A PRISÃO DE ROBERTO JEFFERSON

13/08/2021 às 16:37
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O ARTIGO EXAMINA FATO CONCRETO À LUZ DA DOUTRINA E DA JURISPRUDÊNCIA.

A PRISÃO DE ROBERTO JEFFERSON

Rogério Tadeu Romano

I – O FATO

Noticiou o site do O Globo, em 13 de agosto de 2021, ao determinar a prisão do presidente nacional do PTB Roberto Jefferson, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes afirmou que o ex-deputado integra o "núcleo político" de uma  possível  organização  criminosa que tem como objetivo "desestabilizar as instituições republicanas". Moraes escreveu ainda que Jefferson realizou ameaças ao STF e atentou contra a democracia. A Polícia Federal cumpriu a prisão do ex-deputado por volta das 9h desta sexta-feira, em sua residência no município de Levy Gasparian, no Rio de Janeiro.

Segundo o ministro, Jefferson "incitou, por mais de uma vez, a prática de crimes (invasão ao Senado Federal, agressão a agentes públicos e/ou políticos etc), ofendeu a dignidade e o decoro de ministros do STF, senadores integrantes da CPI da Covid-19 e outras autoridades públicas". A decisão aponta ainda que o ex-deputado atuou com o "nítido objetivo de tumultuar, dificultar, frustrar ou impedir o processo eleitoral, com ataques institucionais ao Tribunal Superior Eleitoral e ao seu ministro presidente".

Na fundamentação, o ministro Moraes ainda afirmou que Roberto Jefferson "pleiteou o fechamento do Supremo Tribunal Federal, a cassação imediata de todos os ministros para acabar com a independência do Poder Judiciário,  incitando  a  violência  física  contra contra  os ministros,  porque  não  concorda  com  os  seus  posicionamentos".

Disse ainda que a repetição desses atos é "gravíssima, pois atentatória ao Estado Democrático de Direito e às suas instituições republicanas".

No despacho, o ministro afirma que a PF identificou a vinculação de Roberto Jefferson no escopo das investigações sobre milícias digitais "diante de reiteradas manifestações proferidas por meio de postagens em redes sociais e em entrevistas concedidas, demonstrando aderência voluntária ao mesmo modo de agir da associação especializada ora investigada, focada nos mesmos objetivos: atacar integrantes de instituições públicas, desacreditar o processo eleitoral brasileiro, reforçar o discurso de polarização e de ódio; e gerar animosidade dentro da própria sociedade brasileira, promovendo o descrédito dos poderes da república”.

II – A DEMOCRACIA COMO PRINCÍPIO IMPOSITIVO

Há na Constituição do Brasil, em seu artigo 1º, como princípio constitucional impositivo, o respeito ao estado democrático de direito.

Aquela afirmativa feita desconhece a Constituição e açoita a democracia.

Esse princípio funde, inspirado no artigo 2º da Constituição portuguesa, os ideais do Estado de Direito e do Estado democrático.

Comentando o mesmo princípio da Constituição da República portuguesa, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira oferecem aos estudiosos, uma resposta: “Esse conceito – que é seguramente um dos conceitos-chave da CRP – é bastante complexo, e as suas duas componentes – ou seja, a componente do Estado de direito e a componente do Estado democrático – não podem ser separadas uma da outra. O Estado de direito é democrático e só sendo-o é que é Estado de direito. O Estado democrático é Estado de direito e só sendo-o é que é democrático”.

Os estudiosos veem o conceito de Estado de Direito como uma coloração nitidamente germânica. Ali foi que, após duas guerras mundiais sangrentas, e um desrespeito flagrante aos direitos humanos, que o conceito se sedimentou com maior rigor.

O Estado de Direito é o oposto do Estado de Polícia. É de sua essência, pois, a submissão da atuação do Estado ao direito, do que defluirá a liberdade individual, e o repúdio à instrumentalização da lei e da administração a um propósito autoritário.

Canotilho e Vital Moreira consignaram sobre o princípio: “Afastam-se ideias transpessoais do Estado como instituição ou ordem divina, para se considerar apenas a existência de uma res pública no interesse dos indivíduos. Ponto de partida e de referência é o indivíduo autodeterminado, igual, livre e isolado”. O Estado de Direito está vinculado, nessa linha de pensar, a uma ordem estatal justa, que compreende o reconhecimento dos direitos individuais, garantia dos direitos adquiridos, independência dos juízes, responsabilidade do governo, prevalência da representação política e participação desta no Poder Legislativo.

Ainda ensinaram Canotilho e Vital Moreira: “O Estado de Direito reduziu-se a um sistema apolítico de defesa e distanciação perante o Estado”. Tornam-se as suas notas marcantes: a repulsa da ideia de o Estado realizar atividades materiais, acentuação da liberdade individual, na qual só a lei podia intervir e o enquadramento da Administração pelo princípio da legalidade.

A procura da jugulação do arbítrio, como acentuou Celso Ribeiro Bastos(Comentários à Constituição do Brasil, primeiro volume, pág. 422), só se pode dar debaixo dos subprincípios que estão enfeixados na concepção ampla do Estado de Direito. Não se conhece a liberdade senão os países que consagraram a primazia do direito.

Burdeau(La Democracia, pág. 61) ensinava:
“Politicamente, o objetivo da democracia é a liberação do indivíduo das coações autoritárias, a sua participação no estabelecimento da regra, que, em todos os domínios, estará obrigado a observar. Economicamente e socialmente, o benefício da democracia se traduz na existência, no seio da coletividade, de condições de vida que assegurem a cada um a segurança e a comodidade adquirida para a sua felicidade. Uma sociedade democrática, é, pois, aquela em que a fortuna não é uma fonte de poder, em que os trabalhadores estejam ao abrigo da opressão que poderia facilitar sua necessidade de buscar um emprego, em que cada um, enfim, possa fazer valer um direito de obter da sociedade uma proteção contra os riscos da vida.”

Já dizia Lincoln que a democracia é governo do povo, pelo povo e para o povo.

Governo do povo significa que este é fonte e titular do poder(todo poder emana do povo), de conformidade com o princípio da soberania popular que é, pelo visto, o princípio fundamental do Estado Democrático. Como disse José Afonso da Silva(Curso de direito constitucional positivo, 5º edição, pág. 120), governo democrático é o que se baseia na adesão livre e voluntária do povo à autoridade, como base da legitimidade do exercício do poder, que se efetiva na técnica da representação política.

III – OS CRIMES CONTRA A ORDEM DEMOCRÁTICA

As manifestações de Roberto Jefferson açoitam a democracia. Promovem o ódio, a discórdia, afrontando a democracia como meio de convivência.

No despacho, o ministro afirma que a PF identificou a vinculação de Roberto Jefferson no escopo das investigações sobre milícias digitais "diante de reiteradas manifestações proferidas por meio de postagens em redes sociais e em entrevistas concedidas, demonstrando aderência voluntária ao mesmo modo de agir da associação especializada ora investigada, focada nos mesmos objetivos: atacar integrantes de instituições públicas, desacreditar o processo eleitoral brasileiro, reforçar o discurso de polarização e de ódio; e gerar animosidade dentro da própria sociedade brasileira, promovendo o descrédito dos poderes da república”.

Pensemos em barreiras legais à ação daqueles que advogam contra os princípios e as instituições democráticas. Nesse sentido, Karl Loewenstein propôs, em 1937, a controvertida doutrina da “democracia militante”, incorporada pela Lei Fundamental em 1949 e aplicada pela Corte Constitucional alemã nas décadas seguintes. Foi o caso do combate a organizações terroristas de esquerdas que atuaram na década de 1970 na Alemanha.

Por essa doutrina, é possível investigar e mesmo restringir direitos de grupos que ameaçam a democracia, como é o caso ora examinado.

Fala-se que esses delitos estão enquadrados na antiga Lei de Segurança Nacional, que poderá ser revogada em breve. Essa lei é do fim da ditadura militar, é certo.

São crimes que envolvem manifestação de pensamento.

Como ainda ensinou Heleno Fragoso (A nova Lei de Segurança Nacional), “os crimes de manifestação do pensamento constituem o ponto nevrálgico de uma lei desse tipo. Pode-se dizer, sem medo de errar, que a quase totalidade dos processos movidos com base na lei de segurança, depois da revogação do Ato Institucional n.º 5, refere-se a crimes de manifestação do pensamento. A nova lei apresenta sobre a anterior, nesta matéria, sensíveis modificações. Abandona-se o texto simplesmente lamentável que vinha em vigor, em favor de uma fórmula que faz sentido, se se considera a finalidade da lei. Perigosa é apenas a incriminação da propaganda (e da incitação) de luta pela violência entre as classes sociais. Essa disposição serviu indebitamente para a inclusão na lei de segurança de conflitos de terras, como a experiência demonstrou. É verdade que agora o crime depende, sem a menor dúvida, de motivação política ou de propósito político-subversivo e de lesão, real ou potencial, aos interesses da segurança do Estado.”

Essas lições hauridas de Heleno Fragoso, um dos maiores penalistas brasileiros, e célebre na luta pelas liberdades individuais, durante a ditadura militar, são exemplares com relação àquela Lei de Segurança Nacional.

Essas palavras foram vistas nas lições de Heleno Fragoso, Advocacia da Liberdade, e ainda em sua tese para professor da Universidade do Rio de Janeiro.

Devem ser investigados os seguintes crimes:

Art. 23 - Incitar:

I - à subversão da ordem política ou social;

II - à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis;

III - à luta com violência entre as classes sociais;

IV - a prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei.

Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.

Por outro lado houve crime contra a honra.

Conhecida é a lição de Antolisei, citada por Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, parte especial, 7º edição, pág. 179), de que “a manifestação ofensiva tem um significado que, embora relacionado com as palavras pronunciadas ou escritas, ou com os gestos realizados, nem sempre é idêntico para todas as pessoas. O que decide é o significado objetivo, ou seja, o sentido que a expressão tem no ambiente em que o fato se desenvolve, segundo a opinião da generalidade das pessoas. Como bem esclarece o antigo professor da Universidade de Turim, o mesmo critério deve ser seguido, em relação ao valor ofensivo da palavra ou do ato, não se considerando a especial suscetibilidade da pessoa atingida. Isto, porém, não significa que não seja muitas vezes relativo o valor ofensivo de uma expressão, dependendo das circunstâncias, do tempo e do lugar, bem como do estado e da posição social da pessoa visada, e, sobretudo, da direção da vontade (animus injuriandi).”

Segundo o Poder 360, ao ser informado da ordem de prisão preventiva decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), o ex-deputado federal e atual presidente do PTB Roberto Jefferson xingou o magistrado de “cachorro do Supremo” e “pior caráter”. Está nítido mais um crime contra a honra perpetrado pelo ex-deputado. Mais um crime contra a honra do ministro do STF e a instituição Supremo Tribunal Federal.

IV – A NECESSÁRIA PRISÃO PROVISÓRIA

Examina-se o caso sob o enfoque do binômio fumus comissi delicti e do periculum libertatis.

 Ensinou Renato Brasileiro de Lima(Manual de processo penal: volume único - 5.ed.rev.,ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2017): "quanto à materialidade delitiva, sendo, neste ponto, uma exceção ao regime normal das medidas cautelares, na medida em que , para a caracterização do fumus boni iuris (fumaça do bom direito)há determinados fatos sobre os quais o juiz deve ter certeza, não bastando a mera probabilidade." 

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Por outro lado exige-se o periculum libertatis fundamentado no artigo 312 do CPP: A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia de ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal.

Destaco a leitura do artigo 312 do CPP.

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

Parágrafo Único.

A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).

(Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

§ 1º A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).

(Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

(Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019).

É densa a discussão com relação a prisão preventiva.

Num sistema envolvendo o constante atrito entre a liberdade, como última ratio, e a prisão, a decretação da prisão preventiva é renovar de controvérsias.

A prisão preventiva, que é um dos exemplos de prisão provisória, antes do trânsito em julgado da sentença, só pode ser decretada "quando houver prova de existência do crime e indícios suficientes de autoria", como se lê do artigo 312 do Código Penal.

Há de se comprovar a materialidade do crime, a existência do corpo de delito, que prova a ocorrência do fato criminoso, seja por laudos de exame de corpo de delito ou ainda por documentos, prova testemunhal. A isso se soma como requisito a existência de "indícios suficientes de autoria", que deve ser apurada em via de fumaça de bom direito. Tal despacho que decretar a prisão preventiva, a teor do artigo 315 do Código de Processo Penal, deve ser fundamentado.

III – A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA

O que é garantia da ordem pública para efeito da prisão preventiva?

Na lição de Basileu Garcia (Comentários ao Código de Processo Penal, vol. III, p. 169), “para a garantia da ordem pública, visará o magistrado, ao decretar prisão preventiva, evitar que o delinquente volte a cometer delitos, ou porque é acentuadamente propenso às práticas delituosas, ou porque, em liberdade, encontraria os mesmos estímulos relacionados com a infração cometida”.

Há o entendimento que a prisão preventiva tem a finalidade de manter uma ordem pública, usurpando a função do Estado através de suas polícias. Como bem afirma o ministro Joel Ilan Parcionick, do STJ em evento na Universidade Santo Amaro, citado em matéria na ConJur “não é função do Judiciário garantir a ordem pública. É função do Estado, que o exerce através das polícias. Todo esse sentimento de ordem pública e tranquilidade, ele só de forma reflexa é dado pelo Judiciário. A função é do Poder Executivo. O Judiciário deve assegurar o uso e a fruição de direitos”, como assinalado por David Metzker (Gravidade concreta não pode gerar prisão preventiva, Consultor Jurídico, 26 de agosto de 2019).

A ordem pública ainda serve de fundamento quando há uma gravidade concreta, que demonstraria que a liberdade é um risco a segurança social, também afirmado pelo ministro acima citado. É utilizado o modus operandi do crime a fim de evidenciar uma periculosidade do agente. Neste pormenor que iremos tratar, sobre a gravidade concreta usada com objetivo de demonstrar que a liberdade do agente traz um risco para o processo, conduzindo à prisão preventiva.

O que é ordem pública para efeito da prisão preventiva?

Em vista da natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a possibilidade da sua imposição quando evidenciado, de forma fundamentada e com base em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal – CPP. Deve, ainda, ser mantida a prisão antecipada apenas quando não for possível a aplicação de medida cautelar diversa, nos termos previstos no art. 319 do CPP.

Conforme pacífica jurisprudência do STJ, a preservação da ordem pública justifica a imposição da prisão preventiva quando o agente ostentar maus antecedentes, reincidência, atos infracionais pretéritos, inquéritos ou mesmo ações penais em curso, porquanto tais circunstâncias denotam sua contumácia delitiva e, por via de consequência, sua periculosidade.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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