O advento do artigo 217-A do Código Penal e sua aplicabilidade em face do princípio da adequação social

21/07/2021 às 18:57
Leia nesta página:

O tema abordado em questão busca satisfazer os propósitos da Lei 12.015, de 07 de agosto de 2009, e a efetiva aplicação do artigo 217-A do Código Penal.

1. INTRODUÇÃO

A criação da Lei 12.015/09 foi o marco para a introdução do artigo 217-A° no Código Penal, que será objeto de estudo no presente artigo e passou a ser sensivelmente explanado pela sociedade. Antes da inserção do referido artigo no Código, os delitos de estupro (artigo 213°) e atentado ao pudor (revogado artigo 214°), ao serem praticados contra menores de 14 (quatorze) anos, indivíduo “alienado” ou débil mental ou por quem não pudesse oferecer resistência, falava-se em violência presumida.

O termo presunção era fator inevitável de diversos questionamentos, com o advento da supracitada norma, qualquer discussão nesse sentido foi encerrada. O critério passou a ser objetivo, e agora a idade da vítima é que seria observada, se a vítima for menor de 14 (quatorze) anos, seja ela do sexo masculino ou feminino, ocorrerá o crime.

São irrelevantes para a configuração do aludido artigo a experiência sexual ou o consentimento da vítima, basta que o agente tenha conhecimento de que a vítima é menor de 14 (quatorze) anos e mesmo assim, decida manter conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso com a mesma, prescindindo da elementar violência de fato ou presumida.

O objeto jurídico em questão é a dignidade sexual do sujeito passivo, podendo ser criança ou adolescente, pois segundo o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) em seu artigo 20, criança é quem ainda não tem 12 (doze) anos completos. Delito material, é admitido em sua modalidade culposa, visto que, a intenção do agente será considerada, pois a prática da conjunção carnal ou outro ato libidinoso não ocorreu por razão alheia à sua vontade.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 O Princípio da Adequação Social

Entende-se por princípio da adequação social uma conduta que se enquadre em uma descrição típica e que não poderá ser reputada criminosamente por ser tolerada pela sociedade. Concebido por Hans Welzel, afirma-se que, são condutas formalmente típicas, porquanto subsumidas num tipo penal, são moralmente atípicas, pois encontram-se em consonância com a ordem social, um exemplo desse principio é a prática de circuncisão na religião judaica.

O referido principio tem como finalidade orientar e revogar normas penais incriminadoras de certas condutas, outrora inadequadas e com a transformação social e a mudança de fatores norteadores como os costumes, já não exigem reprovação social. Para alguns doutrinadores como Fernando Capez, o princípio da adequação social é um tanto quanto vago e impreciso, não se ajustando às exigências da moderna dogmática penal.

A norma penal não é somente aquela que formalmente descreve um fato como infração penal, pouco importando se ele ofende ou não o sentimento social de justiça; ao contrário, sob pena de colidir com a Constituição, o tipo incriminador deverá obrigatoriamente selecionar, dentre todos os comportamentos humanos, somente aqueles que realmente possuam lesividade social (CAPEZ, 2013, pag. 25, 26).

O supramencionado princípio vai além do Direito Penal, pois mesmo que determinada conduta seja aparentemente típica, se encontrará no âmbito da atipicidade, uma vez que estará amparada pela aceitação social, fora da seara do proibido e não atente contra a Constituição Federal. Em seu direito de punir, o Estado não apresenta somente um conjunto de normas jurídicas, mas sim uma forma de controle da sociedade.

Ao se deparar com um fato contrário ao ordenamento jurídico, o legislador deverá observar que a aplicabilidade eficaz da norma não poderá ser simplesmente um comando ou incriminação mediante infração de regras, deverá ser entendido como uma forma de harmonizar a convivência da sociedade através de institutos jurídicos previamente estabelecidos.

2.2  Vulnerabilidade

A inserção da Lei n° 12.015/09, que alterou o Título VI da Parte Especial do Código Penal, inseriu nova nomenclatura aos crimes sexuais, e em seu Capítulo II criou os crimes sexuais contra vulnerável. Assim, lentamente, após a criação da referida norma, a palavra vulnerável ganhou mais espaço nas ordenações jurídicas brasileiras. A finalidade da supramencionada norma é proteger aqueles que, não possuem capacidade de discernir sobre os atos e conseqüências da sexualidade.

A perspectiva do legislador sobre vulnerabilidade tem como visão o fraco, aquele que não reúne condição igual à do cidadão comum, tendo o homo medius como figura de referência. É evidente a proteção que o legislador quis ter para com o menor de 14 (quatorze) anos, tentando reprimir os abusos sexuais com crianças e adolescentes, isto é, a disseminação da prostituição infantil e a exploração sexual contra crianças, da mesma forma com pessoas com deficiência mental ou que não tenha capacidade para discernir tal ato.

Vulnerável é o estado de quem está privado de capacidade de resistência, sujeito a lesão ou despido de proteção. Há variadas formas para alguém se encontrar, em algum momento da vida, vulnerável a algo. No contexto do art. 217-A, trata-se de capacidade de compreensão e aquiescência no tocante ao ato sexual. Por isso continua, na essência, existindo a presunção de que determinadas pessoas não tem a referida capacidade para consentir. Entretanto, inseriu-se no termo vulnerável o que antes se denominava singelamente de presunção de violência (NUCCI, 2011, p. 850).

A proteção legal passa a ser lente pela qual possa ser visualizado aquele que se apresenta como o mais frágil, necessitando de cuidados especiais. É genericamente possível falar que, todo individuo tem sua vulnerabilidade intrínseca, criada pelos conflitos geradores de tantos problemas que afetam a mente, em razão da evolução natural das pessoas. De acordo com a redação do artigo 217-A, em seu conteúdo formal, a liberdade sexual destes seres ainda em formação é assegurada de modo absoluto e sem exceção.

3. METODOLOGIA

Utilizou-se a pesquisa com método de abordagem qualitativa, que visa a total compreensão do direito penal a partir do estudo de princípios constitucionais e teorias. O trabalho em questão baseia-se em revisões bibliográficas já analisadas e publicadas, em toda elaboração do trabalho foram utilizados métodos dedutivos e teóricos, baseados em estudos bibliográficos e jurisprudencial.

Os métodos utilizados para fins desta pesquisa são de investigação e estudo da Lei 12.015, com base em estudos acerca do tema proposto. Utilizou-se como técnica a analise de conteúdos, que segundo o Código Penal brasileiro tem por finalidade proteger o menor de 14 (quatorze) anos, o portador de deficiência mental e aquele que não apresenta capacidade de resistência. Fomos além das aparências escritas, ou seja, buscar informações e significados reais através de interpretações de pesquisadores e juristas.

Segundo Demo (1987), a metodologia é uma preocupação instrumental, que trata do caminho para a ciência, tratar a realidade teórica e prática e centra-se, geralmente, no esforço de transmitir uma iniciação aos procedimentos lógicos voltados para questões da causalidade, dos princípios formais da identidade, da dedução e da indução, da objetividade, etc.

4. RESULTADOS

A pesquisa foi desenvolvida por meio de estudos e pesquisas de forma direta sobre o tema em discussão, analisando as dificuldades que os agentes tutelados pelo artigo 217-A , em todos os seus parágrafos e incisos, sofriam antes do advento da Lei 12.015/09, abordada dentro do Código Penal como mecanismo de defesa no combate ao delito de estupro de agentes considerados vulneráveis, tornando mais complexos e explícitos a compreensão das informações, resultantes e conseqüentes da realidade estudada.

“Todo trabalho de pesquisa deve ser planejado e executado de acordo com as normas que acompanham cada método” (RICHARDSON, 1989, p. 29), Método em pesquisa significa a escolha de procedimentos sistemáticos para a descrição e explicação de fenômenos. “Desta forma, toda escolha do método se dará pela natureza do problema, bem como de acordo com o nível de aprofundamento. Segundo Diehl (2004), estes métodos são diferenciados, além da forma de abordagem do problema, pela sistemática pertinente a cada um deles.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

5.CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estupro de vulnerável é caracterizado pela conjunção carnal ou a prática de qualquer outro ato libidinoso contra menores de 14 (quatorze) anos, vítima portadora de doença mental ou que não tenha condições de oferecer resistência ao agente. O delito presente no artigo 217-A do Código Penal é classificado como um crime especial, tendo como objeto jurídico a dignidade sexual do sujeito passivo. A carga punitiva do delito em questão – oito a quinze anos de reclusão – é proporcionalmente mais rigorosa que a pena cominada para o tipo básico do estupro comum.

Predomina na jurisprudência o entendimento de que, mesmo que haja consentimento da vítima menor de 14 (quatorze) anos, a presunção da inocência não será afastada, pois a norma citada visa proteger o menor até essa idade, considerando-o incapaz de consentir. O Direito deve ser sempre capaz de acompanhar a mobilidade social e, portanto, dentro do atual contexto da sociedade não se justifica a proteção dos costumes, sendo fundamento a tutela da dignidade e liberdade sexual.

O presente trabalho teve por finalidade apresentar as alterações introduzidas no Código Penal de 1940 pela Lei 12.015/09, ao prever os chamados crimes contra a dignidade sexual e, especificamente, o delito autônomo de estupro de vulnerável. O foco principal da pesquisa foram as discussões geradas em torno do assunto, com analise da doutrina e da jurisprudência pertinentes, para que então fosse possível averiguar a verdadeira intenção do legislador ao promover esta significativa alteração.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, Senado Federal. Código penal – Decreto-lei no 2.848/1940. Brasília: Coordenação de Edições Técnicas, 2017.

BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Estatuto da criança e do adolescente. Brasília: 1990.

CAPEZ, Fernando.Curso de direito penal.Volume 1, parte geral: (Arts. 1º a 120) 15. ed., São Paulo: Saraiva, 2011.

CASTRO, Leonardo. Legislação comentada - artigo 217-a do CP. Estupro de vulnerável São Paulo. 2019. Disponível em: https://leonardocastro2.jusbrasil.com.br/artigos/121943504 /legislacao-comentada-artigo-217-a-do-cp-estupro-de-vulneravel. Data de acesso: 11/07/2019.

DEMO, Pedro. Introdução à metodologia científica. São Paulo: Atlas, 1987.

DIEHL, Antônio. Pesquisa em ciências sociais aplicadas: métodos e técnicas. São Paulo: Prentice Hall, 2004.

FREITAS, Danielli. Estupro de vulneráveis. Uma reflexão sobre a efetividade da norma penal à luz da presunção de vulnerabilidade. São Paulo: 2019. Disponível em: https://daniellixavierfreitas.jusbrasil.com.br/artigos/144316170/estupro-de-vulneraveis-uma-reflexao-sobre-a-efetividade-da-norma-penal-a-luz-da-presuncao-de-vulnerabilidade. Data de acesso: 11/07/2019.

GOMES, Luiz. O conceito de vulnerabilidade no direito penal. São Paulo: 2019. Disponível em: https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2146510/o-conceito-de-vulnerabilidade-no-direito-penal-eudes-quintino-de-oliveira-junior. Data de acesso: 11/07/2019.

NUCCI, Guilherme. Manual de Direito Penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

PIERANGELI, José. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1989.

SANTOS, Juliana. O que se entende por princípio da adequação social? São Paulo: 2019. Disponível em:  https://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/121928188/o-que-se-entende-por-principio-da-adequacao-social?ref=serp. Data de acesso: 11/07/2019.

Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos