REFORMA TRABALHISTA E FLEXIBILIZAÇÃO DOS DIREITOS LABORAIS

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O presente trabalho visa discutir as nuances acerca da flexibilização dos direitos trabalhistas e seus efeitos sociais com o suporte das principais mudanças provocadas pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) na Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT.

INTRODUÇÃO

As discussões acerca da flexibilização das normas trabalhistas englobam os debates sobre as transformações na estrutura do corpo social, operada principalmente com o impulso das relações econômicas, sociais, culturais e políticas, advindas, sobretudo, após o fortalecimento do neoliberalismo, intensificado a partir do final do século XX. Assim, um mundo em constante transformação requer um sistema jurídico harmônico entre desenvolvimento econômico e social e os princípios norteadores do direito do trabalho.

Nessa toada, surgem questionamentos sobre o possível excesso de proteção do trabalhador, procurando a produção de normas mais flexíveis. Entretanto, a flexibilização dos direitos trabalhistas não deve ser entendida como precarização, mas como uma adaptação à realidade dos fatos, em que empregador e empregado tornam-se protagonistas na decisão dos acordos de trabalho, com menos interferência estatal. Por outro lado, as pessoas contrárias a esse abrandamento de normas trabalhistas, consideram a flexibilização um retrocesso histórico, de perda das garantias fundamentais e resultado de uma visão míope da economia, que traz embutida a dominação por parte do trabalhador. Trata-se, portanto, de um tema controvertido, de alto grau de relevância, em que tecer algumas análises faz-se necessário.

Nesse sentido, percebendo que o sistema jurídico reflete as transformações da estrutura da sociedade, o presente trabalho visa discutir a flexibilização dos direitos trabalhistas e seus efeitos sociais com o suporte das principais mudanças provocadas pela Reforma Trabalhista(Lei 13.467/2017) na Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT. Para tanto, utilizar-se-á na fundamentação teórica, os pensamentos defendidos pelos sociólogos Èmile Durkheim, Zygmunt Bauman, Karl Marx e Pierre Bourdieu, bem como pontos e contrapontos que corroborem para discussão do tema aqui proposto, levando em consideração também fatos veiculados na mídia, mais especificamente, na Revista Repórter Brasil, em 2017, que aborda o tema da reforma trabalhista sob um viés mais crítico e tem como tema de sua pesquisa a “Reforma trabalhista: maior parte da mídia não aborda o impacto negativo das mudanças”. Por fim, a conclusão adquirida com essa exposição e a apresentação das referências bibliográficas utilizadas neste ensaio.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 

O tema flexibilização já consta há décadas do direito do trabalho brasileiro, a exemplo  das mudanças na CLT na década de 90 para instrumentalizar as mediações de conflitos  individuais e coletivos (Brasil, 2017). Segundo Crepaldi (2001, p. 23): 

Flexibilizar significa causar transformações nas regras existentes, atenuando a influência do Estado,  diminuindo o custo social da mão de obra, mitigando certas regras que não ofendem a dignidade do ser  humano, mas velando por standard minimum indispensável, mediante patente desigualdade existente entre empregadores e trabalhadores.

No entanto a flexibilização das normas trabalhistas tomou força a partir da vigência da Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, denominada reforma trabalhista, fato amplamente divulgado pelos meios de comunicação, Revista Repórter Brasil, Globo, Tv Senado, etc. no intuito de buscar uma solução descentralizada e fundada no diálogo social. Nesse sentido, destacam-se algumas mudanças mais sensíveis, que merecem atenção, a fim de ilustração (CASSAR, 2017):

1. Prevalência do acordo coletivo sobre a convenção coletiva (mesmo que menos favorável); 2. Negociado em norma coletiva sobre o legislado, podendo reduzir o intervalo intrajornada (garantido o mínimo de 30 minutos); 3. Modificação do conceito de grupo econômico e da sucessão, implicando diretamente a configuração desses conceitos e suas responsabilidades pelas dívidas trabalhistas; 4. Conceito de trabalho intermitente e sua regulamentação; 5. Exclusão dos teletrabalhadores das horas extras, intervalo, hora noturna e adicional noturno; 6. Jornada 12x36 por acordo individual escrito entre patrão e empregado ou norma coletiva; 7. Banco de horas por acordo individual escrito entre patrão e empregado para compensação em até 6 meses.

O assunto é controvertido e basicamente existem três correntes de pensamento que se posicionam a respeito da flexibilização. São elas: a favorável, a desfavorável e a moderada (MARTINS, 2009, p. 29). Para os favoráveis, os direitos trabalhistas devem ser reflexos da economia e não, serem inerentes à condição de empregados, de força de trabalho. Assim, para que se modernizassem as relações de trabalho, as convenções coletivas deveriam ter cláusulas in mellius e in pejus para o trabalhador, possibilitando uma adequação da empresa à realidade da época (Nascimento, 1998). Desta forma, o aumento da competitividade das empresas beneficiaria a sociedade como um todo, pois novos postos de trabalho seriam criados (MARTINS, 2009, p. 29). Veiga (2017) defende a reforma e cita o alcance da flexibilização principalmente em relação ao contrato de trabalho, com a instituição do contrato intermitente e da terceirização. Já para Biasi (2017), os sindicatos terão que se reinventar para continuar existindo, uma vez que foi extinto a contribuição sindical obrigatória.

O segundo campo doutrinário traz o posicionamento desfavorável à flexibilização, sintetizada no pensamento de Antunes (2002, p.184): “[...] são expressões de uma lógica social onde se tem a prevalência de capital sobre a força humana e trabalho”. Pelo contrário, não há benefício para a sociedade, na medida em que restringe ou eliminar direitos sociais historicamente consolidados (Nascimento, 2017). A flexibilização e a informalização da força de trabalho foram os caminhos utilizados pelo capital para “arquitetar e ampliar a intensificação, a exploração e a precarização do trabalho em escala global” (ANTUNES, 2011, p.4).

Por fim, nas lições de Sérgio Pinto Martins, a moderação se concretiza no respeito a um patamar essencial de direitos a partir da “[...] existência de uma norma legal mínima, estabelecendo regras básicas, e o restante seria determinado pelas convenções ou acordos coletivos.” (MARTINS, 2009, p. 29).

Em pouco mais de 100 anos, o direito do trabalho passou de um processo de conquistas para uma situação de adaptação, frente às intensas transformações nas relações de trabalho. A modernidade líquida é o novo paradigma nas relações de trabalho. Termo criado por Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, tem como conceito a diminuição da interferência do Estado nas relações de trabalho, com uma perspectiva voltada para a insegurança, riscos, desregulamentação, precarização, destruição, retrocesso social, dos níveis mais elementares de tutela do direito do trabalho.

Para Bauman (2001, p. 174-175), o movimento proletário:

[...] tendem a serem as partes mais dispensáveis, disponíveis e trocáveis do sistema econômico. Em seus requisitos de empregos não constam habilidades particulares, nem a arte da integração social com clientes - e assim, os mais fáceis de substituir têm poucas qualidades especiais que poderiam inspirar seus empregados a desejar mantê-los a todo o custo. [...] Sabem que são dispensáveis, e por isso não veem razões para aderir ou se comprometer com seu trabalho ou entrar numa associação mais durável com seus companheiros e trabalho. [...] É uma reação natural à "flexibilidade" do mercado no trabalho, que, quando traduzida na experiência individual da vida, significa que a segurança de longo prazo é a última coisa que se aprende a associar ao trabalho que se realiza.

Para Durkheim (1973), sociólogo francês, o trabalho reflete a noção de coesão social e solidariedade. A sociedade é vista como um organismo constituído de partes identificáveis, com relações bem definidas entre estas partes dando um funcionamento harmônico a este organismo e, desta forma, o trabalho tem como função primeira a integração da sociedade. Segundo o autor, a precariedade, pode ser definida seja pela ausência ou fragilidade das regras e normas que organizam e estruturam o adequado funcionamento da vida econômica e das relações de trabalho – o denominado estado de anomia, – seja pela inadequação dessas regras e normas aos talentos, habilidades e disposições naturais dos sujeitos sociais. Contudo, são estados provisórios, típicos de períodos de transição e profundas transformações sociais, tendendo a ser superada com o adequado ordenamento e amadurecimento das instituições sociais.

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Por outro lado, em Marx, a existência do trabalhador encontra-se reduzida às mesmas condições que a existência de qualquer outra mercadoria. “O trabalhador tornou-se uma mercadoria e terá muita sorte se puder encontrar um comprador. E a procura, de que depende a vida do trabalhador, é determinada pelo capricho dos ricos e dos capitalistas” (MARX, 1993, p. 102). O trabalhador, diz ele, nada pode criar sem a natureza, sem o mundo externo sensível. Este é o material onde se realiza o trabalho, onde ele é ativo, a partir do qual e por meio do qual produz coisas. (Idem, p. 160). Por fim, faz-se relevante dedicar algumas linhas ao pensamento do filósofo e sociólogo francês Pierre Bourdieu. Sob essa ótica Lustosa (2010) diz que, para que se possa adequar os países nas imposições do mundo globalizado, a palavra de ordem é flexibilizar, isto é, segundo a autora, “adotar medidas capazes de adaptar, afrouxar ou eliminar os direitos trabalhistas de acordo com a realidade econômica e produtiva”.

Nesse ínterim, Pierre Bourdieu classifica essa flexibilização como uma estratégia de precarização. Isso, pois, essa flexibilização é exigida, diretamente, da mão de obra e é justificada pela precariedade presente no sistema, em que o sentimento de fácil substituição – perda de emprego – por parte dos trabalhadores está comumente presente (BOURDIEU, 1998). Exige-se, ainda de acordo com o pensamento do autor, uma adaptação desmedida da massa trabalhadora frente às novas exigências do mundo globalizado. É possível inferir que essa afamada flexibilização é unilateral na medida em que, na prática, a flexibilidade é efetivada pela classe trabalhadora, no entanto, quase imperceptível por parte das empresas, das instituições e dos mercados mundiais o que, portanto, provoca uma condição de precariedade.

CONCLUSÃO

O avanço do neoliberalismo e a instituição do Estado mínimo provocaram profundas transformações nas relações do trabalho. No Brasil, a reforma trabalhista de 2017 promoveu em maior grau flexibilizações na Consolidação das Leis Trabalhistas que foi crucial para adaptação à nova realidade econômica. Contudo, outras correntes doutrinárias se posicionam em contraponto, sugerindo a quebra dos direitos fundamentais e o risco de precarização do trabalho. As relações de trabalho foram objeto de estudos sociológicos, sob perspectivas diferenciadas e divergentes, tais como noção de fluidez (Bauman), de coesão e solidariedade (Durkheim), de exploração (Karl Marx) e do binômio flexibilização-precarização (Bourdieu). Sob a ótica destes grandes pensadores e análise da situação presente, conclui-se que o trabalhador continua hipossuficiente nas relações com o empregador, devendo-se harmonizar a flexibilização das normas trabalhistas com princípio da proteção do trabalhador e os demais comandos constitucionais atinentes à dignidade humana.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTUNES, R. Os modos de ser da informalidade: rumo a uma nova era da precarização estrutural do trabalho? Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 107, julho/setembro, 2011, p. 4.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

BIASE, L. E a luta continua? As novas leis trabalhistas podem mudar o sindicato. In: Edgar. Edgard Melo. (Org.) Reforma Trabalhista. São Paulo: Editora Escala, 2017.

BOURDIEU, Pierre. A precariedade está hoje por toda parte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

BRASIL, Repórter. Reforma trabalhista: maior parte da mídia não aborda o impacto negativo das mudanças. 2017. Disponível em: https://reporterbrasil.org.br/2017/06/reforma-trabalhista-maior-parte-da-midia-nao-aborda-o-impacto-negativo-das-mudancas/. Acesso em: 11 de outubro de 2020.

BRASIL, República Federativa do. Lei n° 13.467/2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/civil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm. Acesso em: 11 de outubro de 2020.

CASSAR, Vólia Bomfim. Flexibilização das normas trabalhistas. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho, 2010. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp130531.pdf>. Acesso em: 09 de outubro 2020.

CREPALDI, Donizete J. O princípio de proteção e a flexibilização das normas do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2001.

DURKHEIM, Émile. De La division del trabajo social. Buenos Aires: Schapire, 1973.

GLOBO. https://g1.globo.com/economia/noticia/nova-lei-trabalhista-cria-regras-para-home-office-entenda.ghtml

LUSTOSA, Dayane Sanara de Matos. Flexibilização/precarização das relações de trabalho no Brasil. São Paulo: Âmbito Jurídico, 2010.

MARTINS, Sérgio Pinto. Flexibilidade das Condições de Trabalho. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2009.

MELLO Celso de Albuquerque. Reforma Trabalhista. São Paulo. Editora Escala, 2017.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 1998.

SENADO, Agência. Aprovada em 2017, reforma trabalhista alterou regras para flexibilizar o mercado de trabalho. 2019. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/05/02/aprovada-em-2017-reforma-trabalhista-alterou-regras-para-flexibilizar-o-mercado-de-trabalho. Acesso em: 11 de outubro de 2020.

VEIGA, M. A Reforma sob um novo prisma. In: Edgar Melo. (Org.) Reforma Trabalhista. São Paulo: Editora Escala, 2017.

Sobre as autoras
Vanessa Silva Santos

Estudante de Direito I Correspondente Jurídico I Pesquisadora: - Graduanda em Direito pela Faculdade de Petrolina - FACAPE. - Técnica em Agropecuária pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano - Campus Senhor do Bonfim.

Grace Emmanuelle Marques de Sá Ferreira

Graduanda em Direito pela Faculdade de Petrolina - FACAPE.

Magna Regina Carvalho Nali

Graduanda em Direito pela Faculdade de Petrolina - FACAPE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho apresentado à professora Anna Christina Freire Barbosa, disciplina de Sociologia Jurídica, Curso de Direito na Faculdade de Petrolina – FACAPE.

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