as necessidades não criminogênicas devem ganhar uma importância secundária no tratamento, posto que as mesmas não influenciam o comportamento delitivo futuro.

Por fim, o principio da responsividade colaciona que existem características cognitivo-comportamentais e da própria personalidade que influenciam os indivíduos a responderem bem a determinado tipo de tratamento, dessa forma as ações terapêuticas devem levar em consideração os estilos de aprendizagem e as motivações dos indivíduos para se submeter a determinado tipo de tratamento, e embora geralmente os tratamentos cognitivo comportamentais e de aprendizagem social tenham se mostrado  superiores a outras técnicas na tentativa de se evitar a reincidência delitiva, as técnicas empregadas no tratamento devem levar em consideração os citados fatores para que os pacientes do programa respondam positivamente à terapia.

Dessa forma, baseados em tais princípios os terapeutas podem fazer uso de técnicas cognitivas-comportamentais com vistas a combater o risco delitivo, mas levando sempre em consideração que indivíduos que possuem características que dificultam o sucesso do programa vão demandar um esforço extra para consecução dos objetivos do tratamento (o que se aplica aos psicopatas), posto que muitas vezes essas características que dificultam o tratamento uma vez contornadas e superadas podem ser de fundamental importância para a ressocialização do indivíduo.

Assim, o uso dos citados princípios face a indivíduos diagnosticados com psicopatia ou de alto risco tem se mostrado satisfatórios, e devemos, neste momento, mostrar como tais princípios se aplicam especificamente aos indivíduos com psicopatia.

Em primeiro lugar, referente ao principio do risco, urge informar que a psicopatia é um grave fator de risco de reincidência de crimes violentos, assim é necessário a avaliação criteriosa do risco de tais indivíduos e de sua reincidência violenta, fazendo uso da escala PCL-R, bem como de outras ferramentas de avaliação, igualmente efetivas, como a escala de risco de violência (VCR), sempre no intuito de avaliar adequadamente os indivíduos e adaptar o tratamento às particularidades do paciente. Dessa forma, os indivíduos com risco elevado poderiam ser tratados pelo programa, enquanto indivíduos cujo risco fosse mínimo não seriam alvo do tratamento, economizando recursos necessários ao tratamento de quem efetivamente precisa do citado programa.

No que concerne ao princípio da necessidade já fora citado que o objetivo deste principio é identificar fatores crimonogênicos dinâmicos relacionados à violência, tendo em vista que estes seriam perfeitamente passíveis de tratamento ou modificação, sendo a melhora desses fatores o objetivo do tratamento. Podemos citar entre esses fatores o controle emocional, agressão interpessoal, distorção cognitiva dentre outros, sendo que todos esses fatores são perfeitamente passíveis de tratamento.

Enquanto isso fatores que não são criminogênicos não precisam ser melhorados, posto que não diminuem o risco de reincidência. Dessa forma, tratar uma distorção cognitiva (fator de risco criminogênico) diminuirá o risco de violência do psicopata, mas melhorar a habilidade de empregabilidade do mesmo indivíduo (risco não criminogênico) não diminuirá o risco de que o mesmo venha a cometer um delito violento.

Vale salientar que o tratamento deve ser o mais amplo possível, abordando e tentando melhorar todos os fatores de riscos criminogênicos identificados no indivíduo.

No que concerne a responsividade temos de inicio a necessidade de se estabelecer uma conexão entre o paciente e o terapeuta o que é importante para o tratamento, devendo se estabelecer uma relação respeitosa com o indivíduo a ser tratado. Apesar desse tipo de paciente (psicopata) possuir traços interpessoais e afetivos em sua personalidade que tornam desafiador estabelecer essa conexão (tais como traços interpessoais onde estes apresentam comportamentos de manipulação, charme superficial, mentira, bem como traços afetivos que consistem em falta de empatia, falta de remorso e culpa, dentre outros), essa tentativa de estabelecer uma conexão com esses indivíduos é fundamental para o sucesso do programa.

Uma abordagem importante do modelo RNR no que concerne ao tratamento de psicopatas e que está vinculada ao princípio da responsividade, trás que estes indivíduos (psicopatas) possuem um déficit no processamento de informação, onde estes quando orientados em uma ação dirigida a um dado objetivo acabam não considerando outros fatores contextuais secundários, mas que mesmo assim são importantes e deveriam ter sido considerados (como possíveis punições pelo seu comportamento), sendo importante que no tratamento se vise fazer o psicopata perceber esses fatores contextuais posto que estes são de suma importância para o comportamento social adequado.

Outro modelo que poderia ser adequado para o tratamento de psicopatia seria o modelo de dois componentes. Esse modelo parte do pressuposto de que sendo a psicopatia uma espécie de transtorno de personalidade, seu tratamento deve se dirigir a tratar tal transtorno com vistas a diminuir os riscos de que o indivíduo com esse diagnóstico venha a cometer condutas violentas.

Esse modelo parte do pressuposto que embora exista uma clara associação entre a psicopatia verificada na escala da PCL-R e a violência, uma divisão da citada escala em dois componentes sendo o primeiro referente ao fator 1 da citada escala, e o segundo referente ao fator 2,  onde, segundo pesquisas recentes, ficou estabelecido que este ultimo fator é que teria um evidente componente criminogênico ligado à reincidência criminosa, faz com este seja o alvo preferencial do tratamento.

Assim tratar os componentes do fator 2 ligados a condutas crônicas antissociais e mal-reguladas possibilitaria a melhora do comportamento dos psicopatas, onde, ao mudar esse estilo de vida disfuncional do individuo, seria possível melhorar o comportamento futuro dos mesmos.

Nesse modelo devem ser usados métodos de avaliação acerca das características dinâmicas do fator 2 (que são os traços passíveis de modificação e tratamento), com vistas a identificar quais características poderiam ser tratados, facilitando o tratamento, ganhando destaque também o uso de métodos diversos de avaliação de riscos nesses casos (além da PCL-R), sendo indicada a escala de risco de violência, e sua versão destinada a agressão sexual, posto que o uso de múltiplas formas de avaliação acaba trazendo maior credibilidade na avaliação dos pacientes o que acaba sendo muito positivo para o tratamento desse transtorno.

Os autores que defendem esse modelo acreditam que ao reduzir as pontuações do fator 2, que estão extremamente ligados às práticas antissociais, nós estaríamos diminuindo a psicopatia e evitando a reincidência.

Dessa forma, nesse modelo teríamos o componente interpessoal (ou componente 1) que seria os componentes do fator 1, e o componente criminogênico que seria o que se refere ao fator 2 da escala de psicopatia, sendo que este último componente é o que efetivamente está ligado à reincidência. Contudo, o componente interpessoal, também deve ser tratado, posto que ao melhorar esse componente, notadamente no que concerne a comportamentos de manipulação, tendência a mentir a discutir, fará com que a melhora desses traços acabe sendo importante como forma de garantir a melhora geral do paciente, e após isso é dada continuidade ao tratamento, se dedicando ao componente criminogênico que está mais ligado ao risco de reincidência.

Agora vamos tratar do modelo de terapia dialética comportamental adaptado ao tratamento de delinquentes psicopatas. Esse modelo parte do pressuposto de que as terapias dirigidas aos psicopatas normalmente se limitam a buscar a mudança de pensamentos e condutas desse tipo de individuo, deixando de lado a regulação das emoções e controle de impulso, o que se mostra um erro, pois pesquisas neurológicas tem demonstrado que psicopatas possuem deficiências na percepção e regulação das emoções, e o não tratamento de tais déficits seriam a grande razão dos fracos resultados obtidos em tratamentos realizados em psicopatas.

Assim considerando o valor do fator emocional para vários aspectos da psicopatia, bem como o vínculo conceitual e comportamental de indivíduos com esse transtorno e aqueles que sofrem de transtorno bordeline, o tratamento adequado para indivíduos com níveis elevados de psicopatia seria a terapia ora comentada (que comumente é dirigida ao trato de indivíduos com transtorno Borderline), devendo essa terapia ser devidamente adaptada para os psicopatas.

Os defensores desse modelo afirmam que a existência de pesquisas que indicam que a psicopatia tem origem tanto biológica quanto ambiental, o que também ocorre no caso do transtorno bordeline, acaba por tornar justificável uma tentativa de adaptação dessa terapia para os psicopatas.

Esse modelo exige que o psicopata ainda que esteja sendo obrigado a participar do programa por determinação judicial, se comprometa e se dedique ao citado tratamento, e neste programa se buscará tratar todas as emoções desse paciente.

Em primeiro lugar essa terapia começa com a fase de pré-tratamento, onde deve-se chegar a um consenso firmado entre o terapeuta e o paciente (psicopata) de uma forma que faça com que o paciente se comprometa com a terapia, devendo ser dada a opção ao mesmo de participar ou não desta, podendo ser alegado ao paciente que se submeter a tal tratamento e procurar uma melhora efetiva em seu comportamento poderiam proporcionar ao mesmo uma vida melhor, longe dos rigores do sistema prisional, o que possibilitaria a volta do mesmo ao convívio social caso o mesmo consiga se adequar ao programa.

Em seguida, passa-se à fase de terapia individual analisando junto ao paciente seu histórico criminal e informações acerca de seus pensamentos, emoções sensações corporais e ações, e assim será possível entender os fatores que influenciaram os comportamentos delitivos do individuo, criando objetivos a serem alcançados com o tratamento. Em cada sessão o terapeuta analisa a conduta do paciente (sem qualquer tipo de julgamento ou confronto) apenas analisa e valida as estratégias de mudança, sempre tendo cuidado para não validar comportamentos antissociais e reprováveis do paciente tendo em vista as peculiaridades do comportamento agressivo dos psicopatas. Também é comum nesse tratamento o uso de um cartão de registro onde o paciente faz um registro diário de seu comportamento (ações agressivas, uso de drogas, e etc.) emoções ou experiências, para que junto ao terapeuta os mesmos avaliem os fatos diários e os adequem aos objetivos do tratamento, criando uma agenda terapêutica em uma mutua colaboração entre paciente e o terapeuta.

Logo após as sessões individuais se passa ao tratamento de grupos de aprendizagem de habilidades, onde em cerca de 90 minutos de sessão é ensinado aos psicopatas habilidades destinadas a reconhecer e solucionar problemas do cotidiano, bem como é ensinado formas de reconhecer e controlar emoções, bem como meios para tentar fazer com que tais indivíduos criem sentimentos de compaixão, fazendo com que estes se mostrem mais empáticos em suas relações e reduzam comportamentos de confronto.

Por fim, bastante importante nesse modelo é a equipe de consulta que se reúne semanalmente durante duas horas e visa orientar os terapeutas do citado programa com vistas a discutir o que vem ocorrendo no tratamento e avaliar as necessidades dos terapeutas, bem como fomentar nestes a possibilidade dos mesmos sentirem compaixão pelos pacientes que estão tratando, o que facilitará que os mesmos tenham a capacidade de ensinar aos pacientes, igualmente, como ter compaixão pelas demais pessoas.

Encerando os modelos que poderiam ser aplicados no tratamento de criminosos psicopatas temos o modelo de terapia de esquemas, desenvolvida pela equipe de David Bernstein, da Universidade de Maastrich, na Holanda, sendo que o citado modelo de tratamento está sendo testado em 100 pacientes de um hospital de segurança máxima (com indivíduos de alta periculosidade) e tem mostrado resultados animadores em indivíduos com altos escores de psicopatia.

Esse modelo se destina a trazer tanto para o paciente quanto para o terapeuta um caráter integrador que serve para organizar e entender padrões profundos, persistentes e autodestrutivos de sentimentos, pensamentos, condutas e relações com outras pessoas (conhecido como esquemas desadaptativos). Tal programa não tenta modificar traços de caráter não modificáveis dos pacientes, mas sim seu estado emocional, utilizando um conjunto de técnicas que faz com que o terapeuta assuma o papel paterno em face do paciente (o que é chamado de reparentização limitada). Esse modelo parte do pressuposto de que sendo os psicopatas indivíduos antissociais e desapegados emocionalmente, não estabelecendo vínculos com ninguém, cabe ao terapeuta se mostrar compassivo para com o mesmo, ganhando assim a confiança do paciente, tentando vencer esse desapego emocional e tornando o mesmo mais vulnerável, o que acaba contribuindo com o tratamento.

Após isso a terapia ensina aos pacientes formas de expressar suas emoções, com base nos “modos”, que são as formas como estes indivíduos comumente respondem emocionalmente a determinadas situações quando confrontadas com determinados estressores. Esses modos seriam estados emocionais aptos a controlar o individuo temporariamente a ponto de fazer o mesmo manifestar um comportamento violento.

Assim ao mudar esses modos seria possível modificar a própria personalidade do paciente, sendo que em seus estágios iniciais esse modelo de terapia tem tido resultados promissores.

Não obstante todos os modelos aqui apresentados possuírem uma base teórica forte, e alguns tenham até se mostrado promissores em sua implementação, ainda é cedo para avaliar que um desses programas tenha se tornado razoavelmente apto a melhorar o comportamento de indivíduos que sofrem do transtorno de comportamento ora analisado.

4. Conclusão.

Diante todo o exposto, devemos deixar claro que embora as perspectivas de modelos tratadas neste trabalho referente ao tratamento de psicopatas sejam consideradas promissoras, ainda existem grandes desafios a serem superados acerca do tratamento de indivíduos que foram diagnosticados com psicopatia.

Em primeiro lugar se faz importante maiores estudos acerca da própria origem desse transtorno, pois entendendo de maneira clara os fatores que contribuem para o nascimento desse transtorno seria de grande valia para informar de maneira mais adequada os métodos de tratamento a serem implementados para se tratar as pessoas que tem esses traços de personalidade.

Também fica evidente que o diagnóstico desse transtorno deve ser realizado de maneira técnica e bastante criteriosa com vistas a evitar diagnósticos errôneos que acabem dificultando, sobretudo, a indicação do melhor modelo de tratamento a se aplicar, bem como na avaliação dos resultados do tratamento, sendo indicado o uso de múltiplas formas de se avaliar a personalidade do paciente, o risco de violência e a evolução clínica do individuo durante o tratamento.

O uso dos modelos expostos no presente trabalho, devidamente adaptados aos indivíduos com psicopatia poderão ajudar na reabilitação de indivíduos com esse transtorno e que cometeram crimes, evitando a reincidência criminal, contudo, será necessário uma avaliação cientifica dos resultados da aplicação de tais modelos, com vistas a confirmar a eficiência dos programas e torna-los modelos a serem seguidos no tratamento penitenciários de presos psicopatas.

No Brasil, infelizmente, existem pouquíssimos tratamentos destinados a reabilitação de presos no geral, e no que concerne a tratamento de psicopatas presos não existe qualquer tratamento destinado à melhora comportamental de tais indivíduos, sendo a legislação brasileira bastante dúbia quanto ao tratamento jurídico que deve ser dispensado aos indivíduos psicopatas que cometem delitos, prevendo a possibilidade de prisão destes em estabelecimento prisional comum, sem direito a qualquer tipo de terapia que vise sua melhora comportamental, ou um tratamento em manicômio judiciário, comumente baseado em uso de medicamentos, sem ser dispensado a esse tipo de delinquente qualquer tratamento terapêutico, o que acaba gerando um grande ônus para a sociedade brasileira, posto que após alguns anos o citado individuo acaba retornando ao convívio social sem qualquer tipo de tratamento que venha a melhorar seu comportamento, e, muitas vezes, acaba tendo seu comportamento agravado pela regime severo e inadequado do cárcere ou pela abordagem de tratamento ineficiente dispensada ao mesmo.

BIBLIOGRÁFIA:

1- Geddes, L. (2018). É possível mudas a mente de um psicopata?. 2018 Jul. 18 [acesso em 2020 Mai 21]. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-44731567.

2- Hare, R. D. (2013). Sem consciência: o mundo perturbador dos psicopatas que vivem entre nós. Porto Alegre: Artmed.

3- Jorge, J. P., e Nunes, C. L. Psicopatia e tratamento: uma discussão. [acesso em 2020 Mai 21]. Disponível em: http://www.eventos.uem.br/index.php/cipsi/2012/paper/view/588/389.

4- Mirando, A. B. S. (2012). Psicopatia: conceito, avaliação e perspectivas de tratamento. 2012 Jul [acesso em 2020 Mai 20]. Disponível em: https://psicologado.com.br/atuacao/psicologia-juridica/psicopatia-conceito-avaliacao-e-perspectivas-de-tratamento.

5- Morana, H. (2019). Psicopatia por um especialista. 2019 Abr 13 [acesso em 2020 Mai 20]. Disponível em: https://www.polbr.med.br/2019/04/13/psicopatia-por-um-especialista/.

6- Raine, A. (2015). A anatomia da violência: as raízes biológicas da criminalidade. Porto Alegre: Artmed.

Sobre o autor
Jonathan Dantas Pessoa

Policial civil do Estado de Pernambuco, formado em direito pela Universidade Osman da Costa Lins - UNIFACOL/ Vitória de Santo Antão. Pós - graduado em direito civil e processo civil pela Escola Superior de Advocacia Professor Ruy Antunes - ESA/OAB/PE - Recife/PE. Mestre em Psicologia Criminal com Especialização em Psicologia Forense pela Universidad Europea del Atlántico - Santander/ES. Pós graduado em Criminologia pela Faculdade Unyleya. Pós graduado em Psicologia Criminal Forense pelo Instituto Facuminas. Membro do Centre for Criminology Research - University of South Walles. Membro do Laboratório de estudos de Cognição e Justiça - Cogjus.

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