Uma análise da Lei do Superendividamento

Lei nº14.181, de 01/07/2021

04/07/2021 às 21:02
Leia nesta página:

A lei traz novos princípios, direitos básicos, ações de prevenção e tratamento do superendividamento para o consumidor de boa-fé sem que este comprometa o seu mínimo existencial, ou seja, sem comprometer as necessidades básicas do mesmo.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

De início, é importante falar como surgiu a ideia da Lei do Superendividamento. Tudo começou em 2010, quando a Comissão de Juristas de Atualização do Código de Defesa do Consumidor percebeu a necessidade de tratar acerca do assunto. Com isso, em 2012, surgiu o Projeto de Lei nº 283/2012, de autoria do senador José Sarney. Após ser aprovado na Câmara dos Deputados, como Projeto de Lei (PL) nº 3.514/2015, retornou ao Senado e foi enumerado como PL nº 1.805/2021, tendo seguido para sanção presidencial. No dia 01/07/2021, houve a sanção, se transformando na Lei nº 14.181/2021, a qual está em vigor desde o dia 02/07/2021. O Presidente vetou alguns artigos da lei original, ou seja, não concordou com os mesmos, sobre os quais iremos discutir no decorrer da exposição.

 

A lei traz novos princípios, direitos básicos, ações de prevenção e tratamento do superendividamento para o consumidor de boa-fé sem que este comprometa o seu mínimo existencial, ou seja, sem comprometer as necessidades básicas do mesmo. Importante destacar que a lei só inclui os consumidores superendividados passivos, ou seja, aqueles que agem de boa-fé e que não consomem de forma desenfreada, aqueles que têm dívidas saudáveis, como um financiamento e cartão de crédito, aqueles que, por algum acontecimento da vida, ficaram impossibilitados de arcar com as dívidas.

 

O nosso maior exemplo é a pandemia da Covid-19 que surgiu em 2020, a qual fez com que muitos perdessem empregos e se acumulassem em dívidas. Para se ter ideia, o percentual de endividados no país, em 2020, fechou em 66,5%, segundo estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). É o maior patamar de endividamento familiar em 11 anos. Segundo o Serasa, conforme pesquisa realizada em abril de 2021, existem mais de 62 milhões de brasileiros inadimplentes e metade deles têm a renda inteira comprometida, fazendo com que estes vivam em um superendividamento e não consigam sair do mesmo.

 

Além disso, é importante destacar que a lei não protege os consumidores que contraíram dívidas mediante fraude ou má-fé; que foram oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento; ou que decorreram da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor.

 

A lei também cria instrumentos para conter abusos na oferta de crédito a idosos e vulneráveis, o que é de extrema importância, pois perdemos a quantidade de fezes que observamos empréstimos sendo tirados nos nomes dos idosos e sem a permissão destes, gerando como consequência vários descontos na aposentadoria e impedindo que os idosos tenham uma vida saudável.

 

1.      ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS

 

1.1.             PRINCÍPIOS (Art. 4º, IX, X, do CDC)

 

Foram inseridos mais 3 princípios no Código de Defesa do Consumidor, os quais estão previstos no art.4 º do Código, este que já traz 8 princípios que protegem o consumidor.

 

Dentre os novos princípios, estão a educação financeira e ambiental do consumidor, bem como a prevenção e tratamento do superendividamento, isto com o intuito de evitar a exclusão social do consumidor. Infelizmente, a cultura entende que uma pessoa que tem o nome sujo, é uma pessoa sem crédito e sem boa reputação, ficando conhecida como má pagadora e sendo excluída da sociedade.

 

O superendividamento pode levar o indivíduo a um estado de desesperança, podendo ocasionar diversos problemas psicológicos. O que essas pessoas precisam é de ajuda e direcionamento de como evitar e como sair dessa situação, e estes novos princípios, juntamente às outras alterações propostas pela Lei, têm justamente essa ideia.

 

1.2.            INTRUMENTOS DA POLÍTICA NACIONAL DAS RELAÇÕES DE CONSUMO (Art. 5º, VI, VII, CDC)

 

Como se sabe, o art. 5º, CDC, prevê os instrumentos utilizados pelo poder público para poder controlar e proteger as relações de consumo. Com a nova lei, foram inseridos 2 novos instrumentos, quais sejam, a instituição de mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteção do consumidor, bem como a instituição de núcleos de conciliação e mediação de conflitos oriundos de superendividamento.

 

1.3.            DIREITOS BÁSICOS (Art. 6º, XI, XII, XIII, CDC)

 

Também foram inseridos 3 novos direitos básicos do consumidor, quais sejam, a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento das situações de superendividamento; a preservação do mínimo existencial, seja na negociação de dívidas ou na concessão de crédito; e a informação acerca dos preços dos produtos por unidade de medida.

 

É importante discutirmos acerca da preservação do mínimo existencial na concessão de crédito. Ora, como se sabe, no Brasil não é difícil tirar um empréstimo. O consumidor chega a ser abordado na rua por empresas oferecendo crédito. Porém, com a lei, isso será evitado. Agora, para se retirar um empréstimo, será necessária uma análise da vida financeira do consumidor, sendo feito um estudo para observar se o pagamento das dívidas não irá prejudicar o mínimo existencial, ou seja, não irá comprometer as necessidades básicas e familiares, evitando, assim, o superendividamento.

 

1.4.            CLÁUSULAS CONTRATUAIS NULAS (Art. 51, XVII, XVIII, CDC)

 

Com a nova Lei, mais duas cláusulas contratuais são consideradas nulas, quais sejam, aquelas que condicionem ou limitem de qualquer forma o acesso aos órgãos do Poder Judiciário; ou que estabeleçam prazos de carência em caso de impontualidade das prestações mensais ou impeçam o restabelecimento integral dos direitos do consumidor e de seus meios de pagamento a partir da purgação da mora ou do acordo com os credores.

 

Com essa mudança, fica impedido que o consumidor “seja castigado” após ter pago com atraso as parcelas vencidas, como por exemplo negativação, cancelamento do acordo ou contrato, dentre outras.

 

A lei previa mais uma hipótese de cláusula nula, mas esta foi vetada pelo Presidente. Nela, restava impedida a aplicação de lei estrangeira que limitasse a proteção garantida pelo Código de Defesa do Consumidor. A razão do veto foi por questão de preservação da economia e das relações comerciais com as empresas estrangeiras.

 

1.5.            INFORMAÇÃO CLARA (AT. 54-B, 54-D, CDC)

 

Atualmente, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 52, já prevê que as instituições financeiras devem informar ao consumidor acerca do preço, dos juros e acréscimos, das parcelas e do total a ser pago com ou sem financiamento.

 

Agora, a nova lei obriga bancos, financiadoras e empresas que vendem a prazo a informar ao consumidor o custo efetivo total, a taxa mensal efetiva de juros e os encargos por atraso, o total de prestações e o direito de antecipar o pagamento da dívida ou parcelamento sem novos encargos. Além disso, são obrigados a informar o nome e o endereço do fornecedor.

 

O intuito dessa nova mudança é que todas as informações estejam totalmente claras ao consumidor. Infelizmente, muitos contratos são feitos com as famosas “letras pequenas”, não sendo o consumidor informado e restando prejudicado.

 

Fora isso, agora o fornecedor também é obrigado a informar e esclarecer ao consumidor a natureza e a modalidade do crédito oferecido, todos os custos incidentes e as consequências genéricas e específicas que ele sofrerá em caso de inadimplemento, bem como deverá avaliar as condições de crédito do consumidor e informar a identidade do agente financiador. O fornecedor também terá que entregar ao consumidor, ao garante e a outros coobrigados, uma cópia do contrato de crédito.

 

Por fim, importante destacar que caso o fornecedor descumpra algum dos deveres de informação, sofrerá algumas punições como redução dos juros, dilação do prazo para pagamento, pagamento de indenização e outras sanções previstas.

 

1.6.            DA OFERTA E DA PUBLICIDADE (ART. 54-C, CDC)

Agora, a nova lei proíbe propagandas de empréstimos do tipo "sem consulta ao SPC" ou sem avaliação da situação financeira do consumidor, bem com proíbe o assédio ou a pressão sobre o consumidor para contratar o fornecimento de produto, serviço ou crédito, principalmente em caso de idosos, analfabetos, doentes ou em estado de vulnerabilidade.

É uma excelente mudança, pois é abusiva a forma que as empresas utilizam para oferecer crédito.

Nessa atualização, também estava incluída a proibição das empresas de fazer propagandas de oferta de crédito ao consumidor do tipo "sem juros", "sem acréscimo" ou "juros zero", porém, foi vetada pelo Presidente sob o argumento que cabe ao mercado oferecer crédito nas modalidades, nos prazos e com os custos que entender adequados.

 

1.7.            DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE O FORNECEDOR DO PRODUTO E O FORNECEDOR DE CRÉDITO E DO PRINCÍPIO DA GRAVITAÇÃO JURÍDICA (ART. 54-F, CDC).

 

Já existem jurisprudências no sentido de que a instituição fornecedora do produto responde solidariamente à instituição bancária quando o produto apresenta algum vício. Agora, a nova lei formaliza a presente hipótese declarando que o contrato original de fornecimento de produto e o contrato de crédito são conexos, coligados ou interdependentes quando o fornecedor de crédito recorrer aos serviços do fornecedor de produto ou serviço para a preparação ou a conclusão do contrato de crédito; ou oferecer o crédito no local da atividade empresarial do fornecedor de produto ou serviço financiado ou onde o contrato principal for celebrado.

 

É importante destacar que o contrato principal determina as regras que deverão ser seguidas pelos demais instrumentos negociais que a este se ajustam. Assim, por exemplo, havendo invalidade do contrato principal (ex: compra e venda de um carro), o contrato acessório de concessão do crédito para aquisição deste bem também deverá ser anulado. É o princípio da gravitação jurídica, pelo qual o acessório segue o principal.

 

1.8.            CARTÃO DE CRÉDITO (ART. 54-G, CDC)

 

A nova lei permite que o consumidor informe à administradora do cartão crédito, com dez dias de antecedência do vencimento da fatura, sobre parcela que está contestando com o fornecedor. O valor não poderá ser cobrado enquanto não houver uma solução.

 

São muitos os casos em que as cobranças são realizadas de forma indevida e que o consumidor fica obrigado a pagar e só depois contestar e pedir a restituição, tendo as vezes que resolver em juízo. Essa mudança visa evitar esse tipo de situação.

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Além disso, a nova lei fala que, em caso de utilização fraudulenta do cartão de crédito ou similar, a empresa não pode impedir que o consumidor peça e obtenha, quando aplicável, a anulação ou o imediato bloqueio do pagamento, ou ainda a restituição dos valores indevidamente recebidos. Nesse caso, é o respeito à Súmula 479, STJ, em que as empresas devem responder pelas fraudes ocorridas contra o consumidor, pois é um risco inerente à atividade.

 

2.      DA CONCILIAÇÃO E DA RENEGOCIAÇÃO

Conforme a lei, agora o consumidor poderá fazer um acordo com os seus credores. Esse acordo poderá ser na forma judicial ou extrajudicial.

Sendo judicial, o juiz poderá, a pedido do consumidor superendividado, iniciar processo de repactuação das dívidas com a presença de todos os credores, ou seja, realizar um acordo para pagamento. Na audiência, o consumidor poderá apresentar um plano de pagamento com prazo máximo de cinco anos para quitação, preservado o "mínimo existencial". Nesse acordo, será acertada a suspensão de ações judiciais em andamento e data a partir da qual o nome sairá do cadastro negativo.

É importante destacar que não podem fazer parte dessa negociação as dívidas com garantia real (como um carro), os financiamentos imobiliários, os contratos de crédito rural e dívidas feitas sem a intenção de realizar o pagamento.

Um ponto também importante é que se algum credor não comparecer à audiência, poderá ocorrer a suspensão da exigibilidade do débito; a interrupção dos encargos da mora; e a sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida se o montante devido ao credor ausente for certo e conhecido pelo consumidor. Além disso, o credor ausente somente irá receber após ter sido feito o pagamento dos demais credores que compareceram à audiência conciliatória.

Caso o consumidor e os credores não consigam entrar em um acordo, será instaurado um processo por superendividamento com a finalidade de revisão e integração dos contratos, bem como· acordo das dívidas remanescentes, mediante plano judicial. Nesse caso, todos os credores são citados, os quais terão 15 dias para contestar ou concorda com o plano de pagamento e apresentar documentos que acharem necessário.

 

Em caso de conciliação extrajudicial, esta é feita pelos órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, como o PROCON. Aqui, seguirá o mesmo procedimento da judicial.

 

3.      3. DO ESTATUDO DO IDOSO (Lei n º 10.741/03)

 

A Lei de Superendividamento instaurou um novo crime no Estatuto do Idoso, o previsto no art. 96, o qual dispõe que discriminar pessoa idosa, impedindo ou dificultando seu acesso a operações bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar ou por qualquer outro meio ou instrumento necessário ao exercício da cidadania, por motivo de idade, acarreta em pena de reclusão de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa.

 

Além disso, a lei acrescentou mais uma causa de excludente de tipicidade, qual seja, a de que não constitui crime a negativa de crédito motivada por superendividamento do idoso. É uma proteção ao idoso, o qual, em razão da idade, torna-se mais vulnerável.

 

CONCLUSÃO

 

A presente lei é uma conquista para os consumidores, é uma mudança na vida de milhões de pessoas. É uma chance para que as pessoas possam se reerguer financeiramente e se reincluir na sociedade.

 

A Lei nº 14.181/2021 entrou em vigor na data de sua publicação, dia 02/07/2021. Quanto à validade, a Lei nova não se aplica para os negócios e atos ocorridos antes da sua vigência. Por outro lado, já rege os efeitos produzidos após a sua entrada em vigor, mesmo que o negócio jurídico tenha sido formalizado antes da sua entrada em vigor, conforme o exposto no art. 3º da Lei.

 

 

Sobre a autora
Olga Câmara

Bom relacionamento interpessoal, com excelente capacidade na execução de tarefas, sempre buscando pela irresignação e resolução de problemas, assumindo riscos e responsabilidades, focada em atingir indicadores e metas. Pós-graduanda em Penal e Processo Penal pela Escola Superior dos Advogados- ESA/PE

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Esse artigo foi elaborado com o intuito de esclarecer para os consumidores a nova Lei que entrou em vigor, a qual ajudará a vida de milhões de brasileiros

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