Ausência de autorização ou licença ambiental x Dever de indenizar ou reparar

Se a única pendência para tornar a atividade regular é a obtenção de licença ou autorização, então não há que se falar em reparação civil, porque ausente prova de dano, uma vez que a atividade é passível de licenciamento ou autorização.

20/07/2021 às 06:31
Leia nesta página:

Quando a infração ambiental se caracterizar tão somente por ausência de licença ambiental ou autorização, não haverá dano ambiental passível de reparação na esfera civil.

Conteúdo originário em https://advambiental.com.br/ausencia-de-autorizacao-licenca-ambiental/ 

 

INSTAGRAMhttps://www.instagram.com/advocaciaambiental/

 

A Constituição Federal de 1988, no § 3º do art. 225, prevê a possibilidade de o mesmo agente poluidor se submeter, de forma independente, às sanções administrativas e penais e ao dever de reparação civil, conforme se verifica do seu teor:

Art. 225. […].
3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

É evidente que nem todas as condutas e atividades terão reflexo nas três esferas mencionadas nesse dispositivo. Mas, a caracterização de cada uma delas exige o atendimento de determinados requisitos, conforme disposição em lei.

1. Responsabilidade ambiental

Na esfera civil, o dano ambiental é regido pelo instituto da responsabilidade objetiva, onde não se exige para sua caracterização, a comprovação da culpa ou dolo.

Ainda, a responsabilidade por dano ambiental é solidária, sujeitando a todos os que, direta ou indiretamente, concorreram para a atividade degradadora do ambiente, à sua reparação.

Também é possível a cumulação da obrigação de fazer, consistente na recuperação do dano ambiental in natura, com a condenação ao pagamento de indenização, nos termos do art. 3º da Lei 7.347/85.

Assim, constatado o dano ambiental, a recuperação do bem é medida imperativa a ser suportada por todos os que contribuíram para sua ocorrência, nos termos do art. 14, §1º da Lei 6.938/81.

Por outro lado, a responsabilidade civil objetiva por dano ambiental não exclui a comprovação da efetiva ocorrência de dano e do nexo de causalidade com a conduta do agente, pois estes são elementos essenciais ao reconhecimento do direito de reparação.

Ou seja, é imprescindível a demonstração da existência de nexo de causalidade apto a vincular o resultado lesivo efetivamente verificado ao comportamento (comissivo ou omissivo) daquele a quem se repute a condição de agente causador.

3. Responsabilidade objetiva do causador do dano ao meio ambiente

O Direito Ambiental é regido por princípios autônomos, especialmente previstos na Constituição Federal (art. 225 e parágrafos) e legislação específica, entre os quais a responsabilidade objetiva do causador do dano ao meio ambiente (arts. 3º, IV, e 14, § 1º, da Lei 6.938/81).

Paulo Affonso Leme Machado [1], em sua obra Direito Ambiental Brasileiro, ressalta que:

A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e/ou reparar.
A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos “danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade” (art. 14, § III, da Lei 6.938/81).
Não interessa que, tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que degrada, pois não há necessidade de que ela apresente risco ou seja perigosa. Procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o homem, inicia-se o processo lógico-jurídico da imputação civil objetiva ambiental.
Só depois é que se entrará na fase do estabelecimento do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano. É contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação do meio ambiente. O art. 927, parágrafo único, do CC de 2002, dispõe:
“Haverá obrigarão de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Quanto à primeira parte, em matéria ambiental, já temos a Lei 6.938/81, que instituiu a responsabilidade sem culpa.
Quanto à segunda parte, quando nos defrontarmos com atividades de risco, cujo regime de responsabilidade não tenha sido especificado em lei, o juiz analisará, caso a caso, ou o Poder Público fará a classificação dessas atividades.
“É a responsabilidade pelo risco da atividade.” Na conceituação do risco aplicam-se os princípios da precaução, da prevenção e da reparação. Repara-se por força do Direito Positivo e, também, por um princípio de Direito Natural, pois não é justo prejudicar nem os outros e nem a si mesmo.
Facilita-se a obtenção da prova da responsabilidade, sem se exigir a intenção, a imprudência e a negligência para serem protegidos bens de alto interesse de todos e cuja lesão ou destruição terá consequências não só para a geração presente, como para a geração futura.
Nenhum dos poderes da República, ninguém, está autorizado, moral e constitucionalmente, a concordar ou a praticar uma transação que acarrete a perda de chance de vida e de saúde das gerações.

Entretanto, ainda que se esteja diante de responsabilidade civil objetiva, a configuração do dever de reparar demanda a prova do dano e a demonstração do nexo causal entre a conduta e o resultado, pois estes são elementos essenciais ao reconhecimento do direito de reparação.

É que apesar de a responsabilidade decorrente de danos ambientais não admitir as excludentes de responsabilidade (caso fortuito ou força maior, culpa exclusiva da vítima e fato de terceiro), nos termos do art. 14, § 1º da Lei 6.938/81, imprescindível a demonstração do nexo causal.

3. Conceito de nexo causal ou nexo de causalidade

O nexo causal ou de causalidade é um dos pressupostos da responsabilidade civil e o primeiro a ser analisado para que se conclua pela responsabilidade do agente, pois somente poder-se-á decidir se este agiu ou não com culpa, se através da sua conduta provém um resultado.

Logo, não basta a prática de um ato ilícito ou a ocorrência de um evento danoso, mas que o ato motivador da responsabilidade seja a causa do dano e que o prejuízo sofrido pela vítima seja decorrência desse ato.

Em outras palavras, o nexo causal consiste na relação de causa e efeito existente entre a conduta do agente e o dano causado.

Em relação ao conceito de nexo causal, Sergio Cavalieri Filho[2] leciona:

É a primeira questão a ser enfrentada na solução de qualquer caso envolvendo responsabilidade civil. […] o problema do nexo causal diz respeito às condições mediante as quais o dano deve ser imputado objetivamente à ação ou omissão de uma pessoa.
O conceito de nexo causal não é exclusivamente jurídico; decorre primeiramente das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado.
A relação causal estabelece o vínculo entre um determinado comportamento e um evento, permitindo concluir, com base nas leis naturais, se a ação ou omissão do agente foi ou não causa do dano […].
Mas o nexo causal, além desse elemento naturalístico, exige também uma avaliação jurídica pelo juiz para verificar, com precisão, a relação entre certo fato e determinado resultado. […]
O juiz tem que eliminar os fatos que foram irrelevantes para a efetivação do dano. O caráter eliminatório consiste em estabelecer que, mesmo na ausência desses fatos, o dano ocorreria. […]
Pode-se ainda afirmar que o nexo de causalidade é elemento indispensável em qualquer espécie de responsabilidade civil. Pode haver responsabilidade sem culpa […], mas não pode haver responsabilidade sem nexo causal.

Com destaque também, o posicionamento de Silvio Venosa[3]:

O conceito de nexo causal, nexo etimológico ou relação de causalidade deriva das leis naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano.
É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável.
A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida.

Admitir a responsabilização por dano ambiental sem que reste configurado o nexo causal, seria sustentar uma responsabilidade por risco integral, a qual se faz presente tão só em face do dano.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Entretanto, o Direito brasileiro adotou responsabilidade por risco integral somente em casos excepcionais, como nos danos decorrentes das atividades de exploração nuclear.

No entanto, a presunção jamais poderá ser absoluta, devendo satisfazer o mínimo, de modo que, somente o fato idôneo ou adequado para produzir o dano é de ser levado em consideração para o estabelecimento de responsabilidade.

Por fim, não se deve confundir nexo de causalidade com a responsabilidade sem culpa, pois não existe responsabilização sem o nexo causal, até porque, este funciona como referencial entre a conduta e o resultado.

4. Desnecessidade de reparação civil

Como visto, a responsabilidade civil objetiva exige a comprovação da ocorrência de dano e do nexo de causalidade com a conduta do agente.

Isso leva à seguinte conclusão: se a única pendência para tornar a atividade regular é a obtenção de licença ou autorização, então não haverá dano ambiental, mas mera infração administrativa, porquanto assim que obtida, a atividade passa a ser regular.

Por exemplo, nos casos em que o agente está desprovido de autorização ou licença para explorar atividade potencialmente poluidora, ainda que seja passível de punição na esfera administrativa, não poderá ser responsabilizado à reparação civil, ante a ausência de nexo de causalidade entre a conduta e o dano.

Isso porque, não se pode admitir como razoável que uma determinada seja considerada como atividade degradadora, tão somente porque a conduta se caracteriza também como infração administrativa ambiental, quando o único motivo para a autuação é a ausência de autorização ou licença expedida por órgão ambiental competente.

Ao contrário, o raciocínio conduz à conclusão de que, se o infrator possuir a necessária autorização do órgão ambiental competente, estaria o meio ambiente a salvo de degradação, não obstante o desenvolvimento da mesma atividade.

Isto, em se considerando que nenhum dado fático, relativamente ao exercício da atividade, for levantado contra o infrator para fundamentar a sua incursão nas penas cominadas a quem ocasiona danos ambientais.

4.1. Ausência de dano a ensejar a reparação

O instituto da responsabilidade objetiva prescinde tão somente da prova do elemento subjetivo que integra a conduta do agente, sendo desnecessária, para tanto, a prova de culpa ou dolo.

Basta que se comprove o dano e o nexo causal com a conduta ilícita, sob pena de não haver o que ser ressarcido.

Assim, se o ato não é capaz de provocar qualquer degradação ambiental, não existirão provas de que o alegado transgressor tem o hábito de degradar o meio ambiente, não possuindo qualquer dimensão suficiente para valoração da norma ambiental, ainda mais, quando a conduta estiver mais voltada ao desleixo do que para o sentido destrutivo.

Entendimento diverso leva à conclusão que, se a simples ausência de autorização do órgão ambiental competente, já configura, por si só, dano ambiental passível de indenização, então, o descumprimento de norma administrativa configuraria dano ambiental presumido, o que é vedado pela sistemática normativa brasileira.

Portanto, nestes casos, o destaque se dá para a autorização administrativa, e não para o papel ecológico a que a atividade tida como degradadora provoca, até porque, se o agente estiver munido de autorização, a atividade passa a ser lícita e não haverá dano.

5. Conclusão

Como debatido, no caso da reparação civil é fundamental que se comprove a ocorrência de dano efetivo, além da demonstração do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado.

É que não se pode admitir que a simples ausência de autorização administrativa configura o dano ambiental, pois seria o mesmo que dizer que concedida a licença ou autorização pelos órgãos ambientais competentes, estaria suprido, do ponto de vista ambiental, a ausência dos recursos naturais do planeta.

Assim, quando possível a concessão da autorização ou licença, mas a infração administrativa se caracterizar tão somente por sua ausência, não haverá dano ambiental passível de reparação na esfera civil.

É claro que não podemos desprezar às normas administrativas ambientais, que, em muitos casos, preveem multas e sanções, a fim de regulamentar as ações humanas em face do meio ambiente.

Mas, por outro lado, deve ser concedido prazo para a regularização, já que a atividade que pode ensejar a infração, na maioria das vezes, não é proibida, apenas carece de licença ou autorização, a exemplo da mineração, supressão de vegetação, etc.

Logo, na hipótese de descumprimento de norma administrativa (necessidade de licença ou autorização), a responsabilização civil, sem a devida comprovação de efetivo dano ambiental, não pode ser aplicada.

Conclui-se que, se a única pendência para tornar a atividade regular é a obtenção de licença ou autorização, então não há que se falar em reparação civil, porque ausente prova de dano, uma vez que a atividade é passível de licenciamento ou autorização.

[1] Direito Ambiental Brasileiro, Malheiros Editores, 12ª ed., 2004, p. 326-327.

[2] Programa de Responsabilidade Civil, São Paulo, Atlas, 2012, p. 49.

[3] Direito Civil: Responsabilidade Civil. Vol.4. 3ºed. São Paulo: Atlas S.A., 2003.


Leia mais

Sobre o autor
Cláudio Farenzena

Escritório de Advocacia especializado e com atuação exclusiva em Direito Ambiental, nas esferas administrativa, cível e penal. Telefone e Whatsapp Business +55 (48) 3211-8488. E-mail: [email protected].

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Ausência de autorização ambiental. Ausência de licença ambiental. Dever de indenizar ou reparar dano ambiental. Multa ambiental. Ação civil pública ambiental. Desmatamento. Supressão de vegetação. Desmatamento ilegal. Advogado de direito ambiental. Advocacia ambiental. Ausência de dano ambiental. Responsabilidade objetiva do causador do dano ao meio ambiente. Conceito de nexo causal ou nexo de causalidade.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos