Caso Lázaro, Vazamento de Fotos e Proteção de Dados

30/06/2021 às 13:05
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O artigo analisa aspectos jurídicos do compartilhamento de fotos e vídeos de pessoas falecidas em aplicativos de mensagens e redes sociais.

Nesta semana, houve uma grande repercussão na imprensa sobre o Caso Lázaro, com o fim da perseguição policial na segunda-feira, dia 28 de junho de 2021, com o óbito do fugitivo.

Em seguida, houve o vazamento de imagens e de vídeos da pessoa morta, no local do fato e no traslado ao IML, com o compartilhamento desses arquivos em aplicativos de mensagens e em redes sociais.

Isso leva à seguinte questão: a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD - Lei nº 13.709/2018) incide sobre o compartilhamento de fotos e vídeos de pessoa falecida?

Recorda-se que entre as exceções às regras de proteção de dados, previstas no art. 4º da LGPD, exclui-se da incidência legal o tratamento de dados pessoais realizado por pessoa natural para fins exclusivamente particulares e não econômicos (inciso I).

Com isso, evita-se que qualquer operação particular de tratamento dependa de adequação às normas de proteção de dados pessoais (o que depende, inclusive, de despesas consideráveis), o que causaria, indiretamente, a proibição de qualquer atividade privada de tratamento por pessoas naturais.

Assim, o envio de fotos de vítimas de homicídios ou de foragidos mortos em confronto com policiais, que, se enquadrado na exceção do art. 4º, I, da LGPD (envio por pessoa natural, com fins particulares e não econômicos), não precisa de adequação à lei.

Porém, o enquadramento na exceção da LGPD não significa a ausência de regulação legal do compartilhamento de fotos e vídeos em aplicativos de mensagens. Em especial, duas leis incidirão nesses casos: o Código Civil (tendo em vista que dados pessoais são direitos da personalidade) e o Marco Civil da Internet (em virtude do uso da internet como meio para a prática do ato).

O principal fundamento para a proteção da imagem nesses casos é o art. 12 do Código Civil: “Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”.

Em complemento, o art. 20 do Código Civil prevê: “Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”.

Com fundamento nesses dispositivos, existem decisões de Tribunais de Justiça que reconhecem a existência de dano moral presumido para quem tiver suas imagens compartilhadas (sem autorização e nas situações referidas no art. 20 do Código Civil) em aplicativos de mensagens.

Se as imagens forem de pessoas falecidas, a proteção e a adoção das medidas adequadas para cessar o compartilhamento podem ser promovidas pelo cônjuge ou companheiro sobrevivente, os ascendentes ou ascendentes, ou parente colateral até o quarto grau (parágrafos únicos dos arts. 12 e 20 do Código Civil).

Além disso, a repressão ao compartilhamento ilícito de imagens e de vídeos por meio da internet tem seu fundamento principal no art. 19 do Marco Civil da Internet (MCI – Lei nº 12.965/2014), que prevê a remoção de conteúdo apenas por meio de determinação judicial.

Em consequência da liberdade de expressão, assegura-se o direito dos usuários de se expressarem livremente na internet, desde que de forma lícita. Por isso, em regra, a remoção de conteúdo pelo provedor de aplicações só pode ser feita em cumprimento de determinação judicial (art. 19 do MCI). Excepcionalmente, o provedor de aplicações tem o dever de remover conteúdo com cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado, quando notificado por alguma das pessoas expostas ou por seu representante legal (art. 21 do MCI).

Portanto, é possível a adoção de medidas pelos sucessores de pessoa falecida exposta em imagens e vídeos para a remoção do conteúdo da internet, por meio de decisão judicial (Marco Civil da Internet) e a eventual responsabilização civil de quem compartilhar os arquivos sem autorização ou em descumprimento à lei ou à ordem judicial (Código Civil).

Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

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