Como é de conhecimento público, a agricultura é o “carro chefe” da economia do Estado de Mato Grosso que tem a soja, o milho e o algodão como seus principais pilares econômicos porque gera renda, empregos e tributos, com os quais se paga os salários do funcionalismo.
Não obstante a aparência e as declarações de “eleitos” que não sabem diferenciar uma planta de soja de uma samambaia - mas intitulam produtores de “barões da soja” - o setor vem sendo tributado em diversas fases da produção, iniciando com a terra, passando por insumos com sobretaxas de importação, além dos custos de comercialização como ICMS substituído pelo Fethab, com os acréscimos das “especiarias” de “Fethabs II e III” - Funrural, enfim, por todos os caminhos percorridos pela produção e no pré-período desta, existe a incidência de tributação.
Se não bastassem os impostos “convencionais”, o Estado criou diversos fundos destinados ao incremento do desenvolvimento de tecnologia, comercialização e fiscalização, todos com destinação específica para se evitar os desvios de finalidade que, apesar de vedados pela Lei, ocorrem com certa “naturalidade” no Estado de Mato Grosso, mas isso é assunto para outra oportunidade.
Mas há outros óbices impostos ao Produtor Rural no Estado de Mato Grosso.
Os altos preços de mercado praticados de modo “uniforme” pelo setor sementeiro, somado à baixa qualidade que alguns lotes de sementes que foram colocados no mercado (baixíssima germinação), estimularam o Produtor Rural a fazer uso da única “ferramenta” disponível para equacionar preços e exigir qualidade: a produção de suas próprias sementes, como previsto no art. 10, da Lei 9.456/97.
Com um número maior de produtores se reservando nas sementes e produzindo em período mais adequado à boa qualidade das sementes e com menor uso de agrotóxicos, “do nada” apareceram diversos “especialistas” divulgando matérias sem NENHUM respaldo técnico, de que o plantio de soja depois de 31/12 de cada ano, argumentando-se - sem pesquisas – que seria necessário limitar o período de plantio da cultura de soja, sendo editada a IN 001/2015 e, “logo se seguida” e na base do “achismo”, foi Publicada Instrução Normativa nº 002/2015 - INDEA/SEDEC.
De início, estabeleceu-se apenas o vazio sanitário, que “pegou de cheio” os sojicultores que plantavam com irrigação, determinando-se a erradicação de plantas de sojas vivas por determinado período, e iniciou o vazio sanitário em 1º de maio de cada ano:
IN 001/2015:
Art. 14. Fica estabelecido que o vazio sanitário para a cultura da soja no Estado de Mato Grosso é de 01 de maio a 15 de setembro.
Art. 15. Durante o “vazio sanitário” não será permitida a existência de plantas vivas de soja em áreas sob sistema de irrigação, em áreas de cultivo tradicional ou qualquer outra modalidade de cultivo, exceto os excepcionalmente autorizados.
Como “dupla garantia” de que não se produzissem sementes após 31/12, impôs-se a limitação da colheita para o mês de maio.
Porque a determinação atingia a cultura de soja em andamento, em 29.09.2015, também sem estudos, o INDEA/SEDEC baixou a Resolução 002/2015, em substituição da Resolução 001/2015, restringindo ainda mais o plantio, dispondo o seguinte:
Art. 4º. O plantio de lavoura de soja no Estado de Mato Grosso só poderá ser realizado no período de 16 de setembro a 31 de dezembro de cada ano.
Art. 5º. Não será permitido o plantio em sucessão da cultura de soja sobre a cultura de soja, soja segunda safra ou safrinha na mesma área.
Art 6º. Estabelecer como prazo final para colheita de áreas cultivadas com soja a data de 05(cinco) de maio de cada ano.
Parágrafo único. Após a data estabelecida no caput deste artigo, todas as áreas cultivadas com soja deverão estar colhidas, podendo permanecer somente as plantas de soja guaxa ou de germinação espontânea de grãos oriundos das perdas da colheita, até a data estabelecida para o início do vazio sanitário de 15 de junho de cada ano.
As Resoluções citadas padecem de constitucionalidade e de legalidade por que:
- Afrontam a Constituição do Estado e Leis Federais, invadindo a competência da Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso e outras normas federais que regem e disciplinam a matéria.
- estão em desconformidade com outras normas ESPECÍFICAS que regem e disciplinam o cultivo de soja no Estado e no País;
- não há sustentação científica para sua edição de nenhuma das Instruções Normativas, requisito de validade das mesmas.
Ademais, a Instrução Normativa INDEA/SEDUC 002/2015 é ato administrativo que não atende ao requisito da eficiência, como prevê o art. 37 da CF, e ainda, mesmo com previsão legal expressa, foi editada sem fundamentação técnica, sem pesquisa publicada para que o Administrado pudesse “conferir” a veracidade das informações nela inseridas, em ofensa ao princípio da publicidade.
ILEGALIDADES da IN 002/2015:
AFRONTA À CONSTITUIÇÃO ESTADUAL:
A Constituição do Estado de Mato Grosso é a base organizacional que exige que todas as demais normas abaixo dela estejam em plena sintonia com a Lei maior Estadual.
Por se tratar de Constituição Analítica, a seção II trata especificamente da Política Agrícola, Fundiária e da Reforma Agrária, prevendo o tipo de normas formalmente constitucionais em matéria agrícola, indicando a competência para editá-las.
Em se tratando de normas que dizem respeito à Política Agrícola, para sua edição, a Constituição Estadual “MANDA” e define como indispensável a participação das Entidades de Classe e de produtores na edição de normas que diga respeito a agricultura.
Sem essa participação, quaisquer normas editadas sem o atendimento dos preceitos básicos da Constituição Estadual e através de Lei (não instrução normativa) não têm validade.
É o que diz a Constituição do Estado:
Art. 338 da C.E.M.T.: Observados os limites de sua competência, o Estado planejará, através de lei específica, sua própria Política Agrícola em que serão atendidas as peculiaridades da agricultura regional, conforme estabelecido em Planos Trienais de Desenvolvimento da Produção e Abastecimento aprovados pela Assembléia Legislativa.
Parágrafo primeiro: Será assegurada a participação de produtores rurais, de trabalhadores rurais, de engenheiros agrônomos e florestais, de médicos veterinários e zootecnistas, representados por associações de classe, na elaboração do planejamento e execução da Política Agrícola e Fundiária do Estado.
Parágrafo segundo: Participarão do planejamento e execução da Política Agrícola, Fundiária e de Reforma Agrária, efetivamente, os produtores e os trabalhadores rurais, representados por suas entidades de classe.
Parágrafo terceiro: Incluem-se no planejamento da política agrícola, as atividades agroindustriais, agropecuárias, pesqueiras e florestais.
Art. 339 - Na formulação da Política Agrícola serão levadas em conta, especialmente:
III - o incentivo à pesquisa e à tecnologia;
XII - o desenvolvimento da propriedade em todas as suas potencialidades a partir do zoneamento agro-ecológico;
XIV - a diversificação e rotação de culturas;
Art. 340: O Conselho de Desenvolvimento Agrícola do Estado, com caráter normativo-deliberativo, com representação do Poder Público, dos produtores rurais, das entidades afins e do sistema cooperativista, será regulamentado em lei.
Partindo-se da lógica como condição de validade de qualquer norma que venha abaixo da Constituição do Estado, como premissas maiores, tem-se o seguinte:
- a competência para legislar sobre política agrícola do Estado é da Assembléia Legislativa (o Estado planejará, através de lei específica, sua própria Política Agrícola ...);
- o princípio da legalidade é imperativo (... o Estado planejará, através de lei específica ...);
- a obrigatoriedade ao atendimento das peculiaridades regionais;
- a participação de produtores e suas respectivas entidades de classe é obrigatória (...será assegurada a participação de produtores rurais ... Participarão do planejamento e execução da Política Agrícola, Fundiária e de Reforma Agrária, efetivamente, os produtores e os trabalhadores rurais, representados por suas entidades de classe)
- o “pilar” de sustentação de qualquer norma editada é a pesquisa científica (da Política Agrícola serão levadas em conta, especialmente... pesquisa e à tecnologia ... potencialidades a partir do zoneamento agro-ecológico ... diversificação e rotação de culturas);
Como premissas menores, a IN 002/2015:
- foi editada por dois secretários de governo (subordinados ao Poder Executivo);
- a norma em questão não é Lei, mas sim Instrução Normativa (tipo de norma de menos valia segundo a pirâmide de Kelsen);
- não há sem pesquisa que dê sustento à edição da I.N.;
- Não houve a participação do Setor Produtivo, seja por produtores ou por suas entidades de Classe; A única conclusão é que a IN INDEA/SEDEC 002/2015 não a requisitos básicos da Constituição do Estado de Mato Grosso, sendo, portanto, inconstitucional.
Sob a ótica do Estado, lançaram-se falsas falácias sob o argumento de que a edição da norma decorreu de situação emergencial. Todavia, não há como invadir competência conferida à Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso e legislar sobre a matéria sem o MÍNIMO de ciência, de estudos que possam dar sustento à norma, ainda que de forma temporária.
Mas a ilegalidade não para por aí...
AFRONTA A NORMAS FEDERAIS:
Com o surgimento da ferrugem asiática no País, no ano de 2007 o Governo Federal instituiu o Programa Nacional de Controle da Ferrugem Asiática da Soja (PNCFS) no Departamento de Sanidade Vegetal (DSV), editando a IN MAPA 002/2007, que em sintonia com outras normas, previu no art. 2º:
Art. 2º -º O Programa Nacional de Controle da Ferrugem Asiática da Soja (Phakopsora pachyrhizi) visa ao fortalecimento do sistema de produção agrícola da soja, congregando ações estratégicas de defesa sanitária vegetal com suporte da pesquisa agrícola e da assistência técnica na prevenção e controle da praga.
De pronto, observa-se que, para a implantação de qualquer programa de controle ou de prevenção de ferrugem asiática, a pesquisa agrícola e a assistência técnica são requisitos essenciais de VALIDADE de qualquer norma, vez que são determinações que moldam as ações estratégicas de defesa sanitária vegetal a serem implantadas, previsto, então, em norma federal.
Os incisos do art. 3o da IN MAPA n.º 2/2007 colocam como partes e no mesmo plano as Secretarias de Agricultura Estaduais, Órgãos de Defesa Agropecuária, a iniciativa privada, organizações de produtores rurais e produtores de insumos e as instituições voltadas à pesquisa agropecuária, tal qual como “manda” a Constituição Estadual
Art. 3º Farão parte do Programa Nacional de Controle da Ferrugem Asiática da Soja:
I - Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA):
a) Departamento de Sanidade Vegetal (DSV);
b) Departamento de Fiscalização de Insumos Agrícolas (DFIA); e
c) Coordenação-Geral de Apoio Laboratorial (CGAL);
II - Secretaria de Política Agrícola (SPA);
III - Superintendências Federais de Agricultura (SFA);
IV - Secretarias de Agricultura Estaduais ou seus Órgãos de Defesa Agropecuária;
V - Instituições de informações meteorológicas públicas e privadas;
VI - Iniciativa privada:
a) Organizações de produtores rurais;
b) Organizações dos produtores de insumos agrícolas; e
c) Sistema de distribuição de insumos agrícolas;
VII - Instituições de pesquisa públicas e privadas;
VIII - Universidades;
IX - Conselhos e Federações de classes profissionais; e
X - Órgãos de assistência técnica e de extensão rural.
Notem que o texto legal não “facultam” a participação de entidades e pessoas específicas, mas sim determinam a sua participação (farão), e que as instituições de pesquisa foram remetidas ao disposto no art. 14, da mesma norma, e a ESTAS foi atribuída a competência para gerar, desenvolver e difundir tecnologias e capacitar técnicos para o manejo integrado da ferrugem da soja, no SUBSÍDIO das ações do PNCFS, e com técnica legislativa apurada, “afunilando” a questão de ordem técnica, dispondo em seu art. 18:
Art. 14. Aos órgãos de pesquisa e ensino compete gerar, desenvolver e difundir tecnologias e capacitar técnicos para o manejo integrado da ferrugem da soja, visando subsidiar as ações do PNCFS.
Art. 18. As Instâncias Intermediárias do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (SUASA) em cada Unidade da Federação deverão estabelecer, ouvido o setor produtivo e a pesquisa, ato normativo definindo calendário de plantio para a soja, com um período de pelo menos 60 (sessenta) dias sem a cultura e plantas voluntárias no campo, baseado no art. 36, do Decreto nº 24.114, de 12 de abril de 1934.
Mas uma vez, a lógica é a ferramenta mais eficaz de análise da Instrução Normativa INDEA/SEDUC 002/2015: Se a IN 002/2007, do Ministério da Agricultura, traz como requisitos de validade no controle fitossanitário como parte da POLÍTICA AGRÍCOLA a participação do setor produtivo e a pesquisa”, as normas editadas sem o atendimento desses requisitos podem ser consideradas válidas? Analisando a IN 002/2007, editada pelo Ministério da Agricultura, é possível afirmar que a IN INDEA/SEDEC 002/2015 atendeu aos requisitos mínimos estabelecidos pela norma federal específica editada para esse fim?
Em absoluta sintonia, a Lei nº 8.171/91 (Estatuto da Terra) dispõe que:
Art. 28-A. Visando à promoção da saúde, as ações de vigilâncias e defesa sanitária dos animais e dos vegetais serão organizadas, sob a coordenação do Poder Público nas várias instâncias federativas e no âmbito de sua competência, em um Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária, articulado, no que for atinente à saúde pública, com o Sistema Único de Saúde de que trata a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, do qual participarão:
II – produtores e trabalhadores rurais, suas associações e técnicos que lhes prestam assistência”.
Em complemento, o inciso VII, do § 4o, do art. 28-A, da mesma norma aponta como competente a instância central e superior do SUASA:
“VII – a realização de estudos de epidemiologia e de apoio ao desenvolvimento do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária”.
O SUASA, regulamentado pelo Decreto n. 5.741/2006, tem abrangência nacional, e dispõe que:
§ 7: As normas complementares de defesa agropecuária decorrentes deste Regulamento serão fundamentadas em conhecimento científico.
Por força da Lei Estadual n° 7.692/2002, a IN 002/2015 é manifestamente inválida porque não atende a formalidades essenciais, motivos concretos e “aferíveis:
“Art. 25. São inválidos os atos administrativos que desatendam os princípios da Administração Pública Estadual e os pressupostos legais e regulamentares de sua edição, especialmente nos casos de:
(...)
III - omissão de formalidades ou procedimentos essenciais;
IV - inexistência ou impropriedade do motivo de fato ou de direito;
V - falta ou insuficiência de motivação;
Parágrafo único. Nos atos discricionários, será razão de invalidade a falta de correlação lógica entre o motivo e o objeto do ato, tendo em vista sua finalidade.”
Conclusivamente, tem-se que por todos os ângulos que se analise a questão posta, a IN INDEA/SEDEC 002/2015 é ilegal e inconstitucional porque não atende ao disposto na IN MAPA nº 2/2007 (norma específica que trata sobre ferrugem asiática), a Lei nº 8.171/91 e menos ainda o Decreto nº 5.741/2006, pois para a sua edição, além de imposição Constitucional Estadual de a matéria ser regrada por LEI, obrigatoriamente a norma deve estar prescindida de estudos científicos.
Embora seja comezinho em Direito Administrativo a afirmação de que “funcionários e agentes públicos devem proceder-se nos limites estritos da legalidade”, confrontadas com as normas específicas que regem e disciplinam a matéria, é possível afirmar, com “razoável segurança”, que Secretários de Governo que editaram a IN INDEA/SEDEC 002/2015 agiram com pessoalidade, princípio incompatível com o disposto no art. 37, da Constituição Federal.
Se a Constituição Estadual, a Lei Federal 8.171/91, o Decreto Federal 5.741/2006 e a IN MAPA 002/2007 exigem pesquisa e a efetiva participação do setor produtivo como requisitos e condições de validade e eficácia jurídica de normas que dizem respeito a prevenção e controle de ferrugem asiática como parte da política agrícola, questiona-se: É possível convalidar os atos decorrentes da ilegal norma?
Não se pode esquecer, ainda, que além do INDEA/SEDEC assumir posição legislativa em afronta à Constituição do Estado e normas Federais específicas que regem a matéria, o “remédio caseiro” em questão não foi sequer convalidado pelo Órgão Nacional de Controle, como manda o Decreto 5.741/2006:
Art. 86. As três Instâncias do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária elaborarão normas complementares de boas práticas para a sanidade agropecuária, incluindo procedimentos-padrão de higiene operacional para viabilizar a aplicação dos princípios de análise de risco de pragas e doenças, e análise de perigos e pontos críticos de controle, em conformidade com este Regulamento.
Parágrafo primeiro - O Conselho Nacional de Política Agrícola aprovará as normas complementares nacionais e estaduais, e determinará suas revisões periódicas.
Parágrafo segundo - O objetivo da revisão é assegurar que as normas complementares continuem a ser aplicadas objetivamente e incorporem os desenvolvimentos científicos e tecnológicos.
A norma editada por dois secretários de Estado é incompatível com a legalidade que deve permear atos da Administração Pública, pois a prática descrita “expõe as vísceras” do que há de pior na Administração Pública que, mesmo alertada sobre a ilegalidade, de forma reflexa ataca com a criação de mais taxas e tributos, como forma de amordaçar o produtor para não denunciar esses desmandos.
Os fatos em questão foram declinados à Procuradoria Geral de Justiça, no Procedimento Administrativo SIMP 012710-001/2019, no qual, embora se tenha reconhecido a ilegalidade da IN 002/2015, argumentou-se que inconstitucionalidade seria reflexa, impedindo o ajuizamento da ADIn, o que não descarta o ajuizamento de A.C.P. ou Ação Popular.