ANALISE CRÍTICA DA TEORIA LOMBROSIANA.

20/07/2021 às 18:50
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O presente artigo faz uso dos pensamentos criminológicos críticos para realizar uma análise atual da teoria de Cesare Lombroso acerca da criminalidade.

Quando o homem passou a viver em sociedade, abandonando o estado de natureza, nasceu a necessidade de criar normas limitativas do comportamento humano como meio de garantir a harmonia dos integrantes desse corpo coletivo evitando abusos por parte dos integrantes do corpo coletivo recém-criado.

Assim, passou-se a elaborar regras que limitavam a liberdade que era absoluta no período pré-social, garantindo o exercício dos demais direitos que o homem manteria como integrante da sociedade, ainda sendo prescritos efeitos (sanções ou punições) para os indivíduos que viessem a violar as regras estabelecidas.

Desde o inicio da sociedade o homem foi capaz de cometer as maiores brutalidades pelos motivos mais variados, violando direitos extremamente importantes para o individuo como pessoa e para a coletividade como entidade supraindividual.

Para defender esses valores mais elevados de nossa sociedade contra violações graves desses direitos fora criado o direito penal como ultima ratio para a defesa desses valores fundantes.

Dessa forma, é possível imaginar que desde o inicio do convívio social o crime se impôs como uma realidade fática persistente em toda a forma de organização social e em todas as épocas desde então.

Esse fenômeno social sempre despertou nas pessoas grande curiosidade e fora objeto de estudo muito antes de ser concebida a criminologia como ciência, sendo o crime objeto de estudo de pseudociências como a demonologia (estudo da natureza dos demônios, que estariam por trás de comportamentos criminosos), fisionomia (onde a aparência física do individuo poderia indicar que o mesmo seria criminoso) e a frenologia (Viana, 2020, p. p. 27 a 34).

Isso mudou quando estudiosos, notadamente da área do direito, passaram a discutir o fenômeno criminal, principalmente no que concerne às finalidades da pena e a humanização da justiça criminal, sendo a obra de Beccaria (2015) um claro exemplo desse primeiro momento da criação de uma nova ciência para explicar o fenômeno criminal.

Nesse primeiro momento, a criminologia se limitou ao estudo do crime como entidade meramente jurídica, o que é facilmente perceptível nas análises realizadas pela escola clássica da criminologia, onde o homem era considerado um ser racional e dotado de livre arbítrio, sendo a prática delitiva uma opção livre do autor do delito que violaria um dever moral imposto a todos (Gonzaga, 2019, p. 42).

Em sentido oposto, a criminologia positivista acabou modificando esse foco de análise passando a um estudo da pessoa do criminoso com vistas a oferecer uma explicação causal acerca do comportamento criminal, tentando responder se havia algum determinismo (nesse primeiro momento biológico) que explicasse a prática criminosa, dando preponderância à figura do criminoso como protagonista do comportamento desviante.

Essa mudança de perspectiva foi importante em primeiro lugar para separar a criminologia da ciência do direito, garantindo uma independência à nova ciência, posto ser bastante perceptível que a escola clássica se limita a realizar uma análise meramente jurídica do fenômeno criminal, enquanto a criminologia em sua vertente positivista buscava uma explicação etiológica do fenômeno delitivo.

Outro fator importante para garantir a independência cientifica da novel ciência foi seu método de estudo, posto que se os clássicos utilizavam o método dedutivo ou lógico abstrato, e a escola positivista passou a fazer uso do método indutivo com a observação dos fatos objetos de análise, tendo a nova ciência natureza empírica, analisando a realidade e não as normas jurídicas, com o fim de explicar as causas do comportamento desviante (ou criminoso).

O pai da criminologia, Lombroso, cria então a antropologia criminal, e parte do pressuposto de que o criminoso é biologicamente diferente do individuo que respeita a lei, existindo um determinismo biológico na conduta criminosa, podendo o criminoso ser identificado por algumas características físicas (Moraes e Neto, 2019, p. p. 150 a 151).

É evidente que o próprio Lombroso, em sua obra, não deixa de considerar outros fatores, como os sociais, tendo estes correlação com a conduta criminosa, contudo, para o citado autor, o fator determinante para a prática delitiva seria de natureza endógena (Lombroso, 2005).

Não obstante a importância de Lombroso para a criação e desenvolvimento da criminologia como ciência, sendo definitivamente apartada das ciências jurídicas (embora a mesma sempre estará correlacionada com o direito penal, pois a criminologia visa fornecer um substrato fático/ empírico para o direito), é evidente os erros da perspectiva lombrosiana, posto que, embora fatores biológicos possam ter influência nas condutas criminosas, o que é  objeto de estudos até a presente data (Raine, 2015), estes não são os mais determinantes no comportamento delitivo, posto que o comportamento desviante é uma decorrência de fatores biopsicossociais, se destacando entre eles (com base em diversas referencias na literatura cientifica – Bergalli e Ramirez, 2015) os fatores sociais como preponderantes, salvo algumas exceções (como o caso de crimes praticados por psicóticos em surto, por exemplo, onde a conduta criminosa é um reflexo da doença mental do autor do crime, deixando registrado que esse tipo de comportamento é exceção entre os doentes mentais).

A bem da verdade o pensamento lombrosiano em sua época e até a atualidade é usado para justificar discursos preconceituosos que visam atender a uma necessidade das pessoas de criar um perfil diferente do homem comum para explicar a prática do crime, apenas para negar a maior verdade sobre o comportamento criminoso: todos nós somos criminosos em potencial.

Por mais que desejemos que os criminosos sejam pessoas diferentes de nós, taxando-os de loucos, psicopatas ou monstros, a grande maioria dos infratores da lei penal são pessoas comuns, como nós, sem traços físicos ou psíquicos que os distingam do individuo “normal”.

Todos nós somos criminosos, e isso é um fato. Ou será que você jamais baixou ou assistiu um filme pirata? E no trânsito caótico de sua cidade será que você nunca ofendeu outro motorista? Todos somos criminosos, mas nem todos somos criminalizados.

Lombroso chegou a suas conclusões partindo do estudo de pessoas presas, o que em sua época parecia ser uma ideia razoável, pois se ele queria conhecer os criminosos o ideal seria busca-los em um ambiente controlado, seguro e onde havia certeza que as pessoas estudadas eram, de fato, criminosos.

Contudo, ao analisar hoje essa conduta vemos o quanto ela foi equivocada, porque Lombroso buscou pessoas já criminalizadas, ou seja, etiquetadas pelas instituições criminais como delinquentes.

Se Lombroso visitasse nossos estabelecimentos prisionais na atualidade ele sem duvida concluiria que ser negro, pardo, e pobre são fatores determinantes para a criminalidade, o que não é bem verdade.

Nosso sistema penal tem dois traços marcantes: ele é seletivo e discriminatório, sempre escolhendo de maneira bastante conveniente quem se deseja estigmatizar como criminoso, tendo uma preferência por pessoas já marginalizadas pelo nossa estrutura social.

Não por outra razão as ideias lombrosianas, quando chegaram no Brasil, foram usadas para justificar a segregação racial, taxando os negros recém libertos de indivíduos pouco evoluídos e propensos a comportamentos antissociais, e para ajudar nessa criminalização chegou-se a criar tipos penais que serviriam bem para etiquetar esse grupo de excluídos, como, por exemplo, a criminalização da capoeira, que nada mais era que uma expressão cultural daquele povo.

Assim, a teoria do pai da criminologia foi usada no Brasil para justificar a segregação racial e estabelecer o controle da classe dominante contra o povo que já fora escravizado, marginalizado e que agora seria criminalizado pelas instituições penais.

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O maior defensor das ideias de Lombroso em nosso país, Raimundo Nina Rodrigues, citado por Viana (2020, p. 118) afirmou:

A raça negra no Brasil, por maiores que tenham sido os seus incontestáveis serviços à nossa civilização, por mais justificadas que sejam as simpatias de que a cercou o revoltante abuso da escravidão, por maiores que se revelem os generosos exageros dos seus turiferários, há de constituir sempre um dos fatores da nossa inferioridade como povo.

Assim, por mais que nossa consciência queira acreditar que somos incapazes de praticar condutas criminosas, essa é uma possibilidade, não existindo um ser inferior (ou atávico) que tenha uma predisposição biológica ao comportamento desviante.

O crime é oriundo de fatores biopsicossiais, sendo os fatores sociais, em nossa opinião, prevalecentes, podendo o delito, a depender do crime (pois existem uma diversidade de figuras penais), ser fruto de uma associação diferencial (onde podemos aprender os meios da prática delitiva e como justificar essa pratica ilegal), ou oriundo de uma subcultura que assimilamos, ou apenas fruto de uma criminalização seletiva proveniente do nosso sistema criminal (Bacila, 2016), seja porque se criou uma figura típica que se amolda a um determinado espectro social (como a contravenção de vadiagem) ou porque fomos selecionados por condições pessoais nossas(como ser um individuo de cor negra residente na periferia de uma grande cidade).

Uma vez criminalizados essa minoria acaba por assumir esse papel a eles atribuídos, seja porque nossos estabelecimentos penais são extremamente criminôgenos, não se prestando a qualquer objetivo de ressocialização (nas verdade atualmente ir para uma prisão acaba sendo fator para se agregar a alguma estrutura organizada criminosa como meio de sobrevivência dentro do sistema), seja porque a própria sociedade deixará de ver no ex-recluso um individuo que se regenerou ou ressocializou, onde este sempre será etiquetado como o traficante, o estuprador, o ladrão, o assassino ou no mínimo o ex-presidiário.

Dessa forma, o comportamento criminal tem pouco haver com determinantes biológicas, como acreditava Lombroso, sendo mais determinante para o crime a reação social (tantos dos controles sociais formais quanto informais) à prática delituosa no que concerne aos processos de seleção e criminalização dos comportamentos sociais de grupos já marginalizados.

 

REFERÊNCIAS:

 

1. A 13ª EMENDA. Direção: Ava DuVernay. Produção: kandoo Films. Estados Unidos: Netflix, 2016. 1 vídeo (100 min.). Disponível em: https://www.netflix.com/watch/80091741?trackId=13752289&tctx=0%2C2%2C9c99bf2149402a9a13292e392346179bc75817b4%3A7a9cb6da541da954a4d0fdab4a3599ec499ea0dd%2C9c99bf2149402a9a13292e392346179bc75817b4%3A7a9cb6da541da954a4d0fdab4a3599ec499ea0dd%2C%2C. Acesso em: 08 mai. 2021.

2. BACILA, C. R. Introdução ao direito penal e à criminologia. São Paulo: Intersaberes, 2016.

3. BECCARIA, C. Dos delitos e das penas. Tradução: Paulo M. Oliveira. São Paulo: Edipro, 2015.

4. BERGALLI, R.; e RAMÍREZ, J. B. Pensamento criminológico I: uma abordagem crítica. Rio de Janeiro: Revan, 2015.

5. GONZAGA, C. Manual de criminologia. São Paulo: Saraiva, 2018.

6. LOMBROSO, C. O homem delinquente. Tradução: Sebastião José Roque. São Paulo: Icone, 2007.

7. MENTE ABERTA. Série Mindhunter – se nasce criminoso ou torna-se criminoso?. Youtube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=KVVLBRbfRJQ. Acesso em: 07 de Out 2021.

8. MORAES,  A. R. A.; e NETO, R. F. Criminologia. Salvador: Juspodivm, 2019.

9. RAINE, A. A anatomia da Violência: as raízes biológicas da criminalidade. Tradução: Maiza Ritomy Ite. Porto Alegre: Artmed, 2015.

10. VIANA, E. Criminologia. Salvador: Juspodivm, 2020.

Sobre o autor
Jonathan Dantas Pessoa

Policial civil do Estado de Pernambuco, formado em direito pela Universidade Osman da Costa Lins - UNIFACOL/ Vitória de Santo Antão. Pós - graduado em direito civil e processo civil pela Escola Superior de Advocacia Professor Ruy Antunes - ESA/OAB/PE - Recife/PE. Mestre em Psicologia Criminal com Especialização em Psicologia Forense pela Universidad Europea del Atlántico - Santander/ES. Pós graduado em Criminologia pela Faculdade Unyleya. Pós graduado em Psicologia Criminal Forense pelo Instituto Facuminas. Membro do Centre for Criminology Research - University of South Walles. Membro do Laboratório de estudos de Cognição e Justiça - Cogjus.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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