Sumário: Introdução. 1. O direito à liberdade de manifestação do pensamento no Brasil. 2. Limitações Constitucionais contra o exercício arbitrário do direito de manifestação do pensamento. 2.1. Dignidade da pessoa humana e discurso de ódio. 2.2. Fake News. 2.3. Proteção do direito à imagem, à vida privada, à honra e à intimidade. 2.4. O direito à liberdade religiosa. 2.5. Direito ao esquecimento. 2.6. Divulgação de ideias em universidades públicas e privadas. 3. Responsabilização e censura. Conclusão. Referências.
Introdução
A liberdade de manifestação do pensamento é um direito fundamental previsto na Constituição Federal de 1988, com especial relevância para a sociedade atual. Além de sua previsão na Carta Maior, trata-se também de um direito protegido no âmbito internacional pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), ratificada pelo Brasil.
Apesar das inúmeras evidências históricas de violações por parte do poder público, todas as Constituições Federais do Brasil já garantiam o direito de livre manifestação do pensamento.
Malgrado seu papel fundamental em uma sociedade democrática, a livre manifestação do pensamento não admite arbítrios, devendo ser exercida em sintonia com outros direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, os direitos à imagem, à honra, à personalidade, ao esquecimento, entre outros.
1. O direito à liberdade de manifestação de pensamento no Brasil
Todas as Constituições Federais brasileiras, desde o ano de 1824, trouxeram em seu bojo o direito à liberdade de expressão: Constituição de 1824 (Brasil Império), art. 179, IV; Constituição de 1891 (Brasil República), art. 72, §12; Constituição de 1934 (Segunda República), art. 113, 9; Constituição de 1937 (Estado Novo), art. 122, 15; Constituição de 1946, art. 141, §5º; Constituição de 1967 (Regime Militar), art. 150, §8º.
Embora presente em todas as Constituições, a livre manifestação do pensamento sofreu, na prática, historicamente, inúmeras violações por parte do poder público. Por esse motivo, a Constituição Federal de 1988, que sucedeu o Regime Militar de 1967, foi obsessiva na proteção desse direito, considerando que uma sociedade democrática não admite a censura governamental, sendo inegável que tal liberdade é direcionada, sobretudo, ao Estado.
No texto constitucional atual é possível constatar, já de início, que é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato (art. 5º, IV), assim como também é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (art. 5º, IX).
Ainda por força da Constituição Federal atual a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição (art. 220, caput). Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV (art. 220, §1º). É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística (§ 2º, do art. 220, da CF).
A proteção do direito em estudo não se esgota do âmbito nacional. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1949), em seu art. 19, dispõe que “Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.
O artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, de 1969), ratificado pelo Brasil por meio do Decreto 678/1992, dispõe que “1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha”.
Diz a Convenção, ainda, em seu art. 13: “2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela (...)”.
José Afonso da Silva conceitua a liberdade de manifestação como o direito de exteriorização do pensamento, já que, internamente, a crença ou opinião não podem sofrer censura. Diz o autor: “(...) se caracteriza como exteriorização do pensamento no seu sentido mais abrangente. É que, no seu sentido interno, como pura consciência, como pura crença, mera opinião, a liberdade de pensamento é plenamente reconhecida, mas não cria problema maior” (2007, p. 98).
Na lição de Celso Ribeiro Bastos a liberdade de manifestação do pensamento representa o direito de se expressar sem qualquer interferência (2000, p. 349).
O Supremo Tribunal Federal define que a manifestação do pensamento “constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que, por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático” (ADI 4451/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJ 21/06/2018). O pensamento crítico se mostra indispensável ao regime democrático.
Compete destacar que no mesmo Acórdão supramencionado (ADI 4451/DF) o Supremo Tribunal consignou que o direito à liberdade de expressão não se esgota na proteção de ideias supostamente verdadeiras, já que sua acepção atinge também declarações errôneas, duvidosas, exageradas, condenáveis, humorísticas, entre outras.
Logo, é possível identificar que a concepção do direito à liberdade de manifestação do pensamento é ampla, não cabendo à lei ou a qualquer um dos Poderes da República criar mecanismos de censura prévia ou restrições constitucionalmente injustificadas ao seu pleno exercício. Assim, diz-se que “a censura governamental, emanada de qualquer um dos três Poderes é a expressão odiosa da face autoritária do poder público” (STF, ADPF 130, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 27/02/2008).
Embora preferencial, o direito fundamental à manifestação do pensamento, assim como todo direito fundamental, não é absoluto, de modo que eventuais abusos devem ser ponderados com base no princípio da proporcionalidade.
Sobre o conteúdo do princípio da proporcionalidade, aliás, Marcelo Novelino diz que compete ao Estado, quando necessária a sua intervenção, analisar três metanormas, quais sejam: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito (2020, p. 334).
Ainda para o professor Marcelo Novelino: “a adequação envolve a análise do meio empregado e do objetivo a ser alcançado” (2020, p. 334). A “necessidade impõe que, dentre os meios similarmente adequados pra fomentar determinado fim, seja utilizado o menos invasivo possível” (2020, p. 335). Por fim, em relação à proporcionalidade em sentido estrito, “para analisar o grau de intensidade da intervenção de um direito fundamental e o de realização do outro, abandona-se o âmbito da otimização em relação às possibilidades fáticas para se adentrar no âmbito das possibilidades jurídicas” (2020, p. 336).
Como visto, a base constitucional e internacional da liberdade de manifestação do pensamento traduz a importância democrática desse direito, visando, além disso, coibir a censura, o anonimato, a apologia ao ódio nacional, racial ou religioso, entre outros.
2. Limitações constitucionais contra o exercício arbitrário do direito de manifestação do pensamento
Embora se trate de um direito fundamental, a livre manifestação do pensamento encontra certos limites, devendo ser exercida em sintonia com outros direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, os direitos à imagem, à honra, à personalidade, ao esquecimento, às ideias e à liberdade religiosa.
Por esse motivo o ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo no âmbito constitucional, também proíbe, entre outros atos, a divulgação arbitrária de notícias falsas (fake news) e os discursos de ódio.
Há situações em que se constata uma colisão entre direitos fundamentais, que ocorre “quando dois ou mais direitos abstratamente válidos entram em conflito diante de um caso concreto” (NOVELINO, 2020, p. 340), exigindo, para solução, a intervenção do poder judiciário. A Constituição da República, nesses casos, prevê mecanismos de combate ao exercício abusivo da liberdade de expressão.
O objetivo desse estudo não é esgotar todas as hipóteses em que se exige a ponderação entre direitos constitucionais, mas apresentar, de modo exemplificativo, algumas situações em que será exigido do poder judiciário que adote critérios buscando a concordância prática entre direitos e bens juridicamente protegidos.
2.1. Dignidade da pessoa humana e discurso de ódio
Como dito, a liberdade de expressão não constitui um direito absoluto, exigindo-se do Estado a aplicação do princípio da proporcionalidade quando existente conflito entre esse direito e outros princípios ou valores constitucionais.
Apesar de sua importância para um Estado Democrático, ao assegurar o direito à liberdade de manifestação do pensamento a Constituição da República não visou proteger atos discriminatórios, entre eles, aqueles que violem a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso III, da CF). Por esse motivo os direitos tutelados pela Constituição devem ser exercidos nos limites da própria Carta Maior, haja vista que um direito ou garantia não exclui outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, nos termos do § 2º, de seu artigo 5º.
Não se pode negar, também, que constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, Inciso IV, da CF), de modo que o direito de liberdade de expressão não se coaduna com manifestações preconceituosas.
Por exemplo, “o direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal” (STF, HC 82.424/RS, Rel. Min. Moreira Alves, Redator p. Acórdão Min. Maurício Corrêa, DJ 17/09/2003).
Inclusive, no HC 82.424/RS o Supremo Tribunal Federal destacou a necessidade de harmonia entre as liberdades públicas e a indispensabilidade de observância da própria Constituição, ao dispor o seguinte: “(...) As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos pela própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, §2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o “direito de incitação ao racismo”, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede os delitos contra a honra”.
Os limites impostos ao direito de livre manifestação do pensamento, vale dizer, também atingem os parlamentares, apesar da imunidade conferida pelo artigo 53 da Constituição Federal. Isso porque, a imunidade parlamentar não se presta de escudo para manifestações ofensivas à honra e à dignidade da pessoa humana.
Sobre isso, em decisão proferida no processo n. 1069325-41.2020.8.26.0100 o Juiz de Direito Guilherme Madeira asseverou que “a liberdade de expressão é valor dos mais caros nas democracias liberais. No entanto isso não significa que a prática de atos criminosos esteja abarcada por ela”. Fica evidenciado, portanto, que a imunidade parlamentar não protege manifestações desproporcionais e não relacionadas com a atividade parlamentar.
Daniel Sarmento destaca que a liberdade de expressão permite ao poder judiciário atuar contra desvios autoritários dos governantes, asseverando que “a Constituição de 88 protegeu enfaticamente a liberdade de expressão e o Judiciário desfruta da independência que lhe faltava algumas décadas atrás para fazer valer esta garantia contra eventuais desvios autoritários dos governantes” (2006, p. 54).
Outro ponto que merece destaque refere-se ao hate speech (discurso de ódio), que, para o professor Daniel Sarmento, consiste em “manifestações de ódio, desprezo, ou intolerância contra determinados grupos, motivadas por preconceitos ligados à etnia, religião, gênero, deficiência física ou mental e orientação sexual, dentre outros fatores” (2010, p. 208).
Pelas mesmas razões anteriormente apontadas o exercício da liberdade de expressão não tutela discursos de ódio envolvendo ataques racistas, homofóbicos, entre outros.
Em verdade, o direito de se expressar livremente é uma prerrogativa de todos, desde que o seu exercício não viole leis ou outros direitos e garantias. A ponderação a ser realizada pelo intérprete deve ter como norte a dignidade da pessoa humana, conforme leciona, em seu artigo “A liberdade de expressão e o problema do hate speech”, Daniel Sarmento: “(...) a dignidade da pessoa humana deve operar como um norte substantivo para a atuação do intérprete, balizando e condicionando as ponderações de interesse empregadas para o seu equacionamento”.
Feitas essas considerações, podemos afirmar que a liberdade de expressão representa um dos suportes axiológicos do próprio regime democrático, entretanto, seu exercício encontra limites impostos pela Constituição Federal, isto é, a dignidade da pessoa humana e a vedação a discursos de ódio.
2.2. Fake News
Entre os limites impostos ao exercício do direito de livre manifestação do pensamento está, também, a proibição da disseminação de fake news (notícias falsas). Trata-se da vedação da divulgação de “fatos sabidamente inverídicos, notícias comprovadamente falsas” (TRE-PE, Representação n. 060290094, Rel. Stênio José de Souza Neiva Coêlho, DJ 04/10/2018).
De acordo com Renê Morais Braga, fake news pode ser conceituada como “a disseminação, por qualquer meio de comunicação, de notícias sabidamente falsas com o intuito de atrair a atenção para desinformar ou obter vantagem política ou econômica” (2018. p. 205).
O Ministro Luiz Fux, em seu voto proferido na ADI 4451/DF, destacou o fenômeno das fake news como “notícias sabidamente inverídicas, propagáveis, massificadas, que viralizam num tempo recorde, sob o pálio da liberdade de expressão”.
É certo que a expressão fake news ainda não possui um conceito uniforme, todavia, sua terminologia reflete a propagação de notícias de conteúdo distorcido, equivocado, contrário à realidade, tudo intencionalmente orquestrado por quem o divulga e com a finalidade de enganar o destinatário da informação.
É necessário destacar que não se trata de declarações errôneas, duvidosas ou exageradas, que se encontram dentro do limite do exercício da liberdade de expressão (STF, ADI 4451/DF), mas sim de afirmações notoriamente inverídicas, distorcidas, intencionalmente usadas para a obtenção de uma vantagem indevida ou ilícita.
O Supremo Tribunal Federal, no Inquérito n. 4781, cujo objetivo é a investigação de supostas notícias fraudulentas (fake news), falsas comunicações de crimes, denunciações caluniosas, entre outros ilícitos dirigidos em face do Supremo Tribunal e de seus membros, ponderou que os direitos e garantias individuais não são absolutos, asseverando que, quando tais direitos ou garantias estiverem em conflito, cabe ao intérprete utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em colisão.
Como visto, a chancela constitucional da livre manifestação do pensamento não permite o exercício abusivo da informação. Embora não caiba ao poder público censurar previamente qualquer tipo de opinião, atualmente, sobretudo em razão da expansão do acesso à internet, cabe ao poder judiciário exercer um papel fundamental no tocante ao combate à divulgação de informações falsas.
2.3. Proteção do direito à imagem, à vida privada, à honra e à intimidade
A Constituição da República prevê que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º, inciso X). Garante, ainda, o direito de resposta proporcional ao agravo (art. 5º, inciso V).
A proteção também encontra guarida na legislação infraconstitucional, quando o Código Civil trata da responsabilização civil por cometimento de ato ilícito nos seus artigos 186, 187 e 927.
Nota-se que, ao mesmo tempo em que a Constituição Federal impõe o direito à livre manifestação do pensamento, também assegura como invioláveis outros direitos, como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Mais uma vez, quando em colisão, faz-se necessário ponderar os direitos constitucionais, mediante aplicação do princípio da proporcionalidade, para se estabelecer se há ou não exercício arbitrário da garantia da livre manifestação do pensamento.
Assim, inúmeras demandas são levadas ao poder judiciário objetivando solucionar conflitos entre os direitos fundamentais à imagem e à liberdade de expressão.
Por exemplo, a liberdade de se expressar traduzida na publicação em rede social que excede o direito de opinião e imputa a alguém o cometimento de um crime com a finalidade de macular sua honra fere o direito à imagem, o que foi decidido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal: “(...) A publicação do réu transcende em muito sua mera opinião. Ultrapassa o limite do direito a expressão e manifestação. Imputa ao autor a prática de um delito de adulteração de combustível, o que tem o condão de macular a honra da empresa”. Continua: “(...) Não pode ser admitido que as cogitações divulgadas de forma cotidiana pelos cidadãos que usam as redes sociais como escudo para veicular todos os tipos de manifestações, sem se preocupar com a extensão tomada, sob o argumento da liberdade de expressão, atinjam, de forma indiscriminada e livre de comprovação, o direito à honra de outras pessoas” (TJDF, Acórdão n. 1009454, Rel. Carlos Rodrigues, 6ª Turma Cível, DJ 15/3/2017).
Ao contrário, a publicação em rede social de críticas dirigidas de forma genérica a agentes públicos que não tenham a finalidade de ofender a honra não é passível de responsabilização, pois está acobertada pelo direito de livre manifestação do pensamento (TJDF, Acórdão n. 1017158, Rel. Designado: Teófilo Caetano, 1ª Turma Cível, DJ 03/05/2017).
Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que é dever da empresa hospedeira de sítio na internet fiscalizar o conteúdo publicado e de retirá-lo do ar quando considerado ofensivo, sem intervenção do Judiciário (Tema 533/STF).
Inexiste uma fórmula para solucionar o conflito entre direitos fundamentais, cabendo ao intérprete, com base nas particularidades do caso concreto, valer-se dos mecanismos de hermenêutica constitucional para estabelecer qual direito fundamental deve, naquele caso específico, prevalecer diante de outro.
2.4. O direito à liberdade religiosa
No Brasil, o direito à liberdade de consciência e de crença é inviolável, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias, nos termos do art. 5º, inciso VI, da Constituição.
Não se admite, também, que alguém seja privado de direitos por motivo de crença religiosa, salvo se a invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa fixada em lei (art. 5º, inciso VIII, CF).
Em vista disso, protege-se o direito de escolha ou mudança de religião, seita, assim como a prerrogativa de desacreditar na existência de Deus.
A proteção religiosa também pode ser encontrada em outras leis, como, por exemplo, na Lei 6.923/1981, que dispõe sobre o serviço de assistência religiosa no âmbito das Forças Armadas, e na Lei 9.982/2000, que versa a respeito da prestação de assistência religiosa nas entidades hospitalares públicas e privadas, bem como nos estabelecimentos prisionais civis e militares.
O Brasil é um estado laico e não deve exercer influência sobre qualquer religião, conforme alude o artigo 19 da Constituição Federal, caput e inciso I, que determina ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.
A despeito da determinação constitucional supracitada, permite-se a presença de crucifixos nas dependências do poder judiciário, tendo em vista que são considerados símbolos da cultura brasileira (CNJ, pedido de providências 1344, Rel. Paulo Lôbo, DJ 06/06/2007).
O Supremo Tribunal Federal firmou diversos entendimentos a respeito do direito à liberdade religiosa quando em colisão com a liberdade de manifestação do pensamento.
Primeiramente, a Suprema Corte entende que a Constituição da República tutela não apenas o direito de escolher ou não uma religião, mas também o proselitismo religioso, que consiste no direito de convencer outras pessoas a converterem-se à sua religião. Por esta razão, admite como exercício do direito de liberdade de expressão críticas realizadas por um líder religioso em face do espiritismo e de religiões de matriz africana (STF, RHC 1334682/BA, Rel. Min. Edson Fachin, DJ 29/11/2016).
Nesse mesmo contexto, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade do §1º, do art. 4º, da Lei 9.612/98, que determinava ser vedado o proselitismo de qualquer natureza na programação das emissoras de radiodifusão comunitária, reiterando que o discurso proselitista é inerente à liberdade de expressão religiosa, permitindo a livre manifestação do pensamento e a formulação de discurso persuasivo e o uso de argumentos críticos, concluindo, então, que viola a Constituição Federal a proibição de veiculação de discurso proselitista em serviço de radiodifusão comunitária (STF, ADI 2566/DF, Rel. orig. Min. Alexandre de Moraes, red. p. Ac. Edson Fachin, DJ 16/05/2018).
Por outro lado, de acordo com a Suprema Corte, a incitação ao ódio, que traduz uma conduta mais grave, empreendida por um líder religioso contra outras religiões, excede o direito de manifestação e pode configurar o crime de racismo, previsto na Lei n. 7.716, de 1989, que diz respeito ao ato de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional (art. 20) (STF, RHC 146303/RJ, Rel. Min. Edson Fachin, red. p. Ac. Min. Dias Toffoli, DJ 06/03/2018).
Extrai-se dos referidos julgados que críticas a outras religiões, com o escopo de convencer outras pessoas a se converterem à sua religião, sem a finalidade de supressão ou redução da dignidade do diferente, não configuram crime, estando protegidas pelo direito à liberdade de expressão, de crença e no proselitismo religioso.
2.5. Direito ao esquecimento
De acordo com o Conselho da Justiça Federal, por meio do Enunciado n. 531, da VI Jornada de Direito Civil, “a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”. O direito ao esquecimento é representativo do direito à honra e à imagem.
Muito embora seja assegurado o interesse público de informar, este não destoa da observância do direito ao esquecimento. Cria-se, portanto, mais um freio constitucional à liberdade de manifestação. A celeuma que se impõe é a seguinte: quando o direito ao esquecimento se sobreporá em face do direito de informar? Essa questão pode ser respondida sob o viés jurisprudencial.
Exemplo disso temos o direito ao esquecimento dos condenados que cumpriram integralmente sua pena. O Superior Tribunal de Justiça aponta, ao justificar a preponderância do direito ao esquecimento, a prevalência da esperança, que é o vínculo entre futuro e presente, sobre a memória, indicando ser a conexão entre presente e passado: “Com efeito, o reconhecimento do direito ao esquecimento dos condenados que cumpriram integralmente a pena e, sobretudo, dos que foram absolvidos em processo criminal, além de sinalizar uma evolução cultural da sociedade, confere concretude a um ordenamento jurídico que, entre a memória - que é a conexão do presente com o passado - e a esperança - que é o vínculo do futuro com o presente -, fez clara opção pela segunda (STJ, RESP 1334097/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ 28/05/2013)”.
Por outro lado, no mesmo julgado supracitado foi reconhecido que fatos genuinamente históricos, cuja análise depende de cada caso concreto, devem ser preservados, minimizando a proteção do direito de esquecimento em razão do interesse público e social de informar.
Em fevereiro de 2021 o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário n. 1010606/RJ, firmou entendimento no sentido de que um direito ao esquecimento afronta a liberdade de expressão, não cabendo sua criação por parte do Poder Judiciário. Para a Suprema Corte: “É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais”.
Decerto, apesar da aparente divergência a respeito da existência ou não de um direito ao esquecimento no Brasil, eventuais excessos à liberdade de informar devem ser combatidos sob a análise de cada caso concreto, assentado nos parâmetros constitucionais, sopesando qual dos direitos fundamentais em conflito deve prevalecer.
2.6. Divulgação de ideias em universidades públicas e privadas
A proteção constitucional à liberdade de expressão não permite que haja interferência estatal relacionada à divulgação de ideias em universidades publicas ou privadas, nem mesmo durante o período eleitoral.
Para a Suprema Corte, atos judiciais ou administrativos que determinem ou promovam ingresso de agentes públicos em universidades públicas e privadas, recolhimento de documentos, interrupção de aulas, debates ou manifestações de docentes e discentes universitários, a atividade disciplinar docente e discente e coleta irregular de depoimentos pela prática de manifestação livre de ideias e divulgação de pensamento nos ambientes universitários ou equipamentos sob administração de universidades púbicas e privadas e serventes a seus fins e desempenho são incompatíveis com a Constituição Federal (STF, ADPF 548/DF, Rel. Min. Carmem Lúcia, DJ 15/05/2020).
A Ministra Relatora da supracitada ADPF ainda destacou, em seu voto, que “impor-se a unanimidade universitária, impedindo ou dificultando a manifestação plural de pensamentos é trancar a universidade, silenciar o estudante e amordaçar o professor”. Disse, em seguida, que “a única força legitimada a invadir uma universidade é a das ideias livres e plurais”.
É nítida a máxima proteção às ideias. Além do mais, é papel das Universidades estimular a manifestação do pensamento crítico e de opinião, e o Estado não pode se imiscuir nessa prerrogativa. Ao contrário, em um país democrático compete ao próprio Estado assegurar o pleno exercício das liberdades.
Nesse norte, identifica-se que o debate universitário não se restringe às matérias que compõem a grade curricular de um curso, mas se estende à expressão de qualquer ideologia - sem a imposição de obstáculos por parte do Estado, atitude própria dos regimes ditatoriais.
Por força da Constituição, todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização (art. 5º, XVI, CF). Não há, portanto, restrição constitucional à reunião dentro de universidades públicas ou privadas. A Constituição da República, ao permitir a liberdade de reunião, não admite que o Estado possa intervir na liberdade de externar posições ideológicas, seja qual for o lugar em que exercida.
O direito de reunião também é previsto na Declaração Universal de Direitos Humanos (de 1948), ao assegurar que “Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica” (artigo 20).
É essencial à compreensão do tema mencionar, conforme assentado pelo Ministro Celso de Mello em trecho de seu voto proferido nos autos da ADPF 548/DF, que “o direito de reunião, enquanto direito-meio, atua em sua condição de instrumento viabilizador do exercício da liberdade de expressão”. A conclusão que se extrai é de que os direitos de reunião e de manifestação do pensamento são indissociáveis, não podendo o poder público impedir a veiculação de opiniões nos espaços universitários, ainda que contrárias ao governo ou mediante atos de proselitismo, por exemplo.
É por esses motivos que não se tolera a repressão estatal, cujos atos devem ser pautados na legalidade, se com o objetivo de mitigar a exteriorização do pensamento crítico e a exposição de ideias no âmbito das universidades públicas e particulares.
3. Responsabilização e censura
A Constituição da República disciplina que é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística (§ 2º, do art. 220, da CF). A mesma posição é conferida pelo art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica.
Para o Supremo Tribunal Federal a tutela dos direitos da personalidade pelo poder judiciário se dá de modo posterior, “mediante a garantia de direito de resposta e de eventual responsabilização penal e civil decorrente de abusos” (Reclamação n. 39401/AM, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 12/05/2020). É nesse contexto que se objetiva impedir a censura prévia por parte do poder judiciário.
Malgrado não se possa admitir mecanismos de censura, não se afasta a responsabilização do sujeito que, com o objetivo de se valer de seu direito constitucional à liberdade de expressão, o faça de modo abusivo. Em consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, “eventual uso abusivo da liberdade de expressão deve ser reparado, preferencialmente, por meio de retificação, direito de resposta ou indenização” (STF, Rcl. 22.328/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, DJ 06/03/2018).
A respeito da responsabilização no âmbito penal, há diversos crimes que podem ser cometidos com o uso abusivo do direito da liberdade de expressão, quais sejam: calúnia (art. 138 do CPB), difamação (art. 139 do CPB), injúria (art. 140 do CPB), ameaça (art. 147 do CPB), denunciação caluniosa (art. 339 do CPB), falsa comunicação de crime (art. 340 do CPB), entre outros.
A responsabilização penal não se esgota por aí. Em caso recente o Supremo Tribunal Federal, no já mencionado Inquérito 4781/DF, inferiu que um discurso realizado pelo Deputado Federal Daniel Silveira, cujo vídeo foi divulgado massivamente em diversas redes sociais, tratava-se de afronta aos princípios democráticos, republicanos e da separação de poderes, concluindo que a conduta do parlamentar federal estaria submissa às disposições da Lei de Segurança Nacional (lei 7.170/83), notadamente nos artigos 17, 18 e 23, incisos I e II, da norma.
Também poderá o autor do ato abusivo ser responsabilizado civilmente pelo cometimento de danos materiais, morais ou à imagem, nos termos do artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal. O Código Civil também trata da responsabilização, o que se observa em uma leitura, entre outros, dos artigos 186, 187 e 927.
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “o magistrado poderá condenar o autor de uma ofensa a divulgar a sentença condenatória nos mesmos veículos de comunicação em que foi cometida a ofensa à honra” (STJ, RESP 1.771.866/DF, Rel. Min. Marcos Aurélio Bellizze, DJ 12/02/2019). O Código Civil, ao estabelecer o dever de reparar o dano, em seu artigo 927, não se limitou à reparação em pecúnia (indenização), apenas, o que admite a reparação in natura, traduzida na retratação pública ou em outro meio.
Essa conclusão se extrai do Enunciado 589, da VII Jornada de Direito Civil do CJF: “A compensação pecuniária não é o único modo de reparar o dano extrapatrimonial, sendo admitida a reparação in natura, na forma de retratação pública ou outro meio”.
É importante esclarecer, a título de complemento, que o pedido de publicação da sentença condenatória não possui previsão legal expressa, tendo em vista que o único diploma normativo brasileiro a prevê-lo é a Lei de Imprensa (Lei 5.250/1967), em seu artigo 75, caput. Contudo, de acordo com o Supremo Tribunal Federal referida lei não foi recepcionada pela CF/88, consoante decisão proferida na ADPF 130/DF. Justifica-se a publicação da sentença condenatória, entretanto, no direito de retratação e de esclarecimento da verdade, consubstanciados nos artigos 927 e 944 do Código Civil.
Por fim, vale destacar que a própria legislação, com base no princípio da proporcionalidade, poderá mitigar o exercício da liberdade de expressão. Assim estabeleceu a lei 12.663/2012, conhecida como Lei Geral da Copa, em seu artigo 28, §1º: Art. 28. São condições para o acesso e permanência de qualquer pessoa nos Locais Oficiais de Competição, entre outras: (...) § 1º É ressalvado o direito constitucional ao livre exercício de manifestação e à plena liberdade de expressão em defesa da dignidade da pessoa humana.
O Supremo Tribunal Federal, em 01/07/2014, na Medida Cautelar na ADI n. 5136/DF, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, com base no princípio da proporcionalidade, reconheceu a constitucionalidade do supracitado dispositivo legal, entendendo que houve um juízo de ponderação por parte do legislador quando limitou as manifestações que tenderiam a gerar maiores conflitos e atentar contra a segurança dos participantes de evento de grande porte.
Nota-se, portanto, que a livre manifestação do pensamento, apesar de assumir um papel preferencial, deve se coadunar com o respeito à privacidade, à honra, à imagem, à personalidade, entre outros direitos constitucionalmente assegurados, sob pena de responsabilização do sujeito, a qual, entretanto, somente tem lugar em situações excepcionais.
Conclusão
Em uma sociedade democrática a liberdade de expressão se revela como um instrumento de garantia da pluralidade de ideias. Trata-se de um direito fundamental, previsto em todas as Constituições brasileiras desde o ano de 1824, cuja proteção encontra amparo não apenas na Carta Maior, mas também em tratados internacionais.
Embora se trate de um direito fundamental, há casos em que se constata uma colisão desse com outros direitos fundamentais, reclamando a intervenção do poder judiciário. Por essa razão, a livre manifestação do pensamento deve ser exercida em sintonia com outros direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, os direitos à imagem, à honra, à personalidade, ao esquecimento e à liberdade religiosa.
Assim, o poder judiciário tem se manifestado em inúmeras ocasiões, reconhecendo diversos freios constitucionais que atuam de modo a evitar o exercício arbitrário da liberdade de manifestação do pensamento e, outras vezes, protegendo o sujeito contra atos estatais que tenham como resultado diminuir, sem motivo justo, o âmbito de extensão do direito de manifestação. Merece destaque o seguinte:
A – Dignidade da pessoa humana e discurso de ódio: a Constituição da República não visou proteger atos discriminatórios, entre eles, aqueles que violem a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Nesse sentido, o direito à liberdade de expressão não pode abrigar manifestações de conteúdo imoral ou que implicam ilicitude penal, por exemplo, sob pena de violação da dignidade da pessoa humana. Do mesmo modo, o exercício da liberdade de expressão não tutela discursos de ódio envolvendo ataques racistas, homofóbicos, entre outros.
B – Fake News: a chancela constitucional à livre manifestação do pensamento não permite o exercício abusivo da informação. Não se autoriza, portanto, que sejam veiculadas notícias sabidamente inverídicas.
C – Proteção ao direito à imagem, à vida privada, à honra e à intimidade: malgrado o texto constitucional assegure o direito à livre manifestação do pensamento, também dispõe serem invioláveis outros direitos, como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Quando em colisão, faz-se necessário ponderar os direitos constitucionais, mediante aplicação do princípio da proporcionalidade, para se estabelecer se há ou não exercício arbitrário da garantia da livre manifestação do pensamento.
D – Liberdade religiosa: o direito à liberdade de consciência e de crença é inviolável, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. O Supremo Tribunal Federal tem se debruçado sobre diversos temas envolvendo a liberdade religiosa e firmou sua jurisprudência no sentido de que críticas a outras religiões, com o escopo de convencer outras pessoas a se converterem à sua religião, sem a finalidade de supressão ou redução da dignidade do diferente, não configuram crime, estando protegidas pelo direito à liberdade de expressão, de crença e no proselitismo religioso.
E – Direito ao esquecimento: a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento (Enunciado 531, da VI Jornada de Direito Civil do CJF). Embora seja assegurado o interesse público de informar, este não destoa da observância do direito ao esquecimento.
F – Divulgação de ideias em universidades públicas e privadas: a proteção constitucional à liberdade de expressão não permite que haja interferência estatal relacionada à divulgação de ideias em universidades publicas ou privadas, por isso, de acordo com o STF, atos judiciais ou administrativos que cerceiem a liberdade de ideias em universidades são incompatíveis com a Constituição.
Por fim, há de se destacar que não se admite, no Brasil, mecanismos de censura prévia. É possível, entretanto, a responsabilização do sujeito que, com o objetivo de se valer de seu direito constitucional à liberdade de expressão, o faça de modo abusivo. Tal responsabilização se dá tanto no âmbito penal quanto na esfera cível.
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