Introdução
Os bens imóveis, exatamente por serem duráveis ou por terem constante valorização financeira, acabam se tornando atrativos como forma de investimento, sendo grande a preferência de sua aquisição, além da inegável questão envolvendo a necessidade de moradia.
Por serem bens que, via de regra, apresentam alto custo quando comparados com a média salarial do país, surgiu a figura da aquisição do bem, por meio da intermediação de um terceiro. O pagamento do valor total do imóvel é feito em parcelas, que se dissolvem ao longo dos anos, acrescidas de juros, e o detentor do capital tem como garantia o próprio bem. São os popularmente conhecidos financiamentos imobiliários.
O ordenamento jurídico, por sua vez, desenvolveu um sistema de proteção para credores e devedores, trazendo regras em face de eventual inadimplemento do devedor.
Uma das formas que foi inicialmente amplamente difundida, até mesmo por remontar a última fase do Direito Romano, foi a hipoteca, que analisaremos, ainda que brevemente, apontando algumas de suas vantagens e desvantagens.
No entanto, outra figura jurídica, de origem mais recente (instituída pela lei 9.514/1997), acabou ganhando destaque no mercado imobiliário, é a chamada alienação fiduciária. Sobre ela também traçaremos algumas linhas, abordando suas vantagens e desvantagens.
O ordenamento jurídico visa amparar o credor com um sistema de garantias em face de eventual inadimplemento devedor, já que não mais o corpo físico desde responde por suas dívidas (e isso desde os idos de 326 a.C, quando do advento da Lex Poetelia Papira, no séc. IV, quando então o patrimônio do devedor passou a responder pela maior parte[1] de seus débitos).
É nesta ceara que se vincula certo bem, do patrimônio do devedor, ou, em alguns casos de terceiro que a este título o apresente, ao pagamento daquela obrigação, sem que o credor possa, de fato, usar ou fruir do bem dado em garantia.
Desta forma, se assegura o cumprimento da obrigação principal, consistente no pagamento da dívida, permitindo-se, na hipótese de inadimplemento a execução da garantia.
Das formas de garantia previstas pela lei civil
Mas para que esta garantia seja validamente ofertada, apresentada, existem regras. A legislação civil prevê o penhor, a hipoteca, a anticrese e a alienação fiduciária como formas de se alcançar esta garantia.
De modo bastante sucinto, até mesmo por não ser tema central de nossa análise, passaremos pelo conceito de penhor e anticrese.
O penhor consiste em um direito real que realiza a garantia de um crédito mediante a transferência efetiva da posse de coisa móvel alienável ao credor pignoratício (ou a quem o represente)[2], nos termos do que dispõe o artigo 1.431, CC. Destaque-se que embora esteja de posse do bem dado em garantia, não pode o credor dela se utilizar.
A anticrese, de pouca utilização prática, se encontra no meio do caminho entre o penhor e a hipoteca. Neste direito real de garantia, aplicável móveis ou imóveis, o credor também assume, necessariamente, a posse do bem (o que a diferencia da hipoteca), e o faz para usufruir de seus frutos (o que a diferencia do penhor), com o objetivo de amortizar o valor total da dívida ou, ainda, de receber juros[3].
Os frutos gerados pela coisa recebida pelo credor, no caso da anticrese, ficam conectados à extinção da dívida (art. 1506, CC).
Chegando ao nosso tema central, trataremos de alguns aspectos relacionados à hipoteca e à alienação fiduciária de bens imóveis, formas que nos parecem mais adequadas de garantir a separação de um bem imóvel do patrimônio do devedor, vinculando-o como pagamento da obrigação principal contraída.
Da alienação fiduciária
Instituída pela lei 9.514, de 20 de novembro de 1.997, a alienação fiduciária visa garantir operações de financiamento imobiliário.
Através dela, o sujeito passivo da obrigação (devedor), que recebe o nome de fiduciante, transfere para o sujeito ativo da obrigação (credor), denominado de fiduciário, a propriedade do bem.
Para ser constituída, essencial que o negócio jurídico celebrado seja levado a registro perante o Cartório de Registro de Imóveis. Como registro, nasce a denominada propriedade fiduciária,esta, por sua vez provoca o desdobramento da posse: posse indireta do bem passa a pertencer ao fiduciário (credor), enquanto a direta pertence ao fiduciante (devedor).
A propriedade recebida pelo fiduciário em decorrência do negócio jurídico celebrado é resolúvel, ou seja, é recebida sob uma condição resolutiva, qual seja, o fiduciário se obriga a devolve-la ao fiduciante tão logo este cumpra a obrigação pactuada.
Se, porém, o fiduciante não cumprir a obrigação, ou seja, não pagar a dívida, a propriedade se consolida em nome do fiduciário, de modo que este solicitará ao Registro de Imóveis, cumpridas as formalidades legais, que consolide a propriedade plena do bem em seu nome, apresentando o respectivo comprovante de pagamento do imposto devido (ITBI) [4].
Pode ser celebrada entre pessoas físicas, ou jurídicas, não sendo exclusividade das empresas que atuam no Sistema Financeiro da Habitação.
Além da propriedade plena do imóvel, é possível que seja objeto de alienação fiduciária outros direitos reais, como o direito de uso para fins de moradia, o direito real de uso (desde que suscetível de alienação), e, ainda, a propriedade superficiária.
Isso significa dizer que o mesmo bem seja dado mais de uma vez em garantia através da alienação fiduciária, que incidirá sobre o direito real respectivo.
Trata-se de um negócio jurídico uno, embora composto de duas relações jurídicas: uma de natureza obrigacional, que se expressa no débito contraído e outra de natureza real, representada pela garantia, que é um ato de alienação temporária ou transitória, uma vez que o fiduciário recebe o bem não para tê-lo como próprio, mas com o fim de restituí-lo com o pagamento da dívida[5].
Por meio da alienação fiduciária, a propriedade resolúvel do bem imóvel é transferida ao credor, em caráter fiduciário, sendo que o devedor fiduciante é equiparado a depositário do bem, o que tinha consequências significativas ante da adesão ao Paco de San Jose da Costa Rica, que acabou com a possibilidade de prisão por dívidas, exceto a hipótese do devedor de alimentos.
A constituição da alienação fiduciária pode se dar por qualquer pessoa física ou jurídica, por instrumento público ou particular, ressaltando-se que para validade de sua constituição, a mesma deve ser levada a registro perante o cartório de registro de imóveis competente.
O objeto do contrato de alienação fiduciária pode ser um imóvel construído ou em construção e, a contratação segue os requisitos específicos tratados no art. 24 da lei 9514/97.
E, como objeto de nosso estudo, temos que, até, mesmo por tratar-se de instituto mais recentemente introduzido no ordenamento jurídico, vem acompanhado de certas facilidades práticas, que visam permitir ao credor maior celeridade na hipótese de execução da garantia.
Assim, como vantagens deste sistema, temos que com a constituição da alienação fiduciária há o desdobramento: a posse indireta é transferida ao credor e o devedor permanece na posse direta, desta forma, o devedor fiduciante pode utilizar livremente o imóvel, e fica responsável pelo pagamento de todos os impostos, taxas e quaisquer outros encargos que incidam sobre o imóvel.
Sua extinção, na hipótese de pagamento da dívida, é simples: a propriedade plena é revertida, automaticamente em favor do fiduciante. Basta mero termo de quitação ser apresentado junto ao cartório de registro de imóveis competente para que seja cancelada a alienação.
E, na hipótese de inadimplemento, a forma de execução desta garantia também se tornou mais célere. Nesta hipótese, a propriedade se consolida de imediato, na pessoa do credor hipotecário, tendo, a lei, inclusive, dispensado o pagamento de ITBI nesta situação.
O credor, no entanto, antes de consolidar a propriedade do bem, deve intimar o devedor, por meio do Oficial do registro de Imóveis, a pagar, em 15 dias, o valor em atraso, com todos os acréscimos ajustados no contrato.
Caso o pagamento não seja realizado, consolida-se, então a propriedade do imóvel na pessoa do credor.
Após o registro da propriedade plena do imóvel em nome do credor fiduciário, o mesmo deverá promover leilão público e extrajudicial para a venda do imóvel para fins de obter os recursos necessários para a quitação da dívida (possibilidade de execução “administrativa” da garantia).
No primeiro leilão designado o objetivo é conseguir o valor igual ao superior ao valor do imóvel e, não sendo possível, marca-se um segundo leilão, quando se autoriza a venda se atingir-se o valor da dívida prêmios de seguros, encargos legais e contribuições condominiais (art. 27, 2º da Lei 9514/97). Se o valor apurado no leilão for superior a dívidas e despesas, o saldo positivo será restituído ao devedor (art. 27, 4º da Lei 9514/97)
No entanto, diferentemente do que acontece com a hipoteca, na alienação fiduciária, caso no primeiro leilão não haja nenhum lance em valor superior ao valor do imóvel, e, no segundo, o maior lance não seja igual ou superior ao valor da dívida, a alienação fiduciária será considera extinta e o credor poderá ficar com o imóvel para si, como forma de pagamento (art. 27,§5º).
O devedor tem, até a data do segundo leilão, o direito de preferência na aquisição do imóvel. Neste caso deve pagar o valor da dívida, somado aos encargos e despesas previstos na lei (art. 27,§2º), acrescidos, ainda, do imposto (ITBI) e das despesas inerentes ao procedimento de cobrança e de leilão (art. 27,§2ºB)
A lei prevê ainda a possibilidade de o fiduciante dar seu direito eventual ao imóvel como pagamento da dívida, dispensando os procedimentos previstos no art. 27. Com isto, o devedor pode evitar que o valor da dívida seja majorado com os custos para realização do leilão, das notificações para constituição em mora.
O fiduciante pode também transmitir os direitos de que é titular a um terceiro, com anuência do fiduciário, sendo que as obrigações contratuais passam a ser assumidas pelo adquirente.
A mais importante talvez, vantagem da alienação fiduciária em face da hipoteca, é na hipótese de falência do devedor, pois o bem alienado fiduciariamente não entra na massa falida, pois já pertence ao credor, conforme prevê o §3º do art. 49 da Lei 11.101/2005, que trata da recuperação judicial, extrajudicial e falência do empresário e da sociedade empresária.
Exatamente por ser uma forma de garantia que permite maior celeridade na recuperação do bem na hipótese de inadimplência do devedor, vem sendo uma modalidade amplamente difundida.
Por tratar-se de estudo de garantia, abordaremos as desvantagens da alienação fiduciária sob o ponto de vista do credor, posto que do ponto de vista do devedor, as vantagens elencadas poderiam ser vistas de outro modo, quiçá pelo fato de não ser permitida qualquer defesa ao devedor que mesmo tendo pago muitas parcelas do contrato, perde o imóvel, de imediato, se tiver três parcelas em atraso e não honrar o pagamento quando devidamente notificado para tal. Assim, para evitar contrapontos desnecessários, abortaremos os aspectos desvantajosos do ponto de vista do credor fiduciário.
O único aspecto talvez desvantajoso que conseguimos verificar, baseia-se no disposto no artigo 27,§5º da Lei 9514/97, que se refere a possibilidade de consolidação da propriedade se não é a possibilidade de, se, em segundo leilão não for alcançado lance com valor total da dívida e das despesas, conforme referido anteriormente. Neste caso, o credor irá ter para si um bem que as pessoas podem não demonstrar interesse em adquirir ou o mesmo está com um bem em valor inferior ao seu crédito, sem a possibilidade de se perseguir outros bens do devedor.
Passemos à análise do instituto da Hipoteca.
Prevista no Código Civil, no artigo 1473 e seguintes, é conceituada por Maria Helena Diniz, como um direito real de garantia de natureza civil, que grava coisa imóvel ou bem que a lei entende por hipotecável, pertencente ao devedor ou a terceiro, sem transmissão de posse ao credor, conferindo a este o direito de promover a sua venda judicial, pagando-se preferentemente, se inadimplente o devedor. É, portanto um direito sobre o valor da coisa onerada e não sobre sua substância.
Sua constituição só pode se dar por meio de escritura pública, e só será oponível terceiros se averbada junto à matrícula do imóvel.
Apesar de não se mostrar, tecnicamente como a melhor forma de garantia, foi amplamente utilizada, e tem, a seu favor, algumas vantagens. Vejamos:
Diferentemente do que ocorre com a alienação fiduciária, uma vez que o bem dado em garantia e levado a leilão não obtenha recursos suficientes para quitar a dívida, o credor pode prosseguir em busca de outros bens do devedor que sejam suficientes a satisfação de seu crédito.
Outro aspecto que merece destaque é a preferência de crédito na hipótese de falência, estando atrás, apenas, dos credores trabalhistas com créditos de até 150 salários mínimos e os decorrentes de acidente do trabalho – art. 83, I da Lei 11.101/2005).
O devedor hipotecário deve, ainda, cuidar para que o imóvel não perca seu valor patrimonial a fim de garantir aquele credor, e, caso seja negligente, poderá ser intimado pelo credor da garantia para que tome as medidas necessárias, ou seja, reforçar ou substituir a garantia, sob pena de vencimento antecipado da dívida.
A hipoteca é uma garantia acessória que tem efeito coercitivo sobre o devedor, uma vez que no caso do não cumprimento da obrigação principal (pagamento), o credor da hipoteca poderá executar judicialmente, aquele bem, a fim de reaver seu crédito.
Outra vantagem está no fato de a lei permitir que seja fixado contratualmente que a alienação ou oneração do imóvel hipotecado seja hipótese de vencimento antecipado da dívida garantida pela hipoteca.
O artigo 1476 do Código Civil permite que o proprietário do imóvel grave o mesmo com mais de uma hipoteca. E, exatamente por esta possibilidade, em se tratando de imóvel de alto valor, o mesmo garante o pagamento de mais de um credor, ou de mais de uma dívida, o que é inviável por meio da alienação fiduciária, podendo-se, inclusive, na hipótese de ser possível o loteamento do bem, repartir-se as garantias proporcionalmente.
Talvez o aspecto mais vantajoso esteja no que prevê o artigo 1485 do Código Civil, que fixa o prazo máximo de 30 anos, para prevalência da garantia, mas autoriza que posteriormente ela poderá prevalecer caso seja reconstituído por título e registros novos, sendo mantida sua precedência;
No entanto, em comparação com a alienação fiduciária, do ponto de vista do credor, a hipoteca apresenta algumas desvantagens que abordaremos a seguir.
A primeira delas, refere-se a hipótese de falência do devedor. Muito embora o credor hipotecário tenha as preferencias já referidas, o bem dado em garantia fará parte da massa falida e, exatamente por não estar como o primeiro da lista de recebimento, corre o risco de não receber nada.
Outro aspecto está no entendimento que tem sido exposto pelo STJ que afirma que na hipótese de ser gravado com hipoteca o bem de sócio como garantia de dívida da pessoal jurídica da qual é sócio, tem entendido o STJ que a hipoteca não resiste se o bem ofertado for bem de família, sendo o mesmo impenhorável.
O procedimento de execução da garantia hipotecária acaba sendo moroso, pois depende de decisão judicial em processo com esta finalidade.
Neste caso, na hipótese de inadimplência, o credor hipotecário deverá promover a execução judicial da garantia, penhorando, leiloando o bem e retirando o devedor de sua posse. Se o valor obtido em leilão não for suficiente para cobrir a dívida, o devedor continua obrigado pela diferença, o que é uma vantagem, conforme já referido. Na hipótese de ser obtido saldo maior do que a dívida, a diferença deve ser devolvida ao devedor hipotecário.
A hipoteca “grava” o imóvel, mas todos os direitos de propriedade continuam a ser exercidos pelo devedor, que poderá, inclusive, aliená-lo a terceiros, ou mesmo constituir gravames de diferentes graus sobre o mesmo imóvel.
E, na hipótese de instituição de mais de uma hipoteca sobre o mesmo imóvel, o credor da segunda, embora vencida, não poderá executa-la antes de vencida a primeira.
Assim, tendo analisado os aspectos vantajosos e desvantajosos dos institutos da alienação fiduciária e da hipoteca, do ponto de vista do credor, que é quem normalmente escolhe a modalidade de contratação, verifica-se que dada a celeridade permitida pelo primeiro instituto analisado, a tendência é que cada vez mais deixe de se utilizar a garantia hipotecária, especialmente pela morosidade no processo de sua execução (execução hipotecária), enquanto que a alienação fiduciária vem despontando no mercado imobiliário exatamente por tratar-se de meio mais rápido, célere e desburocrático de execução da garantia, quando necessário.
Referências bibliográficas
DINIZ, Maria Helena, 4º Volume, Direito das Coisas, 17ª edição, Ed. Saraiva.
PEREIRA, Fernando Simão. A hipoteca e o bem de família: a garantia sobrevive incólume aos novos princípios? Disponível em FGV on line – acesso em 01.06.2011.
VENOSA, Silvio de Salvo. A hipoteca no novo Código Civil. Disponível em: FGV on line – Biblioteca. Acesso em 01.06.2011
MAGALHÃES, Cassio Drumond. Direito Real de Garantia Imobiliária. Disponível em http://www.dmadvogados.adv.br/ver_artigos.asp?codigo=70 . Acesso em 03.06.2011
Material Didático Curso Direito Imobiliário – FGV on line.
Notas
[1] Álvaro Villaça Azevedo relata que mesmo com o advento da Lex Poetelia Papira, quando passou a ser proibida a execução pessoal do devedor, em certos casos, ela ainda era autorizada, vindo a renascer no baixo império e na Idade Média. (in Teoria Geral das Obrigações e Responsabilidade Civil. 12ª edição. São Paulo: Atlas, 2011, pag. 244).
[2] STOLZE, Pablo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, vol. 5: direitos reais. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, pág.461.
[3] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direitos Reais. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, pág. 505.
[4] GUALHARDO, João Batista.
[5] STOLZE, Pablo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, vol. 5: direitos reais. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, pág.147.