Principais pontos acerca dos negócios jurídicos

01/08/2021 às 17:55

Resumo:


  • Fatos jurídicos são considerados relevantes para o Direito quando previstos em normas jurídicas, constituindo o suporte fático abstrato que, ao incidir sobre um suporte fático concreto, gera efeitos jurídicos no mundo jurídico.

  • O suporte fático pode ser simples ou complexo, e sua composição influencia as consequências nos planos da existência, validade e eficácia do fato jurídico, sendo essencial para a classificação e identificação de sua espécie.

  • Os negócios jurídicos processuais, como expressão da autonomia privada no âmbito do processo, estão sujeitos a limites impostos pela ordem jurídica, como normas cogentes, princípios constitucionais e a filosofia do processo cooperativo, requerendo atuação proativa do juiz para garantir negociações processuais democráticas e livres de coações.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Principais pontos sobre esse importante instituto

Antes de adentrarmos aos negócios jurídicos, necessitamos abordar o que é fato jurídico., Pontes de Miranda parte do pressuposto de que no mundo das experiências há fatos que são considerados como relevantes para o Direito e, portanto, merecem previsão normativa. Esses fatos, previstos de forma abstrata, compõem o que Pontes chama suporte fático” (1954, p.74). Isso significa, de outra forma, que não haverá necessariamente coincidência entre o mundo dos fatos e o mundo jurídico.

Qualquer norma jurídica possui como primeiro elemento constitutivo um suporte fático abstrato, o qual consubstancia o suporte fático concreto, isto é, a conduta ou evento natural regulamentado na norma, considerado hábil a integrar o mundo jurídico (MIRANDA, 1970, t. 1, p. 21).

Nesse panorama, Pedro Henrique Nogueira (2013. p. 29) acrescenta que “a norma jurídica, enquanto proposição, prevê hipoteticamente fatos de possível ocorrência no mundo. A esses elementos da norma, isto é, o fato ou o conjunto de fatos previstos abstratamente, dá-se o nome de “suporte fático”. Nessa concepção teórica, os fatos jurídicos apenas nascem quando a norma jurídica incidir concretamente sobre o suporte fático, retirando os fatos do plano das experiências juridicamente irrelevantes e transportando-os para o mundo jurídico. A propósito, Marcos Bernardes de Mello reforça que a teoria Pponteana nos conduz, de fato, à conclusão de que o pressuposto para a existência do fato jurídico é, exatamente, a incidência da norma (2000, p. 83-86). Em outras palavras, “a norma qualifica os fatos que se sucedem habitualmente no mundo e a eles emprega um valor, os qualificando, os adjetivando e os juridicizando” (LIMA, 2014, p. 8).

Com o seu ingresso no mundo jurídico, o fato jurídico torna possível o nascimento de situações jurídicas que se desdobram em relações jurídicas (MELLO, 2014, p. 52), pois, “composto o fato jurídico, surgem, no mundo jurídico, os efeitos previstos em abstrato na norma” (NOGUEIRA, 2013, p.29).  

O suporte fático, supramencionado, pode ser simples ou complexo. Diz-se que ele é complexo quando composto por mais de um fato e em sendo complexo, como geralmente o é, será formado pelos elementos nucleares (cerne e elementos completantes), pelos elementos complementares e pelos elementos integrativos. Cada um desses elementos do suporte fático produzirá consequências nos planos da existência, validade e eficácia, também pensados por Pontes de Miranda. Em perfeita síntese da visão de Marcos Bernardes de Mello, Jaldemiro Ataíde (2015, p. 407), anota que:

“O suporte fático da norma jurídica é composto por (a) elementos nucleares, que, por serem considerados essenciais à sua incidência e à consequente criação do fato jurídico, constituem-se no cerne, cuja ausência ou deficiência, acarreta a inexistência do fato jurídico; (b) elementos completantes, que junto ao elemento cerne constituem o próprio suporte fático do fato, de modo que sua integral concreção no mundo é pressuposto necessário à existência do fato jurídico; (c) elementos complementares, não integram o núcleo do suporte fático, apenas o complementam (não completam) e se referem, exclusivamente, à perfeição de seus elementos, repercutindo apenas nos planos da validade e eficácia dos atos jurídicos stricto sensu e dos negócios jurídicos – fundada na vontade humana – e, (d) elementos integrativos, que também não compõem o suporte fático dos atos jurídicos stricto sensu e dos negócios jurídicos, sendo atos praticados por terceiros, em geral autoridade pública, que integram o ato jurídico, repercutindo apenas no plano da eficácia, a fim de que se irradie certo efeito que se adiciona à eficácia normativa dos atos jurídicos stricto sensu e dos negócios jurídicos.”

O estudo do suporte fático ganha relevo não apenas porque por meio dele será possível saber a sorte do negócio jurídico processual em cada um dos planos, como observa Pedro Nogueira (2016, p. 176), mas, também, porque é com base nele que Pontes de Miranda classifica os fatos jurídicos – mais precisamente por meio do cerne do suporte fático:

“Esse critério, que tem indiscutível caráter científico, uma vez que se funda em dado invariável do fato jurídico (o elemento cerne do suporte fáctico hipotético), conduz a que se possa classificar qualquer de suas espécies com um grau de certeza praticamente absoluto. Basta conhecer a descrição normativa do suporte fáctico para que se possa identificar de qual espécie se trata. ”. (MELLO, 2014, p. 170).

Os fatos lícitos podem ser fato jurídico stricto sensu, ato-fato jurídico e ato jurídico lato sensu sendo este último subdividido em ato jurídico stricto sensu e negócio jurídico. Os atos ilícitos, por sua vez, podem ser fatos ilícitos stricto sensu, atos-fatos ilícitos e atos ilícitos (NOGUEIRA, 2016. p.33). Em apertada síntese, pode-se dizer que no âmbito dos fatos jurídicos lato sensu, os fatos jurídicos stricto sensu são os que se originam da natureza e, ainda que em seu suporte fático haja a ocorrência de um ato humano, este se dá de forma acidental, indireta, a exemplo da morte, do nascimento, da idade. De outra sorte, atos jurídicos lato sensu e o ato-fato são os fatos jurídicos baseados no ato humano. A diferença entre esses dois últimos está em o direito considerar ou não relevante a vontade de praticar o ato. No ato-fato “ressalta-se a consequência fática do ato, o fato resultante, sem se dar maior significância à vontade em realizá-lo”, diferentemente do que ocorre com o ato jurídico lato sensu, onde a vontade é primordial (MELLO, 2014, p. 188).

Dentro da categoria dos atos jurídicos lato sensu localizamos os atos jurídicos em sentido estrito e os negócios jurídicos. Nos primeiros, a vontade é considerada quanto ao aspecto prático do ato embora seus efeitos já sejam previamente definidos pela norma, não se exigindo a vontade da produção de um resultado, isso porque os seus efeitos já são necessários (BRAGA, 2016, p. 11). De acordo com Marcos Bernardes de Melo (2004, p. 159), o ato jurídico em sentido estrito é, portanto:

“O fato jurídico que tem por elemento nuclear do suporte fático manifestação ou declaração unilateral de vontade cujos efeitos jurídicos são prefixados pelas normas jurídicas e invariáveis, não cabendo às pessoas qualquer poder de escolha da categoria jurídica ou de estruturação do conteúdo das relações jurídicas respectivas.”

Verificados esses pressupostos, podemos adentrar ao negócio jurídico, que se encontra como espécie do gênero ato jurídico lato sensu (evidentemente no grupo dos atos em conformidade com o direito), ao lado do ato jurídico stricto sensu. As duas espécies, porém, não se confundem conquanto embora entre ambas existem elas haja semelhanças. Estando dentro de um grupo maior, os atos jurídicos lato sensu necessariamente decorrem da atuação humana. Ocorre que o ato jurídico stricto sensu tem sua eficácia predeterminada pela lei, de modo que a vontade de quem o pratica não pode alterar essa eficácia, salvo se a própria lei assim o permitir. A sua produção irradia os efeitos jurídicos albergados pela norma.

Marcos Bernardes de Mello, revisitando a teoria de Pontes de Miranda, apresenta um exemplo esclarecedor sobre esse detalhe: o reconhecimento de filiação não resultante de casamento. A declaração de vontade de que a pessoa é filha do declarante produz os efeitos jurídicos desse reconhecimento, os quais são invariáveis e inexcluíveis  pelo querer de quem reconhece (MELLO, 2014, p. 188).

Diferentemente, cCom os negócios jurídicos a situação é diferente, visto que nesses há outorga de liberdade para que os efeitos do ato sejam determinados e delimitados pela vontade humana.

O fato jurídico cujo elemento nuclear do suporte fático consiste em manifestação ou declaração de vontade, em relação à qual o sistema jurídico faculta às pessoas, dentro de limites predeterminados e de amplitude variadavária, o poder de escolha dae categoria jurídica e dae estruturação do conteúdo eficacial  das relações jurídicas respectivas, quanto ao seu surgimento, permanência e intensidade no mundo jurídico. (MELLO, 2014, p. 245)

Assim temos que o negócio jurídico possibilita a influência da vontade no resultado/consequência dos atos jurídicos, de modo a regular a sua amplitude, o surgimento, a permanência e a intensidade dos seus efeitos. Os negócios jurídicos, a propósito, podem ser regidos tanto por normas cogentes quanto por normas dispositivas.

Quando disciplinado por normas cogentes, o ordenamento jurídico já lhes traz e delimita os efeitos permitindo aos sujeitos apenas a escolha da categoria jurídica em que se quer enquadrar o negócio. Quando regulado por normas dispositivas, se outorga liberdade ao sujeito para escolher tanto a categoria jurídica quanto os efeitos a serem irradiados (BRAGA, 2016, p. 12). Em todo caso, (i) os efeitos, ainda que não previstos devem ser, pelo menos, admitidos pelo sistema jurídico (MELLO, 2014, p. 237) e (ii) há efeitos invariáveis, pois que necessariamente se produzem.

Partamos, agora, para o plano processual.

A teoria dos fatos jurídicos, como já ressaltado, não se restringe ao direito civil. Encontramos sua aplicabilidade também na esfera processual.

“A questão está em saber quais seriam os elementos indispensáveis para se atribuir a determinado ato (ou fato, em sentido mais abrangente) o adjetivo “processual” (DIDIER e NOGUEIRA, 2011, p. 29).

Pensada à luz da teoria ponteana, as bases da teoria do fato jurídico processual foram soerguidas por Fredie Didier Jr. e Pedro Henrique Pedrosa Nogueira (2011, p. 31) nos seguintes termos:

“[…] os fatos jurídicos lato sensu processuais podem ser definidos como os eventos, abrangendo manifestações de vontade, condutas e fenômenos da natureza, contemporâneos a um procedimento a que se refiram, descritos em normas jurídicas processuais”.

Até chegar a esse conceito, os autores procuraram diferenciar os fatos processuais e os atos ou fatos do processo estabelecendo que: enquanto esses últimos são os que compõem a cadeia de atos do procedimento, o ato processual deve abranger também os demais atos que interfiram de alguma forma no desenvolvimento da relação jurídica processual (DIDIER e NOGUEIRA, 2011, p. 30). Paula Sarno Braga, por sua vez, (2016, p. 20) considera que o fato jurídico processual é:

“O fato ou complexo de fatos que, juridicizado pela incidência de norma processual, é apto a produzir efeitos dentro do processo. Frise-se, o fato pode ser intraprocessual – ocorrendo no curso do procedimento – ou extraprocessual – ocorrendo fora do procedimento, tanto faz. O que importa é que recaia sobre ele hipótese normativa processual, juridicizando-o, e potencializando a produção de consequência jurídica no bojo de um processo”.

Embora não sejam uníssonos os conceitos estabelecidos, a grande questão parece girar em torno de uma definição inicial para os atos processuais, que muitos autores fazem levando em consideração basicamente quatro aspectos: a) a capacidade de produzir ou não efeitos no processo; b) os sujeitos da relação processual; c) o ato ter sido praticado no processo; ou, d) o ato praticado no processo e os sujeitos da relação processual (DIDIER JÚNIOR e NOGUEIRA, 2011, p. 29).

Na definição de ato processual apenas os sujeitos processuais e os efeitos do ato diretamente sobre a relação jurídica traduzem uma incompletude do sistema. Seria impróprio descaracterizar um ato que, embora não modifique a relação jurídica processual propriamente dita, irradia consequências das mais relevantes para o processo. E mais, dizer que o ato praticado pelos terceiros não teria caráter processual implicaria afastar a aplicação do regime jurídico dos atos processuais sobre eles. Por sua vez, restringir o conceito de ato processual à sede endógena da relação processual, como o faz Satta não parece louvável, porquanto há atos que são preliminares ao processo e, não obstante, têm relevância exclusivamente processual, como ocorre com a procuração e a convenção de arbitragem (NOGUEIRA, 2016, pp. 50-52).

Com efeito, os fatos jurídicos processuais não se restringem aos atos processuais havidos no âmbito interno da relação processual, pois, tal qual o fato jurídico lato sensu na teoria de Pontes de Miranda, os fatos jurídicos processuais, de fato, abrangem também fenômenos da natureza. Para ser processual também necessária se faz a existência de um procedimento a que se refira o fato, ou seja, “pode-se dizer ser um elemento completante do núcleo do suporte fáctico do fato jurídico processual a existência de um procedimento a que se refira” (NOGUEIRA, ANO, p.43).

O problema dessa concepção é que ela parece conceber o processo como algo ínsito ao procedimento, sem considerar o aspecto relacional do fenômeno processual. Para nós, o procedimento é que está inserido no âmbito das relações processuais e não o contrário. 

Porém, têm razão os autores citados acima, quando ponderam que não importa se o fato em questão seria de direito substancial ou de direito processual, porque nada impede que ele integre o suporte fático de normas jurídicas distintas (a exemplo do evento morte). Basta lembrarmos que a incidência da norma sobre o suporte fático acarretará o nascimento do fato jurídico com suas consequências jurídicas – e no caso da incidência da norma processual, o aparecimento do fato jurídico processual. Em outras palavras:,

“Não se pode pôr como obstáculo intransponível para a caracterização de um fato jurídico como “processual” a circunstância de estar ele contemplado por regras substanciais e poder vir a configurar, ao mesmo tempo, um fato jurídico de direito material” (DIDIER JÚNIOR e NOGUEIRA, 2011, p. 35).

Teixeira de Souza (1997, p. 193), em poucas linhas, traça uma das principais, senão a principal característica dos negócios jurídicos processuais, qual seja: “[…] a disponibilidade sobre os efeitos processuais que afere a admissibilidade dos negócios processuais”. Importa diferenciar os negócios processuais dos atos processuais em sentido estrito já que em ambos a vontade compõe o suporte fático. Ocorre que, diferentemente do que acontece nos negócios processuais, a vontade não atua na determinação dos efeitos nos atos processuais em sentido estrito, como adiantamos alhures. Nestes últimos, os efeitos irradiados são previstos pela lei, razão que justifica o fato de que a maioria dos atos processuais se quedarem inseridos nessa classificação (BRAGA, 2016, p. 24).

Negócio jurídico processual, por seu turno, pode ser conceituado como “o fato jurídico voluntário em cujo suporte fático esteja conferido ao respectivo sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou estabelecer, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais” (DIDIER JÚNIOR e NOGUEIRA, p. 58). Logo, integram o suporte fático do negócio jurídico (i) a manifestação consciente de vontade visando o auto-rregramento de uma situação jurídica simples ou da eficácia de uma relação jurídica, (ii) a existência de um poder de determinação da categoria jurídica; e (iii) a existência de um processo a que se refira (ATAÍDE JÚNIOR, 2015, p. 408):

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“Em outros termos, negócio jurídico processual é o ato jurídico por meio do qual as partes dispõem sobre matéria processual ou não, nos limites impostos pela norma, com reflexos no processo seja ele contemporâneo ou não à negociação. Sua aceitação, contudo, não é unânime a doutrina se divide de modo a negar ou reconhecer a existência dos negócios processuais.”  

Noutra ponta, os que entendem pela inexistência dos negócios processuais, em linhas gerais, lastreiam-se no argumento de que “os atos de vontade das partes produzem no processo apenas os efeitos ditados pela lei” (QUEIROZ, 2014p. 694).

No Brasil, essa posição é representada por alguns nomes de prestígio, como Cândido Rangel Dinamarco, Daniel Mitidiero e Alexandre Freitas Câmara. Dos fundamentos que embasam essa corrente doutrinária destacam-se: a oposição à incorporação de uma figura tipicamente privatista ao processo, a qual funcionaria como uma ameaça à própria autonomia do direito processual quanto à disciplina das suas formas; o argumento de que os efeitos dos atos negociais celebrados fora do processo seriam sempre derivados da lei e não da própria autorregulação das partes; a dependência dos negócios processuais à intervenção do juiz; o enquadramento dos negócios processuais na categoria de fatos jurídicos (NOGUEIRA, ANOp. 155).

Pois bem, é preciso ter em mente, como acentuou Paula Costa e Silva (2003, p.270), que:

“A expressão negócio processual pode induzir em erro se através dela se pretende, uma vez mais, afirmar que todos os efeitos induzidos por um ato processual devem ser abrangidos pela vontade do respectivo autor. Há efeitos do ato processual negocial que continuam a ser tabelados”.

Contudo, não se pode negar que uma hermenêutica mais elástica sobre o âmbito permitido pelo art. 190 do CPC, marcada por um viés privatista livre de controle, poria o sistema processual num cenário de retrocesso histórico na medida em que nos remete à era do estado liberal, caracterizada pelo laissez-faire e laissez-passer, incompatível com a evolução histórica que nos põe na era do Estado de Direito Social. Por outro lado, isso não implica a conclusão no sentido de inexistência dos negócios processuais, sobretudo porque o próprio dispositivo permite claramente o controle judicial, o qual se apresenta como termômetro balizador dos limites da autonomia da vontade das partes sobre a disposição/alteração de regras relativas ao procedimento.

Em resumo, a nosso ver, a não aceitação dos negócios jurídicos processuais se faz principalmente em razão do aparente paradoxo entre a natureza pública das normas processuais e o conceito de negócio jurídico, já revisado. Ocorre que o âmbito de autorregulação no direito processual civil se diferencia justamente pela participação do Estado, de modo que a amplitude da celebração negocial não será a mesma do direito privado. Nessa senda, Robson Godinho (2013, p. 82) bem se posiciona sobre os limites da autonomia da vontade nesse tipo de ato negocial, vejamos:

“No campo processual, há limitações evidentes à autonomia privada, mas isso, por si só, não afeta a existência dessa categoria de fato jurídico. Todas as categorias convivem com limitações mais ou menos amplas, que são fundamentais para conferir seus contornos conceituais. O balizamento da autonomia molda o conceito de negócio jurídico processual, mas não o desnatura e sim o configura”.

É preciso respeitar princípios processuais considerados como inderrogáveis pela autorregulação das partes, por um lado, mas, por outro, é necessário cuidado para não se permitir uma atuação puramente discricionária do magistrado (GRECO, 2012, p. 28). Os limites sobre a disposição das matérias procedimentais serão traçados pela jurisprudência, a qual se guiará pelos lindes instituídos no parágrafo único do art. 190 do CPC, ou seja, assim limitados os negócios jurídicos processuais não só existem como são lícitos e proporcionam o reforço do princípio da cooperação já que as próprias partes participarão mais ativamente do processo.  

Os impactos dos negócios processuais hão de ser pensados sob uma perspectiva jurisdicional garantista e de legitimação da jurisdição, isto é, que a participação das partes confere à decisão final uma mais arraigada legitimidade. No entanto, o acordo em relação ao procedimento não implica acordo acerca da resolução do mérito da demanda. A propósito, Antônio do Passo Cabral (2014, p. 29) esclarece:

 “Nem sempre o desacordo a respeito dos direitos materiais representa também um desacordo a respeito de todas as posições processuais que as partes enfrentam no processo. Podemos concordar com algumas coisas a respeito do meio para resolver nosso conflito, ainda que, a respeito do conflito, a respeito do litígio, estejamos em desacordo”.

Mas, a legitimação adviria porque as partes estiveram presentes na formação dos meios que nortearam o procedimento até a sentença (DUARTE, 2014, p. 23).

Ademais, acrescenta Robson Godinho, que com os negócios jurídicos processuais proporciona-se “um processo efetivamente democrático, em que convivam os poderes do juiz e a autonomia das partes, sempre balizados pela conformação constitucional dos direitos fundamentais” (GODINHO, 2013, p.39).

Os negócios jurídicos processuais, repise-se, não constituem inovação do Código de Processo Civil de 2015. Os negócios processuais típicos são assim denominados porque para eles há autorização normativa específica. É bem verdade que em 1850, com o Regulamento nº 737, havia previsão de vários atos que poderiam ser enquadrados na categoria de negócios processuais e cuja previsão foi mantida posteriormente com o Código de Processo Civil de 1939 trazendo, por exemplo, a possibilidade de transação e a suspensão da instância por convenção das partes, como se deu, igualmente, com o CPC-1973 (NOGUEIRA, 2016. p. 140).

A título de exemplos, constam como são negócios processuais típicos: a cláusula de eleição de foro, a suspensão do processo e o adiamento da audiência por vontade das partes, além da convenção para modificação dos prazos dilatórios, dentre outros.  

A proposta é de verdadeira otimização do procedimento. Havendo a dispensa da intimação depois de elaborado o calendário, a calendarização alcança seu principal objetivo. De nítidas influências francesa e italiana, a calendarização constitui negócio processual típico plurilateral já que participam dele juiz e partes e nunca pode ser imposto dado seu caráter negocial. É o que descreve Pedro Nogueira (NOGUEIRA, 2016, p. 244):

“A opção do CPC/2015, ao prescrever que “o juiz e as partes podem fixar calendário” foi clara no sentido de impor que a celebração de calendário exige a concordância das partes, que manifestam vontade concordando com a disposição temporal dos atos do procedimento. Não importa se a iniciativa da produção do cronograma proveio do juiz, do autor, do réu, até de um terceiro ou de ambos. Não se pode prescindir da concordância das partes.”

O mérito desse negócio processual está em concretizar o princípio da razoável duração do processo (art. 6º, NCPC) já que, por meio dele, é possível antever cronologicamente o momento da prática de todos os atos processuais subsequentes, incluindo o momento da prolação da sentença. Ademais, o Enunciado 299 do Fórum Permanente de Processualistas Civis considera, acertadamente, possível que: “O juiz pode designar audiência também (ou só) com objetivo de ajustar com as partes a fixação de calendário para fase de instrução e decisão”.

Os negócios processuais atípicos, que nasceram e se legitimaram com o artigo 190 do Novo Código de Processo Civil, encontram respaldo também no novo paradigma processual brasileiro: o princípio da cooperação. Nas palavras de Leonardo Cunha:, “Consolidou-se a ideia de que o Estado democrático não se compraz com a edição de atos repentinos, inesperados, de qualquer dos seus órgãos, mormente daqueles destinados à aplicação do Direito” (CUNHA, 2014).

Da leitura dos artigos 6º e 7º do NCPC resta claro que o modelo cooperativo foi o adotado. Portanto, exige-se muito mais uma comparticipação dos sujeitos processuais e, nessa esteira, os negócios processuais atípicos ocupam importante papel.

“Com efeito, quando a celebração do negócio jurídico estiver nos limites do propósito do Estado, que é resolver conflitos e afirmar o ordenamento jurídico, e for desejado e pactuado de forma livre pelos sujeitos parciais, a sua realização, ao contrário de confrontar, o devido processo legal, é medida que afirmar e, mais do que isso, leva a um regime de colaboração entre os sujeitos processuais que reforça verdadeira corresponsabilidade no processo”. (MACEDO; PEIXOTO, 2015, p. 3).

Assim, é que dentro de certos limites, que serão posteriormente estudadosenumerados, às partes ficam autorizadas a celebração de negócios processuais atípicos. A atipicidade deriva exatamente da possibilidade de negócios que até então não encontram previsão na norma processual. Não havia antes norma geral permissiva para que as partes acordassem sobre um ato processual não especificamente autorizado (LIMA, 2014, p. 30).

Portanto, o caso concreto é que levaria à necessidade desse negócio.

Embora, como já visto, ainda haja resistência em considerar o autorregramento da vontade no processo, não é possível sua existência diante da clareza da regra constante do art. 190 do CPC. Saber se vai ou não continuar a prevalecer a concepção de que a vontade seria irrelevante para o processo é uma questão que será resolvida pela jurisprudência. Sem dúvida, durante a vigência do CPC anterior prevalecia a ideia de que para se conferir efetividade e segurança jurídica ao processo a vontade deveria sucumbir à forma (CUNHA, 2016, p. 11).

A natureza jurídica de direito público das normas processuais encontra fundamento no fato de que essas normas se propõem a conduzir uma relação jurídica existente entre o Estado e os particulares (PONTE, 2015, p. 307).

Embora a amplitude dessa liberdade seja mais restrita no Direito Público, e, de fato, deve isso assim permanecer até porque envolve o exercício de uma função pública (a jurisdição), a liberdade no processo, apesar de poder ser balizada pelo juiz, existe e os negócios processuais atípicos são o mais atual exemplo de sua valorização.

E é dela que deriva o subprincípio do autorregramento da vontade no processo (DIDIER JÚNIOR, 2015, p.1).

Nesse sentido, tem razão Godinho quando reconhece que se deve:

 “[…] trabalhar com a autonomia das partes não mais no sentido privatístico clássico, mas, sim, dentro de uma perspectiva constitucional e de uma teoria dos direitos fundamentais que autoriza e ao mesmo tempo impõe limites as manifestações de vontade” (GODINHO, 2014, p. 87).

Porém, embora os negócios jurídicos processuais atípicos possam ensejar maior efetividade à prestação jurisdicional, o autorregramento da vontade deve ser ponderado para que não tenhamos negócios jurídicos inválidos ou contrários aos princípios do Estado de Direito Social, isto é, que contrariem princípios de ordem pública ou regras ou princípios constitucionais, vetores esses que limitam a alteração procedimental em razão do autorregramento da vontade.

Devemos ressaltar que a situação de vulnerabilidade deve atrelar-se à suscetibilidade em sentido amplo, sendo a hipossuficiência uma de suas espécies, ao lado de outros possíveis óbices como de ordem dea saúde, cultural ou até de ausência de representação jurídica, dentre outros, como enumera Fernanda Tartuce. Em órbita processual, essa vulnerabilidade consiste em um impedimento a que o litigante pratique atos processuais em razão de uma limitação, que deve ser aferida de forma objetiva, incluindo-se, no contexto de celebração do negócio processual, o nível de informação das partes (TARTUCE, 2016, p. 2). Assim, a validade do negócio processual é condicionada a esse requisito negativo, isto é, um dos celebrantes não pode quedar-se em situação de vulnerabilidade, à medida que tal situação afeta a própria autonomia da vontade.

Nesse sentido, Fernanda Tartuce (2016, p. 4) destaca ainda:

“Tratando-se de convenção sobre normas de processo, pressupõe-se que as partes estejam em condições razoáveis de igualdade para negociar em termos de informação técnica, organização e poder econômico. Caso contrário, a disposição sobre o procedimento pode ser manipulada pela parte mais poderosa com vistas a se livrar de ônus e deveres, dificultando a atuação da parte mais fraca.”

A autora destaca que a vulnerabilidade em questão se caracteriza exatamente pelo desequilíbrio e, portanto, quebra da isonomia, que expõe um litigante a clara situação de desvantagem em relação ao outro (2016, p. 4), devendo ser esta inferida quando o negócio é celebrado. Por sua vez, a adjetivação “manifesta”, chama atenção à evidente desproporcionalidade de condições de deliberação entre as partes. Nesse toar, o enunciado de nº 18 do FPPC aponta que a inexistência da assistência técnico-jurídica constitui uma das formas dessa de manifesta situação de vulnerabilidade: “Há indício de vulnerabilidade quando a parte celebra acordo de procedimento sem assistência técnico-jurídica” (NOGUEIRA. 2016. p. 236).

Nessa linha de pensamento, a valorização dada pelo CPC-2015 à vontade das partes no processo demonstra a busca por mecanismos que ponham em prática o princípio da cooperação processual, estampado em seu art. 6º, o qual “tem o propósito de atribuir a todos a responsabilidade pela formação dos atos processuais e, por conseguinte, pela construção da decisão judicial” (LIMA, 2016, p. 56).

Nessa esteira, ante a cláusula geral que consagra os negócios jurídicos processuais atípicos é, no mínimo, natural considerar sobre os limites de tais negócios.

Isso porque embora reconhecida parcela de a autonomia para que as partes estabeleçam negócios jurídicos processuais, a atuação dessa autonomia não se mostra tão ampla como acontece no direito privado. O desafio, portanto, é estabelecer uma sintonia entre a autonomia da vontade e o publicismo garantista do processo.

Ponderar sobre os limites é uma discussão que está aquém de uma conclusão pacífica e sobre a qual doutrina e jurisprudência terão de se preocupar. Que os limites devem existir não resta dúvida. Sua ausência levaria a um processo degenerativo em decorrência do arbítrio praticado por qualquer dos atores processuais (LIMA, 2016, p. 62). Não configura objeto deste trabalho uma sistematização desses limites haja vista sequer existir ainda uma unanimidade. Todavia, faremos um diagnóstico de alguns aspectos importantes.

Os limites aos negócios processuais foi tema abordado no II Encontro de Jovens Processualistas, que em muito contribuiu para definir, ao menos inicialmente, alguns limites aos negócios processuais. Destacamos os enunciados que têm relação com o tema, alguns já vistos nesse trabalho:

“Enunciado nº 06: “O negócio jurídico processual não pode afastar os deveres inerentes à boa-fé e à cooperação”;.

Enunciado nº 16: “O controle dos requisitos objetivos e subjetivos da convenção de procedimento deve ser conjugado com a regra segundo a qual não há invalidade sem prejuízo”;.

Enunciado nº 17: “As partes podem, no negócio processual, estabelecer outros deveres e sanções para o caso do descumprimento da convenção”;.

Enunciado nº 18: “Há indício de vulnerabilidade quando a parte celebra acordo de procedimento sem assistência técnico-jurídica”.

Enunciado nº 19: “São admissíveis os seguintes negócios processuais, dentre outros: pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo da apelação, acordo para não promover execução provisória.”

Enunciado nº 20: “Não são admissíveis os seguintes negócios bilaterais, dentre outros: acordo para modificação da competência absoluta, acordo para supressão da 1ª instância.”;

Enunciado nº 21: “São admissíveis os seguintes negócios, dentre outros: acordo para realização de sustentação oral, acordo para ampliação do tempo de sustentação oral, julgamento antecipado da lide convencional, convenção sobre prova, redução de prazos processuais”.

Além desses, no III Encontro do Fórum Permanente de Processualistas Civis foram aprovados os seguintes enunciados pertinentes ao tema, que também orientam o alcance dos negócios processuais atípicos ou lhes trazem regra específica:

“Enunciado nº 132: “Além dos defeitos processuais, os vícios da vontade e os vícios sociais podem dar ensejo à invalidação dos negócios jurídicos atípicos do art. 191”.

Enunciado nº 133: “Salvo nos casos expressamente previstos em lei, os negócios processuais do caput do art. 191 não dependem de homologação judicial”.

Enunciado nº 134: “Negócio jurídico processual pode ser invalidado parcialmente”.

Enunciado nº 135: “A indisponibilidade do direito material não impede, por si só, a celebração de negócio jurídico processual”.

Na doutrina brasileira quem primeiro tratou do tema foi Leonardo Greco (2007, p. 11), que fez uma análise dos limites à liberdade de disposição das partes nos seguintes termos:

“A definição dos limites entre os poderes do juiz e a autonomia das partes está diretamente vinculada a três fatores: a) à disponibilidade do próprio direito material posto em juízo; b) ao respeito ao equilíbrio entre as partes e à paridade de armas, para que uma delas em razão de atos de disposição seus ou de seu adversário, não se beneficie de sua particular posição de vantagem em relação à outra quanto ao direito de acesso aos meios de ação e de defesa; e c) à preservação da observância dos princípios e garantias fundamentais do processo no Estado Democrático de Direito.”

Ademais, parece-nos irreparáveis as observações de Leonardo Greco no sentido de que os princípios e garantias fundamentais do processo também constituem limites obstativos à validade dos negócios processuais, pelo que são inválidos os que mitiguem princípios já sedimentados no Direito Processual, como os princípios do juiz natural, da razoável duração do processo e da vedação de prova ilícita. A esses princípios e garantias fundamentais do processo Leonardo Greco (2007, p. 11) intitula “ordem pública processual” enquanto Pedro Nogueira prefere chamar “formalismo processual” (NOGUEIRA, 2016, p. 161).

Essa ordem pública processual seria formada por um “conjunto de requisitos dos atos processuais, impostos de modo imperativo para assegurar a proteção de interesse público precisamente determinado” (GRECO, 2007, p. 11).

Figuram como limites porque “o seu conteúdo transcende a esfera do espaço de privado das partes e atinge o interesse público. Desse modo, entendemos que são inegociáveis matérias como: segredo de justiça; competência absoluta; supressão de instância; a exclusão do Ministério Público como fiscal da lei etc.” (LIMA, 2016, p. 90).

Daniel Amorim (2016, p. 329) de igual modo, entende que as normas fundamentais do processo se constituem limites aos negócios processuais. Sem reparos, a observação do autor, porquanto não podem incluir-se no tocante a não inclusão, no âmbito dos negócios processuais válidos, os que daqueles que disponham contra o princípio da boa-fé processual, vejamos: “[…] não parece crível que as partes possam acordar pelo afastamento de seus deveres de boa-fé e lealdade processual, transformando o processo em verdadeira “terra de ninguém”, obrigando o juiz a aceitar todo tipo de barbaridades sem poder coibir ou sancionar tal comportamento”.

Ressalta, ainda, que não é possível convencionar sobre o princípio da publicidade, criando espécies de segredo de justiça.

Embora não seja procedente a opinião do autor no que diz respeito à disponibilidade do próprio direito material enquanto limite (no estudo do art. 190 vimos que a noção de direito indisponível dá lugar a direitos que admitam autocomposição), não resta qualquer dúvida que os negócios processuais serão inválidos na precisa medida em que acarretarem quebra do princípio da isonomia processual ou quando dispuserem em sentido contrário aos postulados do Estado Democrático de Direito, como, por exemplo, uma disposição que considere válida uma prova obtida por meios ilícitos.

Daniel Amorim (2016, p. 329), de igual modo, entende que as normas fundamentais do processo se constituem limites aos negócios processuais. Sem reparos, a observação do autor, porquanto não podem incluir-se no âmbito dos negócios processuais válidos os que disponham contra o princípio da boa-fé processual, vejamos: “… não parece crível que as partes possam acordar pelo afastamento de seus deveres de boa-fé e lealdade processual, transformando o processo em verdadeira “terra de ninguém”, obrigando o juiz a aceitar todo tipo de barbaridades sem poder coibir ou sancionar tal comportamento”. Ressalta, ainda, que não é possível convencionar sobre o princípio da publicidade, criando espécies de segredo de justiça.

Quanto a esse específico tópico não podemos concordar, pois conquanto a publicidade seja regra processual constitucional a lei infraconstitucional permite-lhe exceções, como se observa do art. 189 do CPC. Ora, se as partes podem estabelecer cláusula de confidencialidade na arbitragem (art. 189, IV do CPC), podem igualmente acertar que o processo no qual litigam perante o poder judiciário também não possa tramitar em segredo de justiça.

Leonardo Greco (2007, p. 11) chega a pontuar princípios considerados indisponíveis pelas partes:

“Entre esses princípios indisponíveis, porque impostos de modo absoluto, apontei então: a independência, a imparcialidade e a competência absoluta do juiz; a capacidade das partes; a liberdade de acesso à tutela jurisdicional em igualdade de condições por todos os cidadãos (igualdade de oportunidades e de meios de defesa); um procedimento previsível, equitativo, contraditório e público; a concorrência das condições da ação; a delimitação do objeto litigioso; o respeito ao princípio da iniciativa das partes e ao princípio da congruência; a conservação do conteúdo dos atos processuais; a possibilidade de ampla e oportuna utilização de todos os meios de defesa, inclusive a defesa técnica e a autodefesa; a intervenção do Ministério Público nas causas que versam sobre direitos indisponíveis, as de curador especial ou de curador à lide; o controle da legalidade e causalidade das decisões judiciais através da fundamentação.”

Importante frisar às diferenças entre o segredo, sigilo, assim como a confidencialidade e qual deverá ser aplicada na relação arbitral.

Desse modo, destaca-se uma diferença entre confidencialidade e privacidade, uma vez que a própria International Law Asssociation a estabeleceu:

The concept of privacy is typically used to refer that only the parties, and not third parties, may attend arbitral hearings or otherwise participate in arbitration proceedings. In contrast, confidentiality is used to refer to the parties asserted obligations not to disclose information concerning arbitration to the third parties (ILA, 2010, p. 4).

Nesse mesmo sentido, explica Cretella Neto (2010, p. 65) que “ao passo que a privacidade é um conceito que impede que terceiros, estranhos à arbitragem, dela participem, a confidencialidade impõe obrigações às partes e aos árbitros”; neste sentido, temos o entendimento de que a discrição do juízo arbitral se conecta mais ao conceito de privacidade, de forma mais clara, do que ao de confidencialidade.

Sendo assim, não se pode afirmar de forma evidente que haja obrigação jurídica ex lege que vincule as partes do processo arbitral – e não apenas o árbitro – a manter em sigilo as informações das quais tomaram conhecimento durante esse processo, embora Pinto (2007, p. 92) defenda que o dever de confidencialidade na arbitragem, ainda que não explicitado na Lei no 9.307/1996, decorra do princípio da boa-fé objetiva. (ARAUJO NETO, 2016, p.139).

No direito positivo brasileiro, a Lei no 9.307/1996 não faz referência expressa à confidencialidade, mas seu art. 13, § 6o , prescreve que: “No desempenho de sua função, o árbitro deverá proceder com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição”. Segundo Fitchner, Mannheimer, Monteiro (2012, p. 235-236), esse artigo impõe aos árbitros o dever de confidencialidade, que abrange a totalidade das informações que ele vier a obter das partes durante o processo arbitral, estendendo-se, inclusive, após a prolação da sentença arbitral – embora o mesmo artigo silencie quanto a se esse dever se estende também às partes. Assim, de acordo com esse posicionamento, não há necessidade de cláusula na convenção de arbitragem ou no regulamento do juízo arbitral que torne explícito o dever de confidencialidade imposto ao árbitro, por ser uma obrigação ex lege. (ARAUJO NETO, 2016, p.139).

A atribuição de confidencialidade ao procedimento arbitral é reconhecida como uma vantagem comparativa da arbitragem em relação ao processo judicial. No entanto, no direito positivo brasileiro, a Lei no 9.307/1996 não considera a confidencialidade como algo inerente à arbitragem – muito embora, ao ser feita a distinção entre confidencialidade e privacidade, se tenha apontado que esta última é certamente uma característica do procedimento arbitral, pois o árbitro deve manter discrição em relação às informações que obteve durante o procedimento arbitral, sendo esse dever uma obrigação jurídica ex lege. (ARAUJO NETO, 2016, p.139)

Acerca da confidencialidade um dos requisitos pelos quais as partes contratantes escolhem a arbitragem, para a resolução de suas controvérsias, elencando a confidencialidade como um princípio fundamental da arbitragem nos mais variados contratos. As especificidades da arbitragem, nesse ponto, incluindo os contratos comerciais, demonstravam ser ela - arbitragem - feita para o litígio e não o litígio ser feito para arbitragem. A confidencialidade, se enquadra nessa dita adequação. (FOUCHARD, 1996, p.629)

Nessa linha de pensamento, a confidencialidade constitui mecanismo necessário a fim de oferecer a devida proteção das informações e dos dados constantes de um processo cuja publicidade poderia ensejar prejuízo a alguma das partes. O sigilo na arbitragem visa a permitir que as questões possam ser dirimidas de forma amigável, impedindo que sua existência possa afetar a continuidade das relações contratuais entre as partes, nem que a existência dessa controvérsia possa ser entendida por terceiros como uma ruptura das relações entre as partes. (PINTO, 2005, p.25)

Fato esse que prospera, tendo em vista que, do ponto de vista mercadológico, a mera existência de uma demanda judicial pode, por vezes, gerar consideráveis consequências às partes, dado que teria o condão de afetar a percepção de terceiros a respeito das relações, dos procedimentos e até mesmo da saúde financeira dos envolvidos. Sendo assim, a possibilidade de garantir o sigilo total do procedimento arbitral pode ser extremamente valiosa e importante, principalmente em ambientes comerciais extremamente competitivos, como acontece atualmente.

Em geral, nas arbitragens internacionais, a confidencialidade é vista como uma qualidade, pois serve para proteger os litigantes e seus problemas de curiosidade de competidores. Também serve proteger segredos comerciais ou industriais valiosos para as partes, assim como sua intimidade. Por essa razão, somente os participantes, seus advogados, os árbitros e, em parte, os peritos, tal como pessoas que exercem funções de secretaria, têm acesso ao procedimento. Mesmo assim, há caso em que a proteção de segredos profissionais, industriais ou comerciais levam as partes a exigir um grau de confidencialidade especial para certas informações e documentos". (BAPTISTA, 2011, p. 219).

A confidencialidade como uma verdadeira qualidade da arbitragem. (FICHTNER, 2012, p. 227).

Corroborando com esse entendimento, em linhas gerais, a arbitragem apresenta a seguinte dinâmica de incentivos quando comparada com o processo judicial: a celeridade para resolução do litígio, a confidencialidade ou caráter reservado que pode se dar a seus atos, a possível especialização do árbitro em face da matéria a ser decidida, a maior participação das partes na formação do procedimento e a possibilidade de elas também determinarem o direito aplicável à controvérsia. (PUGLIESE, 2008, p.15). Verificam-se vários incentivos acerca da utilização da arbitragem, uma delas é a confidencialidade. (LEMES, 2007)

Buscando um outro ponto, tomando-se como premissa a dinâmica de incentivos própria, para adoção do juízo arbitral em preferência ao juízo estatal, é possível atribuir algum conteúdo ao dever de discrição imposto ao árbitro, mesmo quando um ente público estiver presente no procedimento arbitral (SALLES, 2011).

No entanto, também se demonstrou que a privacidade do procedimento arbitral não pode impedir que terceiros legitimados ao controle e fiscalização da Administração Pública se utilizem dos instrumentos processuais adequados para que o princípio da publicidade tenha eficácia como accountability. no sentido de responsabilidade e ética, no campo da arbitragem.(ARAUJO NETO, 2016, p.139)

Por derradeiro, sigilo, privacidade ou confidencialidade, utilizados de forma sinônima, diferente do segredo de justiça (Este está descrito no próprio Código de Processo Civil CPC/15), além de elementos intrínsecos à arbitragem comercial, são objeto de escolha das partes, podendo ocorrer a renúncia, caso assim decidam. Sendo assim, o poder advindo da autonomia negocial privada das partes, permite que elas possam contender de forma confidencial. Essa autonomia é revelada quando as partes escolhem determinado regulamento a ser aplicado na arbitragem, ou seja, as regras são criadas livremente entre as partes.

Pedro Nogueira também se posiciona a respeito dos limites aos Negócios Processuais. Entende que as próprias normas processuais configuram limites, pois sua aplicação é inafastável pelos interessados – as normas cogentes processuais (NOGUEIRA, 2016. p. 160). 

Daniel Amorim conceitua as normas cogentes como aquelas “imposta pela lei aos sujeitos processuais, sendo irrelevante sua vontade no caso concreto” (NEVES, 2016, p. 331).

Sob o argumento de violação às normas cogentes é que se negaria validade aos negócios que, por exemplo, afastassem a participação do Ministério Público quando a lei exigisse sua presença ou que dispusessem sobre condições da ação, bem como quando tratassem de modificar competência absoluta (CUNHA, 2014, p. 30).

“Com relação às condições da ação, parece inegável que o interesse de agir não pode ser objeto de convenção entre as partes, porque não se pode obrigar o Poder Judiciário a desenvolver um processo inútil e/ou desnecessário” (NEVES, 2016, p. 332).

Filiamo-nos à ideia de que “a manifestação de vontade, isoladamente, não tem valor jurídico; só o terá se estiver de acordo com a Constituição, as leis, a ordem pública e, como sustenta a maior parte da doutrina, conforme a moral e os bons costumes” (BORGES, 2005, p. 54).

Nessa perspectiva, Marcos Bernardes de Mello parece trazer um conceito mais completo em relação às normas que limitam a autonomia da vontade. Ele ensina que não há para as normas cogentes, impositivas e proibitivas permissivos à essa autonomia e sim conclusivas.

Em verdade, quando há proibição ou há imposição normativa de certa conduta, cogentemente, não se admite que as pessoas possam agir de modo contrário à norma, o que implica dizer que fazer o que está proibido ou furtar-se ao que se impõe constitui, necessariamente, infração da norma jurídica. Não há possibilidade de se agir conforme ao direito desatendendo-se à cogência. (ATAÍDE JÚNIOR. 2015, p. 411)

Como se vê, embora prestigiado o poder de autorregramento da vontade das partes, os limites estabelecidos nas normas, os princípios constitucionais e a filosofia do processo cooperativo, exigirão do juiz uma atuação proativa (não autoritária) para que as partes possam exercer de maneira democrática a negociação processual. O papel do juiz nos acordos processuais parece ser a de garantidor dos direitos fundamentais das partes para permitir que as deliberações sejam inclusivas e livres de coações (LIMA, 2016, p. 93).

Nesse mesmo sentido, Cassio Scarpinella Bueno (2016, p. 2017) registra:

“Por que razão, ao menos por ora, não vejo como aceitar convenções processuais sobre: (i) deveres- poderes do magistrado ou sobre deveres regentes na atuação das partes e de seus procuradores; (ii) sobre a força probante dos meios de prova; (iii) sobre os pressupostos de constituição e desenvolvimento válido do processo e/ou do exercício do direito de ação; (iv) sobre as hipóteses (e o regime) da tutela provisória; (v) sobre as formas e técnicas de cumprimento da sentença, inclusive o provisório, e as de execução; (vi) sobre a coisa julgada; (vii) sobre o número de recursos cabíveis ou interponíveis e seu respectivoa regime jurídico; ou (viii) sobre as hipóteses de reincindibilidade.

Ressaltamos uma vez mais que, embora se flexibilize, por exemplo, os prazos, não obstante serem matéria reservada à lei, certas matérias gozam de proteção específica haja vista integrarem norma cogente. Um exemplo se presta a esclarecer: um negócio jurídico processual não poderia, em sua visão, ser celebrado para criar um recurso (CUNHA, 2014, p. 30).

Sobre o autor
Gleibe Pretti

Pós Doutorado na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina- nota 6 na CAPES -2023) Link de acesso: https://ppgd.ufsc.br/colegiado-delegado/atas-delegado-2022/ Doutor no Programa de pós-graduação em Direito da Universidade de Marília (UNIMAR- CAPES-nota 5), área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social, com a tese: APLICAÇÃO DA ARBITRAGEM NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS, COMO UMA FORMA DE EFETIVIDADE DA JUSTIÇA (Concluído em 09/06/2022, aprovado com nota máxima). Segue o link de acesso a tese: https://portal.unimar.br/site/public/pdf/dissertacoes/53082B5076D221F668102851209A6BBA.pdf ; Mestre em Análise Geoambiental na Univeritas (UnG). (2017) Pós-graduado em Direito Constitucional e Direito e Processo do Trabalho na UNIFIA-UNISEPE (2015). Bacharel em Direito na Universidade São Francisco (2002), Licenciatura em Sociologia na Faculdade Paulista São José (2014), Licenciatura em história (2021) e Licenciatura em Pedagogia (2023) pela FAUSP. Perícia Judicial pelo CONPEJ em 2011 e ABCAD (360h) formação complementar em perícia grafotécnica. Coordenador do programa de mestrado em direito da MUST University. Coordenador da pós graduação lato sensu em Direito do CEJU (SP). Atualmente é Professor Universitário na Graduação nas seguintes faculdades: Faculdades Campos Salles (FICS) e UniDrummond. UNITAU (Universidade de Taubaté), como professor da pós graduação em direito do trabalho, assim como arbitragem, Professor da Jus Expert, em perícia grafotécnica, documentoscopia, perícia, avaliador de bens móveis e investigador de usucapião. Professor do SEBRAE- para empreendedores. Membro e pesquisador do Grupo de pesquisa em Epistemologia da prática arbitral nacional e internacional, da Universidade de Marília (UNIMAR) com o endereço: dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/2781165061648836 em que o líder é o Prof. Dr. Elias Marques de Medeiros Neto. Avaliador de artigos da Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Editor Chefe Revista educação B1 (Ung) de 2017 até 2019. Colaborador científico da RFT. Atua como Advogado, Árbitro na Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada de São Paulo S.S. Ltda. Cames/SP e na Secretaria Nacional dos Direitos Autorais e Propriedade Intelectual (SNDAPI), da Secretaria Especial de Cultura (Secult), desde 2015. Mediador, conciliador e árbitro formado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Especialista nas áreas de Direito e Processo do Trabalho, assim como em Arbitragem e sistema multiportas. Focado em novidades da área como: LGPD nas empresas, Empreendedorismo em face do desemprego, Direito do Trabalho Pós Pandemia, Marketing Jurídico, Direito do Trabalho e métodos de solução de conflito (Arbitragem), Meio ambiente do Trabalho e Sustentabilidade, Mindset 4.0 nas relações trabalhistas, Compliance Trabalhista, Direito do Trabalho numa sociedade líquida, dentre outros). Autor de mais de 100 livros na área trabalhista e perícia, dentre outros com mais de 430 artigos jurídicos (período de 2021 a 2024), em revistas e sites jurídicos, realizados individualmente ou em conjunto. Perito Judicial Grafotécnico. Autor com mais produções no Centro Universitário Estácio, anos 2021 e 2022. Tel: 11 982073053 Email: [email protected] Redes sociais: @professorgleibepretti Publicações no ResearchGate- pesquisadores (https://www.researchgate.net/search?q=gleibe20pretti) 21 publicações/ 472 leituras / 239 citações (atualizado julho de 2024)

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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