Pesquisa para identificar fatores de risco para práticas delitivas.

20/07/2021 às 19:09
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Trata-se de um ensaio prática de pesquisa em uma pequena amostra de pessoas com vistas a detectar fatores que indicariam um possível comportamento criminoso futuro dos voluntários.

Realizamos entrevistas com vistas a pesquisar e identificar em um grupo de 10 pessoas fatores de risco que poderiam levar tais pessoas a cometer delitos, sendo utilizado como método uma entrevista fechada fazendo uso de um questionário.

Nesse questionário constava fatores endógenos, exógenos, referentes à família, a escola, a violência na escola, fatores subculturais, bem como fatores sociológicos e outros que poderiam, conforme pesquisas realizadas, indicar uma propensão das pessoas que possuem esses fatores a cometer delitos.

É bom que se esclareça, desde já, que esses fatores de risco não são explicações causais exatas do delito, posto que o fenômeno criminal é por demais complexo para ser explicado de forma simplória, sendo que os fatores tratados nesta pesquisa indicam meras características que podem gerar uma inclinação das pessoas que os detém à prática de delitos, devendo muitos dos fatores hoje levantados, serem alvo de maiores estudos com vistas a dar maior credibilidade a relação mais próxima ou não desses fatos à prática de crimes.

No que concerne aos fatores endógenos fora indagado se os participantes possuíam mau funcionamento de neurotransmissores, disfunções hormonais, diferenças no controle de serotonina, disfunções enzimáticas, disfunções cerebrais, alterações no córtex pré-frontal, anormalidades no sistema límbico do hipotálamo, fatores psicopatológicos, anomalias no sistema nervoso autônomo, fatores psicológicos, fatores de caracteres psicomorais, e fatores genéticos, sendo esta a parte mais extensa da pesquisa.

Acerca dos fatores exógenos fora indicado acerca da má alimentação, alergias (ainda indagando o tipo de alergia que o participante possui), e o contato com contaminantes ambientais.

Em relação à família fora indagado aos participantes acerca da criminalidade dos pais, a existência de conflitos familiares, se sofreu abusos sexuais na infância, marginalização socioeconômica, se a família do mesmo é monoparental, ou se a família é numerosa (assim considerada por nós aquela família com 6 ou mais integrantes residindo no mesmo imóvel).

Quanto à escola, fora indagado acerca de fracasso escolar (consideramos fracasso escolar apenas as pessoas que não tiveram ao menos o ensino fundamental completo), a falta de desenvolvimento intelectual (ainda indagando qual seria essa deficiência intelectual que o participante sofre), a falta de meios econômicos para estudar, e a falta de estimulo da família para o participante estudar.

No que diz respeito a violência no colégio fora perguntado se o participante sofreu bullying, se pertenceu a alguma gangue escolar, se agrediu em alguma ocasião um professor, e se usava drogas (ainda indagando o tipo de drogas e a frequência de uso semanal).

Posteriormente passou-se a tratar dos fatores subculturais, sendo indagado se os participantes tinha alguma amizade com delinquentes, se tinham alguma amizade que pertence a alguma gangue juvenil, ou se o participante pertence a alguma tribo urbana.

Por fim, acerca de fatores sociológicos e outros fatores fora indagado se o participante era imigrante, alcoólatra, o estado civil do mesmo, se tinha disponibilidade de armas de fogo, ou e se mesmo se encontra desempregado.

Os participantes deveriam informar se possuem ou não algum dos fatores informados, podendo também responder que não sabiam informar o que foi perguntado, sendo que quando os mesmos não soubessem informar a existência ou não de determinado fator nós consideraríamos que aquele fator de risco não existe.

Entre as pessoas que participaram oito delas (80% dos participantes) eram do sexo masculino, enquanto duas delas (20%) eram do sexo feminino.

A idade dos participantes variou entre 21 e 56 anos de idade, com uma média de 32,4 anos de idade.

Fora realizado entrevistas a sós com os participantes sendo garantido aos mesmos total sigilo dos resultados, no intuito de garantir uma maior veracidade nas respostas dadas.

Quanto aos resultados, no que concerne aos fatores endógenos fora constatado que, embora esta seja a mais extensa das listas da pesquisa, mais da metade dos participantes (seis deles) só afirmaram possuir um dos fatores indicados nesta parte da pesquisa, quatro pessoas afirmaram não possuir nenhum dos fatores informados, e apenas um afirmou que tinha dois daqueles fatores. Vale salientar que tais fatores, muitas vezes existem mas não são de conhecimento do próprio participante, o que poderia indicar o baixo número de fatores endógenos constantes da pesquisa, o que poderia mudar caso tivéssemos a nossa disposição meios sofisticados de constatar muitos dos fatores constantes desta parte da pesquisa.

Dos seis participantes que disseram possuir um fator endógeno indicado, cinco deles afirmaram possuir transtornos de cunho psicopatológicos (transtorno de ansiedade e/ ou depressão), vindo os participantes que informaram possuir tais transtornos alegarem em seus relatos que estes transtornos lhes trazem um certo grau de irritabilidade, bem como alguns afirmaram que possuem dificuldade de lidar com frustrações e dificuldade de socialização em decorrência de sua condição, enquanto um dos participantes afirmou possuir problema hormonal, chegando este a também alegar que essa disfunção hormonal lhe trás um aumento de irritabilidade.

Passando aos fatores exógenos quatro participantes afirmaram não possuir nenhum dos fatores ali indicados, mesmo número de participantes que afirmou possuir apenas um dos fatores ali indicados, enquanto dois deles afirmaram possuir dois dos fatores informados nesta parte da pesquisa, Três participantes informaram que apenas possuem uma má alimentação (não equilibrada, com muito consumo de açúcar e massa, e pouco consumo de frutas e verduras), um participante disse que possui alergia (nesse caso a poeira), enquanto outros dois participantes informaram que tanto se alimentam mau, como possuem alergia (ambos também alérgicos a poeira).

Quando trabalhamos o contexto familiar dos participantes, três deles afirmaram que não possuíam nenhum dos fatores constantes da pesquisa, dois deles informaram a existência de apenas um fator (sendo que um participante informou que fora criado em uma família numerosa, no caso com 6 pessoas no mesmo imóvel, enquanto o outro indicou a existência de conflitos constantes entre seus pais que culminou na separação destes), outros quatro participantes indicaram dois fatores constantes dessa parte da pesquisa (um indicou conflitos familiares e família monoparental, outro conflitos familiares e marginalização socioeconômica, o terceiro afirmou que sua família sofreu marginalização socioeconômica e era uma família monoparental, e o ultimo informou que sofreu os fatores de marginalização socioeconômica e possuía uma família numerosa, no caso 11 pessoas no mesmo imóvel), e, por fim, um participante informou a existência de quatro dos fatores informados (conflitos familiares, marginalização socioeconômica, família monoparental e família numerosa, com seis pessoas no mesmo imóvel).

Gostaria de abrir um parêntese nesse momento, pois embora exista nessa parte da pesquisa referente à família indicando que famílias monoparentais seria um fator que poderia levar a criminalidade, tal fato nem sempre é verdade, sendo mais importante a razão pela qual o cônjuge se ausentou do lar (se foi preso ou abandonou a família), bem como a relação que o mesmo mantém com a antiga família, principalmente com os filhos. Entre os participantes desta pesquisa, alguns deles relataram que, não obstante a separação dos pais, o cônjuge que não residiu com o participante após a separação (normalmente o pai) muitas vezes manteve um bom relacionamento com os filhos e até com o ex-cônjuge, o que em outros casos não ocorreu, onde o genitor efetivamente abandonou a família e deixou de prestar auxilio financeiro e afetivo aos filhos, sendo, nesse ultimo caso, um fator que teria sim consequências criminológicas.

Em referência à escola dois participantes afirmaram não possuir nenhum dos fatores constantes da presente pesquisa, enquanto sete dos participantes afirmaram possuir um dos fatores indicados (onde um dos participantes afirmou ter saído logo da escola, ainda no ensino básico, enquanto os demais afirmaram que tiveram dificuldades na escola em decorrência da falta de meios econômicos para seguir nos estudos, principalmente para chegar à faculdade), e um dos participantes informou que possuía dois dos fatores indicados, pois o mesmo ficou pouco na escola (apenas parte do ensino básico) o que ocorreu em decorrência do mesmo não dispor de meios econômicos para seguir nos estudos, demonstrando a interdependência dos fatoress constantes do presente estudo, afirmação já feita por Adrian Raine em seu Livro “A anatomia da violência” (2015, p 242), quando ao falar dos fatores biológicos e sociais que fizerem Henry Lee Lucas um assassino, o levando a cometer delitos brutais, Raine afirmou:

Essa mistura de privação biológica e social criou uma maquina de matar de eficiência surpreendente, dadas as desvantagens a que Lucas foi submetido na vida. Do lado biológico, existiram três fatores de risco muito importantes para a violência que foram destacados no capitulo anterior – trauma na cabeça, má nutrição e herança genética de seus pais antissociais. Estes são instigados por uma série de fatores de risco sociais, incluindo maus- tratos, negligência, humilhação, rejeição materna, pobreza extrema, superlotação, vizinhança ruim, indução ao alcoolismo e ausência completa de cuidado e sensação de pertencimento. Foi essa bebida amarga – essa mistura muito cruel – que transformou Lucas em um assassino alcoolista.

Seguindo para os fatores referentes a violência na escola, dois participantes afirmaram que não sofreram nenhum dos fatores relacionados na pesquisa, enquanto quatro participantes informaram que incidiram em um dos fatores informados (sendo que três deles sofreram bullying na escola, e um afirmou que vazia uso de álcool na escola, pelo menos uma vez na semana), outros três participantes afirmaram que sofreram dois dos fatores constantes da pesquisa( todos eles afirmaram sofrer bullying e fazer uso de drogas na escola, dois deles fazendo uso de álcool enquanto o outro fazia uso de loló, numa frequência de duas vezes por semana), e, finalmente, um dos participantes afirmou ter sofrido de três dos fatores indicados (foi vítima de bullying, foi parte de uma gangue escolar, e fez uso de diversas drogas, sendo estas maconha, crack e cocaína, durante todos os dias da semana enquanto estava na escola).

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Quando considerados os fatores subculturais, seis participantes afirmaram que não sofreram nenhum dos fatores constantes dessa parte da pesquisa, enquanto os outros quatro sofreram com apenas um dos fatores indicados na pesquisa (dois deles afirmaram possuir amizades com um delinquente, uma afirmou ser amiga de um membro de uma gangue juvenil, e um participante afirmou que participava de uma tribo urbana, algo raro, ainda mais em uma cidade do interior do Nordeste Brasileiro).

Por fim, quanto aos fatores sociológicos e demais fatores, dois participantes afirmaram que não sofreram de nenhum dos fatores indicados nesta parte da pesquisa, quatro participantes afirmaram sofrer de um desses fatores (sendo que três deles afirmaram estar desempregados, enquanto um afirmou ter disponibilidade de arma de fogo), e quatro afirmaram que possuem dois dos fatores informados nesta parte da pesquisa (três deles eram solteiros e desempregados, enquanto um afirmou estar solteiro e ser alcoólatra).

Analisando os resultados de uma maneira geral, com vistas ao resultado total de cada participante acerca de todo os fatores objetos da presente pesquisa, criamos um critério quantitativo para tentar indicar a probabilidade, a priori, daquele individuo vir a cometer delitos com base na incidência dos fatores indicados na presente pesquisa.

Fora criado então uma escala que, com base no número de fatores existentes indicados pelos participantes, se chegaria à probabilidade do participante vir a cometer um crime, criando quatro níveis quantitativos distintos de probabilidade diferentes de se cometer um delito, ficando a mesma da seguinte maneira: participantes que possuem de 0 a 9 dos fatores indicados na presente pesquisa, teriam chances muito improváveis de vir a praticar um delito. Participantes que assinalaram a existência de 10 a 18 dos fatores indicados na pesquisa teriam uma incidência criminal pouco provável. Quem tivesse uma incidência de 19 a 28 dos fatores indicados na pesquisa teria uma chance provável de cometer crimes. E aqueles participantes que sofressem de 29 a 37 dos fatores constantes da presente pesquisa, seriam muito provavelmente inclinados a práticas criminosas.

Entre os participantes cuja probabilidade de cometer crimes é muito improvável ficaram uma das duas mulheres participantes do estudo de 45 anos de idade com apenas três fatores confirmados, depois um participante de 34 anos de idade teve quatro fatores confirmados, a outra mulher participante do estudo de 36 anos de idade teve cinco fatores de risco confirmados, depois dois homens um com 22 anos de idade e outro com 25 anos de idade ambos com seis fatores de risco confirmados, mais dois homens um com 21 anos de idade e o outro com 31 anos de idade ambos com 7 fatores de risco cada, dois participantes um com 21 anos de idade e outro com 56 anos de idade tiveram ambos nove fatores de risco confirmados, e por fim um participante de 33 anos de idade teve 10 fatores de risco confirmados.

Nesse sentido, e aplicando os critérios de probabilidade por nós proposto, entre os participantes da presente pesquisa nove dos mesmos assinalaram que possuíam entre três e nove dos fatores elencados na pesquisa, sendo que a probabilidade destes virem a cometer crimes é muito improvável. Enquanto isso um único participante afirmou possuir dez dos fatores constantes do presente estudo, sendo que podemos considerar que seja pouco provável que o mesmo venha a cometer delitos (embora no nosso critério o mesmo esteja um pouco mais inclinado que os demais participantes da presente pesquisa à prática de delitos).

Mais uma vez é bom que se deixe claro que tais fatores de risco não são determinantes causais infalíveis, diante do fato da complexidade da gênese criminal, mas sim meros fatores que podem indicar uma inclinação das pessoas que tenham tais características para a prática de delitos, sendo que muitos dos fatores elencados tem valor relativo ou exigem estudos mais aprofundados para quantificar sua relevância para uma possível propensão criminal dos detentores dessas características.

 

BIBLIOGRAFIA.

MORAES, Alexandre Rocha de Almeida; NETO, Ricardo Ferracini. Criminologia. 1ª ed. Salvador: Juspodivm, 2019.

RAINE, Adrian. A Anatomia da Violência: As raízes biológicas da criminalidade. Tradução de Maiza Ritomy Ite; Revisão técnica de Ney Fayet Junior, Pedro Antônio Schmidt do Prado Lima. Porto Alegre. Artmed, 2015.

ARAÚJO, Fábio Roque. Culpabilidade, Livre-arbítrio e Neurodeterminismo:os reflexos jurídico-penais da revolução neurocientífica. Salvador. Juspodivm, 2018.

Sobre o autor
Jonathan Dantas Pessoa

Policial civil do Estado de Pernambuco, formado em direito pela Universidade Osman da Costa Lins - UNIFACOL/ Vitória de Santo Antão. Pós - graduado em direito civil e processo civil pela Escola Superior de Advocacia Professor Ruy Antunes - ESA/OAB/PE - Recife/PE. Mestre em Psicologia Criminal com Especialização em Psicologia Forense pela Universidad Europea del Atlántico - Santander/ES. Pós graduado em Criminologia pela Faculdade Unyleya. Pós graduado em Psicologia Criminal Forense pelo Instituto Facuminas. Membro do Centre for Criminology Research - University of South Walles. Membro do Laboratório de estudos de Cognição e Justiça - Cogjus.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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