Responsabilidade civil

28/07/2021 às 23:37
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Na vida em sociedade toda atividade que prejudique a outro membro acarreta em um determinado desequilíbrio. Tal atividade prejudicial pode acarretar prejuízos materiais e morais, portanto, a fim de retomar o equilíbrio harmônico social o autor do dano.

A responsabilidade civil funda-se no primado do restabelecimento do equilíbrio jurídico e patrimonial afetado por uma conduta que transgrediu norma preexistente, recuperando o statu quo ante. Nessa linha, afirma Venosa:

Os princípios da responsabilidade civil buscam restaurar um equilíbrio patrimonial e moral violado. Um prejuízo ou dano não reparado é um fator de inquietação social. Os ordenamentos contemporâneos buscam alargar cada vez mais o dever de indenizar, alcançando novos horizontes, a fim de que cada vez menos restem danos irressarcidos (2010, p. 2-3).

A responsabilização civil é, pois, o instituto da reparação do dano, através do qual se visa restabelecer o equilíbrio prejudicado pelo dano injusto, visando, em outras palavras, restituir o prejudicado ao statu quo ante. O prejuízo deve ser indenizado por quem o causou, restabelecendo a pacificação na sociedade. Nessa linha, Maria Helena Diniz (2012, p. 37) conceitua responsabilidade civil como “a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal”.

Não se pode falar que o fato de se responsabilizar alguém pelo dano praticado conduz ao enriquecimento indevido da vítima, uma vez que através da responsabilidade civil se busca restabelecer o equilíbrio quebrado pelo dano injusto, compensando a vítima pelo prejuízo sofrido, não existindo, pois, um acréscimo patrimonial, mas apenas uma compensação pelo dano vivenciado. Por outro lado, também não se busca a ruína patrimonial para quem praticou o ato ilícito. Não obstante o caráter sancionador da obrigação de reparar, mormente em sede de indenização por danos morais, o fim primordial do instituto ora analisado é o restabelecimento da situação anterior ao fato contrário ao ordenamento (MENDONÇA, 2018).

O sentimento de justiça e manutenção da convivência harmônica e equilibrada recai na imposição de deveres que devem ser observados pelos indivíduos que compõem a sociedade. Estes deveres são denominados de “originários” ou “primários” e decorrem do ordenamento jurídico ou das relações negociais entre os sujeitos de direitos (contratos). Tais deveres podem se exteriorizar em deveres de dar, fazer ou não fazer, ou, de forma mais genérica, exterioriza-se no dever geral que governa as relações privadas extracontratuais, qual seja, no dever de não causar dano a outrem (neminem laedere), conforme Sergio Cavalieri Filho:

Para atingir esse desiderato, a ordem jurídica estabelece deveres que, conforme a natureza do direito a que correspondem, podem ser positivos, de dar ou fazer, como negativos, de não fazer ou tolerar alguma coisa. Fala-se, até, em um dever geral de não prejudicar ninguém, expresso pelo Direito Romano através da máxima neminem laedere (2009, p. 1).

O descumprimento do dever originário faz surgir o ilícito, entendido como toda ação ou omissão que viola uma norma pré-existente e que causa dano a terceiro, provocando o surgimento do dever secundário ou derivado, que é o dever de reparação do dano causado. A acepção que se faz de responsabilidade, portanto, está ligada ao surgimento de uma obrigação derivada, ou seja, um dever jurídico sucessivo (GAGLIANO et al, 2008, p. 2). Nessa linha são as palavras de Sergio Cavalieri Filho:

A violação de um dever jurídico configura o ilícito, que, quase sempre, acarreta dano para outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja, o de reparar o dano. Há, assim, um dever jurídico originário, chamado por alguns de primário, cuja violação gera um dever jurídico sucessivo, também chamado de secundário, que é o de indenizar o prejuízo. A título de exemplo, lembramos que todos têm o dever de respeitar a integridade física do ser humano. Tem-se, aí, um dever jurídico originário, correspondente a um direito absoluto. Para aquele que descumprir esse dever surgirá um outro dever jurídico: o da reparação do dano (2009, p. 2).

A responsabilidade é um dever jurídico sucessivo que surge para reparar o dano decorrente da transgressão de um dever jurídico originário. Desta forma, segundo Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 24), toda conduta humana que, violando dever jurídico originário, causa dano a outrem é fonte geradora de responsabilidade civil. Nessa linha, Sergio Cavalieri Filho (2009, p. 2) conceitua responsabilidade civil da seguinte forma:

Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário. Só se cogita, destarte, de responsabilidade civil onde houver violação de um dever jurídico e dano. Em outras palavras, responsável é a pessoa que deve ressarcir o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico. E assim é porque a responsabilidade pressupõe um dever jurídico preexistente, uma obrigação descumprida.

Pablo Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2008, p. 9) expõem que a responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas. O contrato também faz surgir, para as partes, um dever primário, que é o cumprimento da avença. Ressalvadas as hipóteses de resolução da obrigação contratual por onerosidade excessiva e exceção de contrato não cumprido, o inadimplemento faz surgir o dever secundário, traduzido na reparação do dano decorrente do descumprimento contratual (MENDONÇA, 2018).

Destarte, é imprescindível a transgressão do dever originário, bem como do dano efetivo, em sede de responsabilidade civil, para caracterização da obrigação sucessiva de indenizar, malgrado algumas exceções. Apesar da responsabilidade civil ser um instituto do direito obrigacional, diferencia-se da obrigação por ser um dever sucessivo que nasce do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar, determinada pessoa, de observar um preceito normativo que regula a vida, por enquanto que a obrigação é um dever jurídico originário (MENDONÇA, 2018).

O próprio Código Civil faz essa distinção entre obrigação e responsabilidade na redação de seu artigo 389, que dispõe que “Não cumprida a obrigação [obrigação originária], responde o devedor por perdas e danos [...]” que é dever sucessivo. Desta maneira que é a obrigação sucessiva, ou seja, a responsabilidade (BRASIL, 2002, grifo nosso). A doutrina em geral, ao tratar da teoria geral das obrigações destaca dois momentos distintos: primeiramente o do débito (Schuld), consistente na obrigação do devedor de realizar determinada prestação; e, em segundo lugar, o da responsabilidade (Haftung), na qual se faculta ao credor a atacar o patrimônio do devedor com o desiderato de ser indenizado pelo descumprimento da obrigação originária (MENDONÇA, 2018).

3.2 Breves considerações sobre os elementos da responsabilidade civil

A responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse jurídico em virtude do descumprimento de uma norma jurídica pré-existente, contratual ou não. A lei busca reconstituir o ordenamento jurídico violado. O instituto em comento pode, a depender da natureza jurídica da norma violada, ser de duas espécies: contratual (artigos 389 e 395 do Código Civil Brasileiro), com base no adimplemento da obrigação, e, extracontratual ou aquiliana, oriunda do descumprimento direto da lei (artigos 168 e 927 do Código Civil Brasileiro).

No caso de responsabilidade contratual a efetivação é processualmente mais facilitada posto que já existe um contrato vinculando as partes. Nesse caso, existe uma presunção de dano e de culpa. Na responsabilidade aquiliana a vítima deve provar o dano. O princípio que rege a responsabilidade aquiliana é aquele segundo o qual a ninguém é facultado causar prejuízo a outrem, denominado princípio do neminem laedere, o qual encontra se epigrafado no artigo 186, do Código Civil Brasileiro, o qual trata sobre o ato ilícito, sendo o mesmo a principal fonte da responsabilidade civil. Os elementos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil são os seguintes: conduta ou ato humano, nexo de causalidade e o dano ou prejuízo. A culpa não é um elemento geral da responsabilidade civil e, sim, um elemento acidental (OLIVEIRA LEITE, 2009).

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Para ensejar uma conduta, ato ilícito, que cause dano ou prejuízo a outrem são necessários 3 (três) elementos, ou também denominados por alguns doutrinadores de requisitos: culpa; nexo de causalidade; e dano. O primeiro elemento da responsabilidade civil tem por núcleo a noção de voluntariedade, podendo ser positiva ou negativa (ação ou omissão).

O ato de ação ou omissão do agente é o fator gerador da Responsabilidade Civil, caso a pessoa faça ou deixe de fazer algo que deveria ter feito e, com isto, derive um determinado dano. Destarte, que a ação (conduta positiva) ou omissão (conduta negativa) se trata de conduta humana, e por consequência elemento subjetivo da responsabilidade civil, de tal forma, que se torna indissociável da culpa, portanto tornando-se um único elemento (SOARES NETO, 2017).

A responsabilidade é necessariamente uma reação provocada pela infração a um dever preexistente. A obrigação preexistente é a verdadeira fonte da responsabilidade. De extrema relevância é o dano por omissão, pois para que este se configure requer prova da qual aponte que diante de determinada conduta o dano poderia ser evitado. Cita-se dois exemplos para ilustrar a situação de omissão: acidente de trânsito onde o causador do dano omite socorro; curatelado que sofre dano devido à conduta omissa do curador (SOARES NETO, 2017).

Outro ponto que merece destaque, é no que diz respeito à voluntariedade, pois aqui a pessoa tem consciência daquilo que se faz. A regra geral é de que a conduta deve ser ilícita, mas também pode haver responsabilidade civil decorrente de ato lícito, por isso, a ilicitude não pode ser um elemento geral. A responsabilidade civil pode ser ato próprio como também pode ocorrer por ato de terceiro ou por fato da coisa ou do animal, chamada responsabilidade civil indireta. Neste último caso haverá conduta humana mesmo que por omissão. As presunções de culpa não existem mais no Código Civil Brasileiro sendo substituída, na maioria das vezes, pela responsabilidade objetiva (OLIVEIRA LEITE, 2009).

Já o nexo de causalidade é o vínculo ou liame que une a conduta humana ao resultado danoso. As teorias explicativas do nexo de causalidade são as seguintes:

a) Equivalência de condições (conditio sine qua non): para essa teoria todos os antecedentes fáticos que contribuírem para o resultado são causa dele. Deve ser limitada para não levar o intérprete ao infinito. Bending diz que se levar a teoria ao infinito poderia se cometer o absurdo de condenar o marceneiro que fez a cama onde foi cometido o adultério. Não foi adotada pelo Código Civil Brasileiro.

b) Causalidade adequada: foi criada por Von Kreies e afirma que causa é o antecedente causal abstratamente idôneo à realização do resultado segundo um juízo de probabilidade. Também não foi adotada pelo Código Civil Brasileiro.

c) Causalidade direta e imediata: para outros autores, como Gustavo Tepedino e Pablo Stolze, foi adotado pelo Código Civil Brasileiro e afirma que a causa serviria apenas o antecedente fático ligado necessariamente ao resultado danoso como uma consequência direta e imediata (OLIVEIRA LEITE, 2009, grifo nosso).

Portanto, conforme a teoria adotada, será possível qualificar certa pessoa como a responsável pelo evento danoso em razão do nexo de causalidade havido entre o ato por ela praticado e o prejuízo causado à vítima. No âmbito penal, aplica-se a teoria da equivalência das condições, expressamente prevista no art. 13 do Código Penal. Já na esfera cível, em que não há disposição expressa acolhendo uma ou outra doutrina, admite-se que a teoria prevalente é a da causalidade adequada, em que pese a existência de posicionamentos em sentido contrário. Como se verificou acima, a omissão ou ação vem antes da culpa ou dolo.

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