A crise brasileira é complexa, e certamente comporta variados elementos, por sua vez de naturezas diversas. Ela não é produto de anos recentes, mas se arrasta ao longo dos anos, com variações de ritmo e força, e que agora, entretanto, mais que em outros momentos, se acentua em profundidade e poder desestabilizador. As tradições e dilemas históricos do país, os sintomas que foram se acumulando ao longos dos anos fizeram a sociedade explodir de insatisfação em meados de junho de 2013[1], trazendo à tona a soma das crises institucionais e o mal-estar da democracia brasileira.
Anos após 2013 ainda se vê uma conjuntura seriamente complexa, a crise se profundou e a desilusão social atingiu o campo democrático, fortalecido por discursos autoritários dos setores sociais ultraconservadores e regressistas que atacaram as instituições e os órgãos públicos reforçando desconfiança da população e descrença na própria democracia.[2] Tal situação nos coloca hoje em estado de alerta sob as ameaças que os direitos conquistados no lento caminho democrático tem sofrido.
Diante da crise política, econômica e social se tem visualizado um processo de desinstitucionalização dos direitos[3], desconstrução da democracia e a desmoralização dos partidos políticos somando-se aos desgastes que as instituições de representação política têm vivenciado devido aos altos níveis de corrupção que tem acentuando a confusão entre o interesse público e o privado. Como se sabe, o interesse pessoal da minoria sempre esteve a cima do interesse coletivo na história brasileira.[4] Esse processo tem impossibilitando ainda mais construção de uma ampla cidadania, ao contrário, o sentimento de desamparo, insegurança e descontentamento tem se apossado do espaço do cidadão.
A democracia e a cidadania brasileira ainda são atravessadas de contradições, devido aos anos de instabilidade política, rupturas democráticas e governos autoritários que impossibilitaram um real exercício da cidadania por parte de grande parcela da população.[5] As heranças de uma cultura política autoritária e altamente excludente deixou marcas profundas na formação da sociedade brasileira e sua persistência tem proporcionado um aprofundamento da desigualdade, da exclusão social e a falta de efetivação dos direitos constitucionais.
Os direitos que compõem a cidadania ainda não são amplamente conhecidos pelos cidadãos, principalmente, os grupos sociais que mais necessitam e vivem à margem da sociedade, aqueles que vivem sob a falta de garantia dos direitos civis, da segurança e do acesso à justiça, que se sentem desamparados pelos governos e pelas leis.[6] A profunda desigualdade social compromete o exercício da cidadania devido a exclusão social e o distanciamento desses indivíduos da participação política, no qual a educação – elemento essencial para o conhecimento dos direitos[7] – ainda é restrita, permanecendo como uma forte barreira social.[8]
Os jogos de contrarreformas que tem atravessado as instituições políticas, principalmente nos últimos anos, tem transformado o Estado em um instrumento de dominação, aproximando de uma política autoritária, na contramão da luta democrática, e busca reverter as conquistas realizadas na Constituição de 1988. O espírito de renovação que sustentou a nova a República de 1988 foi se desintegrando ao longo dos anos e agora a Constituição Cidadã se agoniza junto a democracia.
Os desafios de pensar o Brasil hoje consiste em consolidar um projeto político que promova revalorização democrática como construção social coletiva. Torna-se um papel fundamental pensar a democracia como instrumento de inclusão dos excluídos como atores sociais, políticos e que promova a confiança da sociedade nas instituições estatais representativas, que fomente a participação e a cooperação. O fortalecimento das instituições democráticas, políticas e o sentimento de nação somente tomará folego quando a grande parcela de excluídos forem incorporados no processo social e forem capazes de obter suas conquistas sociais, quando a cultura democrática for absorvida pela sociedade. Pensar o Brasil hoje é principalmente refletir e debater exaustivamente o tipo de país que nós pretendemos ter.
[1] Conferir: https://www.brasildefato.com.br/2018/06/13/jornadas-de-junho-de-2013-foram-um-marco-nos-protesto-populares-no-brasil visitado em 27 de julho de 2021.
[2] NOGUEIRA, Marco Aurélio. Partidos, movimentos, democracia: riscos e desafios do século XXI. In: Journal of Democracy em Português, Volume 8, Número 2, São Paulo, Novembro de 2019. p. 40.
[3] AMORIM, Maria Salete Souza de. Cidadania e participação democrática. Anais do II Seminário Nacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia, Abril de 2007, UFSC, Florianópolis.
[4] SALLES, Ricardo. O Brasil num olhar. In: BOCAYUVA, Pedro Cláudio Cunca; VEIGA, Sandra Mayrink. (orgs.). Afinal, que país é esse? Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
[5] REALE Júnior, Miguel. Democracia e Cidadania no Brasil. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 21, Março/2002 p. 261-272.
[6] CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019. p. 212 – 218.
[7] CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019. p. 212.
[8] Conferir: SENADO FEDERAL. Site Institucional: https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2020/11/brasil-tem-11-milhoes-de-analfabetos-aponta-ibge visitado 26 de Julho de 2021; População abaixo da linha da pobreza triplica e atinge 27 milhões de brasileiros – Site CNN Brasil: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2021/04/08/populacao-abaixo-da-linha-da-pobreza-triplica-e-atinge-27-milhoes-de-brasileiros visitado 26 de Julho de 2021.
