A nova lei do superendividamento – Lei 14.181/2020

06/07/2021 às 19:39
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Inovação importante no Direito Bancário e no Direito do Consumidor, a Lei 14.181/2020 entrou em vigor no dia 02/07/2021, conhecida pela Lei do Superendividamento, inserindo novas regras no Código de Defesa do Consumidor.

Inovação importante no Direito Bancário e no Direito do Consumidor, a Lei 14.181/2020 entrou em vigor no dia 02/07/2021, conhecida como Lei do Superendividamento, inserindo novas regras no Código de Defesa do Consumidor, visando proteger as pessoas que têm dívidas com variados fornecedores, especialmente instituições financeiras, e não têm mais condições reais e possíveis de pagar o estipulado sem afetar o seu sustento. Consagra e fortalece o princípio da informação como forma de coibir abusos dos fornecedores, bem como possibilidades de pagamento fracionado e limitado da dívida, para não mitigar o mínimo existencial da pessoa física. Consuma um novo procedimento judicial: a ação de repactuação de dividas e a conseqüente recuperação judicial de pessoa física, conciliatória ou compulsória.

A lei já dispõe que a sua essência é o aperfeiçoamento da disciplina do crédito ao consumidor, a prevenção e o tratamento do superendividamento. Portanto, temos três parâmetros da nova Lei que inova o Código de Defesa do Consumidor, a disciplina do crédito, a prevenção e o tratamento, em si, do superendividamento.

No art 5°, inc. VI, resta claro que o legislador assegurou a respectiva lei para a pessoa física, quando dispõe “proteção do consumidor pessoa natural”, não assegurando às pessoas jurídicas a sua aplicabilidade. Aos olhos no art. 4°, inc. X, a finalidade da lei é evitar a exclusão social do consumidor, que, na seara bancária, seria a consequência do superendividamento, qual seja, a exclusão do consumidor em relações bancárias futuras, como, por exemplo, a negativa por instituições financeiras de abertura de contas correntes, consoante o superendividamento. Portanto, a lei visa aperfeiçoar a proteção do consumidor, mas, por outro lado, resguardar as futuras relações bancárias, subjetivamente sujeitando benefícios também às instituições financeiras, que é a continuação das contratações.

Em seu art. 6°, incisos XI e XII, confirma que o princípio basilar de todo o ordenamento presente é a proteção do mínimo existencial. Muitas pessoas, naturais, estão se superendividando, e as dívidas bancárias consumindo todo o seu rendimento mensal em efeito bola de neve, onde o consumidor se vê obrigado a sempre realizar renovações contratuais para tentar realizar o pagamento das parcelas, nem sempre conseguindo, ocasionando o aumento abusivo do valor final do contrato, ficando o consumidor preso infinitamente à instituição financeira.

O superendividamento é a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, conceitua o art. 54 – A, parágrafo 1°.

A lei também acertou em conceituar o que seriam “dívidas de consumo” no mesmo artigo supracitado, em seu parágrafo 2°, que descreve que são quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada. Veja que a lei estabelece uma cláusula geral, cláusula aberta, usando o termo “quaisquer compromissos financeiros”, decorrentes de relação de consumo e dá uma especialidade a essência da lei, a aplicação especial nas operações de crédito.

Ressalte-se que a lei não é aplicável a toda e qualquer relação jurídica de pessoa natural superendividada, há três exceções que merecem atenção, como a má-fé ou a fraude do consumidor, a realização de contratos dolosamente sem o propósito de pagar, bem como, se o produto ou serviço proveniente dessa relação for de luxo de alto valor (art. 54-A, p. 3°). Resguarda aqui o legislador a ausência da proteção contra os estelionatários, mas não só, como também a exclusão das contratações de produtos ou serviços de luxo de alto valor, mais uma regra aberta que dará trabalho a doutrina e a jurisprudência, pois, o quê seria um produto ou serviço de luxo de alto valor, para uma pessoa em extrema pobreza e para uma pessoa de alta renda, ademais num país de grande desigualdade econômica?

No que tange à prevenção do superendividamento propriamente dito, o legislador quase repetiu o teor do art. 52 do CDC, que instituiu o princípio da informação ou do formalismo informativo nos contratos de crédito, com relação à obrigatoriedade das informações claras que o contrato deve conter, sobre a taxa de juros, encargos, juros de mora e todas as demais, inovando agora ao dispor sobre o direito à liquidação antecipada e não onerosa do débito, onde a regra do art. 52 do CDC era a redução proporcional dos juros e demais acréscimos, dando ensejo a conflitos. (art. 54-B).

Em linhas gerais, a nova lei foi feliz ao regrar sobre a “oferta de crédito”, haja vista que era inexistente no ordenamento jurídico seus pormenores, somente implícito em princípios-chaves, como a boa-fé, a lealdade, a confiança recíproca, a transparência, e no art. 52 do CDC, na maioria das vezes não respeitados pelas instituições financeiras, necessitando o legislador fixar as normas, vedando agora, na oferta de crédito ao consumidor, publicitária ou não, indicar que a operação de crédito poderá ser concluída sem consulta a serviços de proteção ao crédito ou sem avaliação da situação financeira do consumidor; ocultar ou dificultar a compreensão sobre os ônus e os riscos da contratação do crédito ou da venda a prazo; assediar ou pressionar o consumidor para contratar o fornecimento de produto, serviço ou crédito, principalmente se se tratar de consumidor idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada ou se a contratação envolver prêmio e condicionar o atendimento de pretensões do consumidor ou o início de tratativas à renúncia ou à desistência de demandas judiciais, ao pagamento de honorários advocatícios ou a depósitos judiciais (art. 54-C).

Na segunda regra, art. 54-D, quis o legislador assegurar mais uma vez o princípio da informação/formalismo informativo e da transparência, dispondo que na oferta de crédito, previamente à contratação, o fornecedor ou o intermediário deverá, entre outras condutas, informar e esclarecer adequadamente o consumidor, considerada sua idade, sobre a natureza e a modalidade do crédito oferecido, sobre todos os custos incidentes, observado o disposto nos arts. 52 e 54-B, e sobre as consequências genéricas e específicas do inadimplemento; avaliar, de forma responsável, as condições de crédito do consumidor, mediante análise das informações disponíveis em bancos de dados de proteção ao crédito, observado o disposto no CDC e na legislação sobre proteção de dados; informar a identidade do agente financiador e entregar ao consumidor, ao garante e a outros coobrigados cópia do contrato de crédito.

Ressalte-se que a não observância, portanto, das regras acima, em especial, o princípio da informação/formalismo informativo, que agora fica mais robusto, o descumprimento de qualquer dos deveres previstos poderá acarretar judicialmente a redução dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo ao principal e a dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original, conforme a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor, sem prejuízo de outras sanções e de indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ao consumidor. Portanto, o legislador, além de fortificar o princípio do formalismo informativo do art. 52 do CDC, agora estipula sanções caso não sejam observadas pelo fornecedor, um grande avanço na proteção do consumidor.

Consoante a alta de fraudes bancárias que vêm ocorrendo nos últimos meses, como o uso de cartões de crédito por fraudadores sem conhecimento do seu titular, quando há a reclamação deste às instituições financeiras, contestando os valores que desconhece, fica vedada as instituições a cobrar o valor ao consumidor sem observância de certas normas, conforme estipulado no art. 54-G, inc. I, in verbis: “realizar ou proceder à cobrança ou ao débito em conta de qualquer quantia que houver sido contestada pelo consumidor em compra realizada com cartão de crédito ou similar, enquanto não for adequadamente solucionada a controvérsia, desde que o consumidor haja notificado a administradora do cartão com antecedência de pelo menos 10 (dez) dias contados da data de vencimento da fatura, vedada a manutenção do valor na fatura seguinte e assegurado ao consumidor o direito de deduzir do total da fatura o valor em disputa e efetuar o pagamento da parte não contestada, podendo o emissor lançar como crédito em confiança o valor idêntico ao da transação contestada que tenha sido cobrada, enquanto não encerrada a apuração da contestação. Outra norma que visa combater as fraudes bancárias, especialmente nos cartões de crédito, é o inc. III do mesmo artigo, quando formaliza que é vedada às instituições financeiras impedir ou dificultar, em caso de utilização fraudulenta do cartão de crédito ou similar, que peça e obtenha, quando aplicável, a anulação ou o imediato bloqueio do pagamento, ou ainda a restituição dos valores indevidamente recebidos.

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Muitas instituições financeiras, além de não informarem os dados básicos da oferta de crédito, ainda não fornecem ao consumidor a cópia do próprio contrato, o quê agora também fixa o legislador na nova lei, dispondo no inc. II, art. 54-G: recusar ou não entregar ao consumidor, ao garante e aos outros coobrigados cópia da minuta do contrato principal de consumo ou do contrato de crédito, em papel ou outro suporte duradouro, disponível e acessível, e, após a conclusão, cópia do contrato.

O legislador, no contexto de proteção ao superendividamento, fortifica o princípio da informação/formalismo informativo, da transparência nas relações financeiras, sendo uma importante fase preliminar para a proteção do consumidor, não dando escusas e a possibilidade das instituições financeiras não fornecerem os contratos, mesmo em operações que envolvam empréstimos diretos na folha de pagamento (art. 54-G, p. 1°) ou em contratos de adesão (art. 54-G, p. 2°), por exemplo, aqueles formalizados diretos por aplicativos de instituições financeiras, onde o consumidor não tem conhecimento de todas as cláusulas contratuais, sendo obrigadas as instituições financeiras, agora, a fornecer os contratos celebrados com todas as informações obrigatórias dos arts. 52 e 54-B do CDC mesmo nos dois casos especiais acima.

Na prática judicial, o consumidor terá a possibilidade de distribuir uma ação de repactuação de dívidas e realizar uma renegociação, apresentando um plano de pagamento, dentro das possibilidades de seu mínimo existencial, num prazo de 5 (cinco) anos, deixando claro a lei novamente que se trata de pessoa natural e não jurídica e que não envolva contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural (art. 104-A). Trata-se, analisando por analogia, de uma “recuperação judicial” de pessoa física, como na lei de recuperação de pessoa jurídica, possibilitando as pessoas naturais uma nova forma de tentar recuperar-se financeiramente, tendo em vista, que na presente data, 70% das famílias brasileiras encontram-se em débito de alguma natureza.

Interessante, dentre outras regras processuais atinentes a este novo procedimento judicial, que se baseia em uma das finalidades da lei, que é a não exclusão social do consumidor, é a exclusão do consumidor de bancos de dados e de cadastros de inadimplentes com a referida consumação do “plano de recuperação” (art. 104-A, par. 4°, inc. III), podendo, assim, ter uma vida financeira normal.

Nesta nova ação judicial, que tem natureza conciliatória, preconizando a nova sistemática cível, que é a base conciliatória, o Juiz, a requerimento do consumidor, diante da negativa dos credores de aceitarem o “plano de recuperação” apresentado, instaurará processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório, importante mecanismo que assegurará ao consumidor o seu mínimo existencial, através da chancela do Magistrado. Este plano judicial compulsório assegurará aos credores, no mínimo, o valor do principal devido, corrigido monetariamente por índices oficiais de preço, e preverá a liquidação total da dívida, após a quitação do plano de pagamento consensual, em, no máximo, 5 (cinco) anos, sendo que a primeira parcela será devida no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado de sua homologação judicial, e o restante do saldo será devido em parcelas mensais iguais e sucessivas (art. 104-B).

Com isto, assegura a nova lei um verdadeiro “plano de recuperação judicial de pessoa física”, sendo que, não tendo a conciliação com os credores, o Juiz garantirá o plano de recuperação compulsoriamente, tendo como justificativa plausível o mínimo existencial do consumidor.

Sinaliza as novas normas para a recuperação do crédito ao consumidor, lembrando que o Juiz fica vinculado ao plano de recuperação compulsório ao limite mínimo do valor original da dívida, portanto, não significa que este procedimento “conciliatório” vai reduzir o valor total do débito existente, pois não se trata de uma ação revisional de contrato que rechaça cláusulas abusivas, que podem reduzir o valor original do contrato ou um “acordo” com valor diminuto, com isto, cabe ao operador do Direito usar o mecanismo da melhor forma cabível a favor do consumidor, analisando o contrato e suas cláusulas, podendo, suplicando o princípio da primazia do mérito sobre a forma, distribuir uma ação revisional de contrato com a finalidade de redução real do valor original, se caso existente cláusulas abusivas, e posteriormente, pois nada restringe, requerer a “recuperação judicial” nos mesmos autos pós-sentença, como forma de liquidação.

 A respectiva Lei Do Superendividamento entra no ordenamento jurídico em um momento necessário, extraindo com firmeza as diretrizes principiológicas que envolvem tanto o Direito Bancário quanto o Direito do Consumidor, como o princípio da boa-fé, da informação ou formalismo informativo, do mínimo existencial, da função social do contrato, da conciliação, da proteção das pessoas vulneráveis, do não enriquecimento ilícito, da dignidade da pessoa humana, consubstanciando várias regras a serem observadas pelos fornecedores, especialmente instituições financeiras, com o fim de propiciar um sistema relacional bancário mais adequado aos princípios-chaves da nova ordem cível constitucional, que primazia a dignidade da pessoa humana acima do capital.

Sobre o autor
Alan Rodrigues da Motta

Advogado, com pós graduações em Direito Bancário e Direito Ambiental, e MBA em Gestão de Investimentos, www.alandamottaadvogados.com.br

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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