1. INTRODUÇÃO
Segundo o filósofo e matemático Platão (Atenas, 348/347 a.C.), o ser humano deve formar-se de três aspectos importantes para que haja sentido na vida: a razão, coragem e instinto.
A partir deste princípio, ao analisarmos as circunstâncias da vida de uma pessoa humana, a mesma é posta como o caminho para a verdade, pois um ser dotado de razão torna-se um ser pensante, e sendo assim, ao evoluir no campo das ideias em conjunto com a razão, começa a se expandir para que se torne real através de atitudes objetivas e o sentido dessa razão e objetividade deve ser a coragem para que a pessoa possa enfrentar o que foi desenvolvido no campo das ideias:
“E dos corajosos não só em atuação na guerra, mas igualmente diante dos perigos do mar e aqueles que demonstram coragem diante da doença e da pobreza, ou inclusive nos negócios do Estado” (Laques, 191d)
E ainda para que se complete o objetivo da vida humana na terra e assim para se completar a trindade:
“O instinto é uma inteligência não racional; é por ele que todos os seres provêm às suas necessidades. (Livro dos Espíritos, pergunta 73) “
Dessa forma podemos concluir que para todo ciclo existe um fim, e para este fim não deve haver sofrimento.
O ser humano já dotado dos três princípios, segundo Platão, terá então a razão, instinto e coragem para que tome a decisão para a ação do procedimento de eutanásia. A sociedade não poderá intervir em tal decisão que só cabe à pessoa que estará passando pelo processo, ou no caso dela estar inconsciente, aos familiares. Ao longo dos anos, centenas de pessoas poderão estar nas mesmas condições de decisão pelo término da própria vida e assim, ficam as dúvidas: até onde será que vale a pena prosseguir nessa escola chamada vida? Até que ponto pode o Estado interferir numa decisão pessoal sobre a própria vida, bem como decidir pelo término ou não de seu sofrimento?
Ao analisarmos os dados abaixo, é de fácil analogia que, ao ser legalizado o procedimento, facilitará o esvaziamento dos eleitos de pacientes terminais, uma vez que pessoas com doenças incuráveis ou até mesmo sem orientação da sua própria vontade, como pacientes em estado vegetativo, terão a oportunidade de descansar em paz. Nos principais países onde a eutanásia é permitida, os dados são:
Colômbia: “Apenas um caso de eutanásia foi relatado até o momento no país, em 3 de julho de 2015. Tratava-se de Ovídio Gonzáles, de 79 anos, acometido por um câncer raro no rosto, que, apesar de não apresentar metástases, sofria com intensas dores crônicas”
Holanda: “Entre setembro de 2002 e dezembro de 2007 foram notificados 10.319 casos. Destes, 54% eram do sexo masculino, 53% tinham entre 60 e 79 anos e 87% foram diagnosticados com câncer. Em 2013 foram relatados 4.829 casos, e 78,5% destes ocorreram em casa”
Bélgica: “De acordo com a Comissão Federal, entre 2010 e 2014, os casos notificados quase duplicaram, passando de 953 para 1.807. A predominância continua sendo de homens, com idades entre 60 e 79 anos, com câncer; entretanto, estudo recente mostrou aumento das requisições feitas por pacientes maiores de 80 anos e com outras doenças. Além disso, estima-se que 44% dos casos de morte assistida ocorrem nos hospitais, 43% em casa, e 11% em asilos”
Luxemburgo: “De acordo com o último relatório da Comissão, entre 2009 e 2014, foram registrados 34 casos de morte assistida. Destes, 21 eram do sexo feminino, com idade predominante entre 60 e 79 anos; 27 tiveram câncer e 22 realizaram o procedimento no hospital”
Nos exemplos acima, é nítido que a grande maioria dos casos são de pessoas idosas, as quais se encontram com alguma doença terminal. Se fizermos uma rápida pesquisa, o IPEA (Instituto De Pesquisa Econômica Aplicada) mostra dados de que 83.870 idosos vivem em asilos. Segundo o jornal Folha de São Paulo, sendo eles 78% vivendo em redes filantrópicas e 5,5% em redes mistas no território brasileiro.
Números estes que nos fazem pensar que, a sociedade que é contra a eutanásia, porque então ao invés de cuidar de seus parentes idosos, os conduzem a asilos, locais onde o sentimento de abandono, rejeição e fardo, entre outros, são constantes?
Devemos analisar a questão não somente no âmbito jurídico e emocional direcionados aos pacientes enfermos e seus familiares, mas também, com relação aos profissionais que realizam a eutanásia, o impacto psíquico causado neles com um possível volume de ações de término da vida e o que a psicologia entende que tal impacto gera ao longo dos anos na sociedade em geral.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA EUTANÁSIA
A eutanásia era presente na sociedade com frequência nos séculos anteriores, nos mais diversos locais de diferentes culturas, origens e religião, era praticada. Como exemplo o povo Celta, os quais tinham como tradição que os filhos matassem seus pais quando eles começassem a apresentar sinais de envelhecimento e adoecimento. Já na Índia era de costume que as pessoas enfermas fossem levadas à beira do rio Ganges e eram tampados sua boca e narinas com o “barro sagrado”.
Ainda presente na Grécia antiga onde grandes filósofos, como Platão e Sócrates, compartilhavam da ideia de que a eutanásia era uma forma de justificar a proporção do suicídio, uma vez que o suicídio era fruto de uma vida enferma e sem perspectiva de dias futuros, por isso ambos filósofos defendiam que a prática da eutanásia iria combater avanços de desenvolvimento de doenças psicológicas.
Ocorre que nem todos os filósofos partilhavam do mesmo pensamento defendido por Platão e Sócrates, como por exemplo Aristóteles e Pitágoras, os quais partilhavam da ideia de que o suicídio era algo abominável, uma vez que não se pode, segundo eles, tirar algo que não nos pertence.
Para entendermos a proporção da eutanásia e seu princípio de origem, ainda no antigo Egito, a faraó Cleópatra ordena construção de uma academia para fins de estudo de formas de morte menos dolorosas, visto que era muito comum a morte por doenças desconhecidas e como a ciência não tinha tomado forma e nem proporção, a sociedade buscava maneiras de harmonizar a morte.
Na Bíblia há exemplos de eutanásia, como quando o Saul pede para que uma mulher lhe tire a vida pois não suportava tal sofrimento, assim como quando Jesus Cristo, para ter seu sofrimento poupado, antes de começarem as atrocidades em seu corpo cometidas pelos soldados, deram-lhe uma esponjada de vinagre e fel.
Pesquisas sobre a eutanásia foram e são realizadas e estudadas até os dias atuais, podemos fazer uma alusão histórica e uma linha do tempo de grandes Pesquisadores e Historiadores sobre o estudo de morte menos gravosa e dolorida, são eles: Lutero, Karl Marx e Schopenhauer.
Até o final do século XIX o debate a favor não era tão presente na sociedade e, dessa forma, a linha de pensamento em desfavor da prática ganhou espaço. O nome Eutanásia origina-se da Grécia antiga onde Eu+Thanatos significa “boa morte” ou morte sem dor.
2.1 Evolução Histórica no Brasil
Para darmos início a este tópico é importante entendermos que cada país tem sua aceitação da eutanásia.
No Brasil a população em geral lida com o tema de maneira a criticar a prática, tanto que aqui ela não é permitida e é tipificada em nossa legislação penal como “homicídio privilegiado sem a intenção de matar” (artigo 121, CP). Em 1996 foi discutido na Câmara dos deputados um projeto de lei no intuito de permitir tal prática, contudo o projeto não prosperou e não houve outro debate sobre o tema.
A colonização portuguesa trouxe consigo para o solo brasileiro o costume e crença no cristianismo e a obrigatoriedade dos colonizados de seguirem os costumes europeus e, assim, o cristianismo medieval pregava - e mantém-se até os dias atuais - repúdio à ação de dar término à vida humana por ser esta uma prática limitada à ação de Deus.
Com o passar dos anos, a partir das mudanças sociais e culturais no Brasil, os costumes passados de geração em geração trouxeram consigo o juízo de que a eutanásia seria algo impuro e não divino, uma vez que, ao lhe conceder a vida, Deus seria o único capaz de tirá-la.
Ainda sob o viés religioso, que influencia a opinião da sociedade em geral e, consequentemente, sendo os costumes uma das fontes do nosso ordenamento jurídico, dois argumentos são utilizados contra qualquer forma de terminalidade induzida de vida pela Constituição brasileira: o primeiro é a inviolabilidade da vida humana, que é consequência dos princípios fundamentais definidos pela constituição de 1988, a saber, o art.1°, inciso III determina que um dos pilares do Estado de Direito é a dignidade da pessoa humana, onde também, como base o art.5°, caput, o entendimento é de que a eutanásia acaba por ser uma forma de ação contrária aos princípios constitucionais, uma vez em que o direito à vida nunca poderá ser violado e, sendo assim, todos nós somos iguais perante a lei, independentemente da crença religiosa.
O segundo ponto debatido contrário à pratica em questão é o risco de mau uso, e até mesmo de abuso, dessa forma de terminalidade de vida, de maneira a banalizar tais ações. O argumento é que qualquer pessoa a qual proferir o descontentamento com a vida por uma simples ação ou reação, sofrida ou causada pela mesma, deverá ter o direito à prática da eutanásia? Neste sentido a sociedade forma sua visão a este respeito alegando que poderá tornar-se hábito a realização da mesma, pois assim pessoas que vivem com distúrbios ou doenças como depressão, por exemplo, poderiam realizar o procedimento, tal como pessoas que estão acamadas permanentemente cuja perspectiva de melhora é inexistente e a sua única opção é a morte.
3. O ENTENDIMENTO DO CONSELHO DE MEDICINA E DA BIOÉTICA
Para adentrarmos neste tópico, é importante entendermos a distinção entre eutanásia, ortotanásia e distanásia.
A Eutanásia é entendida como morte provocada devido a sentimento de piedade à pessoa que se encontra em sofrimento, ao invés de deixar a morte natural acontecer. A eutanásia ainda pode ser classificada como voluntária, onde há o consentimento do paciente e o médico que administra medicamentos que induzem à morte, como também o suicídio assistido onde o próprio paciente ingere o medicamento para a morte. Já a eutanásia involuntária, ocorre quando o médico, sem o consentimento expresso do paciente, toma a decisão de dar o fim na vida do mesmo.
A Ortotanásia é a ação do paciente mediante a morte natural, neste caso há escolha do paciente em não mais continuar o tratamento, nem tampouco manutenção de sua vida por aparelhos, remédios ou quaisquer outras ações que o induzem a prolongar a sua vida, e assim, ocasionando sua morte de maneira natural.
A Distanásia é a ação do prolongamento da dor do paciente, mesmo que a morte seja prolongada a sua objetividade é o sofrimento iminente.
O Conselho Federal de Medicina tem o intuito de reger suas normas com clareza para que qualquer paciente tenha a facilidade de entendimento, pois previsto na constituição, a vida humana é algo inviolável e sendo uma manifestação de respeito, define regras deontológicas fundamentais para a ação dos médicos e diretrizes a serem cumpridas. Em suas normas atuais é consentida apenas a Ortotanásia, como declara o art.41 do Código de Ética Médica, Resolução CFM nº 1.931/2009:
“Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou na sua impossibilidade, a de seu representante legal.”
Sendo a Bioética estudo interdisciplinar entre as Ciências da Saúde e o Direito, seu grande objetivo é assegurar o bem-estar, a dignidade e direitos do ser humano, cujos princípios são: da não maleficência, da não beneficência, da autonomia e da justiça. Um dos temas que gera discussão árdua entre os membros da bioética é justamente a ação da eutanásia. Se partirmos do pressuposto do princípio da autonomia, o indivíduo que requer a ação da eutanásia por justificativas de que a trajetória tomada repetidas vezes em consequência do seu estado de saúde, onde cada ação do tratamento se torna dolorosa para uma doença que não tem o resultado de cura, ele acaba optando pelo princípio da autonomia e tomando a decisão de realizar eutanásia. Mas afinal, poderá ser realizado?
Podemos perceber o grande paradoxo que se desenvolve nos princípios e conceitos tanto do CFM, como da Constituição e da Bioética, está na reflexão se a vontade da pessoa humana está sendo colocada como o alvo da discussão, porém precisamos também pensar no fator psicológico da equipe médica que irá realizar a eutanásia em seus pacientes e o impacto psicológico causado também nestes profissionais e não “somente” no doente terminal e em seus familiares.
4. A IMPORTÂNCIA DA PSICOLOGIA NA EUTANÁSIA
Em países europeus, como Portugal por exemplo, onde a discussão sobre legalização da eutanásia é defendida muito mais sob o aspecto legal que religioso, é defendida a presença de psicólogos em todas as tomadas de decisões tanto sobre a legalização da prática de eutanásia quanto onde já fora legalizado.
O argumento é que o psicólogo pode identificar possíveis desvios de conduta emocional dos médicos bom como dos pacientes que estejam conscientes. Já aqueles doentes terminais inconscientes, o profissional de psicologia avalia a condição psíquica dos familiares e a maneira desses de lidar com o sofrimento, podendo até mesmo evitar uma determinação de eutanásia em pacientes com alguma chance de se submeterem a tratamentos mais avançados em contrapartida a uma vontade daquelas famílias de se libertarem do “peso” do sofrimento enfrentado.
Infelizmente, em praticamente todos os países onde é abordado o tema de terminologia de vida, raramente uma equipe de psicólogos acompanha as discussões, segundo Miguel Ricou, psicólogo e investigador do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde e de Tony Wainwright, investigador da Universidade de Exeter, no Reino Unido.
Ricou afirma que o suicídio de pacientes com doenças incuráveis, em sua grande maioria, não tem relação direta com a doença e sim com o aspecto emocional de depressão identificado antes dele adoecer, ou seja, existe a possibilidade dos pacientes terminais pedirem a eutanásia não pelo estado em que se encontram naquele momento, e sim, devido a um quadro depressivo anterior até mesmo do diagnóstico da doença.
REFERÊNCIAS
https://www.redalyc.org/jatsRepo/3615/361546419019/html/index.html
http://cintesis.eu/pt/estudo-cintesis-defende-psicologos-devem-ter-um-papel-central-na-avaliacao-do-desejo-morrer/