A CONCEPÇÃO SOCIOLÓGICA DO CRIME SOB A PERSPECTIVA BAUMANIANA E DURKHEIMIANA: o paradoxo da prisão.

Resumo:

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  • O massacre no Centro de Recuperação Regional de Altamira, que resultou em 57 mortes, evidencia a precarização do sistema carcerário brasileiro e a ineficácia da prisão em resolver problemas sociais subjacentes.

  • Segundo Bauman, as prisões servem mais para isolar indivíduos considerados inassimiláveis pela elite, sem realmente oferecer uma solução para a criminalidade ou contribuir para a reabilitação dos presos.

  • Durkheim argumenta que o crime é uma condição inerente a todas as sociedades e resulta de um estado de anomia, sugerindo que as soluções devem abordar as causas estruturais da criminalidade, em vez de apenas punir os criminosos.


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Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Este texto visa analisar o massacre ocorrido no Centro de Recuperação de Altamira (Pará), em julho de 2019, sob as perspectivas sociológicas de Zygmunt Bauman e Émile Durkheim.

O fenômeno crime é considerado por alguns como um fator benéfico à sociedade de modo que sua ocorrência possibilita um avanço e/ou melhoramento social, entretanto, para outros, é tido como um comportamento atávico e desprezível. Diante disso, este texto visa analisar o massacre ocorrido no Centro de Recuperação de Altamira (Pará) em julho de 2019, sob as perspectivas sociológicas de Bauman – tendo como base o capítulo cinco (5) de sua obra Globalização: consequências humanas – e Durkheim – na obra Regras do Método Sociológico e Da Divisão do Trabalho Social.

Trazendo a análise, inicialmente, a rebelião acontecida no presídio do Pará (Centro de Recuperação Regional de Altamira). Segundo Gil Alessi, colunista da revista El País, na sua reportagem de julho de 2019, o massacre que ocasionou na morte de 57 pessoas e foi motivado, especialmente, por disputas entre facções rivais e executado por indivíduos das duas facções que residiam na penitenciária. Ainda de acordo com a mesma coluna, o Centro tem capacidade para 208 internos, porém abrigava cerca de 311 pessoas. A reportagem e o massacre evidência, acima de tudo, a precarização do sistema carcerário brasileiro, a ineficiência da prisão e os problemas sociais que esse sistema mais agravado que paleia ou diminui.

Para Bauman (1999, p.114), “a prisão é a forma última e mais radical de confinamento espacial”. Na perspectiva do autor, esse tipo de isolamento é almejado pela elite por possibilitá-la utilizar e/ou neutralizar parcela da população não útil à produção. Ainda nesse sentido, Bauman (1999, pg.113) diz: “também parece ser a maior preocupação e foco de atenção governamental da elite política na linha de frente da “compressão espaço temporal” contemporânea”.

De acordo com o mesmo autor, “o confinamento espacial, o encarceramento sob variados graus de severidade e rigor, tem sido em todas as épocas o método primordial de lidar com setores inassimiláveis e problemáticos da população, difíceis de controlar”, isso, pois, “isolamento reduz, diminui e comprime a visão do outro”. É possível inferir que, de acordo com a visão de Bauman, (1999, pg.113) a prisão não é a forma mais eficaz de acabar com a criminalidade.

Em complemento, (1999, p.118) a reabilitação, em qualquer das formas das casas de correção, não atingiu seu propósito declarado de restauração ou reforma moral dos presos para que eles possam retornar à vida social. Citando Thomas Mathiesen, eminente sociólogo do direito, Bauman traz a ideia de que “em toda a história a prisão jamais reabilitou pessoas na prática, jamais possibilitou sua 'reintegração'. Por fim, o resultado foi à adoção de hábitos e costumes do ambiente penitenciário, em detrimento dos padrões de comportamento estabelecidos pela sociedade organizada. “A prisionização é exatamente o oposto da reabilitação e o principal obstáculo no caminho de volta à integração”. Reafirmando o paradoxo da prisão enquanto casa reabilitadora e escola do crime, simultaneamente.

Ademais, e por outro lado, Durkheim em sua obra “As Regras do Método Sociológico” diz que o crime não é característica de uma sociedade ou espécie, e sim inerente a todas as sociedades, pois não há uma em que a criminalidade não esteja presente. Ainda sob essa ótica, para Durkheim o crime é consequência de um estado de anomia presente na sociedade, isto é, um estado de desintegração social, de enfraquecimento da ordem e da consciência coletiva.

Bauman também apresenta a ideia de que “o sistema prisional ataca a base e não o topo da sociedade”. Sob essa ótica, é incomum encontrarmos indivíduos da elite, principalmente política, presa ou convivendo em presídios para cumprir pena, com a privação de sua liberdade, por um ou mais crimes que cometeu, quando ocorrem exceções, ainda assim, esses indivíduos, normalmente, não cumprem pena sob as mesmas condições que um indivíduo da base da sociedade. Nesse sentido, Bauman afirma que a globalidade da elite significa mobilidade que é a capacidade de escapar, de fugir das ordens locais. Os governos, por não darem conta da volatilidade extrema do Capital, direcionam seus esforços para os indivíduos da base da pirâmide social, que estão mais sujeitos a diversas do comportamento esperado, exigindo, presencialmente, um ajustamento, uma adequação e isso, na visão de Durkheim, provoca uma antinomia dentro da sociedade.

O Brasil é um dos países que mais aprisiona no mundo, com uma população prisional de 812 mil detentos (Ponte.org). Mantido o crescimento de 8,3% anual da população carcerária, conforme apontado pelo Depen (Departamento Penitenciário Nacional), o Brasil chegará ao total de 1,5 milhão de presos até 2025. Este é um problema que não está sendo atacado na base para que este indivíduo não chegue nesta situação de vir a cometer o crime, como colocou Cornelius Castoriadis (Bauman, 1999, pg.11) “o problema da condição contemporânea de nossa civilização moderna é que ela parou de questionar-se.”. É possível indagar que, se a prisão realmente fosse capaz, por si só, de reeducar e ressocializar o indivíduo, com o passar dos anos, o número da população prisional tenderia a diminuir, porém na prática esse número só aumenta. Porque a criminalidade extrema é fruto de problemas estruturais na educação e na cultura, por exemplo.

Em “Segurança: meio palpável, fim ilusório”, a ideia de que o Estado traz essa possibilidade de garantia de segurança é palpável, enquanto, no fim, essa ideia é ilusória. A autopropulsão do medo, garantida por programas sensacionalistas e superficiais, apresenta uma sensação de que é necessário fazer algo para que a segurança seja efetivada, garantida. Quando, por sua vez, existem problemas estruturais que geram a insegurança, porém que não são amplamente discutidos.

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Bauman (1999, p.127) relata que “a versatilidade, severidade e disposição - das operações punitivas - importam mais que sua eficácia”. No caso do massacre na penitenciária em Altamira, após o seu ocorrido, segundo reportagem do El País, de acordo com “as autoridades paraenses, 46 presos vão ser transferidos, incluindo 16 detentos apontados como líderes das facções criminosas”. Aumento de penas, severidade, essas medidas, para Bauman, não têm eficácia, não funcionam na prática e que promovam uma exclusão de indivíduos.

Por fim, Bauman (1999, pg.129) diz que a prisão, não significa apenas imobilidade, mas também expulsão. Ou seja, esses indivíduos são excluídos da ordem social por não se adequarem a liberdade global. Bauman (1999, pg 129) discorda da ideia de que a prisão arranca o mal pela raiz, por tirá-lo da sociedade e o enjaular na prisão, pois na verdade o contingente de detentos só aumenta e o mal é, cada dia mais, estabelecido dentro das relações sociais e que precisa ser retirado sempre. Porém, quando esse mal rompe as grades das prisões acaba por se apresentar em massacres e rebeliões como de Altamira.

Apesar de parecer uma utopia a reabilitação dos encarcerados como imaginava Bauman e Durkheim, isso é possível sim! Se a sociedade e o Estado trabalharem juntos dando-lhes condições de serem tratados como seres humanos e não como bichos, pois jogam dentro de uma prisão, sem a mínima condição de ressocialização, tem como exemplo as prisões: Haden Fengsel e Ilha de Bastoy, na Noruega, com um percentual de 80% dos presos são ressocializados, (MELO, 2012).

Na visão de diversos autores, de um modo geral a sociedade moderna parou de questionar, inclusive os poderes do Estado. Segundo Kafka (2009), o poder judiciário é lento em suas decisões e não contempla as expectativas da sociedade. Em nossa realidade prisional estamos no “fundo do poço”, onde temos as famosas faculdades do crime, algumas das quais formando “verdadeiros doutores”, como a exemplo do Centro de Recuperação Regional de Altamira, no Pará. Chamar aquilo de recuperação é um atentado à nossa capacidade de discernimento. A questão central, posta esta realidade, e na perspectiva da reintegração do detento na sociedade está em estabelecer para onde vamos e como e isto implica diretamente na vida dos cidadãos, pois nenhum homem é uma ilha, vivemos integrados em um sistema de causas e efeitos.

 

REFERENCIAL TEÓRICO


BAUMAN, Z. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1999.

DURKHEIM, É. As Regras do Método Sociológico - Martins Fontes São Paulo, 1999. 

DURKHEIM, É. Da divisão do trabalho social, 2a ed. São Paulo, Martins Fontes, 1999.

KAFKA, Franz. O Processo. Publicações Dom Quixote © 2009, LeYa, SA.

VASCONCELOS,C. Com 812 mil pessoas presas, Brasil mantém a terceira maior população carcerária do mundo. Disponível em: ttps://ponte.org/com-812-mil-pessoas-presas-brasil-mantem-a-terceira-maior-população-carcerária-do-mundo/ Acesso em: 13 set 2020.

ALESSI, Gil. Rebelião em presídio do Pará deixa ao menos 57 mortos. Disponível: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/07/29/politica/1564416995_796203.ht. Acesso 12/09/2020.

MELO, J.O. Noruega consegue reabilitar 80% dos seus criminosos. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2012-jun-27/noruega-reabilitar-80-criminosos-prisoes. Acesso em: 13/09/2020.

Sobre as autoras
Vanessa Silva Santos

Estudante de Direito I Correspondente Jurídico I Pesquisadora: - Graduanda em Direito pela Faculdade de Petrolina - FACAPE. - Técnica em Agropecuária pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano - Campus Senhor do Bonfim.

Grace Emmanuelle Marques de Sá Ferreira

Graduanda em Direito pela Faculdade de Petrolina - FACAPE.

Magna Regina Carvalho Nali

Graduanda em Direito pela Faculdade de Petrolina - FACAPE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho elaborado para disciplina de Sociologia Jurídica, Faculdade de Petrolina - FACAPE, ministrada pela professora Anna Christina Freire Barbosa.

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