Entenda as transformações societárias e a responsabilidade empresarial à luz da legislação brasileira

Understand corporate transformations and corporate responsibility in light of Brazilian law

04/08/2021 às 20:07
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Pretende o presente analisar as mencionadas, descortinando temas como alteração de espécie societária, fusão, cisão, incorporação e a responsabilidade pelos débitos existentes no momento da transformação

 CACEMIRO, Wellington[1]

CACEMIRO, Yasmin do Carmo[2]

 

 

RESUMO

Não é difícil intuir, como ensina a melhor doutrina (MAMEDE, 2020, p. 206), que “as sociedades, atos jurídicos que são, podem sofrer mutações (metamorfoses) jurídicas de tipos diversos”. Neste sentido, preleciona o mestre Gladston Mamede que estas “podem se transformar de um tipo societário em outro, podem fundir-se com outra ou outras, como, igualmente, podem cindir-se em mais de uma”. Além disso, como acertadamente comenta, “as sociedades podem incorporar outras sociedades, como, em sentido oposto, ser incorporadas”. Tratam-se, na concepção do jurista, de “mudanças jurídicas na estrutura das sociedades, isto é, na infraestrutura jurídica que sustenta a sua existência”. Destarte, pretende o presente analisar as mencionadas transformações societárias e a responsabilidade, descortinando temas como alteração de espécie societária, fusão, cisão, incorporação e a responsabilidade pelos débitos existentes no momento da transformação.          

Palavras-chave: Direito Empresarial; Transformações Societárias; Responsabilidade; Alteração de espécie societária.

 

ABSTRACT
It is not difficult to intuit, as the best doctrine teaches (MAMEDE, 2020, p. 206), that “societies, legal acts that they are, can undergo legal mutations (metamorphoses) of different types”. In this sense, master Gladston Mamede lectures that these “can change from one corporate type to another, they can merge with another or others, as well as they can be split into more than one”. In addition, as he rightly comments, "companies can incorporate other companies, as, in the opposite sense, be incorporated". These are, in the jurist's view, “legal changes in the structure of companies, that is, in the legal infrastructure that supports their existence”. Thus, the present intends to analyze the aforementioned corporate transformations and liability, uncovering themes such as corporate type change, merger, spin-off, incorporation and responsibility for debts existing at the time of the transformation.    

Keywords: Business Law; Corporate Transformations; Responsibility; Change of corporate type.  

 

SUMÁRIO: 1. Considerações iniciais. 2. Da criação de um sujeito de direito novo a partir da fusão. 3. Da transferência de parcelas do patrimônio por meio da cisão. 4. Da extinção da pessoa jurídica com a incorporação. 5. Da responsabilidade pelos débitos.  6. Considerações finais. 7. Referências.

 

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A análise dos institutos que regulamentam a alteração de espécie societária, bem como a responsabilidade sobre esta, é prática necessária para despertar no pesquisador do Direito Empresarial contemporâneo a capacidade de identificar e resolver problemas inerentes ao estudo das transformações societárias.

Trata-se de discorrer sobre conteúdos caros à disciplina, como fusão, cisão, incorporação e a responsabilidade pelos débitos existentes no momento da transformação. Dito isto, cogente reconhecer que a temática é ampla, sendo necessário, para cumprimento do que se propõe o presente, destacar apenas pontos de maior relevo.

Assim sendo, defende o professor André Luiz Santa Cruz Ramos (2020, p. 478) que “no campo do direito societário, são muito comuns às chamadas operações societárias, nas quais as sociedades se relacionam entre si, transformando-se, fundindo-se, incorporando outras ou transferindo parcela de seu patrimônio a outras”. Como bem explica, “em todos esses casos – transformação, incorporação, fusão e cisão –, haverá mudanças relevantes na estrutura das sociedades, que trarão consequências jurídicas relevantes”.  

Como adverte em sua obra, a matéria encontra-se disciplinada tanto na Lei 6.404/1976 (Lei das Sociedades por Ações) quanto no próprio Código Civil brasileiro. “Assim, se numa determinada operação societária há a participação de uma sociedade anônima, o que é o mais comum, aplicam-se as regras previstas na LSA, em razão da especialidade desse diploma legislativo” (RAMOS, 2020, p. 478). Todavia, como rememora, se a operação não conta com a participação de uma sociedade anônima, o que é raro, aplicam-se as regras do Código Civil.

Já no que concerne especificamente a transformação, preleciona o jurista que, de acordo com o art. 220 da LSA, esta “é a operação pela qual a sociedade passa, independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro”. Informa ainda que, no mesmo sentido, dispõe o Código Civil, em seu art. 1.113, que “o ato de transformação independe de dissolução ou liquidação da sociedade, e obedecerá aos preceitos reguladores da constituição e inscrição próprios do tipo em que vai converter-se”.

Feita tais considerações preambulares, cabe ainda anotar, com fulcro na obra supramencionada, que “a transformação é, pois, a mera mudança no tipo societário, que ocorre, por exemplo, quando uma sociedade limitada se transforma em uma sociedade anônima, e vice-versa” (RAMOS, 2020, p. 478).

Não sem motivo, portanto, justifica o professor Ricardo Negrão (2020, p. 119), tratar-se da “operação de mudança do tipo societário ou de modalidade de constituição da empresa (como, por exemplo, na ocorrência de concentração das quotas de uma sociedade num único sócio, resultando numa empresa individual de responsabilidade limitada), independentemente de dissolução e liquidação”.

Como anota, exige-se o consentimento unânime dos acionistas ou sócios, exceto se houver outra previsão no contrato ou estatuto. “Ao dissidente cabe o direito de retirar-se da sociedade, salvo se, ao ingressar na sociedade, tenha renunciado a este direito” (NEGRÃO, 2020, p. 119). Essa modalidade, assevera, vem prevista nos arts. 220-222, da LSA, e nos arts. 1.113 a 1.115 do CC.

Feitas tais observações a título de comentário introdutório cumpre-nos agora a tarefa de aprofundar a matéria.     

 

2. DA CRIAÇÃO DE UM SUJEITO DE DIREITO NOVO A PARTIR DA FUSÃO

Preleciona o advogado e professor Sílvio de Salvo Venosa (2020, p. 233) que “a fusão ocorre pela somatória de patrimônios líquidos de duas ou mais sociedades, da qual resultará sua extinção, com o nascimento de nova pessoa jurídica”.

Destarte, como explica, difere esta da incorporação porque nesta apenas a sociedade ou sociedades incorporadas desaparecem mediante a absorção pela incorporadora, a qual continua existindo e operando como o mesmo sujeito de direito.

Como assevera “a nova sociedade nascida com a fusão recebe a totalidade de bens, direitos e obrigações das pessoas extintas com a operação, bem como sócios ou acionistas” (VENOSA, 2020, p. 233). Pontua ainda o mestre que “a liquidação patrimonial das sociedades fundidas não ocorre, porque o patrimônio de todas é preservado na integralidade”.

Em adendo argumenta o juiz Edilson Enedino das Chagas (2021, p. 125) que “na fusão, haverá não só a concentração patrimonial, mas também a criação de um sujeito de direito novo”. Para ilustrar, cita o dispositivo que preceitua a regra, o art. 1.119, do diploma civilista, reproduzido abaixo in verbis:

A fusão determina a extinção das sociedades que se unem, para formar sociedade nova, que a elas sucederá nos direitos e obrigações 

Pelo exposto, e com fulcro na lição do magistrado, há que se constatar que, “nesta hipótese, as sociedades somam-se e somem, em seguida, dando lugar a uma empresa nova” (CHAGAS, 2021, p. 125); como já explicitado em momento anterior.

Para além deste comentário há que se observarem outras regras extraídas da necessária lição do professor Alessandro Sanchez (2018, p. 183). Neste sentido, informa o mestre que “primeiramente, há necessidade de elaborar um projeto sobre o futuro da fusão, com a distribuição do capital social da nova companhia entre os sócios das sociedades fundidas”. Aduz ainda que “nas sociedades anônimas o quórum é de, pelo menos, 50% do capital votante, e, nas limitadas, 75% do capital social”.

Senão, vejamos exemplo jurisprudencial que ratifica tal posicionamento.

 

EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO. SOCIEDADE ANÔNIMA. ESTATUTO. CLÁUSULA ARBITRAL. VINCULAÇÃO. DECISÃO MANTIDA. 1. "A cláusula compromissória arbitral, inserta no contrato social por ocasião da constituição da sociedade, como in casu, ou posteriormente, respeitado o quórum legal para tanto, sujeita a sociedade e a todos os sócios, atuais e futuros, tenham estes concordado ou não com tal disposição, na medida em que a vinculação dos sócios ao conjunto de normas societárias (em especial, do contrato social) dá-se de modo unitário e preponderante sobre a vontade individual eventualmente dissonante" (REsp 1727979/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/06/2018, DJe 19/06/2018). 2. Agravo interno a que se nega provimento.

(STJ - AgInt no REsp: 1460522 DF 2014/0143694-7, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 12/04/2021, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/04/2021)

Sobre o explicitado, Venosa (2020, p. 233) rememora, igualmente, que “as deliberações acerca da fusão devem ser tomadas observando-se as regras aplicáveis a cada modalidade societária envolvida”. Segundo o autor, se a fusão ocorrer entre sociedade simples e limitada, deve ser observado o quórum exigido para cada uma delas para aprovação. Como informa “não há um procedimento padrão para deliberação dos sócios das sociedades; tudo pode acontecer em um ou vários atos assembleares para a aprovação da fusão”.

Importante não esquecer, de igual modo, como aponta o autor, que “esse projeto precisa conter as cláusulas do ato constitutivo, tanto as legais como as definidas pelos sócios; avaliações patrimoniais das sociedades; capital social de participação de cada sociedade e participação societária de cada sócio, bem como a indicação e modo de investidura dos administradores” (VENOSA, 2020, p. 233).

Há que se fazer, por derradeiro, breve anotação para o art. 228, da LSA. Como destaca Ramos (2020, p.480) o texto normativo estabelece que “a fusão é a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações”, sendo, portanto, regra basilar, junto com os arts. 1.119 a 1.121 do Código Civil.       

 

3. DA TRANSFERÊNCIA DE PARCELAS DO PATRIMÔNIO POR MEIO DA CISÃO

Defende o mestre Gladston Mamede (MAMEDE, 2020, p. 212) que “a cisão é a operação pela qual uma sociedade transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes”. Como assevera, a cisão pode ser total, vertendo-se todo o patrimônio para novas sociedades e extinguindo-se da sociedade cindida, como pode ser igualmente parcial, conservando-se parte a sociedade cindida com parte de seu patrimônio original.

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Observadas tais regras, cogente reconhecer que “há, portanto, hipóteses diversas de cisão”. Aduz ainda que estas, didaticamente, podem ser classificadas da seguinte forma:

(1) divisão da sociedade em duas ou mais sociedades que se criam como resultado da operação, extinguindo-se a sociedade cindida; (2) cisão parcial da sociedade, que se mantém – que não se extingue, apenas tem seu corpo social reduzido –, sendo criada uma ou mais novas sociedades; (3) cisão parcial da sociedade, que se mantém, sendo transferida parte de seu corpo social para outra ou outras sociedades preexistentes que, destarte, incorporam essa parte do patrimônio cindido; (4) cisão total da sociedade, que se extingue, sendo transferido seu corpo social, em partes, para outras sociedades preexistentes que incorporam tais partes do patrimônio cindido (MAMEDE, 2020, p. 212)

Observa-se pela lição do mestre que “para cada situação, há consequências jurídicas próprias”. Assim, como argumenta Mamede, “na cisão com versão de parcela do patrimônio em sociedade nova, a operação será deliberada pela reunião ou assembleia geral de sócios (acionistas ou quotistas) à vista de justificação”. Explica este que, sendo aprovada, serão nomeados os peritos que avaliarão a parcela do patrimônio a ser transferida, e funcionará como assembleia de constituição da nova companhia. “Pelo contrário, a cisão, com versão de parcela de patrimônio em sociedade já existente, obedecerá às disposições sobre incorporação” (op cit).

Destarte, como rememora Negrão (2020, p. 120), na cisão procede-se segundo o que normatiza o art. 229, da já citada Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, a Lei das Sociedades por Ações.         

 

4. DA EXTINÇÃO DA PESSOA JURÍDICA COM A INCORPORAÇÃO

Encontram-se gravadas no art. 227, da LSA, e nos arts. 1.116 a 1.118, do C.C., as bases que fundamentam o processo que titula o presente tópico. Para além de outras importantes observações, pode-se falar sobre a incorporação, como acertadamente ensina Chagas (2021, p. 125), que, nesta, “o ato de concentração patrimonial importará na extinção de uma ou mais pessoas jurídicas que terão seus patrimônios absorvidos pela incorporadora (art. 1.116)”. Como assinala o magistrado, “haverá concentração patrimonial e extinção de uma ou mais pessoas jurídicas”.

Neste sentido também preleciona Venosa (2020, p. 231) que o processo de incorporação tem início, em geral, com a “due dilligence”, que é procedimento de verificação dos pontos básicos da situação econômica e jurídica da incorporada, como investigação acerca do faturamento, regularidade tributária, ativo e passivo contábil, processos judiciais em curso, etc. Informa ainda que “apresentado esse resultado, prossegue-se conforme disposto nos arts. 1.113 ss”.

Importante observar que, a título de cumprimento de obrigações tributárias, a efetiva comunicação aos órgãos/entidades competentes, pela incorporadora, da ocorrência da incorporação da sociedade empresária proprietária do veículo “é o exato momento em que o fisco toma conhecimento do novo sujeito passivo a ser considerado no lançamento”. Neste sentido, por exemplo, recente decisão do Superior Tribunal de Justiça abaixo reproduzida.

AGRAVO EM Recurso Especial Nº 1827956 - RJ (2021/0021854-9) DECISÃO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. AUSÊNCIA DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL. DESNECESSIDADE DE NOVO LANÇAMENTO. ART. 133 DO CTN. SUCESSÃO EMPRESARIAL RECONHECIDA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DO JULGADO, NESTA VIA RECURSAL, POR DEMANDAR REEXAME DE FATOS E PROVAS. AGRAVO DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Trata-se de Agravo contra decisão que inadmitiu Recurso Especial interposto por DROGARIAS PACHECO S.A., com fundamento nas alíneas a e c do inciso III do art. 105 da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo egrégio TRF da 2ª Região, assim ementado: [...] 2. Os Embargos de Declaração opostos foram desprovidos (fls. 1291/1306). [...] Com relação à responsabilidade da embargante pelos débitos tributários. Vejamos. A execução fiscal (processo n° 0000727-24.2009.4.02.5117), ora embargada, foi proposta, originalmente, em face de Drogaria Descontão de São Gonçalo LTDA, posteriormente redirecionada para DROGARIAS PACHECO S.A, com fulcro no art. 133 do CTN. Como se vê, do dispositivo legal é requisito essencial para a configuração da responsabilidade pela sucessão empresarial, nos termos do artigo 133 do CTN, que de fato tenha ocorrido a aquisição do fundo de comércio ou estabelecimento de uma empresa por outra, ainda que não formalizada sob essa denominação. No presente caso, há que ser mantida a sentença recorrida, visto que, analisando o conjunto probatório, há elementos suficientes para deduzir a ocorrência da responsabilidade da embargante/recorrente. Com efeito, o Contrato de Compra e Venda (e-fls. 359-363), firmado entre a DROGARIA DESCONTÃO e DROGARIA PACHECO S.A. corrobora a afirmativa da exequente quanto à sucessão, [...] 11. No que concerne à alegação de impossibilidade de redirecionamento da execução fiscal sem que a recorrente constasse como devedora dos títulos executivos, ressalto que matéria análoga foi objeto de apreciação da Primeira Seção desta Corte, quando do julgamento dos EREsp 1.695.790/SP, Relator Ministro Gurgel de Faria, que entendeu pelo redirecionamento da execução fiscal à sociedade empresária incorporadora, sem a obrigatoriedade de alteração do ato de lançamento para emissão de nova certidão de dívida ativa. [...] 13. Cita-se, a propósito, ementa do referido julgado: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE DE VEÍCULO AUTOMOTOR - IPVA. EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO EMPRESARIAL, POR INCORPORAÇÃO. OCORRÊNCIA ANTES DO LANÇAMENTO, SEM PRÉVIA COMUNICAÇÃO AO FISCO. SUBSTITUIÇÃO DA CDA. DESNECESSIDADE. 1. Na sucessão empresarial, por incorporação, a sucessora assume todo o passivo tributário da empresa sucedida, respondendo em nome próprio pela dívida de terceiro (sucedida), consoante inteligência do art. 132 do CTN - cuidando-se de imposição automática de responsabilidade tributária pelo pagamento de débitos da sucedida, assim expressamente determinada por lei - e, por isso, pode ser acionada independentemente de qualquer outra diligência por parte do credor. 2. Se o fato gerador ocorre depois da incorporação mas o lançamento é feito contra a contribuinte/responsável originária, não há falar em necessidade de alteração do ato de lançamento, porque a incorporação não foi oportunamente comunicada, não podendo o incorporador obter proveito de sua própria torpeza. 3. A efetiva comunicação aos órgãos/entidades competentes, pela incorporadora, da ocorrência da incorporação da sociedade empresária proprietária do veículo é o exato momento em que o fisco toma conhecimento do novo sujeito passivo a ser considerado no lançamento, razão pela qual, in casu, esse momento deve ser entendido, para fins tributários, como a data do ato da incorporação (arts. 123 e 132 do CTN). 4. Embargos de divergência providos. 14. Dito isso, vê-se que o acórdão regional se manifestou em conformidade com o entendimento do STJ quanto ao ponto, razão pela qual não merece reparos. [...] 16. Dito isso, a alteração das conclusões então adotadas para verificar a ocorrência ou não de sucessão empresarial apta a ensejar a responsabilidade prevista no art. 133 do Código Tributário Nacional demanda, necessariamente, o revolvimento do suporte fático-probatório carreado aos autos, providência esta vedada ante o óbice descrito na Súmula 7/STJ. 17. Diante do exposto, nega-se provimento ao agravo da Sociedade Empresária. 18. Publique-se. Intimações necessárias. Brasília, 20 de maio de 2021. MANOEL ERHARDT (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF-5ª REGIÃO)

(STJ - AREsp: 1827956 RJ 2021/0021854-9, Relator: Ministro MANOEL ERHARDT (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF-5ª REGIÃO), Data de Publicação: DJ 21/05/2021)

Ainda sobre o processo de incorporação, cabe rememorar, como assevera Sanches (2018, p. 182), que “a Lei das Sociedades por Ações exige a elaboração de um protocolo, espécie de pré-contrato, para a operação que será realizada”. Como aduz, o protocolo realizar-se-á por meio de uma proposta de incorporação, além da justificação, verdadeira exposição de motivos para que a operação se realize. “No caso das sociedades limitadas, o Código Civil exige o projeto de reforma do ato constitutivo” (SANCHES, 2018, p. 182).

Outro ponto digno de nota é que, segundo aponta, “da sociedade incorporadora exige-se aprovação de 75% do capital social, quando se tratar de sociedade limitada”. Já nas sociedades por ações, exige-se maioria simples do capital votante. Complementa o autor, assinalando que, “caso a sociedade incorporada seja uma sociedade anônima, exige-se também o quórum de pelo menos 50% do capital social”. De outro modo, se for sociedade limitada, o quórum aumenta para 75% do capital social.

Por fim, em adendo ao tema, frisa-se, como preleciona, que, “desse modo, aprovada a incorporação, extingue-se a sociedade incorporada, momento em que todas as medidas necessárias devem ser tomadas junto ao registro competente” (op cit).  

 

5. DA RESPONSABILIDADE PELOS DÉBITOS

Preceitua o caput do art. 1.115 do Código Civil brasileiro que “a transformação não modificará nem prejudicará, em qualquer caso, os direitos dos credores”. Trata-se de mandamento basilar para a compreensão do tratamento dado a responsabilidade pelos débitos existentes no momento da transformação.

De igual modo, dispõe o caput do artigo 222, da Lei nº 6.404/76, ao tratar do assunto, que “a transformação não prejudicará, em caso algum, os direitos dos credores, que continuarão, até o pagamento integral dos seus créditos, com as mesmas garantias que o tipo anterior de sociedade lhes oferecia”.

A regra justifica-se, segundo Ramos (2020, p. 479) porque a transformação é a mera mudança de tipo societário, sem que haja liquidação ou dissolução da pessoa jurídica. “Não há razão alguma, pois, para que os direitos dos credores da sociedade sejam atingidos”.

Cabe ainda importante observação com fundamento na lição de Venosa (2020, p. 230). Preleciona o mestre que “a transformação não afeta o direito dos credores, podendo, apenas, causar efeitos colaterais em relação às garantias de pagamento daqueles que venham a contratar com a sociedade transformada”.

Como exemplo, ensina, pode-se citar a hipótese da transformação de sociedade simples, na qual a responsabilidade subsidiária dos sócios é ilimitada, para sociedade de responsabilidade limitada. “Mas isso apenas em relação aos novos negócios, pois os anteriores à transformação são cumpridos nos termos primitivamente contratados” (VENOSA, 2020, p. 230). Assim, assevera, o credor, que tinha no patrimônio da sociedade a única garantia de recebimento de seu crédito, continuará da mesma forma.

Para além de outras considerações, rememora ainda o autor que “todas as obrigações contraídas sob a égide da sociedade primitiva então transformada são mantidas nos termos e com as garantias da contratação, até completada a satisfação dos créditos” (op cit.). Consoante ao que preleciona, os efeitos da transformação em relação aos credores são produzidos a partir da averbação da operação de transformação à margem da inscrição da sociedade no órgão competente.  

 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tencionou o presente revisitar temas caros ao Direito Empresarial pátrio sem objetivar, obviamente, a pretensão de esgotar assunto tão rico. Neste sentido, buscou-se tão somente aclarar matéria com potencial de contribuir significativamente para aqueles que a estudam.

Destarte, partindo da premissa de que no campo da pesquisa são mesmo habituais as nominadas operações societárias, com o consequente relacionamento entre sociedades e necessárias mutações jurídicas, revelou-se tarefa imperativa escrutinar potenciais resultados das possíveis mudanças no tipo societário. Daí, portanto, a atenção ao tema.  

Espera-se que a breve contribuição ao estudo dos institutos permita aclarar, ao menos em parte, as dúvidas mais comuns, tendo descortinado não somente o posicionamento doutrinário, mas, igualmente, o que se encontra gravado nas recentes decisões judiciais que envolvem a matéria objeto do ensaio.  

 

7. REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404compilada.htm>. Acesso em: 04 ago. 2021.

______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 04 ago. 2021.

______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo em Recurso Especial. Processo n°: 1827956 - RJ (2021/0021854-9). Relator: Ministro Manoel Erhardt (desembargador convocado do TRF-5ª Região). Data de Publicação: 21 de maio de 2021.  Disponível em: < https://scon.stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=DTXT&livre=((+2021%2F0021854-9))+E+"16288+126783431".COD.&thesaurus=&p=false. Acesso em 04 ago. 2021.

______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Recurso Especial. Processo n°: 1460522 - DF (2014/0143694-7). Relator: Min. Antonio Carlos Ferreira. Órgão julgador: Quarta Turma. Data de Julgamento: 12 de abril de 2021. Data de Publicação: 16 de abril de 2021.  Disponível em: < https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=integra&documento_sequencial=124836680&registro_numero=201401436947&peticao_numero=202100110556&publicacao_data=20210416&formato=PDF>. Acesso em 04 ago. 2021.  

CHAGAS, Edilson Enedino das. Direito Empresarial. 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

MAMEDE, Gladston. Manual de direito empresarial. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2020.

NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito empresarial. 10. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial: volume único. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.

SANCHEZ, Alessandro. Direito empresarial: sistematizado. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

VENOSA, Sílvio de Salvo; RODRIGUES, Cláudia. Direito empresarial. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2020.

 


[1] Jornalista, pesquisador jurídico, graduado em Direito pela Faculdade Multivix de Cachoeiro de Itapemirim e pós-graduando em Direito Processual Penal pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade Ibmec/SP – [email protected];

[2] Graduanda do Curso de Direito da Multivix Cachoeiro de Itapemirim – [email protected];

Sobre o autor
Wellington Cacemiro

Advogado, jornalista e pesquisador jurídico com publicações em revistas nacionais e internacionais. Graduado em Direito pela faculdade Multivix Cachoeiro Ensino, Pesquisa e Extensão Ltda., pós-graduado em Direito Processual Penal pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade Ibmec-SP, pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela mesma instituição e pós-graduando em Direito Penal pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade Ibmec-SP.

Informações sobre o texto

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