Palavras-Chave: Linguagem neutra. Linguagem não sexista. Língua Portuguesa. Gramática. Vocabulário. Inclusão social.
Recentemente surgiram debates a respeito da linguagem não sexista e linguagem neutra. E, que dividem pessoas que se posicionam à favor ou contra tais propostas.
A chamada linguagem não sexista ou inclusiva é a que busca comunicar sem excluir ou invisibilizar nenhum grupo e, ainda, sem alterar o idioma conforme conhecemos.
Essa linguagem propõe que as pessoas se expressem de forma que ninguém seja excluído utilizando as palavras já existentes no vernáculo. É quando utilizados todos e todas o que abrange tanto homens como mulheres.
Por outro lado, há a linguagem neutra ou não binária que apesar de ter a mesma intenção de inclusão de todas as pessoas, propõe a alteração do idioma e utiliza novas grafias de palavras, é o caso de amigxs, todes e, etc. Os principais defensores dessas mudanças são os ativistas do movimento LGBTQUIA+ que enxergam na nossa língua mais uma ferramenta para perpetuar as desigualdades.
Assim, temos palavras consideradas masculinas e femininas, porém quando queremos falar de forma genérica ou no plural, é o gênero[1] masculino que se considera o correto para representar o todo.
Logo, se estamos falando de um grupo composto de meninos, meninas, ou mesmo, crianças de outros gêneros, o correto segundo a norma da língua é usar “eles” ou “todos” para se referir ao coletivo.
Segundo ativistas da comunicação inclusiva, a forma como falamos, escrevemos e nos comunicamos reproduz nossos valores e crenças. Então, muitos dos estereótipos que conhecemos são validados e perpetuados de forma quase inconsciente.
O que afirma esses ativistas é que embora a língua, em si, não seja sexista, nossa realidade é, logo a forma como nos expressamos reproduz essas desigualdades. Por exemplo: uma frase como “eles são os melhores trabalhadores que temos” não reflete de forma correta a diversidade que o grupo de trabalhadores pode apresentar.
Outras línguas possuem regras distintas quando o assunto é gênero. Alguns idiomas não apresentam gênero, como o turco e o finlandês, já que não usam marcadores de gênero nem em seus substantivos, nem em seus pronomes pessoais.
Já o inglês é considerado um dos idiomas de gênero neutro, já que quase não possui marcadores: seus substantivos, artigos, adjetivos e pronomes no geral são palavras únicas que representam a todos; somente seus pronomes pessoais se regem pelo gênero.
Em 2015, a Academia Sueca adotou o gênero neutro “hen” ao seu idioma para identificar as pessoas não binárias. Quando anunciaram a incorporação da palavra ao dicionário, sua justificativa foi que o uso da palavra e sua evolução na sociedade por muitos anos demonstrava que ela cumpre uma função e, que por isso deveria ser adicionada à norma da língua.
Na Suécia, essa questão foi tão importante que chegaram a criar um novo pronome, de gênero neutro, para a língua. No idioma escandinavo, já existia o pronome masculino “han” e o feminino “hon”. A eles, foi adicionado o pronome “hen”.
“A nova terminologia vai se referir às pessoas que não revelam seu gênero, seja porque é desconhecido, ou porque a pessoa é transgênero ou o locutor considera o gênero uma informação superficial para compreensão do texto”, de acordo com matéria da Revista Fórum de 2015.
O termo já era utilizado pela comunidade trans sueca desde 1960, e agora está dicionarizado e é encontrado em livros, jornais e documentos oficiais.
O uso de linguagem inclusiva dá preferência a palavras que representam a coletividade, por exemplo usar “a juventude” ao invés de “os jovens”, “pessoas beneficiárias” ao invés de “beneficiários”, “diretoria” ao invés de “os diretores”, etc.
Linguagem inclusiva é aquela usada para evitar preconceitos, discriminações e ofensas a indivíduos ou grupos, visando garantir a todos a igualdade constitucional. Com as constantes mudanças sociais, é natural que o nosso vocabulário também precise ser atualizado, é o que defendem alguns.
Escolher substantivos que representam instituições ao invés de indivíduos: “classe política” ao invés de “os políticos”, “população indígena” ao invés de “os índios”, “poder judiciário” ao invés de “os juízes”, etc.
Reformular tempos verbais para que as frases sejam mais inclusivas e menos sexistas: “se tiver uma melhor formação, a polícia será menos racista” ao invés de “se os policiais tivessem uma formação melhor, o racismo diminuiria”, etc.
Já o uso de linguagem neutra procura utilizar os símbolos “@” ou “x” no lugar dos marcadores de gênero identificados por “o” ou “a”. Também colocar o sufixo “-e” ao invés de “-o” ou “-a”, já que marcam unicamente a dois gêneros, enquanto o “@”, “x” e o “e” abrangem maior diversidade.
A terminologia inclusiva propõe, portanto, uma construção de uma sociedade mais acolhedora e inclusiva e isso, passa também pelo cuidado com a linguagem. A discussão social e política se refere ao respeito de identidade de gênero que na atualidade relaciona-se ao caráter multidisciplinar e se chama de estudo de gêneros textuais.
Para praticar uma comunicação mais inclusiva é importante considerar as demais pessoas na roda e praticar a empatia: se você se colocar no lugar dos demais, como acha que se sentiriam com a forma como você se dirige a eles?
A partir desses questionamentos, surgem outras demandas, de movimentos como o antirracista, o anticapacitista, anti-gordofobia e muitos outros, que defendem que comunicação inclusiva também é abolir expressões preconceituosas e pejorativas que são parte do nosso cotidiano e cultura.
Desta forma, a linguagem neutra, atualmente, situa-se no centro de debate político e, ainda promete gerar muitas polêmicas. Envolve a demanda de pessoas que não se identificam com os gêneros masculino e feminino, sendo defendida com fervor por membros da comunidade LGBTIQIA+.
Em 15 (quinze) Estados e no Distrito Federal, deputados bolsonaristas se articulam para proibir o uso da linguagem neutra nas escolas públicas e privadas. Em Santa Catarina, um decreto do governador Carlos Moisés (PSL) já impede que seja adotada.
Os opositores da mudança alegam que precisa ser garantido aos estudantes o direito ao aprendizado da língua portuguesa conforme a norma culta e as orientações legais de ensino definidas com base nas orientações nacionais de educação e pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp), consolidado pela Academia Brasileira de Letras (ABL).
A ABL, porém, que cuida da parte normativa, não tem a mesma visão, simplesmente porque a estrutura do português não suporta um gênero neutro, que existia no latim e persiste no alemão, mas desapareceu nas línguas neolatinas.
“A gramática é como um edifício, você mexe na parte externa, que é a pintura, que são as palavras, mas não na estrutura, na parte interna”, afirma o filólogo Evanildo Bechara, ocupante da cadeira 33 da ABL e coordenador da 6ª edição do Volp, que incorporou, há uma semana, 1160 (mil, cento e sessenta) novos vocábulos na língua, incluindo muitos estrangeirismos, como home office e jihad, e conceitos como necropolítica e feminicídio.
Numa língua sem gênero neutro, na qual o feminino e o masculino são sempre bem definidos, a transformação seria extremamente complexa e custosa, além de exigir flexões em vários elementos do sintagma. “Você não altera as regras de gênero, assim como não se muda as regras de formação de plural e de conjugação dos verbos”, afirma Evanildo Bechara, o maior gramático e estudioso da Língua Portuguesa no Brasil.
Bechara, em sua Moderna Gramática Portuguesa, explica ainda que um substantivo pode ter flexão de número, mas uma marca de gênero por derivação. Assim, em lobo, o –o seria o tema da palavra, sem marca de gênero, com radical lob-, enquanto loba seria uma outra palavra, derivada de lobo, com uma marca de gênero para designar o indivíduo fêmea da mesma espécie.
O gramático também cita Herculano de Carvalho[2] para mostrar a diferença entre a flexão de gênero nos adjetivos, artigos, pronomes, etc., e a derivação nos substantivos para designar indivíduos machos e fêmeas da mesma espécie.
Assim, entende-se que, de acordo com os gramáticos, não existe um problema na marcação de gênero, já que o que se entende como forma masculina é, na verdade, uma forma neutra, sem marcação, que coincide com a forma masculina. É o caso de todos, por exemplo.
Embora corram, paralelamente, tanto a ampliação do vocabulário pela ABL como a pressão política por uma mudança gramatical chamam atenção para o dinamismo da língua e para sua capacidade de renovação.
Se, realmente, o gênero neutro vai se impor ou não é outra história. O importante é manter a língua em transformação, ativa, vibrante, capaz de traduzir mudanças culturais e comportamentais na fala e na escrita dos brasileiros.
Enfim, o discurso influencia e é também influenciado pela sociedade e suas questões e lutas. E, tal mudança discursiva que a princípio, causa estranheza está diretamente relacionada à luta de minorias para serem reconhecidas e terem voz ativa na sociedade.
Ao invés de nós preocuparmos com a inclusão e não discriminação através da linguagem, deveríamos propor reais e concretas medidas inclusivas e não discriminatórias dentro da realidade sociopolítica do país, pois já existem, realmente, vernáculos que podem incluir tudo e todos.
Referências
ARAÚJO, Ana Clara de Medeiros. Novos Usos da Marcação dos Gêneros e Seus Efeitos Ideológicos nos domínios discursivos publicitário e jornalístico: E agora revisor? Disponível em: https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/235/11864/1/51500419.pdf Acesso em 6.8.2021.
BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
DA SILVA, José Pereira. A Polêmica Questão da Categoria Gramatical de Gênero. Disponível em: https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:7COKc3Cb4_kJ:https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/soletras/article/download/4490/3291+&cd=10&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br Acesso en 6.8.2021.
DA SILVA, Maria Isabel. Comunicação Inclusiva: uma abordagem humanizada. Disponível em: https://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/Content/uploads/2014618181629_TerminologiaHumanizada_EncontroGestores2013.pdf Acesso em 6.8.2021.
FOLTER, Regiane. Politize! Linguagem inclusiva e linguagem neutra: entenda a diferença" Disponível em: https://www.politize.com.br/linguagem-inclusiva-e-linguagem-neutra-entenda/ Acesso em 6.8.2021.
Guia de Comunicação Inclusive do Secretariado-Geral do Conselho da União Europeia. Disponível em: https://www.politize.com.br/linguagem-inclusiva-e-linguagem-neutra-entenda/ Acesso em 6.8.2021.
Manual para o uso não sexista da Linguagem. O que bem se diz bem se entende. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3034366/mod_resource/content/1/Manual%20para%20uso%20n%C3%A3o%20sexista%20da%20linguagem.pdf Acesso em 6.8.2021.
MARINS, Mariana Santana. Linguagem inclusiva. Disponível em: https://escreverepraticar.com.br/linguagem-inclusiva/ Acesso em 6.8.2021.
VILARDAGA, Vicente. A língua sob pressão. Disponível em: https://istoe.com.br/a-lingua-sob-pressao/ Acesso em 6.8.2021.
[1] Gênero é uma propriedade gramatical inerente aos substantivos e que serve para distribuí-los em dois grandes grupos: nomes masculinos (carneiro, porco, caderno, muro, caramelo, sol, dia, brilho, clarão) enormes femininos (ovelha, porca, borracha, parede, bala, lua, noite, claridade, escuridão). Todo substantivo pertence, portanto, a um gênero, que ordinariamente vem indicado nos dicionários.
O gênero é, de um modo geral, uma característica convencional dos substantivos historicamente fixada pelo uso. Isso explica por que alguns substantivos mudaram de gênero ao longo do tempo (fim e mar, que já foram femininos e, hoje são masculinos) ou apresentam gêneros diferentes conforme a variedade de língua (grama (unidade de peso) e cal, cujos gêneros variam conforme os usos da língua: coloquial e informalmente diz-se e escreve-se duzentas gramas, o cal é branco, enquanto nos usos técnicos e formais prefere-se duzentos gramas e a cal é branca).
[2] José G. Herculano de Carvalho. Teoria da Linguagem, Natureza do Fenómeno Linguístico e análise das línguas, vol.I. Coimbra: Coimbra Editora Limitada (6.ª ed), 1983.