Do Princípio da Insignificância em face dos Crimes Funcionais

28/07/2021 às 10:23
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O presente artigo e trabalho foi desenvolvido com a finalidade de explorar um tema amplamente discutido nos dias de hoje, já que existem diversas correntes e entendimentos quanto à aplicação do princípio da insignificância nos crimes funcionais.

1.Introdução

Antes de iniciarmos o estudo propriamente dito sobre o princípio da insignificância em face dos crimes funcionai e, como de praxe, é mister fazer uma breve introdução sobre alguns conceitos e apontamentos importantes para melhor entendimento e aprofundamento sobre o tema deste artigo. Assim sendo, comecemos.

1.1 Conceito de Administração Pública e Crimes Funcionais

Pelo fato de os crimes funcionais estarem presentes no Título XI do Código Penal, “Dos Crimes contra a Administração Pública”, mais precisamente no Capítulo 1, “Dos Crimes praticados por Funcionário Público contra a Administração Pública” julgo necessário apresentar, primeiramente, o conceito de Administração Pública e posteriormente crimes funcionais. Apesar de bastante amplo, o conceito de Administração Pública, em linhas gerias, abrange toda a atividade funcional do Estado e dos demais entes públicos. Pode-se conceitua-la também como o poder de gestão do Estado, no qual inclui o poder de legislar e tributar, fiscalizar e regulamentar, através de seus órgãos e outras instituições; visando sempre um serviço público efetivo. Nesse conceito compreende-se tanto a Administração Direta (formada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios) como a Administração Indireta composta pelas autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas e as fundações.

Apresentado este conceito, cumpre mencionar que os delitos previstos no Capítulo “Dos Crimes praticados por Funcionário Público contra a Administração Pública” só podem ser praticados de forma direta por funcionário público, daí serem chamados de crimes funcionais. Ainda, dentro da classificação geral dos delitos, os crimes funcionais estão inseridos na categoria dos crimes próprios, porque a lei exige uma característica específica no sujeito ativo, isto é, ser funcionário público. Os crimes funcionais, por sua vez, admitem outras formas de classificação, havendo uma subdivisão feita nos crimes funcionais:

Crimes funcionais próprios: são aqueles cuja exclusão da qualidade de funcionário público torna o fato atípico.

Crimes funcionais impróprios: excluindo-se a qualidade de funcionário público, haverá desclassificação para crime de outra natureza.

1.2 Participação e coautoria por particular

Em todos os crimes deste Capítulo a condição de funcionário público é elementar. Assim, o particular que, ciente da condição de funcionário do comparsa, o ajuda a cometer o delito responde também pela infração penal, já que o artigo 30 do Código Penal é claro ao dizer:

 Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.

A propósito: “O particular pode figurar como coautor do crime descrito no § 1º do art. 312 do Código Penal (Peculatofurto). Isto porque, nos termos do artigo 30 do CP, ‘não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime’. Se a condição de funcionário público é elementar do tipo descrito no artigo 312 do Código Penal, esta é de se comunicar ao coautor (particular), desde que ciente este da condição funcional do autor. Precedentes: HC 74.588, Relator o Ministro Ilmar Galvão; e HC 70.610, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence” (STF — HC 90.337 — Rel. Min. Carlos Britto — 1ª Turma — julgado em 19-6-2007 — DJe-096 divulg. 5-9-2007, public. 6-9-2007, DJ 6-9-2007, p. 40, ement vol. 2288-03, p. 437).

Assim, o particular pode ser coator e partícipe de crime funcional. Além disso, cumpre ressaltar que o funcionário público é denominado intraneus, enquanto que o não funcionário é denominado extraneus.

1.3. Procedimento especial

O Código de Processo Penal estabelece, em seus arts. 513 a 518, rito especial para a apuração dos crimes funcionais. A única diferença em relação aos ritos comuns, entretanto, é a existência de uma fase de defesa preliminar para os crimes funcionais afiançáveis, que, todavia, perdeu muito de sua importância com a aprovação da Súmula n. 330 do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe que essa fase não é necessária se a denúncia se fizer acompanhar de inquérito policial, ou seja, tal fase só precisa ser observada quando a denúncia for oferecida com base em outro tipo de procedimento (cópia de sindicância, peças de informação etc.).

Em tais casos, o art. 514 do Código de Processo Penal diz que o juiz, antes de receber a denúncia, deve notificar o funcionário público para que este ofereça defesa preliminar, por escrito, em um prazo de quinze dias. Após essa fase, o juiz receberá ou rejeitará a denúncia. Recebendo-a, os atos procedimentais posteriores serão aqueles previstos para o rito ordinário, ainda que a pena máxima prevista seja inferior a quatro anos (art. 518 do CPP), desde que não se trate de infração de menor potencial ofensivo, pois, quanto a estas, deve ser observado o rito sumariíssimo, tal como acontece com o crime de prevaricação (art. 319 do CP), cuja pena máxima é de um ano. Observe-se que, atualmente, todos os crimes funcionais são afiançáveis, uma vez que a Lei n. 12.403/2011 reformou o Código de Processo Penal e elencou como inafiançáveis apenas alguns poucos delitos, sendo que nenhum dos crimes funcionais consta de tal rol. Caso se trate de crime funcional cometido por quem goza de foro por prerrogativa de função (juiz de direito, prefeito, promotor de justiça, governador de Estado, deputado, senador etc.), deverá ser observado o rito especial previsto nos arts. 1º a 12 da Lei n. 8.038/90. 

1.4 Necessidade de reparação do dano para a progressão de regime

Nos termos do art. 33, § 4º, do Código Penal, o funcionário condenado por crime contra a Administração Pública somente pode progredir de regime durante a execução da pena caso já tenha reparado o dano causado ou devolvido o produto do crime. O Plenário do Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de analisar a constitucionalidade do dispositivo e assim decidiu: “É constitucional o art. 33, § 4º, do Código Penal, que condiciona a progressão de regime, no caso de crime contra a Administração Pública, à reparação do dano ou à devolução do produto do ilícito” (EP 22 ProgReg-AgR — Rel. Min. Roberto Barroso — Tribunal Pleno — julgado em 17-12-2014, processo eletrônico DJe052, divulg. 17-3-2015, public. 18-3-2015).

1.5 Perda do cargo ou função pública como efeito

Penso ser importante para este trabalho discorrer brevemente sobre a perda do cargo ou função pública, uma vez que isso pode ser produto da prática de crimes funcionais, ou seja, o funcionário público pode perder o seu cargo, de modo que pretendemos neste artigo apresentar o princípio da insignificância nos crimes funcionais, quero dizer, existe entre o princípio da insignificância nos crimes funcionais e a perda da função ou cargo público em razão da prática de crimes praticados por funcionário público.

Neste sentido, ao prolatar a sentença, se houver condenação por crime funcional, o juiz deverá atentar para o disposto no art. 92, I,a, do Código Penal, que estabelece como efeito da condenação a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever com a Administração Pública.

1.6 Conceito de funcionário público, funcionário público por equiparação e aumento de pena

De acordo com o artigo 327, caput, §1° e §2° do CP:

Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

Com relação aos funcionários públicos por equiparação, a Lei n. 9.983, de 14 de julho de 2000, alterou a redação do art. 327, § 1º, para ampliar o conceito de funcionário público por equiparação. Em virtude dessa nova redação, podem ser extraídas algumas conclusões:

 1) Em relação ao conceito de entidade paraestatal, adotou-se a corrente ampliativa, pela qual se considera funcionário por equiparação aquele que exerce suas atividades em: a) autarquias (ex.: INSS); b) sociedades de economia mista (ex.: Banco do Brasil); c) empresas públicas (ex.: Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos); d) fundações instituídas pelo Poder Público (ex.: FUNAI). O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o famoso caso do “mensalão” (ação penal n. 470/STF), confirmou tal interpretação, condenando funcionários do Banco do Brasil por crimes “contra a Administração Pública”.

2) Passaram a ser puníveis por crimes funcionais aqueles que trabalham em concessionárias ou permissionárias de serviço público (empresas contratadas) e até mesmo em empresas conveniadas, como, por exemplo, a Santa Casa de Misericórdia. O conceito de funcionário público por equiparação não abrange as pessoas que trabalham em empresas contratadas com a finalidade de prestar serviço para a Administração Pública quando não se trata de atividade típica desta

§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.

1.7 Conceito de princípio da insignificância

No princípio da insignificância ou crime de bagatela, sustenta-se que o direito penal, diante de seu caráter subsidiário, funcionando como ultima ratio, no sistema punitivo, não se deve ocupar de bagatelas. Há várias decisões de tribunais pátrios, absolvendo réus por considerar que ínfimos prejuízos a bens jurídicos não devem ser objeto de tutela penal, como ocorre nos casos de “importação de mercadoria proibida” (contrabando), tendo por objeto material coisas de insignificante valor, trazidas por sacoleiros do Paraguai. Outro exemplo é o furto de coisas insignificantes, tal como o de uma azeitona, exposta à venda em uma mercearia. Ressalte-se que, no campo dos tóxicos, há polêmica, quanto à adoção da tese da insignificância: ora a jurisprudência a aceita; ora, rejeita-a.

Conforme os ensinamentos do jurista Guilherme de Souza Nucci, há três regras, que devem ser seguidas, para a aplicação do princípio da insignificância:

 Consideração do valor do bem jurídico em termos concretos.

 Consideração da lesão ao bem jurídico em visão global.

 Consideração particular aos bens jurídicos imateriais de expressivo valor social

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Em suma, é excludente supralegal de tipicidade, demonstrando que lesões ínfimas ao bem jurídico tutelado não são suficientes para, rompendo o caráter subsidiário do Direito Penal, tipificar a conduta.

Fernando Capez conceitua tal princípio como:

 “(…) o Direito Penal não deve preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico. A tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem jurídico protegido, pois é inconcebível que o legislador tenha imaginado inserir em um tipo penal condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o interesse protegido. “(CAPEZ, 2011).

Já Luiz Flávio Gomes:

“Conceito de Infração Bagatelar: infração bagatelar ou delito de bagatela ou crime insignificante expressa o fato de ninharia, de pouca relevância (ou seja: insignificante). Em outras palavras, é uma conduta ou um ataque ao bem jurídico tão irrelevante que não requer a (ou não necessita da) intervenção penal. Resulta desproporcional a intervenção penal nesse caso. O fato insignificante, destarte, deve ficar reservado para outras áreas do Direito (civil, administrativo, trabalhista etc.). Não se justifica a incidência do Direito penal (com todas as suas pesadas armas sancionatórias) sobre o fato verdadeiramente insignificante”. (GOMES, 2013).

Superados tais pontos introdutórios de verdadeira importância para este trabalho, partiremos agora para o ponto chave deste artigo, qual seja, o princípio da insignificância em face dos crimes funcionais.

2. O princípio da insignificância em face dos crimes funcionais

É amplamente dominante o entendimento nos tribunais superiores no sentido de ser incabível o reconhecimento da atipicidade da conduta em face do princípio da insignificância nos crimes cometidos por funcionário público contra a Administração. De acordo com essa interpretação, não é possível a absolvição de funcionário público que tenha desviado ou furtado bens de valor não muito elevado (peculato) ou que tenha se corrompido por pequeno valor ou por fato de pouca relevância. O argumento é que nos crimes em análise, o bem jurídico principal tutelado é a moralidade da Administração Pública, e não o valor dos bens. A propósito: “O acórdão recorrido está em perfeita consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, firme no sentido de que não se aplica, em regra, o princípio da insignificância aos crimes contra a Administração Pública, ainda que o valor da lesão possa ser considerado ínfimo, uma vez que a norma visa resguardar não apenas o aspecto patrimonial mas principalmente a moral administrativa” (STJ — AgRg no AREsp 342.908/DF — Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze — 5ª Turma — julgado em 18-6-2014, DJe 27-6-2014); “Não se aplica o princípio da insignificância aos crimes contra a Administração Pública, uma vez que a norma visa resguardar não apenas a dimensão material, mas, principalmente, a moralidade administrativa, insuscetível de valoração econômica (AgRg no REsp n. 1.382.289/PR — Min. Jorge Mussi — 5ª Turma — DJe 11.06.2014)” (STJ — AgRg no AREsp 614.524/MG — Rel. Min. Sebastião Reis Júnior — 6ª Turma — julgado em 14-4-2015, DJe 23-4-2015); e “É da jurisprudência desta Corte (de ambas as Turmas da 3ª Seção) a impossibilidade de se aplicar o princípio da insignificância ao crime praticado contra a 10 Administração Pública” (STJ — AgRg no Ag 1.133.678/SC — Rel. Min. Felix Fischer — 5ª Turma — julgado em 13-8-2009, DJe 16-11-2009). Em 20 de novembro de 2017, o Superior Tribunal de Justiça aprovou a Súmula n. 599 no seguinte sentido: “O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a Administração Pública”. Além disso, AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM recurso especial. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PECULATO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 83 DA SÚMULA DO STJ. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM CONSONÂNCIA COM A ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DESTA CORTE SUPERIOR. 1. O aresto objurgado alinhase a entendimento assentado neste Sodalício no sentido de ser incabível a aplicação do princípio da insignificância aos delitos cometidos contra a Administração Pública, uma vez que a norma visa resguardar não apenas a dimensão material, mas, principalmente, a moral administrativa, insuscetível de valoração econômica. 2. Incidência do óbice do Enunciado n. 83 da Súmula do STJ, também aplicável ao recurso especial interposto com fundamento na alínea a do permissivo constitucional. 3. Agravo a que se nega provimento (AgRg no AREsp 572.572/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, j. em 8-3-2016, DJe 16-3- 2016).

Todavia, existe posição no sentido contrário: “Delito de peculato-furto. Apropriação, por carcereiro, de farol de milha que guarnecia motocicleta apreendida. Coisa estimada em treze reais. Res furtiva de valor insignificante. Periculosidade não considerável do agente. Circunstâncias relevantes. Crime de bagatela. Caracterização. Dano à probidade da administração. Irrelevância no caso. Aplicação do princípio da insignificância. Atipicidade reconhecida. Absolvição decretada. HC concedido para esse fim. Voto vencido. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, à luz das suas circunstâncias, deve o réu, em recurso ou habeas corpus, ser absolvido por atipicidade do comportamento” (STF — HC 112.388 — Rel. Min. Ricardo Lewandowski — Relator p/ Acórdão: Min. Cezar Peluso — 2ª Turma — julgado em 21-8-2012, Processo Eletrônico DJe-181 — divulg. 13-9-2012, public. 14-9- 2012).

2.1. Aplicação do princípio da insignificância no crime de corrupção passiva (Guilherme Nucci)

Especialmente, ao lermos a doutrina Código Penal Comentado (2020), no capítulo referente aos crimes funcionais, do jurista e professor Guilherme de Souza Nucci, podemos encontrar a referência do autor quanto à aplicabilidade do princípio da bagatela ao crime de corrupção passiva.

Antes de mencionarmos aqui a posição e explicação do jurista, é importante apresentar o artigo 317 do Código Penal, para o melhor entendimento deste tópico:

Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Apresentado o referido crime, Nucci afirma que na corrupção passiva o princípio da insignificância tem aplicação, ao afirmar que pequenos mimos ou lembranças, destinados a funcionários públicos são condutas penalmente irrelevantes, não configurando o tipo penal da corrupção passiva. Para fundamentar a sua explicação, Nucci cita o professor Fernando Henrique Mendes de Almeida que ensina: “É certo que, para chegar à compreensão de que a cortesia é desinteressada, é preciso que não nos inspiremos no exemplo exagerado daquilo que, por costume (mas, evidentemente, mau costume apenas) se justifique entre altos funcionários. A regra limitativa deve ser esta: a) que o presente seja ocasional e não habitual, ou contínuo; b) que não ocorra correspondência alguma entre o seu valor econômico e o ato de ofício, isto é, que não se possa formular, em face do fato, a relação que induza o caráter retributivo” (cf. FERNANDO HENRIQUE MENDES DE ALMEIDA, Dos crimes contra a Administração Pública, p. 84-85).

No entanto, Nucci faz uma ressalva ao esclarecer que “já é tempo de cessar essa cortesia com funcionários públicos, pois se trata de uma conduta antiética. O servidor não está naquele local para receber mimos; está ali para cumprir um dever e quem o faz, não merece recompensa alguma, apenas justa remuneração paga pelo Estado. Convém mencionar a Súmula 599 do STJ: “O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública”. Em oposição à bagatela: TJMT: “O entendimento firmado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que é inaplicável o princípio da insignificância aos delitos praticados contra a administração pública, já que a norma penal busca resguardar não somente o aspecto patrimonial, mas os princípios da administração” (Ap. 164164/2014-MT, 3.ª C. Crim., rel. Juvenal Pereira da Silva, 10.06.2015). (Nucci, 2020).

3. Conclusão

Diante de todo o exposto, não obstante existir posicionamento no sentido da aplicação do princípio da insignificância aos crimes funcionais, por parte do Supremo Tribunal Federal como visto anteriormente, nos crimes praticados por 12 funcionário público contra a Administração Pública, ao meu ver, não cabe de modo algum a aplicação da bagatela, uma vez que, segundo o art. 37 da Constituição Federal de 1988:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...). (grifo nosso).

Em outras palavras, o funcionário público, ao apossar-se do cargo público, deve respeitar e observar os princípios da Administração Pública, principalmente o princípio da moralidade (boa-fé, honestidade, equidade, ética, moral) de modo que no que se diz respeito aos atos cometidos contra administração, como improbidade e abuso de função, sempre foram punidos severamente. Assim, sabe-se que qualquer ato praticado por funcionário público que venha a prejudicar a Administração Pública é imputado a este e, mesmo que não chegue a ser ato ilícito, compete a ele reparar o dano causado. Do mesmo modo, o funcionário público tem o encargo de cumprir regularmente com seus deveres de representantes do poder estatal, que são lhes confiados. A distorção gera a traição funcional, acende no povo o desejo que sejam punidos por tal práticas desleais.

Nesse diapasão, o funcionário público atua em nome da Administração Pública, e esta tem por função exclusiva e essencial satisfazer e alcançar o interesse público, de tal forma que a conduta, por mínima que seja, do funcionário público acarreta, direta ou indiretamente, prejuízo à coletividade. Ainda, compartilho do entendimento de que se alguma conduta do funcionário público contra a Administração Pública não for levada à sério e for considerado insignificante, isso o motivará a praticar novamente a conduta, já que não houve qualquer penalidade; assim, o agente público adotará reiteradamente comportamentos de que sabe que não haverá sanção, claramente violando princípios da Administração Pública e ela própria.

4. Referências

Brezovsky, R. d. (1 de agosto de 2020). Âmbito Jurídico. Acesso em 8 de dezembro de 2020, disponível em Âmbito Jurídico: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-199/principio-da-insignificancianos-crimes-contra-administracao-publica/

Gonçalves, V. E. (2019). Direito Penal Esquematizado - Parte Especial (9ª ed., Vol. Volume Único). SaraivaJur.

Nucci, G. d. (2020). Código Penal Comentado (20ª ed., Vol. Volume Único). Brasil: Forense. Nucci, G. d. (2020). Manual de Direito Penal (16ª ed.). Forense.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral: arts. 1º a 120. 23. ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2019

Sobre o autor
Pedro Henrique Modolo Cones

Estudante de Direito - UNIMEP (UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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