Estado de defesa e Covid-19:Possibilidade ou não?

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O presente artigo busca por meio de análise documental, discorrer acerca da possível instauração do Estado de defesa no Brasil, em meio a atual situação de caos vivenciada em todo o mundo, além da crise política e institucional.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2.A ANÁLISE JURÍDICA DA SITUAÇÃO. 3. A CONSTITUIÇÃO E A DEFESA DA ORDEM NACIONAL. 4. ESTADO DE DEFESA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. 5. ESTADO DE DEFESA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. 6. A ATUAL CONJUNTURA POLÍTICA DO BRASIL E O QUE UMA POSSÍVEL INSTAURAÇÃO DO ESTADO DE DEFESA PODERIA CAUSAR. 7.CONCLUSÕES

RESUMO: O presente artigo busca por meio de análise documental, discorrer acerca da possível instauração do Estado de defesa no Brasil, em meio a atual situação de caos vivenciada em todo o mundo, além da crise política e institucional que vem sendo gradativamente agravada. O ponto de partida desse debate é a maneira como vem sendo tratada a Pandemia em meio a uma crise social e política instaurada no atual governo. Tendo em vista, que vem sendo marcado por escândalos políticos. Nesse aspecto, é de extrema relevância observar as condições no âmbito político, social e sanitário para a instauração de um possível estado de exceção em um país. Deste modo, buscamos trazer elementos que nos transportam a um pensamento sobre esse cenário de incerteza quanto às possibilidades ou não de um estado de defesa, bem como refletir e ponderar acerca da conjuntura contemporânea. Diante deste contexto, percebemos a magnitude e complexidade do Estado de Direito, que pressupõe, consolida e, ao mesmo tempo está sujeito e submetido a ele, deve acima de tudo respeitá-lo pois daí sobrevém a ordem política e jurídica de todo o Estado Democrático.       

Palavras-chave: Estado de Defesa; Estado; Covid-19.

ABSTRACT: This article seeks, through documentary analysis, to discuss the possible establishment of the State of Defense in Brazil, in the midst of the current situation of chaos experienced throughout the world, in addition to the political and institutional crisis that has been gradually aggravated. The starting point of this debate is the way in which the Pandemic has been treated in the midst of a social and political crisis brought about by the current government. Given that it has been marred by political scandals. In this regard, it is extremely important to observe the conditions in the political, social and health spheres for the establishment of a possible state of exception in a country. Thus, we seek to bring elements that transport us to thinking about this scenario of uncertainty as to the possibilities or not of a state of defense, as well as reflecting and pondering about the contemporary situation. In this context, we perceive the magnitude and complexity of the Rule of Law, which presupposes, consolidates and, at the same time, is subject to and submitted to it, must above all respect it, because from there comes the political and legal order of the entire Democratic State .

Key-words: State of Defense; State; Covid-19.

  1. INTRODUÇÃO

A pandemia do Coronavírus, Covid-19, desencadeia questões importantes à sociedade e emergem questões técnicas em todas as áreas, seja saúde, política, judiciária, assistencial, com vistas ao conhecimento da história natural da humanidade.

O apoio das produções científicas para uma reflexão crítica dos fenômenos e contextos passa por questões fundamentais de repercussões nos diferentes contextos sociais, econômicos, culturais e políticos.

O fundamento científico é essencial e um aspecto indispensável para analisar criticamente os fatos no universo jurídico, pois o Direito cumpre um papel importante como fonte de reflexões sobre os efeitos presentes e futuros das injustiças, dando alicerce para a construção de um pensamento firme e uma prática coesa.

Nesse sentido, o período contemporâneo de pandemia traz ao direito o protagonismo de inferir em vários contextos na sociedade tendo a habilidade democrática de discernir um horizonte sem hostilidade e com capacidade para tomada de decisão.

O Estado de defesa, garantido na Constituição brasileira de 1988, tem como um dos objetivos a garantia da paz social e de restabelecer a ordem pública caso necessário, dito isso o presidente em exercício necessita do apoio do congresso nacional para homologar tal situação. É perceptível que o aumento de poder no executivo e a perda de direitos civis causam um desequilíbrio social, geralmente já existente e eclodido, mudando assim as características de um estado democrático de direito.

Neste artigo, visa-se comentar e apontar particularidades que demonstram ou não uma possível necessidade do estado de defesa no Brasil devido a pandemia da covid-19. O ponto de gatilho para esse debate, são os diversos segmentos na sociedade que pautam essa estratégia como uma possibilidade de mecanismo para ser utilizada.

Ademais, é próprio mencionar que não tão distante o Brasil passou por um período de intervenção militar e só com a Constituição de 1988 voltou a ser um Estado democrático sendo repudiada qualquer tipo de intenção ou menção ao retorno a época de obscuridade nacional.

A abordagem metodológica para a escrita deste artigo foi adotada na base de pesquisa bibliográfica exploratória, descritiva e explicativa a autores renomados, bem como clássicos da literatura jurídica, por meio de análise documental em websites e livros, para endossar o viés teórico deste tema.

Deste modo, buscamos trazer elementos que nos transportam a um pensamento sobre esse cenário de incerteza quanto às possibilidades ou não de um estado de defesa, bem como refletir e ponderar acerca da conjuntura contemporânea.

  1. A ANÁLISE JURÍDICA DA SITUAÇÃO

O cenário global, vem sendo marcado, no decorrer do último ano, pela pandemia do então conhecido COVID-19.

Como enuncia Ventura e Silva:

Uma pandemia pode ser definida como um fenômeno patológico que alcança simultaneamente um grande número de pessoas, numa zona geográfica muito vasta. A diferença entre pandemia e epidemia é que, embora ambas consistam num forte aumento de casos de uma dada enfermidade, a dimensão da pandemia é maior, seja por sua propagação territorial, seja pela gravidade das ocorrências, o que resulta em número expressivo de casos severos ou mortes (VENTURA e SILVA: 2008, p.280).

Esta é a atual situação vivenciada no Brasil mediante a pandemia do Coronavírus. Hodiernamente, podemos dizer com propriedade que estamos vivenciando uma situação de caos instaurado.

 No que tange o âmbito jurídico, a pandemia por si só representa a restrição de direitos. Com a quarentena adotada, tem se privado as pessoas de sua liberdade para que deste modo possam garantir seu bem jurídico mais relevante, a vida.

A Lei nº 13.979/2020 que versa sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública em decorrência do coronavírus entrou em vigor para regular as medidas que estavam e as que ainda seriam tomadas pelo Ministério da Saúde. Em seu art. 3º dispõe que para enfrentamento da emergência de saúde pública, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, ações como: Isolamento; quarentena; o uso obrigatório de máscaras; restrição excepcional e temporária, por rodovias, portos ou aeroportos, dentre outras.

            As providências que vêm sendo tomadas na esfera dos três poderes ao longo do caos instaurado pela pandemia mostram-se, demasiado insuficientes para interromper a desenfreada contaminação do vírus. O LOCKDOWN adotado por alguns Estados não é respeitado por grande parte da população.

Em face disso, o governo brasileiro não vem adotando medidas mais eficazes a nível Federal, levando-nos a refletir sob uma possível omissão de medidas necessárias à situação atual. Ora, existe ainda a possível co-culpabilidade estatal em face de não cooperação dos cidadãos.

A lei nº 1.079/50 que versa sobre os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento, em seu artigo 4º elenca as possíveis causas que podem desencadear o chamado crime de responsabilidade por parte do nosso chefe de Estado. Entre elas estão os incisos IV e V que atentam contra a segurança interna do país e a probidade na administração.

 Além disso, a definição é igualmente presente no rol do art. 85 da Constituição Federal:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I - a existência da União;

II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV - a segurança interna do País;

V - a probidade na administração;

VI - a lei orçamentária;

VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Destarte, a Constituição Federal determina que, caso haja, o Presidente da República será processado e julgado perante o Senado Federal, após admitida a acusação pela Câmara dos Deputados.

Inclusive, no momento que estamos a escrever o presente artigo, tem-se em curso no Senado Federal uma CPI sobre a COVID-19 para apurar eventuais desmandos existentes no curso da pandemia, especialmente quanto a compra de imunizantes contra o coronavírus, cuja finalização ainda não ocorreu.

  1. A CONSTITUIÇÃO E A DEFESA DA ORDEM NACIONAL 

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, é garantidora do Estado Democrático de Direito. Partindo de um viés Jurídico, haja vista que o Brasil é um Estado de Direito, portanto, é um Estado no qual os conflitos de interesses são resolvidos por intermédio da lei, de modo que esta representa, contudo, uma limitação aos poderes estatais.

 De acordo com os dizeres de Kelsen:

O Estado é, como entidade metajurídica, como uma espécie de poderoso macro-anthropos ou organismo social, pressuposto do Direito e, ao mesmo tempo, sujeito jurídico que pressupõe o Direito porque lhe está submetido, é por ele obrigado e dele recebe direitos. (KELSEN,2009. p. 315)

Meta jurídica, pois, representa a criação do Direito em seu escalão mais elevado, haja vista que, a Constituição ocupa o ápice de todo o ordenamento jurídico. A Constituição, na visão exímia de Hans Kelsen ocupa o topo da pirâmide normativa, sendo esta, o centro de sua célebre teoria.

De acordo com Moraes (2020) “Significa que o Estado se rege por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais”.

Deste modo, a participação de todos os cidadãos na vida política do país, consolida o respeito à soberania popular. Portanto, o estado Constitucional é um estado democrático e de direito, que garante a legitimação e limitação do poder. Assim preconiza José Afonso da Silva:

O Estado Democrático se funda no princípio da soberania popular que impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública, participação que não se exaure, como veremos, na simples formação das instituições representativas, que constituem um estágio da evolução do Estado Democrático, mas não o seu completo desenvolvimento. (SILVA,2OO7, p.66).

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Portanto, a Constituição cidadã garante a todo o povo brasileiro além dos princípios e garantias fundamentais já mencionados a defesa da ordem nacional, este último expresso no art. 136 da CF/88 denominado de Estado de defesa, caracterizado como medida excepcional de garantia da ordem estatal em situações de cunho excepcional. 

Diante deste contexto, percebe-se a magnitude e complexidade do Estado de Direito, que pressupõe, consolida e, ao mesmo tempo está sujeito e submetido a ele, deve acima de tudo respeitá-lo pois daí sobrevém a ordem política e jurídica de todo o Estado Democrático. Conquanto, Kelsen reitera que Estado de Direito e Estado são termos redundantes, tendo em vista que “Se o Estado é reconhecido como uma ordem jurídica, se todo Estado é um Estado de Direito, essa expressão representa pleonasmo”. 

Considerando-se que infortunadamente nem sempre estamos vivendo tempos de paz e tranquilidade e, analisando as possíveis necessidades do Estado Brasileiro, a Constituição Federal Brasileira de 1988 dispõe em seu texto de artigos específicos para a manutenção da defesa nacional tanto em tempos de paz, como em tempos de guerras, conflitos e situações de grande calamidade ocasionadas por força da natureza. Essas disposições estão expressas ao longo dos art. 136 a 144.

O Estado de Defesa é tido como uma das duas medidas excepcionais previstas pela Constituição Federal para a instauração da ordem no Estado em meio a situações anormais. Essas medidas podem suspender, caso seja necessário, algumas garantias constitucionais, por determinado tempo e lugar específicos. Podendo ademais, ser ampliada a manifestação de poder repressor do estado, este, justificado pela gravidade da situação e a busca do restabelecimento da normalidade constitucional. Logo, o escopo do Estado de Defesa é sempre o retorno ao status quo ante a volta da normalidade do Estado Brasileiro. Esta medida excepcional está expressamente disposta no caput do art. 136 da CF/88.

De acordo com José Celso de Mello Filho:

A preservação da intangibilidade do ordenamento e da autoridade do Estado, ameaçados por situações de crise político institucional ou social, constitui o objetivo específico desses instrumentos jurídicos postos à disposição do Poder Executivo federal. As regras constitucionais em análise instituem direitos públicos subjetivos deferidos ao Estado, que geram, no âmbito da sociedade civil, o status subjectionis, complexo de relações jurídicas que impõem às pessoas deveres, prestações e encargos, a serem por elas cumpridos e observados em benefício da organização estatal. A excepcionalidade dos mecanismos constitucionais de defesa do Estado torna necessariamente transitório o exercício dos poderes extraordinários de que o Executivo, por autorização constitucional, se investe. O status subjectionis, gerado por tais mecanismos, afeta, de modo substancial, o regime das liberdades públicas.

Acrescente-se que, os mecanismos preconizados pela Constituição Federal de 1988, desde sua implementação, visam proporcionar de boa fé a ordem pública, entretanto, deve-se ater ao devido cuidado e a ponderação dos princípios constitucionais, a cargo de evitar possíveis tentativas de favorecimento político.

  De acordo com a afirmação de Alexandre de Moraes, a acuidade dessas medidas exige o irrestrito cumprimento de todas as hipóteses e requisitos, sob pena de responsabilização política, criminal e civil dos agentes políticos, que nesse caso são considerados usurpadores.

  1. ESTADO DE DEFESA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

Para Moraes (2003), o fundamento constitucional para a instauração do estado de defesa está lastreado na regra inserta no art. 136, caput.  Integra o chamado sistema Constitucional das crises. Vale ressaltar que o referido sistema é constituído pelas chamadas medidas de exceção, pressupostos de sua instauração, além de seus efeitos.  Dentro deste sistema devem ser observados alguns princípios, estes devem ser trabalhados, sem ressalva, à luz da Constituição. Estes são os princípios da excepcionalidade, da necessidade e da temporariedade. De acordo com Bernardo Gonçalves, a obediência estrita à Constituição também faz parte desse rol de princípios. 

Como preconiza Carneiro (2020):

Embora a Constituição explicite apenas o Estado de Defesa e o Estado de Sítio, bem como a intervenção de um ente político em outro como ocasiões a se verificar crises, os fundamentos que as propiciam se coadunam com os observados no Estado de Calamidade Pública[...] Assim, a COVID-19 acarretou, ao Brasil, sua entrada no Sistema Constitucional de Crises, que possui como vetores, em destaque, a excepcionalidade, a temporalidade, a proporcionalidade/necessidade e a observância estrita à Constituição.

Como anteriormente mencionado, o Estado de Defesa, está previsto no artigo 136. Refere-se à adoção de medidas de cunho emergencial que interferem diretamente em determinados Direitos fundamentais dos cidadãos, os direitos atingidos estão dispostos expressamente na CF/88.

 É decretado pela competência constitucional do Presidente da República no art. 84: “Compete privativamente ao Presidente da República: IX - decretar o estado de defesa e o estado de sítio”.

Este, o único com autoridade para tanto; sendo, entretanto, necessária a concordância do congresso nacional por meio de votação, com os votos obtidos da maioria absoluta. Sendo assim, é de extrema relevância ressaltar, que caso o Congresso Nacional esteja em recesso, será convocado extraordinariamente, no prazo de cinco dias. Consoante José Afonso da Silva, o estado de defesa é uma situação em que se organizam medidas destinadas a debelar ameaças à ordem pública ou à paz social.

            Os fundamentos para a instauração de um possível estado de Defesa podem ser de fundo ou de forma.  As conjecturas de fundo do estado de defesa são: a existência de grave e iminente instabilidade institucional que ameace a ordem pública ou a paz social, a manifestação de calamidade na natureza que ameace a ordem pública e a paz social. Em relação aos pressupostos formais do estado de defesa, estes são o Decreto do Presidente da República, a prévia manifestação dos Conselhos da República e de Defesa Nacional, o seu tempo de duração e os controles tanto políticos como jurisdicionais.

            No que concerne ao Conselho Nacional, o art. 94 preceitua que o Conselho de Defesa Nacional é órgão de consulta do Presidente da República nos assuntos relacionados com a soberania nacional e a defesa do Estado democrático, e dele participam respectivamente o Vice-Presidente da República; os Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal;  os Ministros da Justiça, de Estado de Defesa, das Relações Exteriores e o do Planejamento; os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.

O Estado de defesa tem por finalidade preservar ou restabelecer a ordem pública ou a paz social que estejam sendo ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou calamidades de grande proporção causadas por força da natureza. O Decreto para sua instauração deverá cumprir todos os requisitos pré-estabelecidos na constituição. O dispositivo é claro, em seu parágrafo 1º dispõe que: “O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem [...]”.

 Consequentemente, o Estado de defesa impõe algumas limitações a direitos, como evidenciados no inciso I que dispõe de restrições aos direitos de reunião, sigilo de correspondência e sigilo de comunicação telegráfica ou telefônica.

Outrossim, também é possível a ocupação e uso temporário (nos casos de calamidade pública) dos bens e serviços públicos, sendo estes custeados pela União, em conformidade com o inciso II.

Salienta-se ainda no §2º do artigo supracitado que o tempo de duração do estado de defesa não poderá ser superior a 30 dias, podendo ocorrer sua prorrogação caso ainda seja inescusável ainda persistindo os motivos que desencadearam sua instauração por apenas mais 30 (trinta) dias.  Consequentemente, o lapso temporal de duração estipulado pela Constituição Federal é de, não mais que 60 dias.

Destarte, como anota LENZA (2012, p.922) “nos termos do art. 141, caput, cessado o estado de defesa, cessarão também seus efeitos, sem prejuízo da responsabilidade pelos ilícitos cometidos por seus executores ou agentes.

Vale ressaltar também que a Constituição Federal expressa no §1º do art. 60 que durante a vigência do Estado de Defesa a Constituição não poderá ser emendada do mesmo modo que não o poderá fazer durante a vigência de intervenção federal, ou de estado de sítio. Esta é mais uma forma de garantia de limitação do poder estatal que versa sobre impedir que essas medidas excepcionais transformem-se em estados autoritários, tendo em vista a fragilidade política e social da situação que está sendo vivenciada.

  1.  ATUAL SITUAÇÃO DO BRASIL EM MEIO A PANDEMIA DO COVID-19

Estamos vivendo em meio a um cenário completamente atípico, não imaginaríamos que o coronavírus da COVID-19 tomaria proporções tão gigantescas ao ponto de transformar-se em uma pandemia mundial.

Com base em dados divulgados recentemente pelo boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, o Brasil até o dia 3 de abril de 2021 vinha ocupando o segundo lugar no ranking mundial de países com a maior quantidade de casos de coronavírus, atrás apenas dos Estados Unidos.

O Brasil tem hoje mais de 19.000.000 (dezenove milhões) de casos confirmados desde o início da pandemia, e mais de 540.000 (Quinhentos e quarenta mil) óbitos, o que corresponde a uma taxa de 365,1 óbitos/1 milhão de habitantes. São dados que infelizmente não param de crescer mesmo com o início da campanha de vacinação.

  Tendo em vista que o Ministério da Saúde confirmou o primeiro caso de COVID-19 no dia 26 de fevereiro de 2020. De acordo com os dados divulgados ao Ministério da Saúde pelas secretarias de saúde dos estados e municípios desde o primeiro caso no dia 26 de fevereiro de 2020 a 3 de abril de 2021, confirmaram cerca de  12.953.597 casos e 330.193 óbitos por covid-19 no Brasil. Em suma, deve-se observar que o COVID-19 é uma enfermidade que se propagou a nível mundial e adentrou ao status de doença causadora da pandemia , um estado em que uma determinada enfermidade ou patologia se propaga por todo o globo contaminando milhões de pessoas , como cita  a OMS ( organização mundial de saúde). Sendo assim, tal vírus proporcionou uma grave situação de crise sanitária ao país, além de corroborar com o caos social e uma instabilidade latente entre os poderes executivo, legislativo e judiciário.

Outrossim, o Brasil atualmente apresenta-se como um dos centros de pico mundial dessa celeuma humanitária com dados alarmantes de mortes e internações advindas do COVID-19, diante do exposto, urge a tomada medidas para solucionar a problemática. Sendo assim, o país vive atualmente um momento sem precedentes em sua história em que uma enfermidade tem uma taxa de mortalidade altíssima e a população não vislumbra um futuro próspero.

Em face a essa conjuntura, um impasse jurídico surge através da situação provocada por um problema sanitário, logo, a colisão entre Direitos fundamentais entra em cena e se destaca por opor o Direito à Liberdade diante ao Direito à Saúde. Pode-se recorrer ao ilustre Canotilho que categorizou:

De um modo geral, considera-se existir uma colisão de direitos fundamentais quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular. Aqui não estamos diante de um cruzamento ou acumulação de direitos (como na concorrência de direitos), mas perante um choque, um autêntico conflito de direitos. (CANOTILHO,1999, p. 1191)

Destarte a isso, deve-se avaliar a atual situação que perpassa o país, advinda de uma situação problemática na saúde. Portanto, medidas devem ser tomadas para resolver o impasse, todavia, tal antinomia construída pela pandemia deve ser solucionada como postulou Moraes.

Quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua finalidade precípua” (MORAES, 2016, p. 93).

Sendo assim, em que pese a atual situação vigente, o direito à saúde, se enquadra no estado de necessidade iminente que a população precisa para que se evite um dano sem precedentes no quadro hospitalar e sanitário do Brasil. Desse modo, restringir a liberdade em até certo ponto como na aplicação de lockdowns ou limitação de horários de circulação, em detrimento da saúde, pode ser uma solução necessária para que vidas possam ser salvas e o país possa se recuperar de uma situação precária e triste de sua história.

  1. A ATUAL CONJUNTURA POLÍTICA DO BRASIL E O QUE UMA POSSÍVEL INSTAURAÇÃO DO ESTADO DE DEFESA PODERIA CAUSAR

Em meio a todo esse caos consoante a pandemia, está havendo também o desencadeamento de uma crise política proporcionada pelas conflitantes decisões do presidente da república e governadores que se antagonizam em uma disputa de poder em meio ao caos social e sanitário. Mormente, a possibilidade de um Estado de defesa na atual conjuntura iria acirrar os ânimos entres os agentes políticos da nação, principalmente, pelo fato pelo fato do Supremo Tribunal Federal (STF) ter delegado aos estados e municípios a prerrogativa nas decisões do combate e enfrentamento da pandemia em seus respectivos territórios.

Diante deste cenário, é oportuno salientar que as unidades federativas tomaram decisões como o lockdown e o isolamento social para evitar a propagação do vírus, diferindo da tomada de decisões do chefe do executivo nacional que optou por um viés contraditório aos dos institutos internacionais como a OMS. Destarte a isso, a instabilidade no ministério da saúde fomentou o desgaste, e a falta de medidas efetivas por parte governo propiciou que quatro ministros da saúde ocupassem o cargo nesse período de extrema calamidade.

Em face de tal conjuntura, o estado de defesa poderia ser encarado por governadores e prefeitos como uma medida autoritária cometida pelo executivo da nação, ao entrar em colisão com a decisão judicial proposta pelo supremo. Logo, as tensões políticas e jurídicas que envolvem o caso poderiam ir ao ápice pelo fato de tal estado proporcionar uma amplitude de poderes ao presidente e importunar o estado democrático de direito que deve ser respeitado.

Desse modo, um Estado de exceção não seria aceito como uma medida necessária, além de trazer à tona as marcas do momento que proporcionou o golpe de 1964. Em que pese a situação, vários juristas entendem que o momento não é adequado para a conjuntura hodierna que está devastada pela difícil situação da Pandemia, como bem salienta Elival Ramos em entrevista ao site “Jotainfo”, professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da USP:

É certo que menciona calamidade pública, mas é uma situação diferente. Imagine um tornado, algo que devaste uma parte enorme do país, em que os governos locais ficam sem poder atuar. É uma situação deste tipo, não tem nada a ver com a nossa situação, que é algo grave, mas é uma crise de saúde na qual as instituições não têm nenhum problema para funcionar a nível nacional, estadual e municipal. Então se as instituições estão funcionando, não tem nenhuma razão nem autorização constitucional para decretar o estado de defesa.

Portanto, urge, por conseguinte, uma mobilização dos poderes públicos para que opiniões como a do Procurador Geral da República Augusto Aras não se torne a realidade vigente no país, pois conforme explanou o procurador: “O estado de calamidade pública é a antessala do estado de defesa”. Sendo assim, a utilização do mecanismo do estado de defesa na atual situação só iria promover o aumento da instabilidade política que não seria benéfica para um estado assolado pelo colapso advindo do vírus que já matou milhares de brasileiros e promoveu a calamidade social e sanitária no Brasil.

Perante a isso, essa emblemática postura do executivo está em consonância com o caos social e é um assinte à saúde e ao bem estar da população brasileira que a cada dia sofre com decisões desacertadas. Portanto, é inevitável pontuar que a instauração de um estado de defesa mediante a conjuntura hodierna deve ser descartada, principalmente, pela incompatibilidade jurídica, mas também pela instabilidade política nacional e a falta de habilidade e eficiência do Presidente da República para tomar medidas eficazes para combater essa lamentável situação advinda do COVID-19. 

Em face desse dilema, a aplicabilidade de um possível estado de defesa é uma decisão que não deve ser considerada ao atual momento, entretanto, uma articulação planejada e baseada em dados científicos deveria ser utilizada pelo Governo federal, com o intuito de combater o vírus com eficiência. Mormente, um estado de exceção não iria corroborar com a atual situação, principalmente, pelo fato do estado de defesa ser delimitado a um local restrito e determinado.

Outrossim, falta ao governo federal um política de parceria com os estados e municípios para viabilizar um projeto interministerial com a finalidade de  promover demandas em diferentes termos, logo, pelo fato de ser o Brasil um país de dimensões continentais tal projeto poderia viabilizar recursos  e insumos diante da realidade vigente de cada região. Contudo, o chefe do executivo nacional não propôs tais relações de modo a polemizar o assunto e a culpar governadores e prefeitos pelo caos sanitário que o próprio governo federal ajudou a instaurar.

Isso nos lembra a questão da co-culpabilidade estatal mencionada anteriormente no que tange a pandemia. A atual conjuntura comprova quão foi a falta de atuação estatal no início da pandemia, o quanto nosso chefe de governo negligenciou até onde pode os indícios de um caos iminente, caracterizando assim sua parcela de culpabilidade nas consequências hoje vivenciadas.

Portanto, tais aspectos elencados preconizam evidenciar uma postura contraditória e ineficaz do poder executivo, tal enfoque vislumbra o terrível momento que enfrenta o estado Brasileiro e de como o Presidente da República foi omisso e negligente ao fomentar políticas públicas de baixa efetividade fazendo perdurar e potencializar um vírus que ceifou a vida de milhões de brasileiros.

7.CONCLUSÕES

Diante do exposto, o presente artigo vem afirmar que não seria, atualmente, possível e nem ao mesmo preferível a instauração de um Estado de Defesa, ao passo que, ao analisar a conjuntura política e social vivenciada no país, constata-se a iminente desestruturação política e a confusão institucional. Devemos, portanto, evitar esse tipo de intervenção que tornaria a situação do país ainda mais instável.

Urge ressaltar que o estado brasileiro tem mecanismos necessários para enfrentar essa pandemia sem entrar na seara dos estados de exceção, a exemplo da intervenção federal nos estados membros que não estejam implementando políticas públicas de combate e enfrentamento da pandemia do COVID-19.

A problemática hodiernamente discutida é como resolver essa situação de crise econômica, sanitária, social e política atentando para o fato de não terem sido tomadas as devidas e necessárias providências no início da pandemia. A protelação temporal, falta de investimento, logo de início, em vacinas, falta de medidas mais efetivas de lockdown, nada mais fez do que tornar a situação atual mais crítica.

Em suma, arguir em defesa dos chamados “estados de exceção" mesmo os que não sejam tão ‘restritivos’ como por exemplo o estado de defesa, é um risco que se deve evitar, após a análise das circunstâncias, por se só, trariam um desfecho ainda mais catastrófico para o atual estado pandêmico existente, além de canalizar para interesses político-partidários mesmo diante da situação de calamidade pública sanitária que vivemos.

Espera-se que ocorra como na canção do Jota Quest retrata: dias melhores pra sempre...

Que assim seja!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

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Sobre os autores
Dijosete Veríssimo da Costa Júnior

Professor Adjunto da UERN. Especialista em Direito Processual Civil pela UnP. Mestre em Direito pela UFRN. Doutorando em Direito pela UFPR. Procurador Legislativo Municipal. Advogado militante.

Erick Alexssandre Sales da Silva

Estudante do Curso de Direito da UERN Natal.

Flávia Nayara Lins Rodrigues

Estudante do Curso de Direito da UERN Natal.

Thiago Wagner Chagas Gomes

Estudante do Curso de Direito da UERN Natal.

Informações sobre o texto

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