(IN)APLICABILIDADE DA TEORIA GERAL DA IMPREVISÃO NOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA

23/07/2021 às 16:08
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Através do presente artigo, tem-se por objetivo debater a respeito dos princípios fundamentais que regem os contratos particulares, e, neste sentido, arguir questionamentos a respeito da aplicabilidade do pacta sun servanda, em tempos instáveis.

  1. Introdução

O Contrato, em especifico, é regido por inúmeros padrões e normas perante a sociedade e seus contraentes. Tal expressividade é percebida em tempos, visto que o Estado sempre na tentativa de regulamenta-la promove medidas inerentes a cada século.

Neste sentido, o contrato está presente em todos os lugares, visto a relação jurídica que é imposta, ou seja, surgem obrigações e deveres, mediante contraprestação ou não. A séculos o contrato vem sendo utilizado para harmonia entre particulares, mas também perante a sociedade, como exemplo podemos citar as normas impostas por diversas codificações ao longo da história.

Para entendimento do instituto “contrato”, devemos observar parâmetros sociais, visto a existência de obrigações durante o passar do tempo. Neste sentido, indo ao encontro da essência do sociólogo Emille Durkhein, os contratos são fundamentais para uma sociedade, visto que cada indivíduo possui personalidades distintas, e se caso não fosse assim, o indivíduo estaria próximo a um animal, sempre tomando e perdendo algo para o outro humano.

1.1 Do Controle Estatal

Utilizando como analogia, o contrato social, onde se estabelece vínculos de deveres e obrigações perante Estado e Sociedade, podemos notar-se a utilização de controle jurisdicional, em sociedades antepassadas por meio das regras e normas que regeram a harmonia social, como exemplo o Código de Hamurabi, sendo um conjunto de leis criadas pelo sexto rei da Suméria Hamurábi, da primeira dinastia babilônica, no século XVIII a.C, na Mesopotâmia, tal codificação utilizava a lei de talião, ou lei da retaliação, para a resolutiva de questões entre particulares, ou seja, a famosa frase “olho por olho, dente por dente”.

A codificação, mesmo sendo lembrada, nos dias atuais, incisivamente pelo seu caráter “bárbaro”, esculpia, em escrita cuneiforme, fatos atuais, utilizando-se da teoria da imprevisão, pois em alguns casos estava expresso o dever de agir, observando tal dever, insta salientar o seguinte regramento, vejamos:

“Se alguém tiver um débito de empréstimo e uma tempestade prostrar os grãos ou a colheita for ruim, ou os grãos não crescerem por falta d’água, naquele ano a pessoa não precisa dar ao seu credor, dinheiro algum. Ele deve lavar sua tábua de débito na água e não pagar aluguel naquele ano”.

Observamos que apesar das questões fatídicas, onde a punibilidade quase sempre é a morte, notamos os primórdios da teoria da imprevisão, visto que na norma descrita o fato superveniente (tempestade, colheita ruim, falta de d’água) é claro, e utilizando implicitamente do princípio da imprevisão o devedor, por suportar todos os ônus advindos do fato supervenientes, não será onerado em dobro.

1.2A Influência do Contrato Social

Vislumbramos a magnificência da evolução contratual e seus princípios, visto que ao longo dos séculos, aprimoramos, ainda mais, as relações particulares, quanto as relações públicas, levando ao debate questões primordiais e especificas que somente o tempo nos propiciará.

Os contratos, de uma forma geral, estão notadamente buscando o equilíbrio social e comum acordo para que um certo fim seja alcançado. Como exemplo o contrato social, entabulando o momento em que o ser humano deixa de existir em seu estado de natureza e passa a se destacar de seu estado a quo e estabelecer suas próprias leis, costumes, costumes e uma série de sistemas para tornar a convivência mais harmoniosa, e neste sentido o desenvolvimento das mais antigas civilizações, de forma exponencial, crescem perante o tempo, objetivando a harmonia e a função social.

A relação contratual, transcende a relação particular, incidindo na esfera pública, tentando entender a relação entre o Estado e o homem, conforme dito alhures, a busca pela harmonia social é veemente, tentando a compreensão de pensamentos e ideias coletivas, que foram explanadas incisivamente no século XVII, com os denominados “Contratualistas”, sendo compostos, inicialmente, por Thomas Hobbes, John Locke e Jean Jacques Rousseau.

Thomas Hobbes, filósofo, teórico político e matemático, um dos principais expoentes do pensamento contratual, autor do livro Leviatã e de diversas obras onde versa sobre as questões políticas, defendendo seu estilo de vida, a monarquia. Onde em sua essência contratual, o método a ser utilizado seria uma solução para a coexistência pacífica, na qual para a coexistência pacífica, a humanidade abriria mão da liberdade para obter a paz na vida social, acreditando que o monarca pode fazer qualquer coisa para manter a ordem social. Para Hobbes, a propriedade privada não deveria existir, e a monarquia é necessária como garantia de coexistência segura.

Neste sentido, o contrato estabelecido por Hobbes seria a inibição do estado de natureza do homem, onde o filosofo expressava uma visão pessimista do homem em seus estados a quo, onde tal estado natural seria o egoísmo, podendo vir a eclodir guerras permanentes e constantes, visão esta observada em meio as várias guerras acontecendo na Inglaterra no período de vida do filosofo.

Em um contra ponto, ao filosofo supracitado, John Locke (1632-1704), o pai do liberalismo e fundador do empirismo, se enquadrava em uma visão positiva da análise do indivíduo em seu estado de natureza, no qual é possuidor natural da propriedade, em uma visão liberal, não somente o domínio de propriedade, mas engloba o corpo, a vida, a liberdade, a capacidade de trabalho e seus bens, considerando-os direitos naturais.

Neste sentido, o filosofo acredita que o Contrato Social é livremente firmado pelas partes, e o surgimento do Estado para Locke, é para garantia desses direitos naturais por parte de uma instituição. Logo, podemos visualizar a clara ideia de que a legitimidade do poder reside na proteção da propriedade.

Destoando dos demais pensadores supra mencionados, o filosofo Jean-Jacques Rousseau, estuda com base no estado de natureza harmônico do indivíduo, onde vislumbra a harmonia e abundância pelo fato de haver igualdade, liberdade e de o humano se configurar como um ser coletivo, o qual realiza decisões de forma conjunta, elevando o Contrato Social como um processo denominado de restituição coletiva, que seria a transição do estado de natureza para a sociedade civil.

E nesta transição, mantinha-se o estado natural, que para o filosofo se enquadrava em um espectro positivo, porém a sociedade corrompia o estado de natureza do indivíduo, sendo necessário a instituição da justiça e a paz, para submeter-se igualmente o poderoso e o fraco, em busca da concórdia eterna entre as pessoas que conviviam em sociedade.

Neste sentido, os variados tipos de contrato são vinculados a tempos históricos, como exemplo o contrato feudal, que unia o servo ao senhor, que para fazer fé e homenagem, ajoelhava-se o servo e punha suas mãos nas mãos do senhor, e lhe prometia fidelidade. A mesma prática, se encontra nos dias atuais, mas através do casamento na igreja católica, em que pela junção das mãos os noivos prometem o casamento um ao outro.

Portanto, várias são as transformações pelas quais os contratos foram passando até ser o que se verifica atualmente. O desenvolvimento das trocas e a frequência, no diapasão das próprias flexibilizações jurídicas, a fim de poder tomar a forma da vida social.

2. A OBRIGAÇÃO CONTRATUAL

A obrigatoriedade contratual versa sobre as relações jurídicas sinalagmáticas existentes entre credor e devedor. Obrigação nada mais é que, um vínculo jurídico por meio do qual o sujeito passivo se compromete a cumprir determinada prestação com o sujeito ativo. Logo, surge uma obrigação, podendo ser positiva ou negativa, em face do outro.

Para ALVÁRO VILLAÇA AZEVEDO, no artigo Teoria Geral das Obrigações:

Obrigação é a relação jurídica transitória de natureza econômica, pela qual o devedor fica vinculado ao credor, devendo cumprir determinada prestação positiva ou negativa, cujo inadimplemento enseja a este executar o patrimônio daquele para satisfação de seu interesse. (Teoria das Obrigações, 8. ed. São Paulo: RT, 2000).

A obrigação possui caráter transitório, visto que, não se enseja eternidade. Logo, nasce com um objetivo, e quando finalizado, extingue-se a obrigação, assim, satisfeito o credor, amigavelmente ou judicialmente a obrigação deixa de existir.

O princípio da obrigatoriedade dos contratos não pode ser violado perante dificuldades comezinhas de cumprimento, por fatores externos perfeitamente previsíveis. O contrato visa sempre a uma situação futura, um porvir. Os contratantes, ao estabelecerem o negócio, têm em mira justamente a previsão de situações futuras.

A imprevisão que pode autorizar uma intervenção judicial na vontade contratual é somente a que refuge totalmente às possibilidades de previsibilidade. Vemos, portanto, que é fenômeno dos contratos que se protraem no tempo em seu cumprimento, e é inapropriada para os contratos de execução imediata.

2.1 Do Pacta Sun Servanda

O princípio da obrigatoriedade dos contratos, visto fazer-se regra entre as partes, é amplamente conhecido, visto os deveres e obrigações inerentes as modalidades contratuais. Tomando forma com o Renascimento, por volta de 1500, tal princípio tomou forma, visto o crescente contato com sociedades diversas, durante as grandes navegações.

Neste sentido, o princípio da obrigatoriedade dos contratos, que deriva da máxima pacta sunt servanda, impõe às partes o cumprimento da obrigação ou adimplemento, que conforme Carlos Roberto Gonçalves, fundamenta-se, vejamos:

“a necessidade de segurança nos negócios, que deixaria de existir se os contratantes pudessem não cumprir com a palavra empenhada, gerando a balbúrdia e o caos; b) a intangibilidade ou imutabilidade do contrato, decorrente da convicção de que o acordo de vontade faz lei entre as partes, personificada pela máxima pacta sunt servanda (os pactos devem ser cumpridos), não podendo ser alterado nem pelo juiz. (GONÇALVES, 2012, p. 49).”

Tal princípio é um dos pilares essenciais para o mantedor da segurança jurídica, protegendo as partes e seus atos, até a finalíssima contratual, ou seja, o Direito e, em especial, o direito das obrigações impõem deveres de conduta. Esses deveres que nos são impostos resultam de um dever geral de conduta segundo o Direito e os bons costumes ou de obrigações voluntariamente contraídas, emanadas de contratos. Há situações em que a existência de um contrato resulta bem clara: na compra e venda, no mútuo, na locação, por exemplo, ficam bem caracterizados os direitos e deveres do comprador e vendedor, mutuante e mutuário, locador e locatário.

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2.2 A Função Social

O “Código Civil” de 2002 (ou seja, a Lei nº 10.406 / 2002) estabeleceu a função social como princípio público emergente, diferente do anterior “Código Civil” (Beviláqua), que prioriza o individualismo e o hereditário. Com a promulgação da “Constituição Federal” em 1988, devido às crescentes exigências do Estado sobre o direito privado, a eterna dicotomia entre direito público e direito privado quase não existe mais.

Tal princípio visa atender os interesses gerais, visto que a função social dos contratos detém o escopo de proteger a dignidade da pessoa humana, seja na dimensão individual ou coletiva, conforme o doutrinador Carlos Roberto Gonçalves explana, vejamos:

“A concepção social do contrato apresenta-se, modernamente, como um dos pilares da teoria contratual. Por identidade dialética guarda intimidade com o princípio da “função social da propriedade” previsto na Constituição Federal. Tem por escopo promover a realização de uma justiça comutativa, aplainando as desigualdades substanciais entre os contraentes”[1]

Portanto, cumulando o entendimento supra, com o princípio da socialidade, onde reflete a prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, sem a perda, dos valores fundamentais da pessoa humana, buscando a origem e o escopo que se pretende buscar com a inclusão da socialidade e, em especial, da exaltação da função social no Código Civil atual, deve-se observar parâmetros de equilíbrio contratual, para não denegrir terceiros(sociedade) nas relações firmadas.

2.3 O Princípio da Boa-Fé

Tal princípio, apesar de difundidos questões iniciais no direito romano, fora codificado no ordenamento jurídico francês, por Napoleão Bonaparte, em 1804. Anteriormente, a boa-fé, na idade média, influenciada pelo direito canônico, confere tal princípio uma carga ética que se equiparava à ausência de pecado. Neste sentido, os benefícios da boa-fé somente eram concedidos àqueles que tivessem conservado desde a fase inicial até o momento em que a invocassem.

Apesar da carga principiológica, tal princípio se desenvolveu de forma plena e influente a partir da entrada em vigor do Código Civil Alemão (Burgerliches Gesetzbuch - BGB), em 1900, diferenciando a boa-fé subjetiva e a boa-fé objetiva.

  • Boa – fé Subjetiva: A boa vontade subjetiva se reflete no estado psicológico de uma pessoa, incluindo o conhecimento da justiça e legitimidade de seu comportamento ou sua ignorância perdoável de anti-legalidade, que é extremamente importante na construção de questões de propriedade e a teoria da representação. É a isso que Alípio Silveira [06] chama de boa-fé, enquanto Fábio Ulhôa Coelho[2] a define como "boa em expressar o que acredita e acreditar no que diz". Portanto, ele agiu de maneira sincera e, diante de circunstâncias específicas, acreditou estar diante de uma situação de lei e ordem.[3]

  • Boa – fé objetiva: A honestidade objetiva é um princípio geral que restringe o exercício de direitos subjetivos ao inserir as regras de comportamento a serem seguidas pelos contratantes, e ainda como método de interpretação, um princípio geral que acaba de definir o conteúdo objetivo do negócio jurídico. Interpretar a declaração da vontade de ajustar a relação jurídica às funções econômicas e sociais de cada caso particular.

Neste sentido, o ordenamento jurídico brasileiro moderno traz a boa-fé como fator basilar de interpretação, avaliando-a tanto na responsabilidade pré-contratual, como a responsabilidade contratual e pós-contratual.

Portanto, para uma análise mais ampla, no aspecto pactual dos contratantes, deverá ser levadas as condições em que o contrato foi firmado, o nível sociocultural dos contratantes, seu momento histórico e econômico e a interpretação dada a vontade contratual, para se estabelecer o princípio da boa-fé.

3. CONTRATO DE LOCAÇÃO

3.1 Origem

O conceito de locação sofreu diversas alterações ao longo da história, e adaptou-se ao desenvolvimento da sociedade. Em primeiro lugar, no final da Primeira e da Segunda Guerra Mundial, era perceptível que muitas pessoas ficaram desamparadas e desabrigadas, e, consequentemente, estavam invadindo imóveis sob alegações de que ali residiam e que haviam firmado contrato de locação com o dono do Imóvel. Porém, nada havia sido ajustado entre as partes. Os governos, diante deste problema, não apresentavam soluções imediatas para regularizar a situação.

Um incidente muito semelhante ocorreu em Portugal após o golpe militar de 1974, onde algumas pessoas, com o término da revolução, adentraram em terras chamadas devolutas, utilizando como moradia. Essas "invasões" são chamadas de ocupações selvagens.

Os romanos formularam três tipos de contratos baseados em um único conceito, ou seja, comportamento territorial: locatio conductio rerum (locação de coisas), locatio conductio operarum (locação de serviços) e locatio conductio operis (empreitada). Sob essa influência, muitas leis e regulamentos do século passado, incluindo o Código Civil Brasileiro de 1916, apoiaram tal conceito.

Logo, chegaram à conclusão de que, o sistema é baseado em teorias e especificações atuais e podem definir automaticamente serviços, mão de obra, contratos, agência e o termo locação é usado apenas para definir contratos que permitem a alguém usar temporariamente uma coisa infungível, por meio de uma quantia pecuniária.

3.2 A Contemporaneidade Locatícia

A locação está estipulada tanto na lei civil quanto em lei especial. No Código Civil está entre os arts. 565 a 578. A lei específica é a 8.245/91 que regulamenta as regras dos imóveis urbanos residenciais e comerciais.

Neste sentido, os doutrinadores e juristas, ao longo dos séculos, estudam tais formas contratuais, para desvendar seu passado e influenciar seu futuro. Fundamentando-se no entendimento do doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, a Locação de Coisas é, vejamos:

“uma modalidade contratual onde uma das partes da relação jurídica, denominada locador ou senhorio, se compromete, se obriga, com a outra parte, chamada de locatário ou inquilino, permitindo àquele que este usufrua e goze de uma coisa não fungível, por tempo determinado e mediante contraprestação pecuniária, sempre com caráter oneroso.”

Igualmente prevê o artigo 565 do Código Civil de 2002, vejamos:

“Art. 565 - é contrato pelo qual uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição”.

O nosso ordenamento jurídico estipula que a propriedade e a locação não se confundem, pois são direitos autônomos. A classificação dos contratos de locação é denominada como sinalagmático, ou mais conhecidos como bilateral, envolvendo uma prestação e uma contraprestação. É consensual, pois decorre de uma manifestação de vontade das partes.

Para constituir o contrato, a manifestação de vontade é suficiente. A entrega do bem já constitui parte da execução do contrato. Oneroso, visto que há quantia pecuniária do locatário perante o locador. E por último impessoal, pois o Código Civil e a Lei do Inquilinato permitem a transmissão do contrato aos herdeiros.

É neste documento que as partes estabelecem as cláusulas que regerão a negociação. Para que o contrato tenha validade jurídica, é necessário que esteja presente a manifestação da vontade, capacidade das partes, forma prescrita, ou não, defesa em lei e que o objeto seja lícito, possível, determinado ou determinável.

Assim, é imprescindível que a elaboração do contrato contenha os seguintes aspectos: Nome e qualificação das partes; endereço completo do imóvel; valor acordado do aluguel; reajuste do período e índice de atualização monetária; formas de pagamento; garantias apresentadas, se for o caso; encargos a serem pagos; destinação do imóvel; duração do contrato; cláusula de vigência; termo de vistoria e multa rescisória.

Com o negócio formado, surgem os deveres e obrigações das partes durante a vigência do contrato: são deveres de o locador do imóvel entregar o imóvel pronto para usar; se responsabilizar por problemas anteriores de outras locações; informar todas as condições do imóvel para o inquilino; fornecer recibos e formas de pagamento; se responsabilizar por problemas no imóvel que não tenham sido causados pelo uso do imóvel.

Bem como, são deveres de o locatário pagar o aluguel pontualmente, além dos encargos da locação acordados em contrato; utilizar o imóvel apenas para o uso determinado no contrato; manter o imóvel em boas condições; devolver o imóvel no mesmo estado que recebeu; reparar os danos de sua responsabilidade; e arcar com as devidas despesas referentes a serviços públicos.

4. A TEORIA DA IMPREVISÃO NOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO

4.1 Fato Superveniente

As questões que envolvem os contratos de locação, regidos pela Lei do Inquilinato, devem ser observados com cautela, visto estar presente, na maioria dos casos, questões fundamentais à dignidade da pessoa humana. Nos casos de uma mudança superveniente, ou seja, não prevista contratualmente, devem ser regidos por princípios basilares, conforme explanado em tópicos supra, para prover uma maior resolução, sem ir de encontro a direitos fundamentais do indivíduo, onde deve ser estabelecido parâmetros para a utilização da Teoria da Imprevisão.

Neste sentido, observando fatos históricos, a tempos em que a teoria da imprevisão vem sendo utilizada, especificamente no pós guerra, visto que, no final das contas, os conflitos ocasionados na Primeira Guerra Mundial geraram um significativo desequilíbrio nos contratos existentes, bem como, nos futuros a longo prazo. Então, notou-se que o pacta sunt servanda, que compunha um direito absoluto, deveria ser repensado.

Questões pertinentes, que vieram a luz em 21 de janeiro de 1918, na França, onde eclodiu a Lei Failliot, a qual autorizou a resolução dos contratos concluídos antes da guerra porque sua execução se tornaria muito onerosa. Onde se originou a famosa Lei Falliot, de 21 de maio de 1918, GAGLIANO (2010, p. 309), sendo descrita pela doutrina como a base legal para a aplicabilidade da Teoria da Imprevisão, consistente no reconhecimento de que a ocorrência de acontecimentos novos, imprevisíveis pelas partes e a elas não imputáveis, com impacto sobre a base econômica ou a execução do contrato, admitiria a sua resolução ou revisão, para ajustá-lo às circunstâncias supervenientes.

4.2 Efeitos da Covid-19 Globalmente

A obrigatoriedade do contrato forma o sustentáculo do direito contratual. Sem essa força obrigatória, a sociedade estaria fadada ao caos. Embora tenha que se tomar a afirmação com o devido cuidado, o contrato estabelece uma lei entre as partes. Essa força legal do contrato é sentida pelos participantes do negócio de forma mais concreta do que a própria lei, porque lhes regula relações muito mais próximas. (Venosa, Direito Civil: Contratos. Vol. 3 págs. 122).

No entanto, em situações excepcionais, a doutrina e a jurisprudência das últimas décadas entre nós têm admitido uma revisão das condições dos contratos por força de uma intervenção judicial. A sentença substitui, no caso concreto, a vontade de um dos contratantes. Essa revisão pode ocorrer, é fato, por via oblíqua, quando se reconhece o abuso de direito (Venosa, Direito civil: parte geral, Cap. 30), ou o enriquecimento sem causa (ver Direito Civil: Obrigações e Responsabilidade Civil, Cap. 9). No abuso de direito, podemos paralisar o cumprimento de um contrato, porque há desvio do fim social e econômico para o qual foi criado, sob a falsa aparência da legalidade.

Para uns, fundamenta-se na pressuposição: os fenômenos sociais posicionam-se dentro das situações em que os contratos foram ultimados. A vontade contratual, em síntese, não pressupôs o acontecimento inesperado que desequilibrou o contrato. Outros entendem que todo contrato possui uma condição implícita de permanência de uma realidade, cuja modificação substancial autoriza a supressão dos efeitos por ela causados.

Outras correntes, partem pelo princípio da reciprocidade ou equivalência das condições, nos contratos bilaterais, ou unilaterais onerosos, deve existir certo equilíbrio nas prestações dos contratantes, desde o momento da estipulação até o momento de seu cumprimento. (Venosa, Direito Civil: Contratos. Vol. 3 págs. 122).

O que se depreende é que a liberdade desregrada para se contratar, a autonomia da liberdade fomentando a autorregulação – com a figura do Estado à margem da relação entre as partes – acarretou numa dinâmica em que a manutenção das convenções passou a não mais ser vista e, acima de tudo, criou-se um ambiente em que o individualismo é a base de todos os enlaces, transformando a ideia da função social do contrato em um mero devaneio ou em uma frase feita para ensaios e palestras.

A rigor, com as maquinações que se perfizeram, com as uniões de grandes corporações, com os contratos firmados a partir de um consensualismo desmedido e que regula apenas os interesses mais íntimos dos contraentes, gerou-se um sistema distante da lógica de uma função social e que solapa o ideário do bem coletivo.

A autonomia da vontade é um ingrediente que deve expressar a manifestação do querer dos agentes, porém, pelo modo como ela se insere socialmente, há o olhar para o atendimento de um interesse que contempla o interesse das partes, mas que faz adoecer o sistema econômico e, por consequência, o contratual vigente. (Guilherme, Luiz Fernando do Vale de Almeida, Função Social do contrato e contrato social análise da crise econômica, pág. 211).

4.3 Desequilíbrio Contratual

Sabemos que o regulamento contratual resulta de um concurso de fontes, que em várias medidas e formas participam na sua construção: à vontade das partes podem juntar-se ou sobrepor-se outras fontes. Mas aquelas que definimos, outras fontes, diversas da vontade dos contraentes, constituem um conjunto de critérios de determinação do conteúdo do contrato, pouco homogéneo.

Diferem profundamente entre si, sob dois aspectos diversos: em primeiro lugar, de um ponto de vista, por assim dizer, procedimental ou aplicativo, isto é atinente ao modo pelo qual estes critérios intervêm operativamente na construção do regulamento; em segundo lugar, de um ponto de vista substancial, quer dizer, relativo às suas funções e posições face à autonomia privada, ou, se preferir à natureza dos interesses de que são veículo. (ROPPO, Enzo: El Contratto pág. 166-167).

Ilustrando a génese da moderna teoria do contrato e do direito dos contratos, individualizamos uma fórmula capaz de sintetizar o seu conteúdo e os seus valores essenciais: liberdade de contratar, baseada na soberania da vontade individual dos contraentes.

Assim devia ser o contrato, segundo as mais acreditadas proposições dos ideólogos oitocentistas, e assim era efetivamente em muitos aspectos, na concreta praxe do capitalismo de concorrência. Mas desde os tempos do laissez-faire (liberalismo econômico), desde a época clássica do liberalismo económico e político – as sociedades ocidentais sofreram transformações profundíssimas de ordem amplamente social, econômica e política, que, por sua vez, incidiram sobre o instituto contratual, transformando-o incisivamente. (Araujo Jr, Gediel Claudino, Prática de Locação, pág. 15 – 16)

4.4 Da Onerosidade Excessiva

Como informa Álvaro Villaça Azevedo, há aproximadamente 3.700 anos, o Código de Hamurabi, excepcionando o princípio da força obrigatória dos contratos, em sua Lei 48, já previa: “se alguém se obrigou por uma obrigação que produz interesses” (juros) “e uma tormenta” (o Deus Hadad) “inundou seu campo e destruiu sua colheita, ou se, por falta de água, o trigo não nasceu no campo, nesse ano ele não dará trigo a seu credor, modificará sua tábua de contrato e não dará o interesse” (juros) “desse ano”. Veja-se que essa antiga regra da Babilônia já previa a revisão do contrato devido à modificação das circunstâncias negociais. (Azevedo Villaça, Álvaro. Teoria da Imprevisão e revisão judicial nos contratos, Revista dos tribunais vol. 733, pág. 109 – 119).

Inspiraram os canonistas, entre eles Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, os quais mostraram que não existe mentira quando o descumprimento de promessa ocorre por motivo relevante, inclusive Santo Tomás de Aquino em sua Suma Teológica, no século XIII, citando Sêneca, assentou que a manutenção da palavra empenhada depende de que não tenham mudado as circunstâncias. (Azevedo, Onerosidade Excessiva e desequilíbrio contratual Supervenientes, 2020. Pág. 40).

5 - CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Diante do conteúdo revelado nos tópicos acima, ficou comprovado que o conceito clássico de interpretar um contrato como se fosse uma "lei entre as partes" foi modificado em vários estados absolutos e imutáveis. A adesão a teorias revisionistas (como teorias imprevistas) para permitir maior liderança nacional, permitindo assim a revisão de interesses muito caros e precários para uma das partes, tornou-se claramente flexível, o que mostra que o contrato é O princípio do bem fé para fins sociais.

A cláusula rebus sic standibus, resgatada sob a estrutura científica da Teoria da Imprevisão, tornou-se um verdadeiro amortecedor do princípio da autonomia da vontade, retirando o pacta sunt servanda de sua intangibilidade e fez com que a doutrina, a jurisprudência e o legislador do Código Civil de 2002 passassem a dispensar tratamento especial à pessoa – sua dignidade e socialidade em lugar da vontade soberana individualista que imperava.

No presente estudo, apresenta questões supervenientes causadas pelo complexo viral denominado Sars-Covid-19, onde influenciou na economia global, e, consequentemente, dificultando a estabilidade dos negócios jurídicos pactuados, visto a não previsão contratual, para o período vivenciado. Neste sentido, utilizando-se como base os princípios da boa-fé, a função social e o princípio da menor onerosidade para as partes, estabelece um comparativo para a melhor resolutiva das questões entre as partes, ocasionalmente levando tais questões para apreciação do benemérito magistrado, onde com as ferramentas e estudos necessários argui preceitos fundamentais para manter o negócio jurídico, visto a probabilidade de influência de tal relação, tanto em escala local como global.

Desse modo, é fulcral a observância da esfera judiciária, baseando-se nos princípios basilares do ordenamento jurídico, utilizando-se como analogia casos concretos, onde é presente tais arguições, visto se tratar de consequenciais que vão além do simples papel, e transcendem ao núcleo familiar, atingindo também o estado anímico dos indivíduos, visto a instabilidade econômica.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DELGADO. José Augusto. Reflexões sobre contratos bancários. Ministro do STJ e Ministro do TSE (biênio 2006/2008).

TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 15ª Ed – Rio de Janeiro: Forense, 2020.

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MAXIMILIAN, Paulo. Contratos. 4ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos. 21ª. Ed. São Paulo: Atlas, 2021.

BRUNO, Marcos Gomes. Resumo jurídico de obrigações e contratos. São Paulo: Quartier Latin, 2004. v. 10.

DE CAMPOS MELO, Leonardo. LORETTI HENRICI, Ricardo. PEREIRA MOTTA, Cristiane da Silva. Obrigações e Contratos – Pareceres. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

AZEVEDO, Marcos. Onerosidade Excessiva e Desequilíbrio Contratual Superveniente. 1ª Ed. São Paulo: Almedina, 2020.

FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Sousa. Cláusula rebus sic stantibus: Teoria da Imprevisão. RT 845/ 725. São Paulo: Ed. RT, mar. 2006.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. 6. ed. São Paulo: Saraiva. 2014. v. 3.

THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato e sua Função Social. 4ª. Ed. Rio de Janeiro: Aide, 2001.

AZEVEDO, Álvaro. Curso de Direito Civil: Teoria Geral dos Contratos. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 43ª Ed. São Paulo: 2020.

ROPPO, Enzo. IL Contratto. 1ª Ed. Coimbra: 2009.


[1] Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais 9. Ed. Pg. 22— São Paulo: Saraiva, 2012.

[2] COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2005, v. 3, p. 33.

[3] De acordo com Antônio Menezes Cordeiro, "a boa-fé (subjetiva) traduz um estado de ignorância desculpável, no sentido de que o sujeito, tendo cumprido com os deveres de cuidado impostos pelo caso, ignora determinadas eventualidades" (CORDEIRO, op. cit., p. 516).

Sobre o autor
Lucas Santos Martins

Amante das ciências jurídicas, com enfoque corporativo, buscando se aprofundar cada vez mais neste vasto mar, um pouco burocrático, mas fascinante, das vertentes do direito comercial, com vivência de aproximadamente 03 anos no mercado jurídico, sempre buscando me aperfeiçoar, visto a mutabilidade social.

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