Análise Critica da Sentença Condenatória de LUÍS FELIPE MANVAILER

28/06/2021 às 19:33
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Na data de 10 de maio de 2021, o biólogo Luís Felipe Manvailer foi condenado, há 31 anos, 09 meses e 18 dias de prisão pela morte da advogada Tatiane Spitzner, no município de Guarapuava, no Paraná, em julho de 2018.

RESUMO

Na data de 10 de maio de 2021, o biólogo Luís Felipe Manvailer foi condenado, há 31 anos, 09 meses e 18 dias de prisão pela morte da advogada Tatiane Spitzner, no município de Guarapuava, no Paraná, em julho de 2018. Tatiane foi jogada do quarto andar do prédio onde moravam. A sentença por homicídio com quatro qualificadoras (meio cruel, motivo fútil, feminicídio e fraude processual) foi deferida pelo juiz Adriano Scussiatto Eyng, do TJ-PR (Tribunal de Justiça do Paraná), que também condenou o réu a pagar R$ 100 mil por danos morais à família da vítima. Durante o julgamento, Manvailer pediu perdão à família de Tatiane, à própria família e para todas as mulheres do Brasil por ter agredido a esposa. No entanto, ele afirmou não ter matado a advogada. O julgamento de Manvailer começou na terça-feira (04 de maio de 2021), e contou com 65 horas de interrogatórios, ao todo, foram ouvidas 13 testemunhas, entre vizinhos do casal e profissionais que investigaram o caso, além de um informante e dois assistentes técnicos trazidos pela defesa do biólogo. Diante de tais apontamentos o estudo busca analisar tecnicamente a sentença de Manvailer trazendo para prática uma ponderação constitucional que encontre a proporção adequada entre o gozo da liberdade, a legítima defesa e a ponderação do sistema jurídico, por meio da materialidade linguística coerente e coesa, pautada em aspectos pedagógicos e metodológicos, visto que uma análise crítica tem por objetivo a construção dialética do Direito, que se encontra em constante evolução. Para isso, é importante ressaltar os pontos negativos e positivos das teses levantadas pelo magistrado ao proferir a sentença, com embasamento doutrinário e legal, como forma de promover o debate e a dinamicidade na qual se alicerçam as ciências jurídicas.

 

INTRODUÇÃO

A análise a seguir tem como objetivo tecer comentários a cerca da sentença proferida pelo juiz Adriano Scussiato Eyng que determinou a pena de 31 anos, 09 meses e 18 dias de prisão para Luis Felipe Manvailer, julgado pelo homicídio de sua então esposa Tatiane Spitzner e fraude processual. A sentença foi prolatada em 10 de maio de 2021 na comarca de Guarapuava, tendo como base os requisitos constantes nos autos 0009657-51.2020.8.16.0031, o qual possui a classe de Ação Penal de competência do júri por se tratar de crime contra a vida, no qual o assunto principal e qualificado é o femicídio cometido pelo réu contra a sua esposa na data de 22 de julho de 2018. Nos referidos autos o Ministério Público (MP), em 06 de agosto de 2018 ofereceu denúncia contra Manvailer, tendo sido esta recebida em 08 de agosto de 2020.

O réu se encontrava preso na Penitenciária Industrial de Guarapuava, para tanto sendo seu direito segundo a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ser julgado em prazo razoável, sem dilações indevidas, em conformidade com a Constituição da República (art. 5º, LXVIII) e com o Decreto n. 678/1992 (Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 7º, item 5), pelos delitos previstos no Art. 121 do CP (homicídio), parágrafo 2º - que determina a forma qualificadora do ilícito, ou seja, o fator que altera as penas mínima e máxima do tipo, além de trazer novas elementares para o tipo, caracterizados por ser um tipo derivado autônomo ou independente. BRASIL (2016, p.46). Assim, sua análise será na primeira fase da dosimetria da pena (pena base). Art. 121, Inciso: II CP - que denota a utilização de motivo fútil, que se define como aquele motivo insignificante, banal, motivo que normalmente não levaria ao crime, há uma desproporcionalidade entre o crime e a causa; inciso III emprego de asfixia e inciso IV, mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; BRASIL (2016, p.46) c/c (combinado) com o parágrafo 2-A que prerroga o feminicídio – aquele delito que envolve razões de condição de sexo feminino. Ainda figura o concurso material (quando o agente pratica dois ou mais crimes distintos, mediante mais de uma ação, BRASIL (2016, p.47) com fundamento no art. 69, do CP, razão pela qual as penas devem ser somadas) BRASIL (2016, p.30) do Art.347 do CP – que caracteriza a fraude processual que é um crime no qual o agente busca inovar artificiosamente, na pendência de processo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito. BRASIL (2016, p.122)

No julgamento de Manvailer, no plenário, para tratar da morte de Tatiane, além dos sete jurados denominados de Conselho de sentença, estavam presentes um juiz, um assistente do juiz, sete advogados de defesa, o réu, um promotor, um assistente de promotor, quatro assistentes de acusação e apenas uma mulher, assistente do promotor.

morte da advogada ocorreu em julho de 2018, tendo sido Tatiane encontrada morta após cair da sacada do apartamento onde morava com Manvailer. O laudo atestou asfixia mecânica como causa da morte.

Dessa forma se faz necessário o entendimento de que o Tribunal do Júri é um órgão de primeira instância, ou seja, primeiro grau da Justiça Comum podendo ser estadual ou federal conforme o Art. 109 da Constituição da República (CR/1988). Sendo este composto por um juiz de direito (presidente), e de 07 jurados sorteados da massa leiga da população e anuídos pela defesa e pela acusação segundo critérios pré-determinados e altamente analisados – esses jurados são denominados de Conselho de Sentença, responsáveis por absolver ou condenar o réu.

O Tribunal do Júri consta do Art. 439 do Código de processo penal (CPP) no qual estão expressas as regras para sua organização.

O júri de Manvailer durou sete dias. No primeiro deles, 30 pessoas foram convocadas para participar do sorteio no Fórum de Guarapuava. Quatro mulheres foram sorteadas, mas acabaram dispensadas depois de pedidos da defesa do acusado.

Em três casos, a dispensa foi sem motivo, o que é um direito da defesa, de acordo com o predisposto no Art. 436 CPP. A quarta dispensa foi autorizada pelo juiz após os advogados argumentarem que a jurada sorteada havia curtido uma página de apoio à Tatiane Spitzner em uma rede social.

As recusas motivadas ocorrem quando há suspeição, impedimento ou incompatibilidade dos jurados.

Vale salientar que cada comarca possui uma lista geral de jurados que podem ser selecionados para sessões de júri popular. A relação de nomes é atualizada anualmente e a quantidade de pessoas está diretamente ligada ao tamanho da população da comarca.

Já quando se fala em sentença cabe fundamentar que esta tem requisitos extrínsecos e intrínsecos. Os requisitos intrínsecos são o relatório, a fundamentação e o dispositivo ou conclusão. Os extrínsecos são a data e a assinatura, que autenticam, e as rubricas nas folhas se forem datilografada.

O relatório é o resumo das ocorrências do processo, desde a identificação das partes, exposição sucinta da acusação e da defesa, até as provas colhidas e eventuais incidentes resolvidos.

A fundamentação é a identificação dos motivos, de fato e de direito, que conduzem à conclusão.

O dispositivo é a parte em que o juiz, coerente com a fundamentação, aplica a lei ao caso concreto e condena ou absolve o acusado, apontando os dispositivos legais que incidem na hipótese.

Proferida a sentença de mérito, o juiz encerra a atividade jurisdicional sobre a imputação.

A sentença não poderá ser modificar, salvo para retificar erros materiais, ou, mediante requerimento da parte em 48 horas, para esclarecer obscuridade, ambiguidade, contradição ou omissão (art. 382 CPP) BRASIL (2016, p.74). Apesar de o código não declarar expressamente, mas encontra-se nesse dispositivo a figura dos embargos de declaração, que são  são uma espécie de recurso com a finalidade específica de esclarecer contradição ou omissão ocorrida em decisão proferida por juiz ou por órgão colegiado, no qual o código refere como recurso apenas contra acórdão (art. 619 CPP).

O Juiz pode, ainda, modificar a sentença se contra ela couber recurso no sentido estrito, que o recurso mediante o qual se procede ao reexame de uma decisão nas matérias especificadas em lei, possibilitando ao próprio juiz recorrido uma nova apreciação da questão, antes da remessa dos autos à segunda instância, como acontece no caso de sentença em habeas corpus - garantia constitucional que tutela a liberdade de locomoção do homem. Portanto, dizemos que o "habeas corpus" (HC) é uma ação, ou melhor, uma ação penal popular, já que pode ser impetrado por qualquer pessoa do povo.

Cabe ressaltar que a sentença na esfera penal é o ato do juiz de resolver a lide, aplicando a lei ao caso concreto mediante o aspecto formal.  

Mediante tais apontamentos passa-se a análise dos atos expostos na sentença, pelo magistrado, no julgamento de Manvailer.

Em um primeiro momento foi abordado pelo magistrado os quesitos concernentes ao crime de homicídio consumado, ou seja, o crime no qual o agente produziu o resultado exatamente como está descrito na norma penal ou incriminadora, ou seja, ele não só praticou a conduta, mas, consequentemente, a sua conduta produziu o resultado qualificado como crime.

No caso em que foi vítima Tatiane Spitzner, os jurados reconheceram a materialidade (existiram elementos físicos que constatam a ocorrência do delito) e autoria delitiva (Manvailer foi considerado autor, aquele que executou por si mesmo o ato de execução do ilícito penal definido na lei).

Os jurados negaram as teses absolutórias sustentadas em Plenário, conforme negativa de resposta ao quesito genérico de absolvição, de forma a reconhecerem a presença das qualificadoras do motivo fútil, da asfixia, do meio cruel e do feminicídio, previstos nos incisos II, III e VI do §2º do art. 121 do CP.

Scussiato apontou que Manvailer "aproveitou da situação de grande vulnerabilidade emocional e psicológica" de Tatiane que, "de há muito tempo, vinha sofrendo com as atitudes agressivas e de menosprezo do condenado". Mencionou a Lei Maria da Penha, de maneira a discorrer sobre violência de gênero.

O segundo quesito a ser apresentado se refere a fraude processual cometida pelo réu, sendo que sobre isto o conselho de sentença reconheceu a materialidade e autoria delitiva, entretanto negou teses absolutórias sustentadas em Plenário, mas reconheceram à causa de aumento de pena.

Cabe salientar que a votação do Conselho de Sentença ocorre com o recolhimento dos sete jurados em uma sala secreta onde são entregues a cada um, cédulas, com questionamento “sim” ou “não”, no qual os jurados respondem  sobre a materialidade, autoria e sobre as qualificadoras pelo qual o acusado responde. As respostas são sigilosas e individuais.

Os jurados recebem cada um, uma cédula 'sim' e uma cédula 'não'. Eles colocam em uma urna as suas respostas, sem ninguém saber, e colocam o voto de descarte em outra urna, para ninguém saber a cédula que ele ficou na mão.

Ao votar, os integrantes do júri o fazem de forma separada, sem comunicação entre eles. Os votos são contados e, ao chegar a um quarto voto igual, de um total de sete jurados, o juiz encerra a contagem.

No julgamento do caso de Tatiane Spitzner, o conselho de sentença recebeu as seguintes questões:

1º quesito - Acusação de homicídio qualificado

  • Materialidade:
    - No dia 22 de julho de 2018 entre 2h42 e 2h57 no apartamento 403 do ed. Golden Garden, a vítima Tatiane Spitzner foi morta por esganadura?
  • Autoria:
    – O réu Luis Felipe Santos Manvailer matou Tatiane Spitzner?
    – O jurado absolve o réu Luis Felipe Santos Manvailer?

Qualificadoras:
– O réu cometeu o crime por meio de asfixia?

– O réu praticou o crime com meio cruel?

– O réu cometeu o crime por motivo fútil?

– O réu praticou crime por conta do sexo feminino?

Acusação por fraude processual

{C}·       Materialidade:
- Em frente e no interior do Golden Garden, houve inovação artificiosa no lugar e de cosas, vez que houve remoção do corpo da vitima e da limpeza do local?

Autoria:
- O réu Luis Felipe Manvailer em frente e no interior do Golden Garden fez inovação artificiosa (induzir a erro) no lugar e de coisas, vez que houve remoção do corpo da vitima e da limpeza do local?

– Absolvem o réu?

– Visava produzir efeito em processo penal ainda não iniciado?

Depois dos votos dos jurados e da contagem das cédulas, o juiz acompanha a decisão da maioria, mas é ele quem faz a dosimetria da pena, ou seja, realiza o cálculo para definir qual a pena será imposta em decorrência da prática de um crime, de acordo com as circunstâncias que foram admitidas pelo Conselho de Sentença.

Cabe ao magistrado decidir a pena, analisando os antecedentes, os motivos, as consequências. O juiz analisa, mas fica totalmente vinculado ao que os jurados decidiram. Considera se o réu iniciará a execução da pena ou se vai responder em liberdade, entre outros fatores.

O júri é soberano, então, o tribunal não pode alterar o mérito da decisão. Se o réu for condenado pelos jurados, o juiz não pode absolver. Entretanto, há a possibilidade de anulação do julgamento, caso a Justiça entenda que foi uma decisão absurda. O veredicto dos jurados, nestes casos, só pode ser anulado uma única vez.

No caso Manvailer, diante das respostas apresentadas pelo Conselho de Sentença quanto aos quesitos, o magistrado julgou procedente a pretensão punitiva do Estado para condenar o réu nas sanções legais pelo cometimento do crime de homicídio qualificado (incidência de quatro qualificadoras), na modalidade consumada, positivado no artigo 121, caput c/c §2º, incisos II, III e VI  -  c/c §2º-A, do CP em concurso material com o crime previsto no art. 347, parágrafo único, do CP..

Posteriormente o juiz passa a fundamentar e decidir a cerca da dosimetria da pena do acusado/condenado de maneira concreta e individualizada, à luz do vasto acervo probatório apresentado pelos autos.

No julgamento de Manvailer o primeiro ponto apontado para a estipulação da pena refere-se ao homicídio qualificado, foram reconhecidas quatro qualificadoras pelo Conselho de Sentença, entretanto somente a asfixia  foi utilizada para qualificar a pena de maneira a elevar os patamares mínimo e máximo da sanção, enquanto as outras qualificadoras (motivo fútil, meio cruel e feminicídio – crime contra mulher por razões do sexo feminino), irão agravar a pena, na esteira do entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) pois de acordo com o Recurso em sentido estrito 830.554/SP no caso de haver mais de uma qualificadora do delito, é possível que uma delas seja utilizada como tal e as demais sejam consideradas como circunstâncias desfavoráveis, seja para agravar a pena na segunda etapa da dosimetria, seja para elevar a pena-base na primeira fase do cálculo (STJ: AgRg no AREsp 830.554/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, j. Em 20.09.2018).

Diante dessa perspectiva, o magistrado, aplicou a circunstância qualificadora do inciso III do §2º do art. 121 do CP (asfixia), enquanto as qualificadoras do motivo fútil, meio cruel e feminicídio – contra mulher por razões da condição de sexo feminino (art. 121, §2º, II, III e VI, do CP) irão agravar a reprimenda penal na segunda fase da dosimetria penal (art. 65, III, “a”, “d” e “f”, do C P).

Diante do exposto a pena base na 1ª fase terá como diretrizes traçadas pelo artigo 59 do CP, tendo-se que, nessa etapa, deverão ser objeto de análise, para valoração, ou não, as seguintes circunstâncias:

{C}1.    A culpabilidade – sustentando Scussiato, ser esta ainda maior no caso de Manvailer. De acordo com o magistrado, houve grande "intensidade da vontade de consecução do crime", ou seja, quando o crime meio é realizado como uma fase ou etapa do crime-fim, onde vai esgotar seu potencial ofensivo, sendo, por isso, a punição somente da conduta criminosa final do agente, de forma que a asfixia teria sido utilizada como meio provedor para o crime de homicídio.

O magistrado sustenta que Luis Felipe apresentou "extrema frieza emocional", notado a partir das ações desde o início da execução do crime e até do comportamento externado após a causação da morte, visto que após asfixiar Tatiane, mediante esganadura, arremessou o corpo da vítima, já sem vida da sacada do apartamento, situado no 4º andar (o qual, na realidade, corresponde ao 6º andar, pois há dois andares de estacionamento elevado no edifício), com 22 (vinte e dois) metros de altura, o que eliminaria a possibilidade de eventual pedido de socorro por terceiros e garantiria o resultado morte, simulando, com isso, um suicídio.

Scussiatto desta "a brutalidade e a covardia da conduta criminosa", além da frieza de Manvailer durante todo o crime, desde as agressões até a retirada do corpo da esposa da calçada de maneira a destacar o comportamento agressivo de Manvailer.

O magistrado apontou ainda depoimentos de amigos do casal para classificar a personalidade do condenado, que definiu como predisposição agressiva e descontrole emocional.

Nesse sentido se enaltece que a prova testemunhal é muito discutida por juristas e doutrinadores, no ordenamento jurídico brasileiro, sendo que a maior dificuldade sobre o tema se encontra na possibilidade da testemunha apresentar versões distorcidas dos fatos. É notório que nem sempre o fato é contado de forma distorcida, intencionalmente. Na verdade, a testemunha, pode até estar de boa-fé, tentando cooperar com a justiça, mas uma série de fatores, acabam por distorcer a capacidade desta em expressar a realidade dos fatos. E isso ocorre, porque, a forma da testemunha captar a situação fatídica que testemunhou, está sendo filtrada pela sua formação cultural, intelectual e social, ou até mesmo pelo ouviu falar sobre o assunto.

Quando se trata de uma única testemunha presencial, ou seja, de alguém que teve contato direto com o fato, ainda que seja o amigo íntimo do acusado, poderá ser ouvida, conforme ensina o artigo 447, §4º do Código de Processo Civil (CPC). Isso porque, o fato da testemunha ter presenciado os acontecimentos, já diminui o risco de se ter uma interpretação contaminada, pois, se trata de uma testemunha ocular, e não de alguém que ouviu falar, e por isso esta pessoa estará no rol das testemunhas importantes para o caso, mesmo sendo a única e ainda suspeita.

Cabe fundamentar que quanto aos antecedentes do réu nada foi levantado, ou seja, o réu não possuía qualquer envolvimento com o Poder Judiciário na esfera penal. Nas palavras de Celso Delmanto em seu "Código Penal Comentado", antecedentes: São os fatos anteriores de sua vida, incluindo-se tanto os antecedentes bons como os maus. Serve este componente especialmente para verificar se o delito foi um episódio esporádico na vida do sujeito ou se ele, com frequência ou mesmo habitualmente, infringe a lei. DELMANTO (2016, p.255.).

Na mesma linha segue a jurisprudência do TJSP versando sobre antecedentes:

Antecedentes são todos os fatos ou episódios da vida anteacta do réu, próximos ou remotos, que possam interessar, de qualquer modo, a avaliação subjetiva do crime. Tanto os maus e os péssimos, como os bons e os ótimos. Em primeiro lugar, deve-se ter em conta os antecedentes judiciais, nunca restringindo simplesmente a existência ou inexistência de precedentes policiais e judiciais, mas levando-se em conta, também, o comportamento social do réu, sua vida familiar, sua inclinação ao trabalho e sua conduta contemporânea e subsequente à ação criminosa, para então qualificá-los em bons ou maus. (TACRIM-SP - HC - Rel. Manoel Carlos - RJD 7/191 -JUTACRIM 80/108, 87/127. In: STOCO. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. SP: RT, 2007, p.1186.)

No que toca ao conceito de antecedentes criminais, não há qualquer divergência em sua concepção. Realmente volta-se para a vida pregressa penal daquele que tem a conduta analisada pelo Poder Judiciário.

Quanto à conduta social de Manvailer nada foi considerado, essa conduta se relaciona com o comportamento do réu no seu ambiente familiar, de trabalho e na convivência com os outros. É o estilo de vida do réu, correto ou inadequado, perante a sociedade, sua família, ambiente de trabalho, círculo de amizades e vizinhança etc.

O magistrado referência o relacionamento abusivo mantido entre Manvailer e Tatiane, embasado em afirmações presentes no computador da vítima que foram anexadas aos autos. Ele faz menção ainda a relatos de amigos do casal que indicavam um comportamento hostil e até mesmo agressivo de Manvailer em relação à vítima que, em diversas situações de contrariedade a seus posicionamentos, teria sido agressivo, quebrando objetos da residência, jogando livros no chão com o intuito de humilhá-la, o réu também foi citado ao brigar com conhecidos em festas familiares por não aceitar brincadeiras. Complementando cita  a índole subversiva do acusado, com postagens públicas misóginas (desprezo ou ódio por mulheres), de incitação à violência e demonstração de seu ânimo em infringir as normas legais diante de situações que lhe causam adversidades.

Assim se enfatiza que a função da investigação preliminar é a de levantar elementos de materialidade e autoria da conduta criminosa (meios probatórios, informantes, testemunhas, perícias, documentos etc.), justificando democraticamente a instauração de ação penal (ART. 12 CPP), ou seja, para que o jogo processual possa ser iniciado a partir da autorização do estado-juiz (recebimento motivado da denúncia e/ou queixa crime). Dúvidas não pairam sobre a necessidade, salvo exceções, de repetição da prova testemunhal na fase judicial. Por outro lado, a fase de investigação preliminar, consubstanciada quase sempre no inquérito policial, deve se pautar por procedimento menos formal, visando sobretudo alcançar celeridade aos atos de investigação.

No quesito que referencia à personalidade de Manvailer o magistrado sustenta que a predisposição agressiva e o descontrole emocional do acusado estariam devidamente comprovados nos autos, cujo somatório foi à mola propulsora do crime perpetrado no lar conjugal do casal. Faz menção ainda que a personalidade: trata-se do retrato psíquico do agente, de suas qualidades de boa ou má índole, agressividade e o antagonismo à ordem social, cuja valoração, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no REsp 1.406.058/RS, Min. Rel. Jorge Mussi, j. Em 19.04.2018), de forma que tais elementos demandaram a utilização de elementos concretos inseridos nos autos, justificantes da exasperação (sistema de aplicação de duas ou mais penas em que aplica-se a pena a mais grave acrescida de um valor entre um sexto à metade (116,6% a 150%), de maneira a se aplicar apenas quando os crimes forem resultado de uma única ação ou omissão) da pena-base cominada,  sendo prescindível a realização de laudo pericial para tal constatação.

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No que tange aos motivos do crime o magistrado em nada fez menção, visto que estes já agravam e qualificam a sanção penal.  Os motivos do crime são as razões subjetivas que estimularam ou impulsionaram o agente à prática da infração penal. Os motivos podem ser conforme ou em contraste com as exigências de uma sociedade. Não há dúvidas de que, de acordo com a motivação que levou o agente a delinquir, sua conduta poderá ser mais ou  menos reprovável. O motivo constitui a origem propulsora da vontade criminosa.

Nada mais é do que o “porquê” da ação delituosa. São as razões que moveram o agente a cometer o crime. Estão ligados à causa que motivou a conduta. Todo crime possui um motivo. Para SCHMITT (2013, p.133) é o fator íntimo que desencadeia a ação criminosa (honra, moral, inveja, cobiça, futilidade, torpeza, amor, luxúria, malvadez, gratidão, prepotência etc.).

No caso Tatiane, de acordo com uma testemunha, Manvailer após um ataque de ciúmes chegou a rasgar a roupa da esposa, humilhando-a de diversas formas. Vale ressaltar que na noite do crime havia ocorrido uma briga entre ambos, pelo fator ciúmes, o que levou a agressão.

Para CUNHA (2014, p.383) os motivos correspondem ao “porquê” da prática da infração penal. Entende-se que esta circunstância judicial só deve ser analisada quando os motivos não integrem a própria tipificação da conduta, ou não caracterizem circunstância qualificadora ou agravante, mediante pena de bis in idem.

Nesse sentido, cabe sustentar que decorrem dos autos que na madrugada do crime, Tatiane e Luís Felipe começaram uma discussão em um bar, sendo que por volta das 2h, o casal voltou para casa. No carro, ainda na rua, imagens de câmeras de segurança registraram o momento em que Luís Felipe bateu em Tatiane, lhe dando socos e tapas no rosto, no estacionamento do prédio, as agressões continuaram. De acordo com a polícia e as análises dos vídeos de segurança, Luís Felipe, que é faixa roxa de jiu jitsu, chegou a dar o golpe “mata leão” em Tatiane, que ficou cerca de dois minutos imóvel no chão do estacionamento, Tatiane ao recobrar os sentidos tentou fugir.

A investigação constitui um primeiro passo para a ruptura com os preconceitos e noções prévias, e por essa razão, a investigação deve permitir meios de sondar informações e encontrar respostas ou soluções que sejam claras, exequíveis e relevantes.

A análise criminal associada à inteligência policial é um instrumento de produção de conhecimento, coletando e processando dados, distribuindo informações e julgamentos fundamentados em sistemas de informação que comprovem a ilicitude do caso concreto, informações estas que seriam  impossíveis de serem detectados manualmente. A análise do conjunto de informações pode permitir o desenvolvimento de análise, contribuindo com adoção de medidas que possibilitarão uma maior sensação de segurança no combate ao crime. É importante notar que os dados captados para a segurança pública devem ter um referencial com dois caminhos, que são a disponibilidade e a usabilidade social.

No que tange as circunstâncias do crime, Scussiato, esclarece que Manvailer demonstrou "ousadia na empreitada criminosa antes, durante e após a consumação do homicídio".

O magistrado ressaltou o desespero da vítima, constatada  em imagens das câmeras de segurança e relatada pelos vizinhos, sustentou ainda que por estar a vítima sob efeito do álcool, "teve ainda  diminuída sua capacidade de resistência".

É necessário ressaltar os dados da Rede de Observatório da Segurança que apontam que, no Brasil, pelo menos cinco mulheres são assassinadas ou vítimas de violência por dia no ano de 2020. Em 58% dos casos de feminicídio e em 66% dos casos de agressão, os criminosos são companheiros da vítima.

Scussiato ainda citou a fuga de Manvailer com destino ao Paraguai e o acidente que ele sofreu em São Miguel do Iguaçu, onde acabou preso, quase na fronteira com o país vizinho, de maneira a se exaurir da conduta criminosa e colocando a vida de terceiros em risco.

Para PRADO (2014, p.428) as circunstâncias do crime são os fatores de tempo, lugar, modo de execução, excluindo-se aqueles previstos como circunstâncias legais. 

Trata-se do modus operandi empregado na prática do delito. São elementos que não compõem o crime, mas que influenciam em sua gravidade, tais como o estado de ânimo do agente, o local da ação delituosa, o tempo de sua duração, as condições e o modo de agir, o objeto utilizado, a atitude assumida pelo autor no decorrer da realização do fato, o relacionamento existente entre autor e vítima, dentre outros.

SCHMITT (2013, p.136) salienta que não se pode esquecer, também de se evitar o bis in idem pela valoração das circunstâncias que integram o tipo ou qualificam o crime, ou, ainda, que caracterizam agravantes ou causas de aumento de pena. Já DELMANTO (2010, p.274) complementa salientando que são circunstâncias  que cercaram a prática da infração penal e que podem ser relevantes no caso concreto (lugar, maneira de agir, ocasião etc.). Note-se, também quanto a estas, que não devem pesar aqui certas circunstâncias especialmente previstas no próprio tipo ou como circunstâncias legais ou causas especiais (exs: repouso noturno, lugar ermo etc.), para evitar dupla valoração (bis in idem).

No que se refere às consequências LIMA (2012, p.32) as define como o resultado do crime em relação à vítima, sua família ou sociedade. Assim, as consequências do crime, quando próprias do tipo, não servem para justificar a exasperação da reprimenda na primeira etapa da dosimetria. As consequências devem ser anormais à espécie para valoração desta circunstância judicial, ou seja, que extrapolem o resultado típico esperado. Os resultados próprios do tipo não podem ser valorados. Já para JANSEN (2009, p.96) as consequências denotam a extensão do dano produzido pela prática criminosa, sua repercussão para a própria vítima e seus parentes, ou para a comunidade. Elas somente devem ser consideradas quando não forem elementares do tipo, ou seja, essenciais à figura típica. Por tal motivo, são chamadas por alguns doutrinadores de consequências extrapenais.

NUCCI (2015, p.189) salienta que o mal causado pelo crime, que transcende o resultado típico, é a consequência a ser considerada para a fixação da pena. É lógico que num homicídio, por exemplo, a consequência natural é a morte de alguém e, em decorrência disso, uma pessoa pode ficar viúva ou órfã. Diferentemente, um indivíduo que assassina a esposa na frente dos filhos menores, causando-lhes um trauma sem precedentes, precisa ser mais severamente apenado, pois trata-se de uma consequência não natural do delito.

Diante de tais apontamentos se fundamenta que a pena a pena objetiva punir o condenado, retribuindo a este o mal causado em decorrência de seu delito, tal como efetiva a prevenção de novas condutas delituosas, fazendo com que o criminoso não realize novas condutas ilícitas.

Dessa forma o magistrado aponta que no ano de 2018, data do fato criminoso, registrou-se 1.225 (um mil, duzentos e vinte e cinco) casos de feminicídio no território nacional, dos quais 69 (sessenta e nove) delitos desta estirpe no Estado do Paraná, entretanto nenhum dos casos, contudo, ganhou tamanha projeção/repercussão midiática como o caso de Tatiane Spitzner (certamente, porque não tiveram registradas com tanta clareza as cenas de violência).

Para a família da vítima, essa consequência da publicidade exacerbada da morte da pessoa querida, decorrente diretamente, do modo bárbaro como o homicídio foi executado, sendo deveras nefasta, eis que adia, que estorva, indefinidamente, a estabilização do luto.

Hoje, sabe-se  que, a imprensa realiza um papel de extrema importância no que diz respeito à formação das pessoas, principalmente no modo de pensar devido a sua grande transmissão de informações. O excesso deste papel informativo ao invés de ser algo educativo, torna-se um sistema de obtenção de lucro pelos meios de comunicação, que exploram as diversas formas de dor. Os repórteres se tornam juízes, advogados, promotores, de forma a se esquecerem de que sua função primordial é a informação e não a midiatização do fato.

Desta forma, com o uso da mídia deixando os fatos mais claros e mais verdadeiros, muitas vezes dando ao caso concreto ar de reality show, faz com que o corpo de jurados muitas vezes se sinta oprimido ao realizar o julgamento do réu, visto que o Conselho de Sentença que advêm da massa popular; já veem para a tribuna com conceitos pré-moldados, formulados, em decorrência das informações desses meios de comunicação.

Mediante tais preceitos o magistrado ressaltou em sua tese que o crime chocou não só a cidade de Guarapuava e o Estado do Paraná, mas, também, todo o País. A brutalidade e a covardia da ação criminosa do condenado atraíram a cobertura por redes televisivas de âmbito nacional e internacional, demonstrando que, além do elevado prejuízo psicológico causado à família em decorrência da envergadura da ação criminosa, transcendeu o resultado típico, exorbitando o prejuízo emocional que está intimamente ligado ao momento da perda de um ente querido.

De acordo com DOBJENSKI (2020) em artigo para o JUSBRASIL a divulgação e a propagação dos acontecimentos tomam contam desses meios visto gerarem enorme curiosidade e repercussão na sociedade, se constituindo verdadeiros roteiros novelísticos na sua abordagem.

É notória, que a sociedade é atraída e influenciada pelas informações e acontecimentos que geram comoção, levando em consideração esse poder, a mídia muitas vezes altera partes dos acontecimentos como forma de tentar manipular a sociedade, podendo causar problemas tanto na sociedade em geral, que acredita muito mais nessa mídia de palavras fáceis do que no Poder Judiciário dotado do “juridiquês”.

De acordo com tal percepção, DOBJENSKI (2020) sustenta que a mídia está presente em todos os momentos e em todos os setores da sociedade de forma que a população acaba sendo influenciada pelas notícias repassadas, principalmente quando o receptor não tem conhecimento necessário para saber diferenciar se a história é ou não verdadeira, causando desta forma uma revolta e indignação ainda maior por parte dessas pessoas leigas.

Para a autora a mídia tem um importante papel para toda a sociedade, com o intuito de mantê-la informada e atualizada sobre tudo o que acontece no mundo a cada momento do dia, porém, devido à grande massa de informação em forma de notícia que é transmitida sem ao menos se importar com a forma de interpretação de quem irá receber acaba influenciando fortemente para a formação de uma opinião crítica a respeito do assunto que na maioria das vezes é inadequada e diferente do contexto técnico do fato.

Diante desse fato se faz necessário mencionar que a presunção de inocência é um direito e garantia fundamental, estabelecida como cláusula pétrea, tamanha a sua importância, que garante que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Não obstante a referida previsão constitucional, a mídia, principal meio de divulgação e propagação de informações atualmente, muitas vezes ultrapassa os limites da presunção da inocência, condenando suspeitos ou réus antes mesmo da justiça o fazer.

Diante da confiabilidade da população brasileira nos meios de comunicação, atribui-se à mídia um poder de criar e controlar narrativas rentáveis, baseadas no caos. Na esfera dos crimes contra a vida, a competência para julgamento é do Tribunal do Júri, conhecido como tribunal popular exatamente por garantir um julgamento por pessoas da sociedade no lugar do juiz, contendo a arbitrariedade estatal.

Quanto ao comportamento da vítima o magistrado apontou que este não influenciou na prática delitiva e deve ser considerada neutra. Com base na doutrina e jurisprudência pátria que não admitem a sua desvaloração para recrudescimento da pena-base.

O fato de a vítima ter tido uma discussão com o condenado não demonstra que concorreu para a prática delitiva brutal cometida pelo réu, mediante pena de se responsabilizar indevidamente a vítima pelo delito de natureza hedionda cometida pelo réu.

A par do exposto, é de se destacar que, conforme jurisprudência de nossos Tribunais Superiores inexiste base legal especificando o quantum de aumento na primeira fase da dosimetria, razão pela qual cabe ao Juiz, na análise do caso concreto, verificar a quantidade que se mostra proporcional às circunstâncias, à luz da jurisprudência pátria.

Diante desses fundamentos cabe a necessária e suficiente reprovação e prevenção ao crime, o aumento da pena-base por quatro circunstâncias judiciais desfavoráveis (culpabilidade, personalidade, circunstâncias e consequências do crime), fixando a pena-base em 21 (vinte e um) anos de reclusão, tendo em conta o intervalo entre as margens penais mínima e máxima do delito dividido pelo número de circunstâncias judiciais (12 a 30 anos = 18 anos / 8 = 02 anos e 03 meses de aumento por circunstância judicial desfavorável), com base na jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça conforme aponta o Agravo em Recurso especial 1627579:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FURTO TENTADO. DOSIMETRIA. CRITÉRIO DE AUMENTO RECONHECIDO JURISPRUDENCIALMENTE. PENA-BASE PROPORCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Considerando o silêncio do legislador, a doutrina e a jurisprudência estabeleceram dois critérios de incremento da pena-base, por cada circunstância judicial valorada negativamente, sendo o primeiro de 1/6 (um sexto) da mínima estipulada e outro de 1/8 (um oitavo) a incidir sobre o intervalo de condenação previsto no preceito secundário do tipo penal incriminador. 2. No caso dos autos, as instâncias ordinárias utilizaram o critério de um oitavo sobre o intervalo das sanções mínima e máxima abstratamente prevista para o tipo penal (1 a 4 anos). Dessa forma, o aumento da pena base em 4 (quatro) meses, por uma vetorial desabonadora, revela-se proporcional e adequado. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg no AREsp 1627579/MG, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 08/09/2020, DJe 15/09/2020)

E a Revisão Criminal 5000843-29.2018.8.16.000 do Tribunal do estado do Paraná:

REVISÃO CRIMINAL DE SENTENÇA. FEMINICÍDIO (ART. 121, § 2.º, INCISOS IV E VI, CP). CONDENAÇÃO À PENA DE VINTE E QUATRO (24) ANOS DE RECLUSÃO, EM REGIME FECHADO. PRETENSÃO DE EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA DO EMPREGO DE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. INVIABILIDADE. DECISÃO, AO CONTRÁRIO DO ALEGADO, RESPALDADA NA EVIDÊNCIA DOS AUTOS. VEREDICTO EM HARMONIA COM OS ELEMENTOS PROBATÓRIOS. DOSIMETRIA DA PENA. REDUÇÃO. PARCIAL ACOLHIMENTO. CULPABILIDADE E CONSEQUÊNCIAS DO DELITO CORRETAMENTE VALORADAS EM DESFAVOR DO SENTENCIADO. AUMENTO DA PENA EM RAZÃO DE CADA CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL TIDA COMO DESFAVORÁVEL, CONSISTENTE EM DOIS (2) ANOS, QUE NÃO É EXCESSIVO. MONTANTE INCLUSIVE INFERIOR AO QUE PODERIA TER SIDO FIXADO (02 ANOS E 03 MESES). DESNECESSIDADE DE REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA PARA FINS DE RECONHECIMENTO DA AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 61, INC. I, DO CÓDIGO PENAL. COMPENSAÇÃO, PORÉM, COM A ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. ELEVAÇÃO DA REPRIMENDA, NA SEGUNDA FASE, EM UM SEXTO (1/6), DIANTE DA INCIDÊNCIA DA AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 61, INC. II, ALÍNEA “F”, DO CÓDIGO PENAL. REDUÇÃO DA PENA DEFINITIVA PARA DEZOITO (18) ANOS E OITO (8) MESES DE RECLUSÃO, MANTIDO O REGIME INICIAL FECHADO. PEDIDO REVISIONAL JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE. (TJPR - 1ª C.Criminal - RC - 5000843-29.2018.8.16.0000 - Rel.: Desembargador Miguel Kfouri Neto - J. 14.11.2018)

Com as descrições de todos esses fundamentos se finda a 1ª fase da dosimetria da pena na qual o juiz deverá avaliar as circunstâncias judiciais, do art. 59 do CP que estipula que o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime BRASIL (2016, p.26) para estipulação da pena base concreta que deverá ficar entre o mínimo e o máximo de pena abstratamente previsto na Lei. 

No que tange a pena provisória – que consiste na 2ª fase da dosimetria da pena no referido ato ilícito incidiram 04 qualificadoras, ou seja, fatos que alteram as penas mínima e máxima do tipo, além de trazer novas elementares para o tipo, caracterizados por ser um tipo derivado autônomo ou independente. Assim, sua análise será na primeira fase da dosimetria da pena (pena base).

Tendo em conta que a asfixia foi utilizada para qualificação do crime, as demais (motivo fútil, outro meio cruel e feminicídio), reconhecidas pelo Conselho de Sentença, foram computadas como circunstâncias agravantes (fatores taxativamente previstos em lei que aumentam a pena), na medida em que encontram previsão no art. 61, II (ter o agente cometido o crime), a (por motivo fútil), d (com emprego de tortura) e f (femicídio), do CP, nos termos da sedimentada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DOSIMETRIA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. MOTIVOS, CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME E CULPABILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AUMENTO PROPORCIONAL. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. EXISTÊNCIA DE DUAS QUALIFICADORAS. UTILIZAÇÃO DE UMA PARA QUALIFICAR O CRIME E DE OUTRA COMO CIRCUNSTÂNCIA AGRAVANTE. POSSIBILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO. 1 (…) 2. Não há bis in idem quando, havendo mais de uma qualificadora, uma delas for utilizada para qualificar o delito e as demais forem consideradas como circunstâncias desfavoráveis, seja para agravar a pena na segunda etapa da dosimetria, seja para elevar a reprimenda básica na primeira fase. Precedentes. 3. Como ressaltado pelo Tribunal de origem, as circunstâncias judiciais negativamente valoradas possuem elementos próprios, como já destacado, e não reproduzem as qualificadoras reconhecidas pelo Tribunal do Júri. 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC 512.372/PE, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 15/08/2019, DJe 22/08/2019)

Para o magistrado é perfeitamente admissível o concurso de meios cruéis (aquele que causa, desnecessariamente, maior sofrimento à vítima, ou revela uma brutalidade fora do comum ou em contraste com o mais elementar sentimento de piedade), caso fundamentados em situações fáticas distintas, devidamente constantes da inicial acusatória ( peça que inaugura o processo, contendo a imputação formulada pelo órgão acusador, sendo que, nos crimes de ação penal pública, recebe o nome de denúncia, enquanto que nas ações privadas é denominada de queixa-crime) e analisadas na sentença de pronúncia (decisão que não põe fim ao processo: ela apenas decide que existem indícios de um crime doloso contra a vida e que o acusado pode ser o culpado e que, por se tratar de um crime doloso contra a vida, o processo será julgado por um tribunal do júri e não por um juiz sozinho):

 “No caso dos autos, as qualificadoras apontadas na denúncia são: motivo fútil; asfixia; meio cruel; recurso que impossibilitou a defesa da vítima; e feminicídio.” (...) Ainda de acordo com a acusação, o réu teria inflingido intenso sofrimento físico e psíquico na vítima mediante sucessivas agressões durante o trajeto entre a chegada no prédio e a subida ao apartamento, as quais se intensificaram até culminar com o resultado morte através de asfixia, que ficou atestada pelo laudo de necropsia de mov. 260.2 e pelas imagens degravadas das câmeras de segurança do prédio Golden Garden. (...) Analisando tais argumentos, entendo que as qualificadoras não podem deixar de ser reconhecidas nesta etapa de cognição sumária e superficial dos fatos apurados, até porque, em se tratando de decisão de pronúncia, vigora a máxima in dubio pro societate, de modo a evitar a indevida subtração da análise do meritum causae pelo seu juiz natural, que é, precisamente, o Tribunal Popular. (...) Ainda, as imagens das câmeras de segurança trouxeram indícios de que o acusado teria praticado o crime mediante agressões sucessivas contra a vítima que culminaram, em tese, com a esganadura, cabendo ao Conselho de Sentença decidir se tal fato deve ser considerado cruel e desumano, bem como se efetivamente houve asfixia e se a superioridade física do acusado teria impedido Tatiane de se defender.

Em outros termos, em que pese à asfixia e o outro meio cruel (expressão mais genérica) se encontrarem no mesmo dispositivo legal, in casu, foram motivos de reconhecimento por conta de atos praticados em situações distintas no iter criminis, haja vista que, inicialmente, utilizou-se do meio cruel, agredindo reiteradamente a vítima por largo período de tempo, desde o trajeto até chegarem no apartamento, local em que continuaram as agressões e, ao final, foi consumada a infração penal, mediante novo ato, consistente na asfixia mediante esganadura.

O magistrado entendeu ser razoável e proporcional aumentar a pena base da seguinte maneira: aumentando-a em 2/6 em virtude das agravantes do motivo fútil e do meio cruel (sendo 1/6 referente a cada uma destas agravantes, totalizando, portanto, 2/6 de aumento); e, quanto ao feminicídio (ou da violência contra a mulher na forma da lei específica – art. 61, inciso II, alínea “a”, do CP), promovendo-se o agravamento na fração de 2/6, em razão dos elementos idôneos do caso concreto que evidenciam a necessidade de maior resposta estatal para ser proporcional à gravidade concreta dos atos praticados pelo acusado, resultando na majoração total de 4/6 (ou 2/3).

A Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, foi assim batizada como forma de reparação simbólica pela omissão do Estado na apuração e punição do agressor de Maria da Penha Maia Fernandes, Farmacêutica e Bioquímica, nascida no Ceará em 1.945, a qual em 1983, foi vítima de dupla tentativa de feminicídio pelo seu marido, que era economista. Sobreviveu, mas ficou paraplégica, e os julgamentos dos crimes finalizaram apenas em 1991 e 1996 e, ainda assim, neste último ano, a sentença não foi cumprida em decorrência de alegação de irregularidades processuais. O Brasil foi condenado em âmbito internacional pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 2001, em virtude de sua omissão e negligência na apuração e devida punição dos crimes.

Em breve relato acerca do fenômeno da violência de gênero, registra-se que o femicídio é representado por um ciclo de fases que se repetem, formado pelo aumento de tensão → atos de violência → arrependimento do agressor. Segundo bem representado no instituto da Lei Maria da Penha em seu Art.7:

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

O magistrado menciona que com o tempo, os intervalos entre uma fase e outra ficam menores, e as agressões passam a acontecer sem obedecer à ordem das fases. Em alguns casos, o ciclo da violência termina com o feminicídio, que é o assassinato da vítima, nesse aspecto, sustenta que o réu teria se aproveitado da situação de grande vulnerabilidade emocional e psicológica da vítima que, há muito tempo, vinha sofrendo com as atitudes agressivas e de menosprezo de Manvailer, conforme depoimentos constantes dos autos e, de conteúdo do Laudo Pericial que dá conta que desde 2017 a vítima já vinha sofrendo com as atitudes agressivas, que a deixaram emocionalmente abalada a ponto de manter um relacionamento abusivo, situação que desencadeou sua vulnerabilidade no momento do crime.

Pode-se dizer que a constituição da feminilidade acontece sucessivamente e não se acaba no complexo de Édipo.

A forma como a criança lida com essa fase edípica é transportada para seus futuros relacionamentos amorosos. Desse modo, as escolhas amorosas não se constituem por mero acaso, ou seja, escolhemos inconscientemente alguém que tenha alguma semelhança com nossos pais ou com quem exerceu essa função. Diante disso, muitas mulheres, por meio dos seus relacionamentos amorosos, repetem inconscientemente o sofrimento e a violência que vivenciaram na infância. Nesse sentido, somente a partir da transferência em um tratamento psicológico que a mulher irá conseguir atribuir um sentido ao seu sintoma, permitindo, portanto, se relacionar de uma forma que não lhe cause sofrimento.

Já no que tange ao conteúdo da prova pericial realizada mediante a análise do computador portátil pessoal da vítima é um indicativo claro, da extrema vulnerabilidade emocional que a vítima vivia em decorrência do comportamento abusivo do réu, guardando, para si, diariamente, todas as agruras de atitudes grosseiras, agressivas e de indiferença da pessoa pela qual nutria sentimento amoroso.

Quando se fala em provas periciais é necessário que o magistrado tome as cautelas devidas para interpretar e valorar um depoimento, conferindo-lhe ou não credibilidade, crendo tratar-se de uma narração verdadeira ou falsa, enfim, analisando-o com precisão.

Pode dar-se a situação do fato-objeto do testemunho não ser memorável, razão pela qual a pessoa que o presenciou, no contexto da memória naturalmente seletiva que possui o ser humano, afaste-o, relegando-o a um segundo plano. Por isso, nem sempre a testemunha que vacila ao responder às indagações feitas pelo juiz, omitindo situações relevantes, está agindo de má-fé. Por outro lado, em se tratando de fato digno de registro na memória, é possível que a testemunha esteja sendo fiel e sincera ao narrá-lo, embora entre em contradição e ofereça respostas desconexas.

Não está mentindo, mas realmente não se recorda, por variadas razões, do que houve. Argumente-se, ainda, que o fato memorável pode ser contado de modo infiel e insincero, mas de maneira perfeita e lógica, como se viu na lição de Altavilla, de forma que pode ocorrer a mentira sem o percebimento do magistrado.

Para o magistrado, a violência doméstica contra a mulher vivenciada por Tatiane em todas as suas formas e durante mais de ano no mínimo, de acordo com as provas produzidas nos autos, pode ser sintetizada pelas suas próprias palavras em conversa, datada de 04 de junho de 2018, entre a vítima e uma amiga por aplicativo de mensagens, quando a vítima afirma que “Está sendo o inferno na terra”.

Diante de tais afirmações é importante ressaltar que é inegável a importância da discussão a cerca da violência doméstica, vez que além de um problema da esfera jurídica, constitui-se uma problemática político-social, sendo que foi possível constatar, por meio do levantamento bibliográfico feito, que traz textos de diferentes autores, posicionamentos diversos e jurisprudência atualizada, que o Estado não possui estrutura suficiente para aplicar com eficácia plena todas as inovações da Lei Maria da Penha.

A par de todo o exposto, o magistrado considerou que as circunstâncias agravantes deveriam culminar no aumento na segunda fase no patamar 4/6 (ou 2/3), resultando na pena intermediária de 30 (trinta) anos de reclusão, considerando a impossibilidade de, nesta fase da dosimetria penal, ser ultrapassado o mínimo e o máximo legal cominado abstratamente ao delito, de acordo com a doutrina e jurisprudência majoritárias.

Se finda a 2ª fase da dosimetria da pena em que o juiz deve levar em conta as circunstâncias agravantes (art. 61 e 62, do CP) e atenuantes da pena (art. 65 e 66, do CP) para agravar ou atenuar a pena base (fixada na primeira fase), devendo respeitar os limites das penas abstratamente previstos. 

 Por fim, na terceira fase, serão levadas em conta as causas de aumento (majorantes) e de diminuição (minorantes) de pena possuindo como principal característica um valor determinado para aumentar ou diminuir a pena, sendo possível ultrapassar o máximo ou estipular a pena abaixo do mínimo abstratamente previsto no tipo penal, nessa fase da análise nada foi apontado pelo magistrado.

Passa-se a análise da fraude processual e seu computo para a dosimetria da pena. Na primeira fase da dosimetria da pena de acordo com as diretrizes traçadas pelo artigo 59 do CP, tem-se que, nessa etapa, deverão ser objeto de análise, para valoração, ou não, as seguintes circunstâncias: a) culpabilidade; b) antecedentes; d) personalidade; e) motivos do crime; f) circunstâncias; g) consequências e h) comportamento da vítima.

No que se refere às circunstâncias da fraude processual cometida por Manvailer, estas são prejudiciais aos autos, considerando os fatores de tempo, lugar e modo de execução do delito.

No que se refere ao crime, elas se caracterizam quando no ato do ilícito o acusado removeu o corpo, foi executado a despeito de uma pessoa ter chegado ao local, o que demandou do acusado uma dissimulação, para que pudesse, sem percalços, retirar o corpo da vítima, mesmo após ser advertido pela testemunha que deveria esperar a polícia. Além disso, o acusado limpou os vestígios de sangue, removendo-os mesmo estando em local filmado, de modo que fez o que pôde para fraudar o processo. Por fim, após o crime, conforme consta dos autos, notadamente do auto de prisão em flagrante, o acusado empreendeu fuga, dirigindo-se sentido a Foz do Iguaçu/PR, de modo a dificultar que fosse encontrado, fatores estes que justificam a valoração negativa.

Diante de todos os apontamentos o juiz para a necessária e suficiente reprovação e prevenção ao crime, aumentou a pena-base por três circunstâncias judiciais desfavoráveis (personalidade, circunstâncias e consequências do crime), fixando a pena-base em 10 (dez) meses, 24 (vinte e quatro) dias de detenção e 13 (treze) dias-multa, tendo em conta o intervalo entre as margens penais mínima e máxima do delito dividido pelo número de circunstâncias judiciais (03 meses a 02 anos = 01 ano e 09 meses/ 8 = 02 meses e 18 dias de aumento por circunstância judicial desfavorável), na esteira da jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FURTO TENTADO. DOSIMETRIA. CRITÉRIO DE AUMENTO RECONHECIDO JURISPRUDENCIALMENTE. PENA-BASE PROPORCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Considerando o silêncio do legislador, a doutrina e a jurisprudência estabeleceram dois critérios de incremento da pena-base, por cada circunstância judicial valorada negativamente, sendo o primeiro de 1/6 (um sexto) da mínima estipulada e outro de 1/8 (um oitavo) a incidir sobre o intervalo de condenação previsto no preceito secundário do tipo penal incriminador. 2. No caso dos autos, as instâncias ordinárias utilizaram o critério de um oitavo sobre o intervalo das sanções mínima e máxima abstratamente prevista para o tipo penal (1 a 4 anos). Dessa forma, o aumento da pena-base em 4 (quatro) meses, por uma vetorial desabonadora, revela-se proporcional e adequado. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg no AREsp 1627579/MG, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 08/09/2020, DJe 15/09/2020)

E do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:

REVISÃO CRIMINAL DE SENTENÇA. FEMINICÍDIO (ART. 121, § 2.º, INCISOS IV E VI, CP). CONDENAÇÃO À PENA DE VINTE E QUATRO (24) ANOS DE RECLUSÃO, EM REGIME FECHADO. PRETENSÃO DE EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA DO EMPREGO DE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. INVIABILIDADE. DECISÃO, AO CONTRÁRIO DO ALEGADO, RESPALDADA NA EVIDÊNCIA DOS AUTOS. VEREDICTO EM HARMONIA COM OS ELEMENTOS PROBATÓRIOS. DOSIMETRIA DA PENA. REDUÇÃO. PARCIAL ACOLHIMENTO. CULPABILIDADE E CONSEQUÊNCIAS DO DELITO CORRETAMENTE VALORADAS EM DESFAVOR DO SENTENCIADO. AUMENTO DA PENA EM RAZÃO DE CADA CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL TIDA COMO DESFAVORÁVEL, CONSISTENTE EM DOIS (2) ANOS, QUE NÃO É EXCESSIVO. MONTANTE INCLUSIVE INFERIOR AO QUE PODERIA TER SIDO FIXADO (02 ANOS E 03 MESES). DESNECESSIDADE DE REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA PARA FINS DE RECONHECIMENTO DA AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 61, INC. I, DO CÓDIGO PENAL. COMPENSAÇÃO, PORÉM, COM A ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. ELEVAÇÃO DA REPRIMENDA, NA SEGUNDA FASE, EM UM SEXTO (1/6), DIANTE DA INCIDÊNCIA DA AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 61, INC. II, ALÍNEA “F”, DO CÓDIGO PENAL. REDUÇÃO DA PENA DEFINITIVA PARA DEZOITO (18) ANOS E OITO (8) MESES DE RECLUSÃO.

Na segunda fase da dosimetria quanto ao crime de fraude processual não ocorrem agravantes ou atenuantes, fator que faz com que o magistrado mantenha a a pena provisória em 10 (dez) meses, 24 (vinte e quatro) dias de detenção e 13 (treze) dias-multa.

Na terceira fase da dosimetria não ocorrem minorantes, entretanto ocorre majorante no que tange ao referido no parágrafo único do art. 347 do CP que pondera que se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal, ainda que não iniciado, as penas aplicam-se em dobro, diante do fato de o delito de fraude processual ter sido praticado pelo réu com o intuito de produzir efeito em processo penal não iniciado, o juiz majorou a pena do dobro e fixo definitivamente a sanção penal em 01 (um) ano, 09 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de detenção e 26 (vinte e seis) dias-multa. Considerando o disposto no artigo 49, § 1º, do CP, que estipula que o valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário,  e, ainda, a situação socioeconômica do réu (professor universitário portador de título de doutorado e dois empregos), portanto o valor fixado foi o valor do dia-multa em um salário mínimo vigente à época dos fatos, devendo ser reajustado a partir da data da prática do crime. A pena de multa deverá ser paga nos termos e prazos dispostos no artigo 50 do CP, que determina que a multa deve ser paga dentro de 10 (dez) dias depois de transitada em julgado a sentença. A requerimento do condenado e conforme as circunstâncias, o juiz pode permitir que o pagamento se realize em parcelas mensais -  sob pena de execução.

No que tange ao concurso material de crimes que é quando o agente pratica dois ou mais crimes distintos, mediante mais de uma ação, com fundamento no art. 69, do CP, razão pela qual as penas devem ser somadas. Regime- no que se refere ao regime este no caso do réu reincidente, ele inicia o cumprimento da pena no regime fechado. Nesse regime, a pena é cumprida em casa de albergado ou, na falta deste, em estabelecimento adequado, como, por exemplo, a residência do réu. O condenado é autorizado a deixar o local durante o dia, devendo retornar à noite.  Para estabelecer o regime inicial o Juiz deverá observar os seguintes critérios:

1º- Se a pena imposta for superior a 8 anos – o regime inicial de cumprimento é o FECHADO.

2º- Se a pena imposta for superior a 4 anos, mas não exceder a 8 anos – o regime inicial de cumprimento será o SEMIABERTO.

 Segundo FIORINI NETTO (2016) apud MARCÃO (2011, p.142)  o local de cumprimento da pena deve ser em estabelecimento agrícola industrial ou estabelecimento similar e depara-se com absoluta ausência de estabelecimentos em número suficiente para o atendimento da clientela.

E detração que é o mesmo que abatimento. Então, por esse prisma, dizemos que tratar-se de um ato de abater na pena privativa de liberdade o que foi cumprido em detrimento de prisão provisória ou internação em estabelecimento psiquiátrico (medida de segurança). É o que podemos extrair do artigo 42 do CP.

Diante de tais entendimentos, cabe sustentar que o acusado praticou, mediante mais de uma conduta, crimes de espécies diferentes, devendo incidir a regra do art. 69 do CP (concurso material). No tocante ao delito de homicídio qualificado, a dosimetria penal resultou em 30 (trinta) anos de reclusão. Ao delito de fraude processual majorada, aplicou-se a sanção penal em 01 (um) ano, 09 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de detenção e 26 (vinte e seis) dias-multa.

Para tanto, diante do entendimento diverso, prevalece atualmente no STJ, derradeiro hermeneuta da legislação infraconstitucional, a interpretação no sentido de que, o magistrado embasado na redação do art. 111 da Lei de Execução Penal (LEP) que subtende que quando houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processos distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou unificação das penas, observada, quando for o caso, a detração ou remição. Parágrafo único. Sobrevindo condenação no curso da execução, somar-se-á a pena ao restante da que está sendo cumprida, para determinação do regime, tomada em detrimento do art. 76 do CP, que subtende que no concurso de infrações, executar-se-á primeiramente a pena mais grave, “é possível a soma das penas de reclusão e de detenção para fixação do regime prisional, uma vez que constituem sanções da mesma espécie, ou seja, ambas são penas privativas de liberdade.”  BRASIL (1984)

A par do exposto, ficou fixada e unificada a pena definitiva privativa de liberdade (meio de punição e ressocialização do transgressor, de modo que toda pessoa – imputável - que praticar um crime se sujeitará a uma determinada pena pelo período previsto no tipo penal respectivo.) ao réu LUIS FELIPE DOS SANTOS MANVAILER em 31 (trinta e um) anos, 09 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão e 26 (vinte e seis) dias-multa. Diante da pena finalmente cominada e de acordo com o art. 33 do CP (A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A de detenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado) BRASIL (2016, p.16), o regime inicial de cumprimento da pena do réu é o fechado, devendo ser cumprido em estabelecimento prisional adequado. Em consonância com o artigo 387, §2º, do CPP (O juiz, ao proferir sentença condenatória: O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade.) BRASIL (2016, p.76), cabe o adendo que o acusado permaneceu preso provisoriamente durante a instrução processual por 02 (dois) anos, 09 (nove) meses e 19 (dezenove) dias. Considerando que a detração do tempo de prisão preventiva não altera o regime inicial de cumprimento de pena, deixou o magistrado de realizar a detração do acusado, incumbindo ao Juízo da Execução Penal tal missão.

No que cabe a substituição da pena e da suspensão o juiz proferiu que em se tratando de crime cometido com violência à pessoa, não é viável a substituição da pena privativa de liberdade por sanção restritiva de direitos, conforme dispõe o art. 44, inciso I, do CP – em sendo aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo.

É incabível, de igual forma, a suspensão de sua pena, nos termos do art. 77, caput, da Lei Substantiva Penal, que estipula que quando a periculosidade não é presumida por lei, deve ser reconhecido perigoso o indivíduo, se a sua personalidade e antecedentes, bem como os motivos e circunstâncias do crime autorizam a suposição de que venha ou torne a delinquir.

Não foi concedido ao réu o direito de apelar em liberdade e, ato contínuo, mantenho a prisão preventiva do acusado.com a justificativa do magistrado de manutenção da ordem pública e considerando , considerando a gravidade concreta do delito praticado, de forma a evidenciar pelas circunstâncias judiciais desfavoráveis que culminaram na elevada majoração da pena, bem como para garantia da aplicação da lei penal, haja vista que, logo após o cometimento do crime, o acusado tentou empreender fuga em sentido a fronteira do país com a República do Paraguai para se furtar da aplicação da lei penal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise crítica de uma sentença tem por objetivo a construção dialética do Direito, que se encontra em constante evolução. Para isso, foi importante ressaltar os pontos negativos e positivos das teses levantadas pela juíza ao proferir a sentença, com embasamento doutrinário e legal, como forma de promover o debate e a dinamicidade na qual se alicerçam as ciências jurídicas.

No caso concreto, devem-se levar em consideração certos fatores que contextualizam a sentença analisada, como a grande repercussão e comoção causada pelos fatos da qual ela trata na sociedade brasileira e, consequentemente, a resposta do judiciário face aos valores de justiça e moralidade da população, dentro da legalidade, do respeito à dignidade da pessoa humana e o devido processo legal. O presente trabalho não ambicionou analisar o comportamento da juíza frente esses fatores que, conquanto passíveis de crítica, seriam mais bem desenvolvidos separadamente.

É preciso considerar, finalmente, que nenhuma análise é definitiva, levando em consideração as diversas correntes que compõem o pensamento jurídico brasileiro. Ao contrário, a crítica apresentada teve por seu maior objetivo o convite ao embate de ideias e ao questionamento, visando o desenvolvimento da ciência jurídica penal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sobre a autora
Sandra Mara Dobjenski

Advogada, pesquisadora de Direito Penal e Processual Penal e sobre a relação com a mídia nos casos de grande repercussão. Especialista em Direito Penal, Criminologia, Processo Penal e Direito Penal Econômico - UNINTER.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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