Convenção processual

01/08/2021 às 17:45
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CONVENÇÃO PROCESSUAL

Por Gleibe Pretti

Os negócios jurídicos processuais remontam à pandectística alemã, que estudava a compilação de leis romanas (Corpus Iuris Civilis), organizada por ordem do imperador Justiniano (THEODORO JUNIOR et al., 2015, p. 257).

Várias disposições permitiam o acordo entre as partes, como os pactos de exclusão de um grau de jurisdição, os de exclusão de competência e os de inversão do ônus da prova, entre outros (THEODORO JUNIOR et al., 2015, p. 257-258).

No aspecto do direito comparado, os negócios jurídicos processuais também são conhecidos e disciplinados de acordo com suas peculiaridades. Na Inglaterra, há o case management, em que o procedimento é estabelecido de acordo com o valor da causa e o grau de complexidade das questões fático jurídico-probatórias, entre outros aspectos (THEODORO JUNIOR et al., 2015, p. 271). Na França, o Nouveau Códe de Procédure Civile também prevê o referido instituto.; Dequeker destaca a importância de se instaurar um diálogo permanente entre os atores do processo de forma a propiciar a celeridade do procedimento (2005, p. 19-20 apud THEODORO JUNIOR et al., 2015, p. 274- 275).

Entre as vertentes estruturantes do Código de Processo Civil, salta aos olhos a política pública de fomento à autocomposição, segundo a qual o legislador de 2015 deixou claro a importância do diálogo (CARNEIRO, 2015, pp. 99-100) ao dispor sobre o dever dos agentes jurisdicionais de priorizar o desfecho democrático e consensual dos conflitos (PINHO, 2014, p. 8) , consoante preconizam, verbi gratia, os artigos 3º, § 3º,; 165, caput, 139, inciso V;e 221, parágrafo único. É relevante destacar, no que concerne ao artigo 3º do CPC/2015, que há uma sutileza entre o conteúdo normativo que este veicula, e o artigo 5º, XXXV da Constituição Federal. (PINHO, 2016, pp. 17-44).

Câmara (2017, p. 116) aduz que a partir do art. 190, nas causas que versam sobre “direitos que admitam autocomposição”, partes capazes podem “estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”.

Fica claro, com a leitura do dispositivo, que apenas partes capazes podem celebrar negócios processuais, não sendo válida sua celebração por incapazes, ainda que representados ou assistidos.

De acordo com Barreiros, o privatismo processual é observado como “coisa das partes”, pois tal modelo propulsiona domínio do procedimento às partes, devido à autonomia privada gerada por este (2017, p. 97).

A partir desta premissa, a grande problemática, senão a maior de todas, dava-se na tentativa de mesclar o caráter público com a adaptabilidade do procedimento privatista. Segundo Lorena Miranda Santos Barreiros, surge o modelo cooperativo como solução da relação dicotômica que, além de confirmar a superação dos modelos antecedentes, adota a ideia de equilíbrio entre o privatismo e o publicismo por meio da valorização do autorregramento, onde os sujeitos processuais agem coordenadamente para alcançar uma decisão justa do litígio, em andamento razoável (2017, p. 106 e 107).

Na realidade, desponta-se o estímulo a técnicas apropriadas à filtragem do conflito para a verificação do método jurisdicional adequado – jurisdição estatal, mediação, conciliação, arbitragem etc. – e técnicas de flexibilização processual, proporcionando soluções aos conflitos nas situações em que a ferramenta disponível for a mais compatível com o litígio. Indubitavelmente, a marca da consensualidade (CADIET, 2008, p.178) coincide plenamente com uma das principais características da jurisdição contemporânea, coadunando-se com tentativa de superação da verticalidade sócio posicional entre Estado e indivíduo.

Em completa dissonância em comparação aos modelos paradigmáticos liberal e social de processo, em que os sujeitos do processo se mantinham completamente afastados, atualmente, o Estado tem demonstrado uma menor preocupação em impor a decisão, a ordem ou o comando, e mais disposição em dialogar, participar e estimular a composição entre as partes, inclusive quando também atua nessa qualidade de parte.

Em verdade, as convenções processuais não se voltam a pôr fim ao conflito; destinam- se tão somente a regulamentar as “regras do jogo” conforme seja acordado pelas partes. Funcionam como o “instrumento do próprio instrumento” (ALMEIDA, 2014. p.110)  ou como uma via meta processual, tendo em vista que representam acordos sobre os atos processuais das partes para a modificação do procedimento ou de suas situações jurídicas processuais, não com vistas à disposição do direito material, mas acordos de natureza processual.

O Código de Processo Civil de 2015 vem a autenticar o sobredito cenário de prestígio do discurso consensual, democrático e cooperativo, catalisador do equilíbrio entre o princípio dispositivo material e processual, que consagra a liberdade das partes na esfera processual (DIDIER JÚNIOR, 2015, p.21)  e do exercício do poder jurisdicional não restrito ao poder judiciário.

O acesso à justiça possui como corolário o direito à utilização de técnicas processuais adequadas conforme as necessidades apresentadas pelo direito material discutido. Com efeito, a tutela jurisdicional, analisada dentro do âmbito do poder judiciário, deve refletir uma sequência de atos processuais atrelados a técnicas apropriadas ao tratamento do caso .(MARINONI, 2016, p.124).

Mediante breve regresso na evolução do processo civil, sua primeira fase metodológica, sincretismo ou “praxismo”, se caracterizava em função da indiferença do processo como ciência autônoma e no que diz respeito à existência da relação jurídica processual. (MARINONI, 2016, p.287).

Ocorre que, se ao Estado-juiz devem ser atribuídos poderes de flexibilização processual (GAJARDONI, 2008, p.135).  É nessa ótica que as convenções processuais, principalmente as atípicas, devem ser compreendidas: como um instrumento de tutela jurisdicional adequada pela adaptação procedimental por iniciativa das partes, com arrimo no princípio dispositivo em sentido processual ou princípio do debate (Verhandlungsgrundsatz), manifestação do direito fundamental de liberdade no processo (autonomia) e corolário do princípio da dignidade humana.

Ademais, partindo-se do entendimento de que o procedimento perfaz um dos fatores de legitimação da função jurisdicional, sua aproximação ao contexto do direito material e aos reais anseios das partes contribuiria para a melhor aceitação da decisão após realizado o procedimento adequado. (MACEDO, 2015, P. 464)

Sendo a demanda instaurada mediante a provocação das partes com a limitação do objeto litigioso, nos termos do artigo 2º, do CPC – nemo iudex sine actore; ne procedat ex officio –, as quais possuem a iniciativa sobre os fatos e sobre as provas (RODRIGUES, 2016, p.377) é razoável sustentar a participação destas sobre a condução do processo, (RODRIGUES, 2014, pp. 194-195) desde que, obviamente, respeitados os limites impostos pelo ordenamento vigente.

Em verdade, o próprio artigo 2º do CPC, correspondente ao anterior artigo 262 do CPC, dispõe que, por iniciativa da parte, o processo seguirá pelo impulso oficial com a condução realizada pelo Estado-juiz. No entanto, veja-se que o dispositivo não proíbe que os litigantes possam sobre ele disciplinar, com base no que podemos chamar de impulso processual. Foi com suporte nesse argumento que José Carlos Barbosa Moreira afirmou que, ainda que o legislador de 1973 não tivesse previsto a possibilidade de as partes celebrar em convenções processuais atípicas no artigo 158, “soaria exagerada a ilação de que no processo, ramo do direito público, devesse considerar-se proibido tudo que não fosse permitido” (BARBOSA, 1984, p.91).

Entretanto, a ideia inicial de Andrea Proto Pisani não se confunde com a adaptação processual promovida pelas convenções processuais. De acordo com o autor peninsular, a tutela diferenciada decorre de previsões legislativas sobre procedimentos especiais, de cognição exauriente ou sumária, (PROTO, 2014, pp.543-545) v.g., o procedimento sumário, o procedimento sumaríssimo dos juizados especiais, o procedimento monitório, a tutela inibitória, o procedimento do mandado de segurança, etc. (BEDAQUE, 2006, p.26).

Nesse panorama, a existência de certas desvantagens inerentes à arbitragem, como, por exemplo, o custo elevado, a inexistência de duplo grau de jurisdição, a falta de coercibilidade da decisão arbitral etc., podem acabar desmotivando os sujeitos em de resolver o conflito perante uma instância arbitral.

Os acordos processuais desvendam maiores possibilidades, vez que combinam as vantagens representas pela arbitragem com aquelas inerentes à jurisdição estatal. (HÈRON, 2015, pp.289-290)

Importante limitação de ordem objetiva para a validade das convenções processuais consubstancia-se na impossibilidade de se convencionar em matéria processual em sede de demandas que versarem sobre direitos materiais que não admitam a autocomposição. Percebe- se que não se fala em direitos indisponíveis, mas direitos submetidos aos resultados advindos da autocomposição, uma margem bem mais ampla de negociação, inclusive em relação à arbitragem, onde é imprescindível a patrimonialidade e a disponibilidade dos direitos materiais (cf. artigo 1º da Lei n. 9.307/96).

Consoante a redação do artigo 190, caput, do CPC passa a ser possível convencionar sobre a matéria processual e procedimental em causas que envolvam direitos suscetíveis à aplicação dos métodos conciliatórios, consensuais, considerando-se válidos os resultados da transação. (GUEDES, 2009, p.3)

Por que razão, um dos elementos atribuidores de licitude ao objeto dos acordos processuais alude à impossibilidade de prejudicar o direito material em certo grau indisponível ou a sua tutela em juízo . Essa interpretação parece-nos mais adequada porque permite a celebração de convenções processuais mesmo em causas envolvendo direitos indisponíveis e não transacionáveis, sem que se permita o prejuízo do direito material indisponível ou a sua tutela em juízo. (GRECO, 2011, p. 408).

Percebe-se que o marco regulatório da mediação no âmbito particular e da Administração Pública segue a mesma diretriz da normatização do artigo 190, CPC, ao demonstrar que o fato de a desavença envolver direitos materiais indisponíveis, não é óbice para afastar a possibilidade de se atingir a autocomposição.48 A possibilidade de conjugar pacto de mediação e convenções processuais consiste em técnica interessante, recomendada e complementar, que gera maiores possibilidades para as partes sem o necessário ingresso à jurisdição estatal com os limites impostos pelo procedimento legal. (PINHO, 2016), pp.371- 409).

Uma outra discussão que por certo ultrapassaria os objetivos do artigo, mas que vale ser apenas lançada na oportunidade, alude ao lapso – ou silêncio eloquente? – do legislador não ter definido expressamente no caput do artigo 3º da Lei de Mediação se os direitos em referência seriam aqueles pertencentes à orbita individual, ou se poderia se estender a permissão aos direitos metaindividuais. (PINHO, 2016, pp.371- 409).

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No desenvolvimento do presente estudo observou-se o papel importante das convenções processuais para a consecução dos desígnios do processo civil contemporâneo, que apresentam uma terceira via integrativa para a ampliação das possibilidades de alcance da tutela jurisdicional justa, adequada e tempestiva. Desse modo, além de não ser em nada compatível com o figurativo retorno nostálgico do processo civil enquanto “coisa das partes”, o que nos remete à litis contestatio do romano, os acordos processuais se alinham com a forte preocupação sobre a necessidade de incremento do amplo acesso à justiça, porquanto apresentam novas possibilidades de adaptação do litígio ao contexto da demanda, além de ser um instrumento de manifestação concreta da autonomia no processo, demonstrando uma nova fronteira na relação entre indivíduo e Estado, rompendo o dogma da irrelevância da vontade das partes no que concerne à conformação do conteúdo e dos efeitos dos atos processuais.

Antonio do Passo Cabral cita em sua obra que os acordos processuais trazem “previsibilidade ao processo, permitem uma melhor avaliação de custo-benefício, reduzem o estado de incertezas e diminuem os custos de transação, tornando as relações econômicas mais interessantes, gerando economia no processo.” (ANTONIO DO PASSO CABRAL, . 2020. p.252).

Por fim, segundo Fredie Didier Jr., em seu livro acerca dos negócios jurídicos processuais, ele vê a necessidade de inserir o chamado “respeito ao autorregramento da vontade no processo civil” como um princípio fundamental do direito processual nas convenções processuais. O autor entende que: “esse princípio visa “a obtenção de um ambiente processual em que o direito fundamental de se autorregular possa ser exercido pelas partes litigantes sem restrições irrazoáveis ou injustificadas”. (FREDIE DIDIER JR. 2019. p. 38 e 39),. Tornando o processo jurisdicional um espaço propicio para exercício da liberdade.

Nessa linha de pensamento, no que tange aos negócios jurídicos processuais, o presente julgamento aborda a possibilidade das partes em desistir do incidente processual, com a concordância do impugnado. Assim, o Desembargador relator homologou a desistência do incidente processual e reformou a decisão no que tange ao pagamento de custas, despesas processuais e os honorários de sucumbência.

Pois bem, essa não foi a única novidade inserida no CPC. O ato normativo também contempla, no art. 190, do CPC, a possibilidade de as partes convencionarem entre si, estipulando mudanças no procedimento para ajustá-las com as especificidades da causa e convencionarem também sobre ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, com e sem intervenção do magistrado.

Nesse sentido, tem sido o entendimento jurisprudencial:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE - AJUIZAMENTO POSTERIOR DE EMBARGOS À EXECUÇÃO - PEDIDO DE DESCONSIDERAÇÃO DA EXCEÇÃO - CONCORDÂNCIA DA PARTE EXEQUENTE - POSSIBILIDADE - NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL. I- Considerando-se que a parte executada apresentou embargos à execução que retomaram, com profundidade, matéria anteriormente impugnada por meio de exceção de pré-executividade, esvaziando, assim, o interesse na análise do incidente apresentado, inexiste óbice à desistência do meio impugnativo anterior, mormente se considerando a concordância da parte exequente; II- O negócio jurídico processual trata da liberdade conferida às partes para transacionarem mudanças no procedimento, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, com fulcro no Art. 190 do CPC, e configura fonte de norma jurídica processual, vinculando, assim, o órgão julgador, que, em um Estado de Direito, deve observar e fazer cumprir as normas jurídicas válidas, inclusive as convencionais.

Além disso, é possível, também, conforme prevê o art. 191 do CPC, fixarem, em comum acordo, calendário para a prática dos atos do procedimento em conjunto com o magistrado. Veja-se:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - REALIZAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL - CONCESSÃO DE PRAZO E SUSPENSÃO DO PROCESSO ATÉ O PAGAMENTO DO VALOR NOMINAL DO CONTRATO - INADIMPLÊNCIA - CONCESSÃO DE LIMINAR DE REINTEGRAÇÃO DA POSSE - AUSÊNCIA DE DISPOSIÇÃO CONVENCIONAL - AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO, À LUZ DOS REQUISITOS - ANULAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. Os sujeitos processuais podem, de comum acordo, fixar calendário para a prática dos atos processuais, sendo lícita a suspensão do processo ou diferimento do exame de pedido de antecipação da tutela acaso desatendido o ajuste para pagamento, espontâneo do valor de face do contrato. Se a reintegração de posse não foi prevista como consequência do inadimplemento, sua concessão exige o enfrentamento dos requisitos legais da antecipação da tutela, devendo ser anulado o pronunciamento judicial que, por se embasar em disposição consensual inexistente, é considerada como desprovida de fundamento.

Diante da possibilidade de manifestação de vontade das partes, várias nomenclaturas vêm sendo usadas para tratar dos atos de disposição processual, uma delas é a “autonomia privada”, a “autonomia da vontade” e até mesmo “autorregramento da vontade”. (TRÍCIA NAVARRO XAVIER CABRAL,. 2019. P.50)

 Porém, o autor Leonardo Greco preferiu adotar a terminologia que entendia ser mais ampla “atos de disposição processual”, uma vez que ele entende que tal expressão abrange todas as vontades das partes. (LEONARDO GRECO,. 2007. Revista Eletrônica).

Para Trícia Cabral, os atos de disposição processual “consistem no exercício da liberdade dentro do processo, por meio de condutas omissivas ou comissivas que indicam uma manifestação de vontade do sujeito processual e objetivam uma consequência para o processo.” (TRÍCIA NAVARRO XAVIER CABRAL,. 2019. P.52).

À disponibilidade do próprio direito material posto em juízo; o respeito ao equilíbrio entre as partes e a paridade de armas; e por fim, a preservação da observância dos princípios e garantias fundamentais do processo no Estado Democrático de Direito. (LEONARDO GRECO. 2008. p.4-6).

Nessa mesma linha, há aà identificação das garantias processuais afetadas pela convenção; os parâmetros das convenções típicas; e, a proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais processuais, que são as garantias mínimas do devido processo legal, sob pena de invalidade”. (ANTONIO DO PASSO CABRAL,. 2018. pp. 360-390).

Diante das visões apresentadas, nota-se as várias hipóteses e possíveis critérios para limitar as disponibilidades processuais.

Quanto aos limites expressos e implícitos para a celebração de negócios jurídicos processuais atípicos, Cabral aduz:

[...], entretanto, o tão só fato de tratar-se de uma cláusula geral não a torna hermética ou incontrolável. É possível sindicar racionalmente a concretização das cláusulas gerais, seja por razões formais (v.g., motivação insuficiente, art. 489 § 1°, VI do CPC/2015), seja por razões de fundo (compreensão errônea de seu conteúdo ou aplicação equivocada das consequências possíveis [...] (CABRAL, 2016, p. 330).

Conforme Barreiros, Giorgio de Nova (2008, p. 68, apud BARREIROS, 2017, p. 253) considera que estabelecer os limites dos negócios processuais atípicos é dificultoso, haja vista uma possível violação de normas cogentes. Remo Caponi (2008, p. 108, apud BARREIROS, 2017, p. 253) visualiza o negócio processual atípico como uma fonte munida de capacidade, a ponto de vincular o juiz a tal, desde que não exista violação às normas cogentes. José Carlos Barbosa Moreira (1984, p. 185, apud BARREIROS, 2017, p. 254) expressa um critério de distinção entre normas cogentes e dispositivas com base na análise da doutrina alemã.

Os negócios jurídicos processuais que prejudicassem as normas dispositivas seriam admitidos, entretanto as convenções processuais que violassem as normas cogentes seriam negadas. Moreira observa que o critério abordado não possui grande utilidade, dada a dificuldade para diferenciar as normas dispositivas e as normas cogentes. Leonardo Greco (2008, p. 293, apud BARREIROS, 2017, p. 255) ressalta a necessidade de respeitar a ordem pública processual, conferindo proteção aos direitos fundamentais e ao devido processo legal.

Barreiros aponta outros autores que abordam esses limitadores genéricos, como Marcelo Pacheco Machado, Flávio Luiz Yarshel e Diogo Assumpção (2017, p. 254-255).

Já Fredie Didier Junior (2016, p. 391-394, apud BARREIROS, 2017, p. 256-257) elabora oito diretrizes: a) in dubio pro libertate: quando existir dúvida a respeito da ilicitude, deve-se aceitar o negócio processual, salvo na existência de interpretação restritiva condutora; b) negociação somente em autocomposição, haja vista a possível alteração da solução do objeto litigioso; c) a aplicabilidade dos negócios processuais segue a regra material sobre injuridicidade do objeto do negócio jurídico; d) a obediência da lei ao tipificar os negócios processuais típicos, impedindo o negócio processual atípico como configuração burladora, isto é, quando existir norma regulamentadora da matéria, esta deve ser seguida; e) a impossibilidade de negócio processual sobre matéria de reserva legal; f) o objeto do negócio processual abrangente de possível afastamento de norma cogente protecionista de direito indisponível é inadmissível; g) o negócio processual, contanto que não haja abusividade, é permitido em contratos de adesão; h) a possibilidade de negócio processual atípico, adsorvido pelas partes, consagrador de sanções e deveres distintos do rol legal.

Antônio do Passo Cabral (2016, p. 316-329, apud BARREIROS, 2017, p. 257) também estabelece diretrizes correlacionadas ao controle de licitude do objeto da convenção processual. Para esse autor, o objeto da convenção não deverá versar sobre matéria de reserva legal; a cooperação e a boa-fé deverão ser respeitadas; deverá existir proteção à situação de vulnerabilidade, ocasionando equilíbrio da relação das partes; e, por último, a impossibilidade de a convenção processual ocasionar externalidades, onerando economicamente o Poder Judiciário ou terceiros.

Cabral (2016, p. 331, apud BARREIROS, 2017, p. 257) assevera que como exteriorização do direito à liberdade, a autonomia da vontade deve observar limites internos ou imanentes, devido ao status de direito fundamental, além da possibilidade de limites externos, em razão do possível atrito desse exercício de liberdade com outros direitos fundamentais. Ainda, Barreiros destaca que Murilo Teixeira Avelino também se encaixa no segmento doutrinário que utiliza diretrizes para a análise dos limites objetivos de validade dos negócios processuais atípicos (2017, p. 258-259).

Concorda-se com o pensamento de Barreiros ao expressar que a ponderação se dá devido ao conflito do direito à liberdade com outro direito fundamental perturbado pelo ajuste da convenção. A partir dessa ótica, faz se necessário demandar valoração ponderativa, bem como a fundamentação adequada por parte do juiz, na hipótese de invalidação da convenção processual, ressalvando apenas que só será possível a invalidez desde que haja prejuízo. Obedece-se, por conseguinte, ao regime de invalidades processuais (BARREIROS, 2017, p. 260-261).

Posto isso, o novo instituto atende às expectativas de se criar um processo mais cooperativo, haja vista o princípio da cooperação, assim como o do autorregramento da vontade das partes.

Sobre o autor
Gleibe Pretti

Pós Doutorado na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina- nota 6 na CAPES), com término em 2023, com a pesquisa focada na Arbitragem nas relações trabalhistas (Sua aplicação como uma forma de dar maior celeridade na solução de conflitos com foco, já desenvolvido, na tese de doutorado, contrato procedimento - Vertragsverfahren) Doutor no Programa de pós-graduação em Direito da Universidade de Marília (UNIMAR- CAPES-nota 5), área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social, com a tese: APLICAÇÃO DA ARBITRAGEM NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS, COMO UMA FORMA DE EFETIVIDADE DA JUSTIÇA (Concluído em 09/06/2022, aprovado com nota máxima). Mestre em Análise Geoambiental na Univeritas (UnG). Pós-graduado em Direito Constitucional e Direito e Processo do Trabalho na UNIFIA-UNISEPE (2015). Bacharel em Direito na Universidade São Francisco (2002), Licenciatura em Sociologia na Faculdade Paulista São José (2016), Licenciatura em história (2016) e Licenciatura em Pedagogia (2018) pela Uni Jales. Coordenador do programa de mestrado em direito da MUST University. Atualmente é Professor Universitário na Graduação nas seguintes faculdades: Centro Universitário Estácio São Paulo, Faculdades Campos Salles (FICS) e UniDrummond. UNITAU (Universidade de Taubaté), como professor da pós graduação em direito do trabalho, assim como arbitragem, Professor da Jus Expert, em perícia grafotécnica, documentoscopia, perícia, avaliador de bens móveis e investigador de usucapião. Professor do SEBRAE- para empreendedores. Membro e pesquisador do Grupo de pesquisa em Epistemologia da prática arbitral nacional e internacional, da Universidade de Marília (UNIMAR) com o endereço: dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/2781165061648836 em que o líder é o Prof. Dr. Elias Marques de Medeiros Neto. Avaliador de artigos da Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Editor Chefe Revista educação B1 (Ung) desde 2017. Atua como Advogado, Árbitro na Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada de São Paulo S.S. Ltda. Cames/SP e na Secretaria Nacional dos Direitos Autorais e Propriedade Intelectual (SNDAPI), da Secretaria Especial de Cultura (Secult), desde 2015. Especialista nas áreas de Direito e Processo do Trabalho, assim como em Arbitragem. Focado em novidades da área como: LGPD nas empresas, Empreendedorismo em face do desemprego, Direito do Trabalho Pós Pandemia, Marketing Jurídico, Direito do Trabalho e métodos de solução de conflito (Arbitragem), Meio ambiente do Trabalho e Sustentabilidade, Mindset 4.0 nas relações trabalhistas, Compliance Trabalhista, Direito do Trabalho numa sociedade líquida, dentre outros). Autor de mais de 100 livros na área trabalhista e perícia, dentre outros com mais de 370 artigos jurídicos (período de 2021 a 2023), em revistas e sites jurídicos, realizados individualmente ou em conjunto. Autor com mais produções no Centro Universitário Estácio, anos 2021 e 2022. Tel: 11 982073053 Email: [email protected] @professorgleibepretti

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