Inicialmente, tratando do conceito de igualdade, a definição dada por Aristóteles em tempos antigos é até hoje um dos principais objetivos das sociedades ditas como democráticas e de direito. O filósofo Aristóteles afirma em sua obra "Ética a Nicômaco” que a igualdade só se mostra possível numa sociedade que trate cada desigual com desigualdade, na medida justa, a fim de gradativamente extinguir a desigualdade existente.
Partindo desta premissa, observa-se ao longo da história, a busca das mulheres pela equiparação e expansão de direitos fundamentais garantidos constitucionalmente, pois ainda hoje, é de fácil percepção a falta de condições de igualdade em diversos meios sociais, fazendo necessário a adoção de políticas públicas e cada vez mais ações afirmativas a fim de corrigir também inúmeros erros históricos cometidos pela dominação patriarcal.
Para Aristóteles, “se as pessoas não são iguais não receberão coisas iguais” logo o conceito de igualdade está atrelado ao conceito de justiça, como cita Moares “Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça”.
Assim, em tempos de Estado Democrático de Direito a igualdade em sua forma material se traduz por meio de leis específicas ou chamadas políticas públicas que deveriam ser focalizadas e temporárias a fim de compensar as desigualdades sociais que impedem a concretização deste princípio e que assolam principalmente grupos ditos minoritários, hipossuficientes ou que necessitam de proteção especial e igualdade de condições sociais, como ressalvado por Fábio Konder Comparato “Que as chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada, não só por meio de leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal”.
O direito à Igualdade formal somente é reconhecido para as mulheres na Constituição Federal de 1988, no artigo 5º onde dita que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, trazendo no seu primeiro inciso que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Dito isto, analisamos a historicidade da dominação da mulher, que vem de tempos remotos, focando na sociedade brasileira onde vigorou as ordenações Filipinas, uma legislação conservadora e inspirada no poder patriarcal da Idade Média, onde era possível ao homem, a aplicação de castigos corporais à mulher.
O pátrio poder era exclusivo do marido e a mulher dependia de sua autorização para a prática de atos da vida civil. Vigorava no Brasil até meados de 1916 este forte sistema de dominação patriarcal, a proteção da mulher e suas conquistas na legislação brasileira advém desde o código civil de 1916, passando por normas como o Estatuto da Mulher Casada até chegar na Constituição de 88 onde a mulher teve seus direitos reconhecidos em igualdade ao homem.
O reconhecimento dos direitos humanos das mulheres passou por revoluções de acordos e tratados, graças ao empenho e à mobilização de movimentos de mulheres e feministas. Pelo diálogo e em decisões negociadas com instâncias sociais e governamentais, surge a possibilidade de intervir no desenho e na gestão de políticas públicas, incluindo a disputa por garantia de direitos e pela equidade de gênero, como cita a autora Jussara Reis Prá em seu artigo “Cidadania e feminismo no reconhecimento dos direitos humanos das mulheres”. Entretanto, as diferenças e violências sofridas pelas mulheres se perpetuam até a modernidade, se apresentando de várias formas, como a violência no seio familiar e doméstico, a falta de equidade nos salários, a dupla jornada de trabalho, entre muitas outras apresentadas no cotidiano.
Além de ser uma clara violação a dignidade da pessoa, são formas de violência que ameaçam os direitos humanos de forma coletiva acarretando ao Estado a responsabilidade de intervir a fim de extinguir tais conflitos na sociedade.
Como dito antes, a Constituição Federal busca acabar com essas desigualdades entre homens e mulheres, proclamando a igualdade material, dando igualdade de condições na forma da lei, coibindo a violência no âmbito das relações domésticas e impondo ao país o dever de efetivar tais direitos previstos também em convenções internacionais. Contudo, o reconhecimento formal de direitos iguais não sanou a grande questão das desigualdades do dia a dia, fazendo-se extremamente necessário a criação de políticas públicas que reafirmam estes direitos adquiridos e eduquem a população a não cometer os mesmos erros do passado.
Como grande exemplo de ação afirmativa, temos a Lei nº 11.340/06 popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, que surgiu diante de um caso de violência doméstica contra uma mulher, em que o caso foi denunciado à Organização dos Estados Americanos (OEA) fazendo com que o Brasil reconhecesse a triste situação de diferença de gêneros no país. A Lei Maria da Penha é uma ação afirmativa destinada a coibir discriminações contra as mulheres, e como Bruna Massaferro pontua em seu texto "a Lei 11.340/06 traz a questão das ações afirmativas e das políticas públicas, que visam a garantia dos direitos sociais para sanar as discriminações (...) a Lei Maria da Penha não afronta o princípio constitucional da igualdade, por ser uma ação afirmativa, destinada a coibir discriminações contra as mulheres".
A Lei Maria da Penha evidencia cada vez mais o trágico cenário brasileiro de repressão à mulher e as falhas institucionais presentes no sistema judiciário, onde mesmo criando uma lei específica para combater crimes de violência doméstica, os níveis de feminicídio são alarmantes, e ao contrário do que era esperado, aumentam cada vez mais.
No contexto da pandemia de covid-19, os atendimentos da Polícia Militar a mulheres vítimas de violência aumentaram 44,9% no estado de São Paulo. Em relatório divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) informa que o total de socorros prestados passou de 6.775 para 9.817, na comparação entre março de 2019 e março de 2020.
A quantidade de feminicídios também subiu no estado, de 13 para 19 casos (46,2%). Estes são dados apenas do estado de São Paulo, não inclusos outros estados e o número de subnotificações de ocorrências, pois em virtude de o isolamento social, formalizar a denúncia às autoridades policiais tem sido um obstáculo para as vítimas, e o fato de a maioria das ocorrências aconteceram dentro de casa, dificultando o conhecimento das autoridades, como mostram dados da pesquisa Raio X do Feminicídio em São Paulo, que revelou que 66% dos feminicídios consumados ou tentados foram praticados na casa da vítima. Podemos concluir que um dos objetivos da Constituição Federal de 1988 é extinguir as desigualdades existentes entre homens e mulheres, conforme artigo 5°, I, e mesmo reconhecendo definitivamente a igualdade entre ambos os sexos, ainda existem, na prática, resquícios de uma sociedade de costumes machistas antigos.
A Constituição Federal de 1988 progrediu na efetivação dos direitos das mulheres, buscando diminuir as muitas discriminações e diferenças por elas sofridas ao longo dos tempos, conferindo-lhes algumas proteções, e participação na sociedade. A Constituição Federal de 1988 concedeu tratamento especial à mulher, facultando a legislação infraconstitucional procurar diminuir os desníveis de tratamento em razão do sexo, por meio de medidas que amenizem as diferenças físicas, emocionais e biológicas entre homens e mulheres.
O fundamento desse tratamento diferenciado é o princípio da igualdade, que se divide em formal e material. A discriminação da mulher é histórica e viola não só a dignidade da mulher, como também lhe acarreta prejuízos em relação ao trabalho, à saúde e à vida. De acordo com Silva, (1999, p. 216), "as desigualdades naturais são saudáveis, como são doentes aquelas sociais e econômicas, que não deixam alternativas de caminhos singulares a cada ser humano único".
O princípio da igualdade não deve ser interpretado absoluto, ou seja, proibindo de modo geral as diferenciações de tratamento. O que se proíbe são somente as diferenciações arbitrárias e as discriminações. Portanto, o princípio da igualdade assegura às pessoas de situações iguais os mesmos direitos, visando sempre o equilíbrio entre todos e não admitindo discriminações e diferenças arbitrárias.
Os tratamentos diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal brasileira de 1988 e tais diferenciações devem ter finalidade razoável e proporcional, pois se forem usadas com fim ilícito, serão incompatíveis com a norma constitucional.
Referências Bibliográficas
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