O poço sem fim da violência doméstica no Brasil

05/08/2021 às 16:49
Leia nesta página:

Vimos recentemente o caso Dj Ivis agredir sua ex-esposa, Pamella Holanda, cenas revoltantes que repercutiram em todo país, mas afinal, o que é uma violência domésticas nos termos jurídicos?

Segundo a lei 11.340/06, lei maria da penha, violência doméstica é:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Art. 6º A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.

 

Conforme se vê no art. 5º da mencionada lei, violência doméstica não é somente a física, sendo também sexual, psicológico, moral ou patrimonial (para mais detalhes clique aqui e veja um conteudo no meu perfil no Instagram sobre tal tema). Ademais, a lei ainda define o âmbito doméstico, sendo:

  1. “espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas”;

 

  1. o âmbito familiar, ou seja, o que é família? “compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa”;

 

  1. relação intima de afeto: “o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.”

Nesse momento, o DJ Ivis está na fase da lua de mel, pedindo desculpas, veremos mais adiante.

Até os dias de hoje, há uma ideia muito adotada chamada patriarcalismo, ou seja, é o domínio social ou uma estrutura de poder social centralizado no homem adotando a ideia de cargos de maior importância cultural, enquanto cargos de importância familiar são relegados às mulheres, em outras palavras: O machismo.

Dito isso, no Brasil o patriarcalismo desenvolveu-se a partir da colonização. As grandes extensões de terra administradas por um chefe de família a quem se subordinavam todos, escravos e livres, que estivessem nos limites territoriais sob seu domínio. O patriarca, grande proprietário de terras, chefiava uma família estendida, composta desde parentes consanguíneos até apadrinhados, e cada clã funcionava de forma autossuficiente e independente dos outros.

A ampliação mais abrangente de direitos das mulheres no Brasil ocorreu somente com a promulgação da Constituição de 1988.

A questão da violência doméstica passou a ser considerada de maneira mais consistente na esfera pública brasileira por meio da criação de conselhos, secretarias de governo, centros de defesa e políticas públicas específicas, já na década de 1980, após o fim da Ditadura. A primeira Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher (DEAM) foi criada em 1985, em São Paulo, e a principal lei para prevenção e punição da violência doméstica é ainda mais recente, a Lei Maria da Penha, sancionada em 2006.

Conforme vimos, a violência contra a mulher tem como origem a construção desigual do lugar das mulheres e dos homens nas mais diversas sociedades, o patriarcalismo. Portanto, a desigualdade de gênero é a base de onde todas as formas de violência e privação contra mulheres estruturam-se, legitimam-se e perpetuam-se. A desigualdade de gênero é uma relação de discrepância de poder em que os papéis sociais, o repertório de comportamentos, a liberdade sexual, as possibilidades de escolha de vida, as posições de liderança, a gama de escolhas profissionais são restringidas para o gênero feminino em comparação ao masculino.

Portanto, as causas são estruturais, históricas, político-institucionais e culturais. O papel da mulher foi por muito tempo limitado ao ambiente doméstico, que, por sua vez, era uma propriedade de domínio particular que não estava sujeita à mesma legislação dos ambientes públicos. Sendo assim, a própria mulher era enxergada como uma propriedade particular, sem direito à vontade própria e sem direito à cidadania forjada nos espaços públicos, ora, o sufrágio feminino e os direitos civis para mulheres são conquistas recentes em muitos países e ainda não completamente efetivadas em nenhum lugar do mundo.

As situações individuais e cotidianas, como sofrer assédio de rua, ter o comportamento vigiado e controlado, não poder usar certas roupas, ser alvo de ciúme, reprimir a própria sexualidade, são sintomas, e não causas, de violações mais dramáticas, como o estupro e o feminicídio.

A violência doméstica não é exclusivamente fruto de um infortúnio pessoal, de uma má escolha, de azar, vai muito além disso, está enraizada em uma sociedade machista onde tem bases socioculturais mais profundas, inclusive as mulheres que rompem a barreira do silêncio e decidem denunciar ou buscar por justiça sentem com muito mais força a reação da estrutura de desigualdade de gênero no desencorajamento, na suspeita lançada sobre a vítima ao invés do agressor.

A causa estruturante, que é a desigualdade de gênero, é agravada por outros fatores que também potencializam a vulnerabilidade à violência, tais como a pobreza, a xenofobia e o racismo.

Pois bem, a violência doméstica cresceu drasticamente na pandemia, de acordo com dados do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria) mostram que, no último ano (2020), 13 milhões de mulheres disseram ter sido alvo de ofensa, agressão física ou sexual. Essa questão da violência doméstica é socialmente complexa. As vezes há subnotificações porque as vítimas não encontram acesso à porta de entrada ao sistema de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica, seja por meio do sistema de Justiça, Defensoria Pública, Ministério Público e até o Conselho Estadual ou Municipal, além da assistência social e também o acesso à Polícia Militar, ou às vezes o descaso da autoridade policial ao prestar atendimento do boletim de ocorrência ou até mesmo não conseguir fazer. Este descaso da autoridade policial é uma drástica falha do Estado ao prestar socorro à vítima de violência doméstica.

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Dito isso, vou levantar um caso real que podemos refletir acerca dos fatos do caso concreto, Caso Elise Matsunaga. Elise, em sua defesa, alegou ter sido traída e ser vítima de violência doméstica, tanto violência psicológica, pois Marcos alegava que ela estava louca, quanto física, pois levou um tapa no rosto, no qual sua emoção (sentimento raiva) reagiu matando Marcos Matsunaga.

Conforme já havia dito, todos nós podemos dizer que nunca vai traficar, roubar, furtar, estuprar, etc., mas jamais podemos dizer que nunca vai matar, pois, quando a emoção tomar conta do seu consciente, a reação será matar o agressor para cessar a agressão. O Código Penal já prevê isso em §1º do art. 121, o chamado, pela doutrina, de homicídio “privilegiado” (erroneamente), pois quando há “o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima”, o juiz deve reduzir a pena de 1/6 a um 1/3. 121, o chamado, pela doutrina, de homicídio “privilegiado” (erroneamente)121, o chamado, pela doutrina, de homicídio “privilegiado” (erroneamente), pois quando há “o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima”, o juiz deve reduzir a pena de 1/6 a um 1/3. Dessa forma, o legislador já prevendo essa “injusta provocação da vítima” imagina quantas Elises existissem caso a resolvessem matar seu agressor? Um banho de sangue, não é verdade?

O julgamento de Elise foi claramente machista, pondo a imagem dela ao lixo por ser “Garota de Programa”, mas ninguém fala sobre o homem procurar, ou seja, a “GP” é abominável, mas o homem frequentar é normal? Enfim, a hipocrisia!

Ademais, a acusação alega homicídio triplamente qualificado, ou seja, motivo torpe, naquela semana do homicídio Marcos estava vendendo a Yoki por Bilhões, então a acusação estava sustentando a tese financeira; meio cruel a acusação alegando que Marcos estava vivo no momento do esquartejamento, havendo assim sofrimento, crueldade a vítima; e impossibilidade de defesa da vítima, pois marcos morreu com um tiro na cabeça.

Contudo, o Júri só acolheu a impossibilidade de defesa da vítima, pois a defesa provou que o motivo não era torpe, Elise, tomada pela emoção (sentimento de raiva) por sofrer violência doméstica, matou marcos; e o meio não foi cruel, pois marcos já estava morto, sendo comprovado após a exumação do corpo.

Por fim, a justificação é diferente do entendimento, portanto, nada justifica um homicídio qualificado, mas entendo o caso Elise, matou por não aguentar mais violências domésticas.

Caso Ivan Store, aquele sujeito da Elite brasileira que agrediu sua esposa e, após a PMSP ser acionada por violência doméstica, disse ao PM: ‘não pisa na minha calçada, não pisa em minha rua, eu vou te chutar na cara filha da puta, eu vou te chutar na cara. Não pisa na minha calçada. Você é um lixo. Seu merda. Você é um merda de um PM que ganha R$ 1 mil por mês, eu ganho R$ 300 mil por mês. Eu quero que você se foda, seu lixo do caralho. Você pode ser macho na periferia, mas aqui você é um bosta. Aqui é Alphaville, mano.”

Diante a estes fatos repugnantes, a violência doméstica pode estar em qualquer lugar, tanto na massa “pobre” da sociedade como na Elite brasileira, a única diferença é que uns são filmados outros não, pois não importa a questão financeira, o patriarcalismo está enraizado no homem que se sente superior ao sexo feminino e não suporta a igualdade de gênero, o ego destes sobe à cabeça e manifesta-se através de violência, diminuindo a imagem da mulher, até quando? Está na hora de dizer basta!

Se for vítima de violência doméstica ou conhecer alguém que está passando por isso, denuncie no 180 ou 190.

Sobre o autor
Jonathan Ferreira

Acadêmico de Direito pela universidade Estácio de Sá com foco em Dir. Penal, Dir. Proc. Penal, Dir. Constitucional Brasileiro. Administrador e fundador da página Âmbito Criminalista, no qual ajudo pessoas a entenderem o Direito Penal de forma simples e descomplicada. Amante da Sabedoria e estudante da psicanálise lacaniana em conjunto com a seara penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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