Nepotismo no Poder Judiciário e suas ocorrências

Nepotismo no judiciário

11/08/2021 às 11:50
Leia nesta página:

Abordagens simples acerca das ocorrências do nepotismo no poder judiciário, suas vertentes e como eliminar essa prática na administração.

RESUMO

O objetivo do presente artigo é fazer uma abordagem acerca da prática do nepotismo em geral, mas especialmente no âmbito do Poder Judiciário, à luz dos princípios Constitucionais da Impessoalidade e da Moralidade na Administração Pública, destacando também a competência constitucional do Conselho Nacional de Justiça para coibir tal prática. O mesmo foi desenvolvido na forma de revisão bibliográfica acerca do tema acima delineado por ser considerado de alta relevância na administração pública. Levando-se em consideração ainda os erros, as inverdades e as injustiças cometidas por desconhecimento e da falta de estudo criterioso e responsável foi que ousamos adentrar um pouco nesse assunto com intuito de encontrar o senso comum sobre aquilo que hoje se denomina nepotismo.

Palavras-chave: Nepotismo. Moralidade.Impessoalidade.

1. INTRODUÇÃO

O instituto nepotismo é considerado recente em nosso meio, mas sua origem remonta à própria gênese do Estado moderno, podendo-se, até de forma jocosa, afirmar que, antes mesmo da prática do primeiro ato administrativo no Brasil Colônia já se existiu uma tentativa de prática voltada para o nepotismo, pois, Pero Vaz de Caminha, ao escrever sua festejada Carta do Descobrimento, uma das primeiras lembranças para El’Rei foi justamente solicitar um emprego, às expensas da Coroa, para seu genro que desejava ser agente público.

Infelizmente existe na formação cultural do Brasil uma ausência de valoração pelo sistema de mérito; o cargo público ainda é distribuído como prêmio e não como forma de respaldar a meritocracia. Burla-se descaradamente o querer da Constituição Federal com a distribuição aleatória, arbitrária e clientelista dos cargos públicos, desde os mais elevados, até os mais modestos, como o cargo da diretora da Escola Primária Rural.

É nesse sentido que buscamos desenvolver esse artigo, objetivando proporcionar ao leitor uma abertura do leque de suas ocorrências e das tentativas gloriosas dos órgãos fiscalizadores do judiciário para coibir tal prática vergonhosa que trava e emperra o bom funcionamento da administração pública como um todo.

2. NEPOTISMO NO PODER JUDICIÁRIO

A análise de sua ocorrência deve ser analisada sob duas vertentes:

1) Se a vedação ao nepotismo é preceito implícito derivado diretamente da Constituição Federal e dos princípios regentes da Administração Pública ou se o texto constitucional ignora o assunto e, consequentemente, permite ao legislador ordinário sua livre regulação; e

2) Qual a competência constitucional do Conselho Nacional de Justiça para coibir a prática do nepotismo no Poder Judiciário Nacional.

A primeira questão, que considero a mais importante, pois condiciona as demais, é a necessidade de definir-se se a vedação ao nepotismo é preceito implícito da Administração Pública, derivado diretamente da Constituição Federal, em especial dos princípios da moralidade e da impessoalidade, ou se o texto constitucional simplesmente ignora a matéria, deixando ao legislador ordinário sua regulamentação, seja proibindo, seja autorizando.

Se optarmos pela segunda hipótese – matéria infraconstitucional –, não haverá possibilidade de controle administrativo, seja pelo Conselho Nacional de Justiça, seja pelos próprios Tribunais, pois suas competências administrativas limitar-se-ão à análise dos casos específicos que desrespeitarem a legislação, que deverá ser observada integralmente, mesmo que consagre a prática do nepotismo.

O máximo que a competência constitucional permitiria ao CNJ – repita-se, caso o entendimento seja de tratar-se de matéria infraconstitucional – seria a fiscalização da observância do efetivo cumprimento da legislação.

Não me parece seja essa a correta interpretação constitucional.

A Constituição da República consagra os princípios da impessoalidade e da moralidade e determinaexpressamente em seu art. 103-B, § 4º, II competir ao Conselho Nacional de Justiça a fiscalização e sua efetivação no âmbito do Poder Judiciário.

A Administração Pública deve ser impessoal, ou seja, o agente público deve visar o interesse público e não a satisfação de seus interesses particulares ou familiares.

Nas nomeações para cargos em comissão ou funções de confiança, os órgãos diretivos do Poder Judiciário atuam como executor do ato, que serve de veículo de manifestação da vontade estatal, e, portanto, as realizações administrativo-governamentais não são simplesmente do agente político, mas sim da entidade pública em nome da qual atuou, na hipótese, o Poder Judiciário, que deve agir de forma moral e impessoal.

Pelo princípio da moralidade administrativa, não bastará ao administrador o cumprimento da estrita legalidade, devendo ele, no exercício de sua funçãopública, respeitar os princípios morais e éticos de razoabilidade e justiça, pois a moralidade constitui, a partir da Constituição Federal de 1988, pressuposto de validade de todo ato da administração pública. Como ressaltado por Hely Lopes Meirelles, (1995, p. 82) “não se trata, diz Hauriou, o sistematizador de tal conceito, da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida como o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração”.

A moral jurídica deverá como ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro, (1999, p. 111): “observar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça e ética das instituições.”

Dessa forma, o Conselho Nacional de Justiça, ao exercer sua função constitucional, não deve se restringir ao exame restrito da legalidade do ato administrativo, mas sim, entender por legalidade ou legitimidade não só a conformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com o interesse coletivo, pois como lembrado pelo Supremo Tribunal Federal, “poder-se-á dizer que apenas agora a Constituição Federal consagrou a moralidade como princípio de administração pública. Isso não é verdade. Os princípios podem estar ou não explicitados em normas. Normalmente, sequer, constam de texto regrado. Deflui no todo do ordenamento jurídico. Encontram-se ínsitos, implícitos no sistema, permeando as diversas normas regedoras de determinada matéria.

O só fato de um princípio não figurar no texto constitucional, não significa que nunca teve relevância de princípio. A circunstância de, no texto constitucional anterior, não figurar o princípio da moralidade não significa que o administrador poderia agir de forma imoral ou mesmo amoral... Os princípios gerais de direito existem por força própria, independentemente de figurarem em texto legislativo. E o fato de passarem a figurar em texto constitucional ou legal não lhes retira o caráter de princípio” .[1]

Como afirmado pelo Min. Marco Aurélio, “o agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César”.

O princípio da moralidade está intimamente ligado à ideia de probidade, dever inerente do administrador público, e somente sua integral observância no preenchimento dos cargos em comissão e funções de confiança no Poder Judiciário respeitará o texto constitucional.

A interpretação das normas constitucionais e sua supremacia devem ser estabelecidas mediante a realidade atual da sociedade, pois como lembrado por Konrad Hesse, “a Constituição jurídica está condicionada pela realidade histórica. Ela não pode ser separada da realidade concreta de seu tempo. A pretensão de eficácia da Constituição somente pode ser realizada se se levar em conta essa realidade. (...) A Constituição jurídica logra conferir forma e modificação à realidade. Ela logra despertar a força que reside na natureza das coisas, tornando-a ativa. Ela própria converte-se em força ativa que influi e determina a realidade política e social. Essa força impõe-se de forma tanto mais efetiva quanto mais ampla for a convicção sobre a inviolabilidade da Constituição”.

Portanto, parece lógico, embora implícito, que a vedação ao nepotismo tem substrato constitucional – como verificamos no STF, na ADIN/RS, medida cautelar nº 1.521, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ, 17-3-2000 e no TCU, 2ª T, Rel. Min. Adylson Motta, Acórdão nº 393, de 18-3-2004 – e, consequentemente, sua vedação teve início na data de 5 de outubro de 1988.

Além da força normativa dos princípios constitucionais, temos a previsão do Estatuto dos Servidores da União, Lei nº. 8.112/90, que em seu art. 117, inciso VIII, proíbe o servidor de manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil.

No Poder Executivo Federal, dispõe sobre a vedação do nepotismo o Decreto nº 7.203, de 04/06/2010. No âmbito do Poder Judiciário, foram editadas pelo Conselho Nacional de Justiça a Resolução nº 7 (18/10/2005), alterada pelas Resoluções nº 9 (06/12/2005) e nº 21 (29/08/2006).

Também para o Ministério Público, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) publicou as Resoluções de nº 1 (04/11/2005), nº 7 (14/04/2006) e nº 21 (19/06/2007). Conforme as lições de Fernanda Marinela (2011, p. 65):

“Esses diplomas proíbem a presença de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive dos respectivos membros ou juízes vinculados ao tribunal, assim como de qualquer servidor ocupante de cargo de direção ou assessoramento, para exercer cargo em comissão ou função de confiança, para as contratações temporárias e para as contratações diretas com dispensa ou inexigibilidade de licitação em que o parentesco exista entre os sócios, gerentes ou diretores da pessoa jurídica.” (2011, p. 65)

Mesmo com todos estes dispositivos proibitivos, a perniciosa prática persistia. Em agosto de 2008, o Supremo Tribunal Federal (STF) editou a Súmula Vinculante nº 13, na tentativa de impedir o nepotismo em todos os órgãos do Estado, incluindo as estruturas do Poder Executivo e Legislativo, bem como as pessoas jurídicas da Administração Pública indireta (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista). Estabelece a referida Súmula:

“A nomeação de cônjuge, companheiro, ou parente, em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 3º grau inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta ou indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.”

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Considerando o enunciado, temos por parentesco o seguinte quadro:

Parente em linha reta

Parente colateral

Parente por afinidade (familiares do cônjuge).

1ª grau

Pai, mãe e filho(a).

Padrasto, madrasta, enteado(a), sogro(a), genro e nora.

2º grau

Avô, avó e neto(a).

Irmãos.

Cunhado(a), avô e avó do cônjuge.

3º grau

Bisavô, bisavó e bisneto(a).

Tio(a) e sobrinho(a).

Concunhado(a).

Importante ressaltar que no trecho final “(...) compreendido o ajuste mediante designações recíprocas (...)”, a súmula também vetou o chamado nepotismo cruzado, quando um político ou servidor indica um parente seu para assumir um cargo em outro órgão, sob supervisão de outro político ou servidor, enquanto este último indica um parente seu para trabalhar junto ao primeiro. Há uma troca de indicações, objetivando burlar as restrições impostas. Prática comum e que foi rechaçada pela súmula.

2.1 O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA NO COMBATE AO NEPOTISMO

Finalmente, uma importante questão a ser analisada na presente hipótese, diz respeito à possibilidade da atuação do Conselho Nacional de Justiça, no sentido de possuir competência para coibir a prática do nepotismo no Poder Judiciário Nacional.

Conforme afirmado anteriormente, a Constituição da República consagra os princípios da impessoalidade e da moralidade no caput do artigo 37, e determina expressamente competir ao Conselho Nacional de Justiça a fiscalização e sua efetivação no âmbito do Poder Judiciário (CF, art. 103-B, §4º, II), com a possibilidade de analisar a legalidade de atos administrativos e desconstituí-los, bem como fixar prazo para que se adotem providências necessárias ao exato cumprimento da Constituição e da legislação.

Não me parece em consonância com a previsão constitucional a afirmação da impossibilidade do CNJ revogar ato administrativo por inexistência de lei que vede a nomeação de parentes no Poder Judiciário.

A prática do nepotismo, conforme exposto anteriormente, decorre do próprio texto constitucional, bem como, decorre da Constituição Federal a possibilidade do Conselho Nacional de Justiça desconstituir atos administrativos editados contrariamente ao ordenamento jurídico.

As contratações de parentes pelos Tribunais, com fundamento em sua autonomia administrativa, apesar de poder ser considerada um ato administrativo discricionário, permite ao CNJ a análise de sua legalidade e moralidade, mesmo porque, a discricionariedade na edição de atos administrativos – mesmo nos Tribunais –, deve ser entendida como o juízo de conveniência e oportunidade do administrador para, entre as hipóteses legais e moralmente admissíveis, escolher aquela que entender como a melhor para o interesse público.

O ato administrativo discricionário jamais poderá desviar-se de sua finalidade de persecução do interesse público, sob pena de ilegalidade e necessidade de desconstituição administrativa ou judiciária.

Caso o Conselho Nacional de Justiça entendesse constitucional a prática de nepotismo no Poder Judiciário, por inexistir texto legal expresso, estaria chancelando uma das práticas mais imorais, antiéticas, não razoáveis e contrária ao sentimento geral de justiça e legalidade da Sociedade.

Além disso, estaria o Conselho Nacional de Justiça afirmando que a questão do nepotismo no Poder Judiciário não é constitucional, mas sim meramente legal, e, consequentemente, estará permitindo que futura legislação, inclusive, viesse a consagrar essa prática nefasta, em total descompasso com os princípios da Administração Pública.

Na presente hipótese, para invalidar os atos administrativos que frontalmente desrespeitam a moralidade administrativa, não é necessário, como ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro, (1999, p. 111) “entrar na difícil análise dos fins que inspiraram a autoridade; o ato em si, o seu objeto, o seu conteúdo, contraria a ética da instituição, afronta a norma de conduta aceita como legítima pela coletividade administrada. Na aferição da imoralidade administrativa, é essencial o princípio da razoabilidade”.

Não é razoável entender que o nepotismo no Poder Judiciário respeita os princípios da Administração Pública. Não é razoável entender que o nepotismo no Poder Judiciário não configura desrespeito aos princípios da impessoalidade e moralidade. Não é razoável entender que o nepotismo no Poder Judiciário é permitido, simplesmente, por que não existe lei que o proíba.

Dessa forma, a Constituição Federal veda a prática do nepotismo, devendo o Conselho Nacional de Justiça cumprir sua função constitucional de zelar pela fiel observância dos princípios da Administração Pública no Poder Judiciário, e, consequentemente, determinar a vedação, salvo se servidor ocupante de cargo de provimento efetivo do Poder Judiciário, de nomeação para cargo em comissão ou designação para função de confiança, de cônjuge, companheiro, parente ou afim, em linha reta ou colateral, até terceiro grau, de qualquer magistrado, em qualquer juízo ou Tribunal do país, inclusive superior.

A necessidade de estabelecimento da amplitude da vedação do nepotismo em qualquer juízo ou Tribunal do país, inclusive superior, visa evitar eventual hipótese conhecida como nepotismo cruzado, ou seja, nomeação de parentes ou afins de magistrado em gabinetes de outros magistrados.

3. RESOLUÇÃO CNJ Nº 07/05 E VEDAÇÃO AO NEPOTISMO NO ÂMBITO DO PODER JUDICIÁRIO

A Resolução CNJ nº 07, de 18 de outubro de 2005 disciplinou o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário e dá outras providências, nos termos do disposto no art. 103-B, § 4°, II, da Constituição Federal, e em respeito aos princípios da moralidade e da impessoalidade consagrados no art. 37, caput, da Constituição. Em seu art. 1º afirmou ser “vedada a prática de nepotismo no âmbito de todos os órgãos do Poder Judiciário, sendo nulos os atos assim caracterizados”.

Em seu art. 2º, a Resolução CNJ nº 07/05 prevê que: Constituem práticas de nepotismo, dentre outras:

I - o exercício de cargo de provimento em comissão ou de função gratificada, no âmbito da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo, por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados;

II - o exercício, em Tribunais ou Juízos diversos, de cargos de provimento em comissão, ou de funções gratificadas, por cônjuges, companheiros ou parentes em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, de dois ou mais magistrados, ou de servidores investidos em cargos de direção ou de assessoramento, em circunstâncias que caracterizem ajuste para burlar a regra do inciso anterior mediante reciprocidade nas nomeações ou designações;

III - o exercício de cargo de provimento em comissão ou de função gratificada, no âmbito da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo, por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, de qualquer servidor investido em cargo de direção ou de assessoramento;

IV - a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados, bem como de qualquer servidor investido em cargo de direção ou de assessoramento;

V - a contratação, em casos excepcionais de dispensa ou inexigibilidade de licitação, de pessoa jurídica da qual sejam sócios cônjuge, companheiro ou parente em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados, ou servidor investido em cargo de direção e de assessoramento.

O CNJ excepcionou as seguintes situações, no §1º, art. 2º, da Res. 07/05: “Ficam excepcionadas, nas hipóteses dos incisos I, II e III deste artigo, as nomeações ou designações de servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo das carreiras judiciárias, admitidos por concurso público, observada a compatibilidade do grau de escolaridade do cargo de origem, a qualificação profissional do servidor e a complexidade inerente ao cargo em comissão a ser exercido, e que o outro servidor também seja titular de cargo de provimento efetivo das carreiras jurídicas, vedada, em qualquer caso a nomeação ou designação para servir subordinado ao magistrado ou servidor determinante da incompatibilidade.

§ 2° A vedação constante do inciso IV deste artigo não se aplica quando a contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público houver sido precedida de regular processo seletivo, em cumprimento de preceito legal.

O art. 3º da Resolução CNJ nº 07/05, com sua redação dada pela Resolução nº 09/05, determina que “é vedada a manutenção, aditamento ou prorrogação de contrato de prestação de serviços com empresa que venha a contratar empregados que sejam cônjuges, companheiros ou parentes em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, de ocupantes de cargos de direção e de assessoramento, de membros ou juízes vinculados ao respectivo Tribunal contratante, devendo tal condição constar expressamente dos editais de licitação”.

Nota-se claramente a intenção de coibir completamente tal prática no âmbito do poder Judiciário, muito embora, por vezes, autoridades descompromissadas com o bom senso e com a ética maquiem a contratação com o manto da legalidade e consigam driblar a intenção do legislador aniquilando a boa-fé da administração.

4. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E CONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO CNJ Nº 07/ 05

O Supremo Tribunal Federal, por maioria (9 x 1), concedeu liminar para suspender, com efeito vinculante e retroativo, até o exame de mérito, o julgamento de todas as ações no país que questionam a resolução do CNJ, bem como as decisões já proferidas contra a norma do Conselho.[2]

O Supremo Tribunal Federal entendeu, em sede cautelar, que o nepotismo fere os princípios da impessoalidade, moralidade, igualdade e eficiência.

Como bem destacado pelo Ministro-relator Carlos Britto, o nepotismo fere os princípios da impessoalidade, eficiência e igualdade, podendo “resvalar na imoralidade administrativa”. Em relação ao princípio da impessoalidade, destacou que “na absoluta separação entre o público e o privado, ou entre a Administração e o administrador, segundo a republicana metáfora “não se pode fazer cortesia com o chapéu alheio”.

Conceitos que se contrapõem à multissecular cultura do patrimonialismo e que se vulnerabilizam a cada dia, não há negar, com a prática do chamado “nepotismo”. Traduzido este no mais renitente vezo da nomeação ou da designação de parentes não-concursados para trabalhar, comissionadamente ou em função de confiança, debaixo da aba familiar dos seus próprios nomeantes. Seja ostensivamente, seja pela fórmula enrustida do “cruzamento”.

Em relação ao princípio da eficiência quando se vai avaliar a capacitação profissional de um parente ou familiar. Quando se vai cobrar assiduidade e pontualidade no comparecimento ao trabalho. Mais ainda, quando se é preciso punir exemplarmente o servidor faltoso (como castigar na devida medida um pai, a própria mãe, um filho, um(a)esposo (a) ou companheiro (a), um(a) sobrinho (a), enfim, com quem eventualmente se trabalhe em posição hierárquica superior). E como impedir que os colegas não-parentes ou não-familiares se sintam em posição de menos obsequioso tratamento funcional? Em suma, como desconhecer que a sobrevinda de uma enfermidade mais séria, um trauma psico-físico ou um transe existencial de membros de uma mesma família tenda a repercutir negativamente na rotina de um trabalho que é comum a todos? O que já significa a paroquial fusão do ambiente caseiro com o espaço público. Pra não dizer a confusão mesma entre tomar posse nos cargos e tomar posse dos cargos, na contra-mão do insuperável conceito de que “administrar não é atividade de quem é senhor de coisa própria, mas gestor de coisa alheia” (Rui Cirne Lima)”.

Por fim, em relação ao princípio da igualdade, concluiu que “o mais facilitado acesso de parentes e familiares aos cargos em comissão e funções de confiança traz consigo os exteriores sinais de uma prevalência do critério doméstico sobre os parâmetros da capacitação profissional (mesmo que não seja sempre assim). Isto sem mencionar o fato de que essa cultura da prevalente arregimentação de mão-de-obra familiar e parental costuma carrear para os núcleos familiares assim favorecidos uma superafetação de renda, poder político e prestígio social”.[3]

5. CONCLUSÃO

A prática do nepotismo é factual em nossa realidade atual, é imoral, fere a ética institucional que deve reger os Poderes do Estado, pois fere o senso de razoabilidade da comunidade a utilização de cargos públicos para o favorecimento familiar e garantia de empregabilidade doméstica e deve ser debelada do nosso meio.

Não se pode vislumbrar um país desenvolvido, que vive arraigado a práticas oriundas do coronelismo, da coroa real, quando então os cargos de relevância eram passados de pai para filho, de geração em geração e permaneciam por décadas nas mãos da mesma família.

A Constituição Federal de 1988, com sua peculiar supremacia e a legislação infraconstitucional, em sua melhor interpretação possível, juntamente com os princípios constitucionais e a consequente vinculação irrestrita do Poder Judiciário às suas normas, descarta qualquer possibilidade de nepotismo na Administração Pública e no Judiciário pois, caso contrário, não terá respeitado a função primordial da constituição, mas sim, correremos o perigoso risco de eficácia zero do direito constitucional  e consequente desmoralização e perda de credibilidade das Instituições de Direito.

REFERÊNCIAS

CANOTILLO, J. J. Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra: Coimbra Ed., 1994. p. 474.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1999, p. 111.

________. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1999, p. 111.

HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1991. p. 24.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 21 ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 82.

MORAES, Alexandre de.  Administração Pública e Vedação ao Nepotismo no Poder Judiciário. Revista do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica da Fundinopi. Disponível em

http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/download/67708/70316


[1]STF, 2ª T, Rel. Min. Marco Aurélio, Rextr. Nº 160.381/SP, RTJ 153/1.030.

[2]Decisão do dia 16-2-06 e ATA do STF publicada no Diário da Justiça, Seção I, 22 fev. 2006.

[3]STF – Pleno – ADC 12 – medida cautelar – Rel. Min. Carlos Britto, decisão: 16-2-06.

Sobre a autora
Josilene da Silva Tavares

Graduada em Direito pela Universidade Federal do Pará-UFPA, em 2003. Especialista em Administração Pública e Gerência de Cidades. Servidora efetiva da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará - Unifesspa, no cargo de Assistente em Administração, desde setembro de 2012. Ouvidora-Geral da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará - Unifesspa desde 2015. Autoridade de Monitoramento da Lei de Acesso à Informação-LAI na Unifesspa, desde 2016. Encarregada da Proteção de Dados Pessoais na Unifesspa.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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