Crítica à filosofia do direito de Hegel e contribuições de Marx à ciência jurídica v. Matrix

Considerações jurídico-filosóficas

28/07/2021 às 10:58
Leia nesta página:

Este texto objetiva traçar paralelos entre as obras Crítica à Filosofia de Hegel, Contribuições de Marx à Ciência Jurídica e o longa-metragem Matrix. Marx faz um chamado à saída da Matrix, de um mundo que abstrai-se de reflexões críticas.

Tanto a obra Crítica à Filosofia do Direito de Hegel quanto a Contribuições de Marx à Ciência Jurídica possuem em comum uma mensagem que pode ser caracterizada como uma espécie de chamamento para buscarmos o exercício da razão de modo a utilizá-la para examinarmos a realidade empírica, e da qual somos dotados, e não a partir de ideais e ideologias. Essa ideia é também percebida em outros estudos e construções como, por exemplo, no Mito de Caverna de Platão e, de modo similar, pela longa metragem denominada Matrix, mais especificamente, no primeiro filme da trilogia lançada em 1999. Trazendo à luz os conceitos trabalhados por Bourdieu, seria como se Marx nos alertasse também da necessidade dos indivíduos desenvolverem seu Capital Cultural, Social e Político para poder conhecer melhor o mundo. Portanto, este breve texto visa traçar algumas comparações entre esses dois textos de Karl Marx com o primeiro filme da trilogia Matrix. 

Em ambos textos, Marx trabalha com a importância da razão para compreendermos nossa realidade, no entanto, em Contribuições de Marx à Ciência Jurídica, especialmente, o autor traz a ideia de que os alemães precisam perceber a realidade a sua volta, do seu espaço, do seu país e não ficarem se "auto ludibriando". Nesse caso, para captar essa realidade é necessário o exercício da razão. Traçando um paralelo, Matrix também realiza esse “chamado” quando, ao longo do enrendo, induz Neo a questionar-se e buscar entender a realidade na qual se encontra.

Dentre outros aspectos, Marx realiza, no seu texto de introdução da obra Crítica à Filosofia do Direito de Hegel, um julgamento quanto à religião, isso porque a considera como a base da ideologia, isto é, a base do idealismo e, contrariamente, ele busca combater esse aspecto idealista e caminhar para um estudo e comportamento mais dialético (seu método de estudo). Nesse sentido, Marx evidencia que mesmo que a teoria seja relevante e importante, ela só alcança força fática quando adquire uma força material dentro do contexto social, como o próprio autor reflete: “A arma da crítica não substitui a crítica da arma”. Pois, o ato de criticar não substitui a força (arma) e é necessário que o aspecto teórico se transforme em força e comece a integrar o corpo social. Trazendo à luz o enredo de Matrix, no caso, não basta que Neo reflita e pense teoricamente (apenas) sobre o lugar onde vive, onde realiza seu papel de ator social, mas transformar essa reflexão em força fática e material para, de fato, compreender as coisas que estão ao seu redor.

Em complemento, Marx nos mostra que não é simplesmente permanecer no mundo das ideias, é preciso que o indivíduo e o corpo social coloquem o “pé no chão”, pois, já que fomos dotados de razão nada mais racional que olharmos o mundo a partir da perspectiva de como ele é de fato, ou seja, numa visão racional e não idealista/idealizada, tecendo um contraponto com o subjetivismo. Exemplo: as desigualdades são o que são e não o que queremos ou imaginamos ser. De modo similar acontece com o direito. Sob essa ótica, é possível traçar uma analogia com Matrix, de modo que, é como se Morpheus assumisse o papel de Marx ao convidar Neo para conceber a realidade a partir de como ela de fato é e não como ele imagina ser. Indo além, para que Neo, enquanto indivíduo integrante da sociedade, consiga reformular o status quo ou, mais notadamente, seja capaz de reformular os ideais sociais, a sociedade. Pois, como afirma Marx, não é do mundo imaterial e intangível que conseguiremos obter as respostas e soluções para os nossos “problemas” e conflitos, mas é, sim, a partir das condições materiais que haverá uma reestruturação do corpo social.

Por isso, Marx nos alerta sobre a inevitabilidade de retirarmos as fantasias que nos cercam (nossos “grilhões”) que nos passam a ideia de estarmos aprisionados, escravizados e que contra isso não há discussões. Por fim, é justamente esse alerta que Morpheus faz a Neo ao apresentá-lo a verdadeira realidade, a oferecê-lo a escolha entre a 'pílula azul' e a 'pílula vermelha'. Nessa baila, intrigante é o fato de Morpheus precaver Neo que a escolha que ele fizer não terá volta. Seria como se pensarmos: ao nos despertar à razão, ao conhecimento e à crítica dialética não conseguiremos retornar ao nosso estado anterior.

Ademais, a partir desses estudos, é pertinente inferir que Marx nos evidencia uma visão mais pragmática, trazendo à luz a ideia de que a crítica serve para nos libertar do idealismo. No trecho “A crítica arrancou as flores imaginárias dos grilhões, não para que o homem suporte grilhões desprovidos de fantasias ou consolo, mas para que se desvencilhe deles e a flor viva desabroche” é possível perceber essa colocação. Em Matrix, quando Cypher está comendo um pedaço de carne enquanto realiza um acordo para trair seus “companheiros”, ele afirma saber que a carne que come não é de fato uma carne suculenta e, mais ainda, sabe que na matrix, ao colocar a carne na boca, os mecanismos de seu paladar enviam mensagens ao sistema nervoso dele e o faz acreditar que o que está ingerindo é de fato uma carne saborosa, ou seja, ele tem consciência de que vive numa ilusão e o que a razão faz, segundo Karl Marx, é retirar as flores imaginárias dos nossos grilhões. Porém, há uma ressalva importante: quando a crítica nos diz que não comporta flores, não quer dizer que é passível de se suportar o sofrimento ou a desgraça e que ela deseja arrancar do indivíduo a fantasia e o consolo que se tem (corrente enfeitada, atraente e idealizada).

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Em outras palavras, o autor traz a ideia que a crítica não pretende apenas tirar o consolo e a fantasia, mas também almeja que o indivíduo se desamarre da própria corrente (ideologia) e que a flor, antes imaginária, com efeito, ecloda e desabroche, isto é, que o indivíduo a encontre de fato. Em síntese, segundo as observações, a crítica não objetiva tirar o encanto do mundo, mas que o percebamos tal como ele verdadeiramente é e, diante disso, possamos mudá-lo, reinventá-lo. É o que percebemos na intenção de Morpheus quando instiga Neo a despertar, a conhecer o realidade tal como é, não é perceptível que o mestre deseje sugar todo o encanto que Neo tem pelo mundo que conhece e seus prazeres, mas fazê-lo conhecer esse cosmos e, depois, com a equipe, transformá-lo, ou, salvá-lo. 

Sendo assim, trata-se da necessidade de visualizarmos a realidade da forma que ela realmente se configura, mesmo sendo algo difícil e doloroso, isso porque só poderemos modificá-la, melhorá-la, a partir do momento em que a conhecemos. Pois, caso essa realidade não se torne conhecida, bem como suas nuances, os indivíduos continuaram promovendo a manutenção do status quo, simplesmente, aceitando tudo o que é posto, sem reflexão (como Neo fez por bastante tempo). Também nesse contexto, quando Marx na sua Crítica a Filosofia de Hegel trata a religião como um ópio, quer dizer, uma droga paliativa, é possível interpretar a colocação como um recurso que prende tanto a nossa atenção a ponto de nos deixar cegos e nos fazer esquecer o ato de criticar, de desconfiar, de pensar os valores e as mensagens sociais, e nós, muitas vezes, ao invés de buscarmos resolver os conflitos e causas de sofrimentos, buscamos continuar ingerindo essa droga para paliar nossas inquietações. Em Matrix, mesmo Neo sentindo uma inquietação interna e, de algum modo, pessoal, ele passou muito tempo só seguindo o que estava posto, sem questionar, sem buscar as causas e origens, mas, quando o líder Morpheus o desperta para a crítica da realidade posta, ele consegue agir, consegue buscar a resolução dos problemas e, assim, começa a promover mudanças na estrutura social e política da sociedade.

Em resumo, Marx faz um chamado à saída da Matrix, de um mundo de ilusões, ideologias e idealismos que abstraem-se de reflexões críticas. Essa  seria a verdadeira liberdade.


Referências

BONNEWITZ, Patrice. Primeiras lições sobre a sociologia de P. Bourdieu. Petrópolis, RJ : Vozes, 2003.

FILHO, WiIIiss Guerra. A contribuição de Karl Marx para o desenvolvimento da ciência do direito. R. Fac. Direito. Curitiba. a.28. n.28. 1994/95. p.69-74 In Palestra proferida no 11Congresso Internacional de Direito Alternativo, Florianópolis, de 29.09 a 01.10.93.

MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel – Introdução. In: Temas de Ciências Humanas. São Paulo: Grijalbo, 1977.

The Matrix (Matrix), Direção e roteiro: Andy Wachowski e Larry Wachowski, produção Joel Silver, Distribuição: Warner Bros. EUA, 1999. 

Sobre a autora
Vanessa Silva Santos

Estudante de Direito I Correspondente Jurídico I Pesquisadora: - Graduanda em Direito pela Faculdade de Petrolina - FACAPE. - Técnica em Agropecuária pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano - Campus Senhor do Bonfim.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Texto elaborado para apresentação à disciplina de Introdução ao Estudo do Direito, lecionada pelo Professor Nadielson França, na Faculdade de Petrolina - FACAPE.

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