Sobre o direito ao esquecimento: direito incompatível com a Constituição Federal brasileira de 1988.

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10/07/2021 às 20:23
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[1] Cumpre destacar que afirmar que o direito ao esquecimento é inconstitucional é diferente de afirmar que é incompatível com a Constituição. Afinal, há a colidência de garantias constitucionais, como a liberdade de imprensa e liberdade de expressão, com o direito à privacidade, à intimidade como corolários do princípio da preservação da dignidade humana. Por essa razão, o sopesamento deverá ser feito diante de cada caso concreto. Dos onze membros da Suprema Corte, apenas o Ministro Edson Fachin votou a favor do direito ao esquecimento. A inconstitucionalidade é uma relação contrária de valores e é para nós um valor. Tomando o exemplo da Constituição brasileira, uma norma que suprima o direito de defesa é um desvalor em relação à Constituição e essa relação de contrariedade que a norma mantém com a Constituição é também um desvalor, outro que aquele. Convém distinguir entre a inconstitucionalidade material da inconstitucionalidade formal. A material se apresenta quando a violação é ao conteúdo da Constituição. Uma norma que, por exemplo, permitisse a exploração do trabalho em condições próximas à degradante seria materialmente inconstitucional por afronta ao conteúdo de um dos fundamentos da República, qual seja o valor social do trabalho. Tal inconstitucionalidade persistiria mesmo que a norma seguisse todas as etapas formais do processo legislativo. Já a inconstitucionalidade formal se configura quando algum dos requisitos procedimentais da elaboração normativa é desrespeitado, seja a competência para disciplinar a matéria, seja um quórum específico ou mesmo um pressuposto objetivo para editar o ato normativo. Um exemplo é o pressuposto de relevância e urgência da Medida Provisória, constantemente desrespeitado hodiernamente. O STF não reconhece a inconstitucionalidade superveniente. Para a colenda corte, há que se falar em recepção ou não da norma infraconstitucional pela nova Constituição, uma vez que não seria adequado analisar uma norma produzida segundo um parâmetro de acordo com um novo, numa espécie de anacronismo. (In: CASTRO, Gabriel. Tipos de inconstitucionalidade: você sabe quais são? Disponível em: https://direitodiario.jusbrasil.com.br/artigos/444600467/tipos-de-inconstitucionalidade-voce-sabe-quais-sao Acesso em 12.2.2021).

[2][2] Instituto processual pelo qual se reserva ao STF o julgamento de temas trazidos em recursos extraordinários que apresentem questões relevantes sob o aspecto econômico, político, social ou jurídico e que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. A Emenda Constitucional nº 45/2004 incluiu a necessidade de a questão constitucional trazida nos recursos extraordinários possuir repercussão geral para que fosse analisada pelo Supremo Tribunal Federal. O instituto foi regulamentado mediante alterações no Código de Processo Civil e no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. As características do instituto demandam comunicação mais direta entre os órgãos do Poder Judiciário, principalmente no compartilhamento de informações sobre os temas em julgamento e feitos sobrestados e na sistematização das decisões e das ações necessárias à plena efetividade e à uniformização de procedimentos. Nesse sentido, essa sistematização de informações destina-se a auxiliar a padronização de procedimentos no âmbito do Supremo Tribunal Federal e nos demais órgãos do Poder Judiciário, de forma a atender os objetivos da reforma constitucional e a garantir a racionalidade dos trabalhos e a segurança dos jurisdicionados, destinatários maiores da mudança que ora se opera. Em síntese, a disciplina da repercussão geral no vigente Código de Processo Civil brasileiro traz algumas melhorias, como o fim do duplo juízo de admissibilidade, a previsão de prazo para julgamento de mérito de temas-paradigmas e a possibilidade de superação de vícios formais do recurso tempestivo. (In: Sobre a Repercussão Geral. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaRepercussaoGeral&pagina=apresentacao  Acesso em 12.2.2021).

[3] Consiste na solidariedade entre as gerações futuras e presentes no sentido de preservar o meio ambiente, atuando de forma sustentável a fim de que as próximas gerações possam continuar usufruindo de nossos recursos naturais. O princípio da solidariedade intergeracional ou princípio ambiental da equidade é um princípio jurídico que rege o Direito Ambiental brasileiro. Seu conteúdo é expresso no dever das gerações presentes em preservar o meio ambiente e adotar condutas sustentáveis no uso dos recursos naturais, com o fim de não privar as futuras gerações da possibilidade de desfrutá-los. Possui fundamento no art. 225 da Constituição Federal do Brasil, bem como é previsto como no Princípio 3 da Declaração do Rio.

[4] Quanto ao direito de indenização dos familiares do Caso Aída Curi cumpre ressaltar que o processo criminal é público e, os fatos bem como as provas também são de conhecimento público. Portanto, não enxergo em meu entendimento o dano extrapatrimonial na exibição do programa televisivo abordando caso concreto e julgado verídico e de conhecimento público. E, submeter à prévia autorização de todos os envolvidos significaria em censura prévia o que tornaria a liberdade de imprensa uma mera utopia.

[5] O direito ao esquecimento é um direito reflexo do princípio da dignidade da pessoa humana e é uma garantia aos direitos da personalidade, como a intimidade, a imagem e a privacidade, por exemplo.  Isto significa, dessa maneira, que existe uma relação entre o direito ao esquecimento e os meios de comunicação. O direito ao esquecimento é considerado por alguns doutrinadores como uma das novas modalidades dos direitos da personalidade no qual encontra fundamental na dignidade humana. Assim, tal direito visa resguardar os fatos passados do agente, para que estes não sejam amplamente divulgados, determinando assim, o direito à privacidade e intimidade. O direito ao esquecimento teria origem na ideia de privacidade. Contudo, com o surgimento de novas tecnologias, teria se desenvolvido como um direito de personalidade autônomo, com base no princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no artigo 1º, III da CF/1988. Visa proteger a privacidade do indivíduo, impedindo que sejam eternamente armazenados fatos e informações a seu respeito. Porém, deve-se atentar que a noção de privacidade não é uniforme no tempo, daí o surgimento de novas concepções de sociedade interfere na definição desse direito.  Para as soluções para controvérsias geradas na sociedade contemporânea, onde Bauman sustenta a existência de um rompimento da divisão sacrossanta anteriormente vigente entre a esfera pública e a privada. (In: BAUMAN, Zygmunt. Danos colaterais: desigualdades sociais numa era global. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2013, p.108).

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[6] A LGPD é a lei nº 13.709, aprovada em agosto de 2018 e com vigência a partir de agosto de 2020. Para entender a importância do assunto, é necessário saber que a nova lei quer criar um cenário de segurança jurídica, com a padronização de normas e práticas, para promover a proteção, de forma igualitária e dentro do país e no mundo, aos dados pessoais de todo cidadão que esteja no Brasil. E, para que não haja confusão, a lei traz logo de cara o que são dados pessoais, define que há alguns desses dados sujeitos a cuidados ainda mais específicos, como os sensíveis e os sobre crianças e adolescentes, e que dados tratados tanto nos meios físicos como nos digitais estão sujeitos à regulação. Os seguintes dados pessoais são considerados «sensíveis» e estão sujeitos a condições de tratamento específicas: dados pessoais que revelem a origem racial ou étnica, opiniões políticas e convicções religiosas ou filosóficas; dados relativos à vida sexual ou orientação sexual da pessoa. Pessoas físicas que tratam dados com objetivos pessoais, acadêmicos, artísticos ou jornalísticos não serão afetados (os dados precisam ser tratados de forma anônima, entretanto), bem como em casos de segurança pública ou do Estado, de defesa nacional ou de investigação criminal.

[7] No voto do Ministro Toffoli, in litteris: As novas regras da UE incluirão disposições explícitas que garantam o respeito pela liberdade de expressão e informação. Afinal, há muitos anos sou a Comissária da Comunicação Social da UE e nunca transigirei na luta pelos direitos fundamentais da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa. Isto também se aplica ao domínio da proteção de dados, que é outro direito fundamental importante, mas não absoluto” (Tradução livre, grifos nossos).

[8] A Lei 11.340/2006, alcunhada de Lei Maria da Penha, tem como objetivo criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher de forma a prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, através de medidas protetivas. A Lei Carolina Dieckman, a Lei 12.737/2012 com intuito de definir crimes cibernéticos no Brasil. Recebeu tal nome, pois na época que o projeto tramitava a atriz teve seu computador invadido e fotografias pessoais divulgadas sem autorização por hackers. A legislação classifica como crime justamente casos como estes: invasão de computadores, tablets, smartphones, conectados ou não à internet, que resulte na obtenção, adulteração ou destruição dos dados e informações.  Lei do Minuto Seguinte ou Lei 12.845/2013 e oferece algumas garantias às vítimas de violência sexual, como atendimento imediato pelo SUS, amparo médico, psicológico, social, exames preventivos e o fornecimento de informações sobre direitos legais das vítimas. A legislação garante atendimento emergencial, integral e gratuito às vítimas. Importante ressaltar que não há necessidade de apresentar boletim de ocorrência ou qualquer outro tipo de prova do abuso sofrido - a palavra da vítima basta para que o acolhimento seja feito pelo hospital.  A Lei Joanna Maranhão, a Lei 12.650/2015 alterou os prazos quanto à prescrição contra abusos sexuais cometidos contra crianças e adolescentes, de forma que a prescrição só passou a valer após a vítima completar dezoito anos e o prazo para denúncia aumento para vinte anos. O nome é uma referência à nadadora brasileira que sofreu abuso sexual aos nove anos de idade pelo seu treinador. A denúncia feita pela atleta resultou na lei que garante às vítimas mais tempos para denunciar e punir seus abusadores. A Lei do Feminicídio, a Lei 13.104/2015 - Quando uma mulher é morta em decorrência de violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher, fica caracterizado o feminicídio, sendo considerado um crime hediondo em que a pena pode chegar a 30 anos de reclusão. A legislação altera o Código Penal e estabelece o feminicídio como circunstância que qualifica o crime de homicídio. Além disso, ela também o inclui na lista da Lei de Crimes Hediondos. Desta forma, um crime de homicídio simples tem pena de seis meses a 20 anos, já o feminicídio - um homicídio qualificado - pode chegar aos 30 anos.

[9] STF afastou exigência prévia de autorização para biografias. Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4815 e declarou inexigível a autorização prévia para a publicação de biografias. Seguindo o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, a decisão dá interpretação conforme a Constituição da República aos artigos 20 e 21 do Código Civil, em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença de pessoa biografada, relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas). Na ADI 4815, a Associação Nacional dos Editores de Livros (ANEL) sustentava que os artigos 20 e 21 do Código Civil conteriam regras incompatíveis com a liberdade de expressão e de informação. O tema foi objeto de audiência pública convocada pela relatora em novembro de 2013, com a participação de 17 expositores.

[10] No voto do Ministro Toffoli: in litteris (...) "Casos como o de Aída Curi, Ângela Diniz, Daniella Perez, Sandra Gomide, Eloá Pimentel, Marielle Franco e, mais recentemente, da juíza Viviane Vieira, entre tantos outros, não podem e não devem ser esquecidos. ANTE O EXPOSTO, VOTO PELO NÃO PROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO E PELO INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE REPARAÇÃO DE DANOS FORMULADO CONTRA A RECORRIDA.

Sobre a autora
Gisele Leite

Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores POA -RS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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