Nos últimos anos, as relações de trabalho têm sofrido grandes mudanças que inserem discussões que outrora eram ponto pacífico por previsão legal, doutrinária ou jurisprudencial. Essa reconfiguração das relações de trabalho se dar, dentre outras coisas, pelo avanço tecnológico que traz novas possibilidades para empregado e empregador. Nesse contexto, o teletrabalho, que passou a ser regulado pela CLT após a “reforma trabalhista”, permite que o colaborador exerça as atribuições de seu cargo de forma remota, ou seja, sem a necessidade de estar nas dependências físicas da empresa. Em muitos casos, o funcionário é contratado por uma empresa com sede em outra cidade ou até mesmo estado, sem mesmo possuir filiais na região em que reside o colaborador.
Essa nova realidade, apesar de trazer muitos benefícios para aqueles optam por essa modalidade de trabalho, impõe novas discussões – como já foi dito. Dentre elas, o enquadramento sindical, que nesse âmbito passa a ser um fator de muita controvérsia. Isso ocorre porque para realizar o enquadramento sindical são observados, em regra, dois fatores: a atividade preponderante da empresa e o princípio da territorialidade. A partir daí surge então o questionamento sobre qual instrumento coletivo deve ser utilizado haja visto a dificuldade de definir qual deve ser a referência territorial usada para estabelece-lo.
Em relação a isso, a legislação é omissa. Já a jurisprudência, possui um único entendimento. Em 2015, o TRT 1ª Região excluiu o Princípio da Territorialidade, vejamos:
Teletrabalho. Norma coletiva aplicável. Mitigação do princípio da territorialidade neste caso concreto. Comprovado nos autos que o obreiro esteve filiado, durante todo o contrato de trabalho, ao Sindicato dos Empregados em Empresas de Processamento de Dados, de Serviços de Computação, de Informática e Tecnologia da Informação e dos Trabalhadores em Processamento de Dados, Serviços de Computação, Informática e Tecnologia da Informação do Estado de São Paulo – SINDPD/SP, ao reclamante aplicam-se as normas coletivas pactuadas pelo referido sindicato. Sentença que se reforma no particular.
“É cediço que no regime brasileiro, o enquadramento sindical é definido, via de regra, pela atividade preponderante do empregador, bem como pelo princípio da territorialidade das negociações coletivas. Por este princípio, submete-se o empregado ao sindicato atuante na base territorial em que desenvolve as suas atividades, sendo-lhe aplicados os direitos previstos nos instrumentos normativos firmados de acordo com as particularidades do local em que atua.
Essa regra, por certo, teve como inspiração um modelo onde a prestação de serviços ocorria basicamente nas dependências físicas da empresa, ou na residência do trabalhador em local próximo ao estabelecimento. Apenas com a Lei nº12.551, de 16/12/2011, é que o trabalho a distância, através dos meios telemáticos e informatizados de comando, foi regulado (v. alteração no art. 6º e introdução do seu parágrafo único da CLT).”
[…] No caso em exame, contudo, o princípio da territorialidade deve ser mitigado, principalmente diante de situações concretas delineadas pelo próprio empregador quando adotava as diretrizes do sindicato da base territorial de São Paulo, onde localizada sua sede, para regular os contratos de trabalho dos seus empregados, inclusive o do reclamante.” […].
Por fim, não tendo a reclamada agência ou filial na cidade do Rio de Janeiro, as normas coletivas do sindicato desta base territorial, a rigor, também não poderiam ser aplicadas ao contrato de trabalho do reclamante, porque a entidade sindical da correspondente categoria econômica não representava a ré, sediada em São Paulo. Nesse contexto o trabalhador ficaria completamente alijado das normas coletivas.” (TRT da 1ª R. Processo 0011000-54.2014.5.01.0001. Recorrente: José Wilson da Conceição Junior. Recorrida: Proteus Soluções em Segurança da Informação Ltda. Relator: Desembargador Jorge Fernando Gonçalves da Fonte. Data de julgamento: 18.05.2015. Órgão julgador: 3ª Turma. Data de publicação: 25.05.2015.)
Já, doutrinariamente, há algumas discussões que trazem à tona o que chamam de “desterritorialização” que seria, grosso modo, a mitigação do princípio da territorialidade, como ocorreu na decisão do TRT 1ª Região. Ou ainda o conceito de “ciberespaço”, que desconsidera o endereço residencial do funcionário como determinante para definição do instrumento coletivo aplicável já que o trabalho remoto pode ser realizado de qualquer lugar, como a própria casa do indivíduo, num sítio, biblioteca etc.
Diante disso, mesmo ainda não existindo pacificação sobre o tema, parece-nos que caminhamos de fato para um processo de mitigação do princípio da territorialidade. No entanto, tal decisão deve ser estudada com muito cuidado considerando cada aspecto e especificidade do caso devido à complexidade e controvérsia da questão.