O princípio da igualdade é dotado de um caráter fundamental e nuclear no ordenamento jurídico, informando outros subsistemas infraconstitucionais, haja vista que no caput do art. 5°, da CF/88, a igualdade inaugura o capítulo dos direitos individuais ao prescrever que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Ainda é possível verificar que sua alusão não está apenas restrita à menção do referido dispositivo, mas sua consagração está pulverizada em toda a Carta Política, fazendo-se referência à igualdade de gêneros (art. 5, I, CF/88); induzindo as políticas públicas no sentido de reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3°, III, CF/88) e em tantas outras situações.
A respeito da isonomia tributária, merece destaque a inteligência do art. 150, inciso II, da CF/88, que carrega consigo a formulação aristotélica sobre a igualdade:
““Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; ”
Na opinião de José Afonso da Silva, este reforço e a insistência do texto constitucional se devem:
“Não basta, pois, a regra da isonomia estabelecida no caput do art. 5°, para concluir que a igualdade perante a tributação está garantida. O constituinte teve consciência de sua insuficiência, tanto que estabeleceu que é vedado instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos (art. 150, II)”. (SILVA, 2003, p. 221)[i]
Cumpre dizer que o princípio da igualdade não se confunde com a noção de identidade, reduzindo a riqueza do conceito em mero igualitarismo absoluto. Diferente dos idealistas, que advogavam essa ideia, outra corrente, dita realista, embora admita na essência do ser humano uma identidade que os une como seres da mesma espécie, reconhece desigualdades fenomênicas (naturais, físicas, morais e sociais) como produto da pluralidade social e da riqueza humana que lhe é própria. Tais distinções não são incompatíveis com a noção de igualdade pelo viés realista.
Nessa esteira, Aristóteles refina a definição de igualdade ao associá-la ao conceito de justiça, consistindo, assim, aquela naquele princípio segundo o qual cabe mesmo tratamento para os seres que essencialmente pertencem a uma mesma categoria. Elabora-se, pois, um entendimento de igualdade formal que se identifica com a justiça formal.
Apesar do art. 150, inciso II, da CF/88, conceber tratamentos diferenciados para consecução da isonomia tributária, esse discrímen não é estabelecido de forma vaga e sem critérios objetivamente razoáveis. O ente político dotado de competência tributária para instituir um tributo não pode criar distinções de tratamento tributário entre contribuintes ao seu bel-prazer, sem observar um critério de discriminação válido no ordenamento jurídico pátrio. Assim ensina Roberto Ferraz:
“ afirmar que legislar respeitando o princípio da igualdade na lei consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais é afirmar rigorosamente nada! O problema está em saber quais os critérios legítimos de discriminação de grupos iguais para os fins legais (...) sem a identificação dos legítimos critérios segundo os quais as pessoas serão discriminadas não pode haver efetiva aplicação do princípio da isonomia”. (FERRAZ, 2005, p. 123)[ii]
Dessa forma, a mera e tão somente alegação de distinção no tratamento não pode ser utilizada como argumento para o afastamento de benefícios ou para a extensão deles no mundo jurídico, haja vista que há, inclusive, no ordenamento jurídico normas com aptidão para a diferenciação, como a admissão de alíquotas diferentes em razão da função social da propriedade, sem que isso contrarie o sistema positivo. A gravidade da questão não reside em saber se há ou não a discriminação, mas em analisar se há vícios nos critérios ou nas finalidades que orientam a sua distinção. Observar-se-á, pois, violação ao princípio da isonomia quando aqueles que se encontram em situação equivalente venham a sofrer repercussões jurídicas distintas, estando o tratamento diferenciado desacompanhado de um critério juridicamente legítimo de discriminação ou quando o mesmo não tem o condão de alcançar o resultado que o fundamenta.
Para abranger indivíduos ou situações de interesse do Direito numa mesma categoria de referibilidade sem ferir o princípio da isonomia, há a necessidade de se investigar qual é a medida de comparação que une esse grupo e o distância dos demais. Nesse sentido, o jurista Luís Eduardo Schoueri contribui:
“Existe uma grande diferença entre igualdade e identidade. Somos idênticos? Não. Somos iguais? Depende. Somos iguais porque temos uma formação do Direito? Sem dúvida. Ou seja, o princípio da igualdade exige um critério de comparação. A igualdade sempre será relativa. Um indivíduo é igual a outro em função de alguma característica que os une e distancia-os dos demais”. (SCHOUERI, 2004, p. 144)[iii]
Humberto Ávila, em sua clássica obra sobre a igualdade tributária, didaticamente instrui acerca da relação que deve existir entre o critério de comparação, o elemento que indica o discrímen e a finalidade legal para lastrear um tratamento jurídico diferente. Ensina, pois, o referido jurisconsulto:
“1. A igualdade é a relação entre dois ou mais sujeitos, com base numa medida de comparação, aferida por meio de um elemento indicativo, que serve de instrumento para a realização de uma determinada finalidade. 2. A medida de comparação, ademais de efetivamente existente, deve ser aferida por meio de elemento indicativo com o qual guarde vinculação, devendo manter vínculo de pertinência, fundada e conjugada, com a finalidade que justifica sua utilização. 3. A relação entre a medida de comparação e a finalidade é fundada quando existir uma correlação estatisticamente baseada entre ambas, no sentido de que a existência ou inexistência do elemento indicativo se correlaciona com a existência ou inexistência da medida de comparação, e a correlação aumenta, quando aumenta a intensidade da presença do elemento indicativo; 4. A relação é conjugada, quando a existência do elemento indicativo exerce significativa influência para a existência da medida de comparação, e esta para a existência da finalidade, tendo ambos sido escolhidos por serem os mais significativos no que concerne à medida de comparação e à finalidade. 5. A validade do uso da medida de comparação depende da compatibilidade com a Constituição, sendo aferida não só pela compatibilidade com a finalidade que a sua utilização visa promover, como pela ausência de regra que proíbe o seu uso, imponha o uso de outra diferente, iguale aquilo que ele separa, pré-exclua a busca da finalidade que justificou sua utilização ou pela inexistência de princípio que exclua o seu uso. ” (ÁVILA, 2008, p. 192/193) [iv]
Isso significa dizer que o elemento de discriminação deve ser extraído da própria estrutura normativa que dá forma ao tributo, devendo guardar, sobretudo, uma compatibilidade com a Constituição. As razões não podem ser divorciadas do fulcro constitucional, cabendo uma apurada aferição de existência de correlação lógica entre o elemento de discriminação e o tratamento diferenciado previsto constitucionalmente[v][1]. Em matéria tributária, o critério de comparação deve observar a finalidade fiscal e extrafiscal, sendo que o princípio da capacidade contributiva, sempre que possível, deve orientar a escolha do elemento indicativo de discrímen para aqueles impostos tipicamente fiscais, como ocorre com as diferentes alíquotas aplicadas nos cálculos do imposto de renda, a fim de que o encargo financeiro da tributação seja distribuído de modo que fosse equivalente o ônus real que recai sobre cada contribuinte.
Em breves palavras, a capacidade contributiva deve ser a medida de comparação legítima entre contribuintes quando o tributo tem finalidade fiscal, cabendo ainda uma correlação estatística para embasar relação de pertinência entre a finalidade do imposto e sua respectiva medida de comparação.
Já em relação às razões extrafiscais que autorizam alguma diferenciação tributária, a Constituição Federal estabelece as bases do critério de diferenciação. A título de exemplo, vale mencionar a autorização de benefícios fiscais que visa combater as desigualdades regionais (art. 151, I); o tratamento que visa estimular o crescimento das microempresas e das empresas de pequeno porte (art. 146, III, “d”); o incentivo a algum modo de associativismo, como o cooperativismo (art. 146, III, alínea “c”, e o art. 174, § 2°); e o incentivo ao cumprimento da função social da propriedade (arts. 170, III, e 182, § 4°, II).
Ademais, Humberto Ávilla ainda sustenta que a justificativa para um tratamento desigual deve ir além da mera menção de previsão legal:
“não basta mera previsão legal para o tratamento desigual, é necessária a fundamentação (e não mera alegação) da existência de uma relação fundada e conjugada entre uma medida de comparação permitida e uma finalidade imposta que obedeça aos vários níveis de justificação decorrentes da harmonia entre as normas de competência e os direitos fundamentais;” (ÁVILA, Humberto, 2008, p. 197)
Ávila encerra sua argumentação, instruindo que a validade de tais critérios de distinção depende da sujeição da medida de comparação ao princípio da proporcionalidade. Com efeito, tal medida deve ser adequada para alcançar o fim colimado. Cabe ainda ser ela necessária, no sentido que a intervenção estatal na esfera jurídica dos contribuintes deve ser a menos gravosa. Por fim, para fins de proporcionalidade, a medida deve se sujeitar ao exame da proporcionalidade em sentido estrito, de modo que os efeitos positivos da medida, aferidos pela consecução da finalidade do imposto, não sejam desproporcionais aos seus efeitos negativos. [vi]
Resumindo, padecerá de inconstitucionalidade, por violação ao princípio da igualdade, a norma que impõe um encargo tributário maior a determinado sujeito passivo sem haver uma justificativa válida dos critérios de diferenciação de tratamento jurídico no âmbito tributário.
[1]J. A. Lima Gonçalves sugere que a detecção do elemento de discriminação, onerando ou beneficiando singularmente um indivíduo, uma categoria ou uma atividade, deve partir do exercício de dissecação da regra matriz de incidência tributária em todos os seus critérios (material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo).
[i] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
[ii] FERRAZ, Roberto. A igualdade na lei e o Supremo Tribunal Federal. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, SP, v. 116, n.1, p. 119-128, mai.2005.
[iii] SCHOUERI, Luís Eduardo. Royalties e Assistência Técnica ao Exterior – Exigências da CIDE. Revista de Estudos Tributários, Porto Alegre, RS, v.7, n.37, p. 144-162, jun. 2004.
[iv] ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. São Paulo: Malheiros, 2008.
[v] GONÇALVES, J. A. Lima. Isonomia na Norma Tributária. Malheiros, 1993.
[vi] ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. São Paulo: Malheiros, 2008.
BRASIL. Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966, Código Tributário Nacional. 10ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 14dez. 2016.