O Direito ao Esquecimento e as Liberdades Fundamentais.

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Os problemas que guiarão este artigo são os seguintes: O que é o Direito ao Esquecimento? De onde decorre o Direito ao Esquecimento? O Direito ao Esquecimento choca-se com outros Direitos Fundamentais?

Introdução.

    O presente artigo tem por objetivo precípuo analisar o Direito ao Esquecimento não tendo, entretanto, o condão de exaurir o tema. Os problemas que guiarão este artigo são os seguintes: O que é o Direito ao Esquecimento? De onde decorre o Direito ao Esquecimento? O Direito ao Esquecimento choca-se com outros Direitos Fundamentais? Como o poder Judiciário tem decidido as questões envoltas no Direito ao Esquecimento?

Desenvolvimento.

Muitas são as opiniões se é cabível ou não o Direito ao Esquecimento. Não obstante isso, antes de recorrer as várias decisões acerca do assunto, faz-se necessário a conceituação do referido instituto. Como ponto de partida, a Dra. Flávia Teixeira Ortega escreve:

    O direito ao esquecimento é o direito que uma pessoa possui de não permitir que um fato, ainda que, verídico ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, causando-lhe sofrimento ou transtornos. (ORTEGA, 2016).

Completando essa descrição, a Dra. Thabata Filizola Costa conceitua:

O direito ao esquecimento consiste no direito à autogestão de informações pessoais, incluindo a possibilidade de ter informações pessoais indesejadas (normalmente por causarem algum tipo de dano à honra objetiva) retiradas do domínio público, desindexadas dos sites de buscas ou tornadas indisponíveis de algum outro modo. (COSTA, 2016)

Assim sendo, o direito ao esquecimento não significa obrigar que as informações sejam apagadas da memória da sociedade, mas traduz-se na possibilidade de que fatos pretéritos não sejam mais vinculados as mídias e, até mesmo, sejam retirados de sites da internet, por possuírem o potencial de ofender a honra e a intimidade das pessoas envolvidas nesses acontecimentos.

Esse instituto tem sido entendido como decorrente de direitos fundamentais positivados na Constituição Federal de 1988. Ademais, através de interpretação hermenêutica, pode-se entender o direito ao esquecimento como resultado do respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana previstos no art. 1º, inciso III, da CF/88. Observe-se por exemplo o Enunciado 531, aprovado na VI Jornada de Direito Civil, consolidando a aplicação do direito ao esquecimento no meio digital, ao dispor que “a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”.

De outro lado, no entanto, nota-se que o direito ao esquecimento choca-se com outras garantias constitucionais, como por exemplo, a liberdade de expressão e a liberdade de manifestação do pensamento. Abordando esse tema, a Dra. Flávia Ortega assevera: “A discussão quanto ao direito ao esquecimento envolve um conflito aparente entre a liberdade de expressão/informação e atributos individuais da pessoa humana, como a intimidade, privacidade e honra.” (ORTEGA, 2016)

Portanto, é perceptível que quando há o reconhecimento do direito de esquecer, há uma restrição do direito de informar. Por sua vez, quando o direito à liberdade de expressão e de imprensa preponderam sobre o direito ao esquecimento, verifica-se a restrição deste em detrimento daquele. Ademais, quando as liberdades de expressão e de imprensa ocorrem sem qualquer cautela, pode-se perceber um potencial risco de ofensa a intimidade e a honra da pessoa envolvida. Destarte, chega-se ao seguinte impasse: Que direito deve prevalecer?

Em se tratando do conflito entre as liberdades de expressão, de informação e os atributos pessoais, quais sejam: a inviolabilidade da vida privada, intimidade e honra, faz-se necessário e até mesmo interessante, entender como o poder judiciário tem julgado os casos concretos envoltos nessas questões. Para tanto, é imperioso mencionar alguns julgados nessa matéria, e também, aduzir a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca do direito ao esquecimento.

 Um primeiro caso é o que aconteceu em 23 de julho de 1993, no Rio de Janeiro, a chamada Chacina da Candelária. Nessa ocasião, um grupo de policiais atirou várias vezes contra um grupo de pessoas, causando a morte de seis menores e dois adultos. Dezesseis anos depois, em 2009, a Rede Globo de Jornalismo, exibiu através do Programa Linha Direta – Justiça, uma matéria que mostrava o que tinha acontecido naquela triste situação, revelando os nomes reais dos envolvidos no crime inclusive, que a propósito, já tinham sido julgados. Entre esses nomes, foi explicitada a identidade de um policial, considerado coautor, mas inocente, segundo os autos do processo. Em posse dessa informação, o autor ajuizou uma ação contra a rede globo de Jornalismo, alegando que em decorrência dessa reportagem, precisou fugir de onde morava por medo de ser assassinado pelas mãos de traficantes e justiceiros. Além disso, asseverou que teria dificuldades para se reinserir no mercado de trabalho por ter sido vinculado a um crime do qual restou-se provada a sua inocência. Em primeira instância, o seu pedido de ressarcimento por danos morais foi indeferido. Entretanto, a decisão foi reformada no Superior Tribunal de Justiça (STJ) sob a relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão. A quarta turma do STJ acompanhou o voto do relator e condenou a emissora ao pagamento de R$ 50 mil, reconhecendo que o autor da ação tinha o direito ao esquecimento e que esse não Foi respeitado pela Rede Globo.

 Ressalte-se ainda que as decisões sobre esse assunto não são unânimes. Assim, noutro caso, o STJ não entendeu que o direito ao esquecimento era cabível.

Esse outro caso foi o de Aída Jacob Curi. Em 1958, no Rio de Janeiro, esta jovem foi vítima de violência seguida de morte. Os autores foram outros três jovens, que a lançaram de um edifício de doze andares em Copacabana. Anos depois, a Rede Globo de Televisão, mediante o programa Linha Direta, reexibiu o acontecimento, divulgando o nome de Aída e cenas do fato delituoso. Entendendo que não havia a necessidade de se recordar, depois do transcurso de cinquenta anos, o que aconteceu com aquela jovem, os irmãos de Aída ingressaram com uma ação judicial contra a Rede Globo de Televisão, pleiteando que aquela reportagem não fosse mais exibida. E pelo que já tinha ido ao ar, os autores da ação litigavam um ressarcimento por danos morais.

O juízo de primeiro grau decidiu pelo indeferimento da ação. Em seguida, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro confirmou a sentença. Daí, por meio de recurso especial, os autores recorreram ao Superior Tribunal de Justiça que decidiu pela preponderância do direito à liberdade de imprensa, afirmando em seu julgado que o crime e a imagem da vítima eram indissociáveis, e que a Rede Globo não teria cometido ofensa alguma a memória ou a imagem de Aída, pois, apenas cumpria naquela reportagem, com o seu papel social de informar acerca de um crime que faz parte da história nacional.

Insatisfeitos com a decisão, os irmãos da jovem vítima, interpuseram um recurso extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal. O julgamento dessa causa, ocorrido em 11 de fevereiro de 2021, reflete o entendimento da Corte Suprema da República Federativa do Brasil sobre o cabimento do direito ao esquecimento. O STF julgou que esse direito é incompatível com a Constituição Federal. Ademais, o Supremo proferiu nessa decisão, que quaisquer excessos no direito de informar, devem ser analisados no caso concreto e, em caso de ofensa a outros direitos fundamentais, a reparação deverá ser feita em observância da Lei Fundamental e de outras normas infraconstitucionais, como o código penal e o código civil.

Conclusão.

O Direito ao Esquecimento é um tema que tem causado grandes reflexões em toda a sociedade. Como explicitado nesse artigo, nem mesmo as decisões judiciais são unânimes, fazendo-se necessária a análise do caso concreto com o fito de encontrar a melhor sentença para cada situação em particular. Ainda assim, após uma decisão prolatada, como foi o caso de Aída Curi, cabem-se questionamentos, pois parece razoável que uma pessoa tenha o direito de ser deixada em paz, tenha uma segunda chance, e não pague eternamente por um crime que cometeu ou seja rotulada por algo que passou. Por outro lado, parece sensato reconhecer que alguns acontecimentos precisam ficar guardados na história e ser relembrados de tempos em tempos, dada sua relevância para a sociedade.

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Portanto, não se pretendeu chegar a uma solução para as questões envoltas no Direito ao Esquecimento ou exaurir o assunto. Longe disso! O objetivo aqui foi o de despertar profundas reflexões acerca do tema, restando compreender se no caso em concreto há que se falar, ou não, no Direito ao Esquecimento.

Referências:

ORTEGA, Flávia. O que consiste o direito ao esquecimento. Jus Brasil, Há 5 anos. Seção: Notícias,Disponível em: <https://draflaviaortega.jusbrasil.com.br/noticias/319988819/o-que-consiste-o-direito-ao-esquecimento>. Acesso em 27.maio.2021.

BRASIL. STJ. Processo: 1896652/RJ. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR (1148), 17.maio.2021, Seção:Jurisprudência, Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=DIREITO+AO+ESQUECIMENTO&b=ACOR&p=false&l=10&i=1&operador=e&tipo_visualizacao=RESUMO>. Acesso em 28.maio.2021.

BRASIL. Planalto. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988.Disponível: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 28 maio.2021.

SZANIAWSKI, Elimar. O Supremo Tribunal Federal e o julgamento do caso Aída Curi - Parte 1, 26 Abr 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-abr-26/direito-civil-atual-supremo-tribunal-federal-julgamento-aida-curi>. Acesso em 05 Jul.2021.

COSTA, Thabata. O aparente conflito entre o direito ao esquecimento e o direito à liberdade de expressão. Jus Brasil, Há 5 anos. Seção Artigos, Disponível em: https://thabatafc.jusbrasil.com.br/artigos/315396088/o-aparente-conflito-entre-o-direito-ao-esquecimento-e-o-direito-a-liberdade-de-expressao#:~:text=do%20Codigo%20Civil-,O%20aparente%20conflito%20entre%20o%20direito%20ao%20esquecimento,direito%20%C3%A0%20liberdade%20de%20express%C3%A3o&text=11%2C%20do%20C%C3%B3digo%20Civil)%2C,X%2C%20da%20CR88%20e%20art. Acesso em: 05 Jul.2021

STF, Aplicabilidade do direito ao esquecimento na esfera civil quando for invocado pela própria vítima ou pelos seus familiares. Disponível em: http://stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=5091603&numeroProcesso=1010606&classeProcesso=RE&numeroTema=786 , Acesso em 05 Jul.2021

LUZ, Aleff. DUARTE, Bruno. O Direito ao Esquecimento Como Limitação à Liberdade de Expressão. 23 Jul. 2019, Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-civil/o-direito-ao-esquecimento-como-limitacao-a-liberdade-de-expressao/ Acesso em: 28 Jun.2021

CORREIA, Atalá. Liberdade de imprensa, direito ao esquecimento e a recente decisão do STF. TJDFT, Há 3 meses. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/artigos/2021/liberdade-de-imprensa-direito-ao-esquecimento-e-a-recente-decisao-do-stf . Acesso em 28 jun.2021

Sobre o autor
Pedro Dantas de Santana Ribeiro

Estudante de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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