INTRODUÇÃO
O tema proposto tem como objetivo avaliar a possibilidade de revisão judicial das decisões proferidas pelo Tribunal de Contas, sob o enfoque do princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, sem qualquer limitação a essa análise judicial, uma vez que os Tribunais de Contas não possuem poder jurisdicional e, por isso, suas decisões não fazem coisa julgada. Daí a possibilidade de outro órgão, que possui jurisdição, analisar e revisar tais decisões.
Tal tema possui divergência doutrinária e jurisprudencial, na medida em que há duas correntes preponderantes no Brasil: uma, encabeçada por José dos Santos Carvalho Filho, defende que o Poder Judiciário possui legitimidade para revisar as decisões das Cortes de Contas apenas no que tange à existência de ilegalidades, sem analisar o mérito administrativo; a outra, defendida por Celso Antônio Bandeira de Mello, entende que o Poder Judiciário poderá rever qualquer decisão do Tribunal de Contas, inclusive o mérito administrativo.
Nessa toada, observa-se que, para analisar o debate entre as duas correntes doutrinárias, será estudada a teleologia do princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional e a sua restrição, bem como a aplicação do instituto da coisa julgada na esfera administrativa.
O trabalho propõe essa avaliação da revisão judicial das decisões proferidas pelo Tribunal de Contas, tendo em vista que o administrador tem o direito constitucional de ter o mérito da decisão da Corte de Contas analisado pelo Judiciário, nos termos do art. 5º, inciso XXXV, da Constituição de 1988.
Desse modo, verifica-se a necessidade de reavaliar os posicionamentos da jurisprudência e da doutrina sobre a temática, tendo como base o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional e os direitos garantidos na Constituição de 1988.
Ao lado desses problemas, emergem algumas questões jurídicas acessórias, mas igualmente relevantes, em especial a identificação dos valores erigidos pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal ao analisar a possibilidade de revisão judicial da aplicação, pelo Tribunal de Contas, de penalidades e multas a servidores públicos, ordenadores de despesas ou eventuais responsáveis.
1. DO CONTROLE JUDICIAL
Como é cediço, o ordenamento jurídico brasileiro adota o modelo inglês da jurisdição una, segundo o qual todas as causas são decididas pelo Poder Judiciário, inclusive as questões de interesse da Administração Pública. Tal sistema também é conhecido como sistema do monopólio da jurisdição – una lex, una jurisdictio –, em que somente os órgãos do Poder Judiciário exercem a função jurisdicional e proferem decisões que se acobertam pelo manto da coisa julgada.
O fundamento de validade da adoção de tal sistema encontra-se esculpido na Constituição, em seu art. 5º, inciso XXXV, ao prever que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Tal inciso consagra o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional no ordenamento jurídico brasileiro.
Em oposição a esse sistema de jurisdição, há o sistema do contencioso administrativo, também chamado de sistema da dualidade de jurisdição ou sistema francês, em que, além do Poder Judiciário, há uma justiça administrativa que julga os litígios em que uma das partes é, necessariamente, o Poder Público. Nessa jurisdição, tanto o Poder Judiciário quanto a Justiça Administrativa possuem jurisdição.
Segundo José dos Santos Carvalho Filho, há vantagens na adoção do sistema do contencioso administrativo:
A vantagem desse sistema consiste na apreciação de conflitos de natureza essencialmente administrativa por uma Justiça composta de órgãos julgadores especializados, razão por que têm contribuído de forma significativa para o desenvolvimento do Direito Administrativo. Os que o criticam se baseiam no fato de que fica mitigada em favor dos litigantes privados a garantia de imparcialidade, já que na Justiça Administrativa o Estado, em tese, é parte e juiz do conflito1.
Não obstante o Brasil adotar o sistema de jurisdição una, vale observar que parte da doutrina e da jurisprudência entende que há limitações no controle dos atos da Administração Pública exercido pelo Poder Judiciário, sob o argumento de que tal controle se restringe à legalidade do ato administrativo, uma vez que é vedado ao Judiciário apreciar o chamado mérito administrativo2 3.
Inclusive, esse entendimento era perfilhado pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar o mandado de segurança nº 7280, do Rio de Janeiro, cuja relatoria era do Min. Henrique D’Avila, em 20/06/1960.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro entende que a limitação do Poder Judiciário não se cinge apenas ao aspecto da legalidade, mas também à moralidade, com base no art. 5º, inciso LXXIII, e no art. 37. da Constituição. Sobre a questão do mérito administrativo, a renomada doutrinadora afirma que não há invasão no mérito administrativo quando o Judiciário aprecia os motivos do ato, uma vez que a ausência ou falsidade do motivo caracteriza ilegalidade4.
Já Celso Antônio Bandeira de Mello deixa claro o seu entendimento no sentido de que o Judiciário pode e deve analisar amplamente as circunstâncias de fato que produziram o suposto ato discricionário, na medida em que há apenas a investigação da legalidade do seu comportamento, com a averiguação de se houve correta subsunção do fato à hipótese ensejadora do poder discricionário, pois o ato só poderá persistir se estiver de acordo com a finalidade da lei. Nas palavras do autor:
Com efeito: a lei tanto pode ser ofendida à força aberta como à capucha. No primeiro caso o administrador expõe-se afoitamente à repulsa: no segundo, por ser mais sutil não é menos censurável Vale dizer: a ilegitimidade pode resultar de manifesta oposição aos cânones legais ou de violação menos transparente, porém tão viciada quanto a outra. Isto sucede exatamente quando a Administração, em nome do exercício da atividade discricionária, vai além do que a lei lhe permitia e, portanto, igualmente a ofende.
Essa forma de ilegalidade não é menos grave que a anterior. Pelo contrário. Revela maior grau de periculosidade para o sistema normativo e para a garantia da legalidade, justamente porque, não sendo tão perceptível, pode, às vezes, escapar das peias da lei, propiciando à Administração subtrair-se indevidamente ao crivo do Poder Judiciário, se este se mostrar menos atento às peculiaridades do Direito Administrativo ou cauteloso em demasia na investigação dos atos administrativos.
É, pois, precisamente em casos que comportam discrição administrativa que o socorro do Judiciário ganha foros de remédio mais valioso, mais ambicionado e mais necessário para os jurisdicionados, já que a pronúncia representa a garantia última para contenção do administrador dentro dos limites de liberdade efetivamente conferidos pelo sistema normativo.5
Com efeito, observa-se que há um movimento na doutrina, encabeçado por Celso Antônio Bandeira de Mello, com o objetivo de desmistificar a limitação do controle judicial do ato administrativo.
Nesse sentido, com o objetivo de subsidiar o entendimento acima, é importante observar que o ato administrativo não gera coisa julgada6, isto porque, conforme já afirmado, a Administração Pública não é revestida de jurisdição, uma vez que o exercício da função jurisdicional compete exclusivamente aos órgãos do Judiciário, considerando o nosso sistema uno de jurisdição.
Assim, a nomenclatura que a doutrina tem utilizado como referência para afirmar que a decisão, dentro do âmbito administrativo, é irretratável não se trata de coisa julgada, mas sim de uma mera preclusão administrativa. Desse modo, o administrado sempre poderá recorrer ao Poder Judiciário e, assim, obter a definitividade e a imutabilidade da decisão judicial7.
Acerca do tema, a Primeira Turma do TRF da 5ª Região afirma:
As decisões dos Tribunais de Contas podem ser objeto de controle judicial não apenas quanto à formalidade de que se revestem, mas inclusive quanto a sua legalidade, considerando-se que tais decisões não fazem coisa julgada, que é qualidade exclusiva das decisões judiciais como decorrência da unicidade de jurisdição de nosso sistema constitucional. Não há como eximir as decisões dos Tribunais de Contas da sindicabilidade judicial, quando a Constituição Federal impõe a inafastabilidade do controle judicial de qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito, como princípio.8
Inclusive, o antigo entendimento do Supremo Tribunal Federal tem se amoldado à ampliação do controle judicial dos atos administrativos, conforme se verifica da liminar concedida pelo STF, na análise do Mandado de Segurança nº 28.745, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, que anulou o mérito do julgado do Tribunal de Contas da União. No caso em apreço, o TCU entendeu que a PETROBRAS não poderia utilizar o procedimento licitatório simplificado, exigindo a realização de licitação nos moldes da Lei 8.666/93. Todavia, o STF suspendeu a decisão do TCU e assegurou a realização dos Procedimentos Licitatórios Simplificados pela PETROBRAS[^9].
Ora, verifica-se que, se as decisões tomadas no âmbito administrativo não produzem coisa julgada, nada mais correto do que o Poder Judiciário analisar tal ato sem a limitação do suposto “mérito administrativo”, uma vez que o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional é princípio constitucional que garante a análise da demanda pelo Poder Judiciário. Além disso, o princípio da eficiência, também previsto na Constituição Federal, em seu art. 37, denota a necessidade de o Poder Judiciário avaliar se, dentre as escolhas do administrador, este optou pela alternativa mais eficiente para a Administração Pública. Isso porque as escolhas feitas pelo Poder Público devem possuir uma forma de controle. Deixar de exercer o controle judicial de tais atos é permanecer no alvedrio e na incompetência de algumas medidas que não possuem sanção, seja legal ou judicial.
Não obstante o já exposto, vale esclarecer que a corrente defensora da limitação do controle judicial das decisões do Tribunal de Contas sustenta que o legislador constituinte confere tutela jurisdicional a outros órgãos que não os do Poder Judiciário, como nos arts. 49, IX, e 52, I e II da Carta Magna.
Segundo tal corrente, o art. 71, II, da Constituição, ao determinar que compete ao Tribunal de Contas da União julgar as contas dos administradores, gera dupla interpretação, de forma a dar a entender que tal competência está atrelada à função jurisdicional.
Acerca do tema, José dos Santos Carvalho Filho leciona que o sentido do termo “julgar” não é o mesmo exercido pelos juízos, mas sim: “o sentido do termo é o de apreciar, examinar, analisar as contas, porque a função exercida pelo Tribunal de Contas, na hipótese, é de caráter eminentemente administrativo”10.
Marçal Justen Filho afirma que o Tribunal de Contas, no desempenho da sua função, possui regime jurídico equivalente ao da Magistratura, numa atuação “quase jurisdicional”. Todavia, o citado autor deixa claro que o referido Tribunal não possui competência jurisdicional, ainda que o art. 71, II, da Constituição utilize o verbo “julgar”11.
Sobre o tema, a professora Maria Sylvia Zanella di Pietro afirma que “(...) a função de julgar as contas não se trata de função jurisdicional, porque o Tribunal apenas examina as contas, tecnicamente, e não aprecia a responsabilidade do agente público, que é de competência exclusiva do Poder Judiciário”. 12
Ora, observa-se que a terminologia processual utilizada na Constituição, em sua acepção corriqueira, foi um motivador da corrente defensora de que os Tribunais de Contas, assim como os Tribunais de Justiça, proferem julgamentos e exercem jurisdição, quando, na realidade, tais Tribunais de Contas exercem apenas a atividade administrativa de fiscalização, de apreciação de contas, de concessão de aposentadorias, reformas e pensões.
Acerca do tema, é importante salientar que o Superior Tribunal de Justiça afirma, em diversos julgados, que a natureza do Tribunal de Contas é a de órgão de controle auxiliar do Poder Legislativo, e sua atividade é meramente fiscalizatória, não exercendo atividade jurisdicional. Suas decisões são técnico-administrativas, não fazem coisa julgada e nem vinculam a atuação do Poder Judiciário, sendo passíveis de revisão por este, sob o fundamento do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional13.
Com base no exposto, de fato, não se vislumbra a possibilidade de o legislador constituinte ter criado uma figura de jurisdição especial para julgar os administradores e demais responsáveis pelos bens, dinheiros e recursos públicos.
Se fosse o caso, a Constituição, em seu art. 71, II, teria estabelecido competência privativa ao Tribunal de Contas no que se refere ao julgamento dos referidos responsáveis, tal qual ocorre no caso do julgamento de certos membros do Executivo e do Legislativo, que são julgados pelo Legislativo Federal. Como exemplo, podemos citar o caso do Presidente da República, Ministros do Supremo Tribunal Federal, entre outros, que devem ser julgados exclusivamente pelo Senado Federal nos crimes de responsabilidade. Nesses casos, o Judiciário não tem competência para assumir tal julgamento, consoante prevê o art. 52, I e II, da CF.
Dessa forma, percebe-se que o Poder Judiciário poderá julgar os mesmos administradores públicos, bem como irregularidades e ilegalidades já analisadas pelo Tribunal de Contas, tendo esta Corte exercido seu papel ou não.
2. DA REVISÃO PELO PODER JUDICIÁRIO DAS MULTAS APLICADAS PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO AOS RESPONSÁVEIS
Traçado um panorama acerca do poder jurisdicional exercido pelo Poder Judiciário, bem como de sua competência para julgar os fatos analisados pelos Tribunais de Contas, torna-se imperioso avaliar, em especial, a situação em que o Tribunal de Contas comina multa aos ordenadores de despesas, servidores públicos e eventuais responsáveis, quando do exercício de seu mister14.
Com efeito, a força executiva dos acórdãos provenientes do Tribunal de Contas decorre da própria Constituição Federal, a qual, além de definir a competência do referido órgão, atribui expressamente eficácia executiva às suas decisões que imputem débito ou multa. É o que se depreende da redação dada pelo art. 71, VIII, § 3º, in verbis:
Seção IX - DA FISCALIZAÇÃO CONTÁBIL, FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
[...]
VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;
[...]
§ 3º - As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo.
O mencionado dispositivo constitucional também se encontra regulamentado pela Lei Federal nº 6.822/80, abaixo transcrita:
Art. 1º As decisões do Tribunal de Contas da União condenatórias de responsáveis em débito para com a Fazenda Pública tornam a dívida líquida e certa e têm força executiva, cumprindo ao Ministério Público Federal, ou, nos Estados e Municípios, a quem dele as vezes fizer, ou aos procuradores das entidades da administração indireta, promover a sua cobrança executiva, independentemente de quaisquer outras formalidades, na forma do disposto na alínea c do artigo 50 do Decreto-lei nº 199, de 25 de fevereiro de 1967.
Art. 2º Incluem-se entre os responsáveis mencionados no artigo anterior os da administração indireta, os das fundações instituídas ou mantidas pela União e os abrangidos pelos artigos 31, item X, e 43 do Decreto-lei nº 199, de 25 de fevereiro de 1967, e pelo artigo 183 do Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, bem como os administradores de quaisquer recursos originários de transferências federais.
Art. 3º As multas impostas pelo Tribunal de Contas da União, nos casos previstos no artigo 53 do Decreto-lei nº 199, de 25 de fevereiro de 1967, após fixadas em decisão definitiva, serão, também, objeto de cobrança executiva, na forma estabelecida no artigo 1º.
Ante o exposto, conclui-se que, por força normativa, o acórdão do Tribunal de Contas da União, ao imputar débito ou cominar multa ao ordenador de despesa, servidor público ou eventuais responsáveis, constitui título executivo extrajudicial, apresentando todos os elementos de liquidez, certeza e exigibilidade necessários para deflagrar uma execução.
A esse respeito, o Código de Processo Civil disciplina, em seu artigo 784, inciso XII, que possuem eficácia executiva todos os títulos que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva15.
Não obstante essa força executiva traçada pelo legislador constitucional, vale esclarecer que tais acórdãos não limitam a análise pelo Poder Judiciário. Isso porque o legislador processual, ao dispor no Código de Processo Civil, no art. 917, inciso VI, que o executado, em sede de embargos, poderá alegar “qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento”, permite a ampla cognição, pelo Poder Judiciário, do mérito da decisão proferida pelo Tribunal de Contas da União.
Tal tratamento legal corrobora ainda mais o entendimento de que não há limitação à revisão judicial dos atos das Cortes de Contas, de forma que as decisões proferidas por tais órgãos, ao cominar multas e imputar débitos, devem ser revistas e apreciadas novamente pelo Poder Judiciário, por força do princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição de 1988.
Nessa toada, é importante trazer à baila que o Superior Tribunal de Justiça tem decidido no sentido de que não existe mérito administrativo nos atos que determinem sanções aos administradores públicos, in verbis:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MÉRITO ADMINISTRATIVO. DISCRICIONARIEDADE. INOCORRÊNCIA. PENA DE DEMISSÃO. DESPROPORCIONALIDADE. INADEQUAÇÃO. INOCORRÊNCIA.
I - Inexiste discricionariedade (juízo de conveniência e oportunidade) no ato administrativo que impõe sanção disciplinar, razão pela qual o controle jurisdicional, nesses casos, é amplo e não se limita a aspectos formais (precedente: MS 12983/DF, 3ª Seção, de minha Relatoria, DJ de 15.2.2008).
II - Na hipótese dos autos, a aplicação da pena de demissão ao recorrente não se revela desproporcional ou inadequada, porquanto aplicada após regular procedimento administrativo, em que restaram comprovadas irregularidades de natureza grave. Recurso ordinário desprovido.16
Acerca do tema, destaca-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal:
A jurisprudência desta Suprema Corte entende plenamente cabível o controle de constitucionalidade dos atos de imposição de penalidades, especialmente à luz da razoabilidade, da proporcionalidade e da vedação do uso de exações com efeito confiscatório (cf., e.g., a ADI 551 e a ADI 2.010). Portanto, como a relação entre a pena imposta e a motivação que a fundamenta não é imune ao controle de constitucionalidade e de legalidade, as correções eventualmente cabíveis não significam quebra da separação dos Poderes. De fato, essa calibração decorre diretamente do sistema de checks and counterchecks adotado pela Constituição de 1988, dado que a penalização não é ato discricionário da administração, aferível tão somente em termos de conveniência e de oportunidade.17
Por todo o exposto, conclui-se que a ratio decidendi adotada pelos Tribunais de Contas, ao ensejarem a condenação de ordenador de despesa, servidor público ou mero responsável, é passível de revisão pelo Judiciário, com o objetivo de se averiguar a existência de eventuais erros na aplicação de penas e multas por tais Cortes de Contas em seus julgamentos.