Em A metrópole e a vida mental, Georg Simmel trata, sobretudo, das consequências psicológicas sofridas pelo indivíduo em decorrência do convívio em espaços urbanizados. O século XVIII representou um momento histórico de desprendimento de instituições como o Estado e a religião, além de trazer à tona a contradição imposta pela especialização do trabalho. Ao mesmo tempo em que o homem “moderno” se vê livre, sob diversos aspectos, como nunca antes, cada indivíduo torna-se único e, em certa medida, indispensável. Contudo, essa mesma especialização o torna proporcionalmente mais dependente das atividades suplementares dos outros. Paralelamente, esse homem pode ser substituído de forma impessoal.
Tais contradições, de acordo com Simmel, revelam-se com maior intensidade no espaço urbano das grandes cidades — ambiente marcado pelos grandes estímulos nervosos. A metrópole extrai do homem uma quantidade distinta de consciência quando comparada à vida rural. O ritmo das atividades econômicas, da leitura sensorial e da mudança de hábitos provoca um choque psíquico notável sobre as pessoas, obrigando-as a adaptações que as distanciam afetivamente. Esse distanciamento tem raízes sociais e econômicas, pois, segundo Simmel, “(...) o homem metropolitano negocia com seus fornecedores e clientes, seus empregados domésticos e frequentemente até com pessoas com quem é obrigado a ter intercâmbio social. (...) A economia do dinheiro domina a metrópole”. O autor ressalta a complexidade dessas relações, sustentadas por uma “pontualidade” inexistente em áreas rurais. Ao usar Londres como exemplo, Simmel a descreve como o cérebro da Inglaterra (e não o seu coração). O estado de ânimo blasé seria o reflexo da interiorização da economia monetária metropolitana. A anonimidade característica do indivíduo nas grandes cidades constitui um modo de “defesa”: uma reserva imposta às relações sociais urbanas.
Na verdade, essa indiferença seria tão antinatural quanto insuportável seria a difusão de uma sugestão mútua indiscriminada. A antipatia protege o homem de ambos os perigos típicos da metrópole: a indiferença e a sugestibilidade indiscriminada. Uma antipatia latente e um estágio preparatório do antagonismo prático estabelecem as distâncias e aversões sem as quais esse modo de vida não poderia ser mantido (p. 17).
Em comparação com o homem metropolitano, o homem do campo está mais vinculado ao ritmo natural das coisas, ao passo que, nas grandes cidades, impõe-se a necessidade de uma “intelectualização” e de uma postura social que interfere cotidianamente na vida psíquica. Segundo o autor, há desafios específicos da vida metropolitana: a pessoa precisa expandir e afirmar sua personalidade em dimensões maiores e, quando o dispêndio energético atinge seus limites, surge a necessidade de explorar diferenças qualitativas para atrair a atenção do círculo social. Isso faz com que o homem metropolitano assuma peculiaridades mais extravagantes. A cidade, portanto, ao mesmo tempo que liberta, sufoca, tornando o indivíduo anônimo e distante do grupo. A impessoalidade inerente ao metropolitano deixa cicatrizes psíquicas e emocionais marcantes.
Um ponto fundamental para compreender o texto é a definição de “metropolitano”, que significa, antes de tudo, o moderno. A metrópole e, por conseguinte, a modernidade caracterizam-se pela prevalência do “espírito objetivo”, em contraste com o “espírito subjetivo” associado ao primitivo.
Esse conceito de metropolitano, trabalhado por Simmel, merece atenção especial no desenvolvimento da problemática proposta no meu projeto de dissertação. Quando me proponho a analisar a percepção dos impactos das políticas públicas de turismo pelos cidadãos da sede de Diamantina (associada ao urbano), em comparação com a percepção dos moradores das comunidades tradicionais diamantinenses, torna-se imprescindível debater o que é o urbano — e o que não é. Tais políticas públicas costumam ser executadas em espaços urbanizados, que geralmente acolhem o turista. No caso de Diamantina, porém, talvez esses não sejam os locais que mais demandam a execução dessas políticas, em detrimento do entorno, frequentemente mais carente de ações governamentais. Esse é um dos desafios centrais do meu projeto, em que a leitura de Simmel se mostra especialmente útil.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SIMMEL, Georg. 1967 [1903]. “A metrópole e a vida mental”. In VELHO, Otávio Guilherme (org.). O fenômeno urbano.