Políticas públicas e o movimento nacional dos catadores de materiais recicláveis no Brasil

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No contexto das políticas públicas, o artigo traz um breve histórico sobre os movimentos sociais, com destaque para o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis no Brasil, seus avanços e perspectivas.

As políticas públicas são a junção de ações dos governos que atuam diretamente e influenciam na vida dos cidadãos nos campos da saúde, educação, moradia, dentre outras.

Para Souza (2003, p. 13), nas políticas públicas, os governos “traduzem seus propósitos em programas e ações que produzirão resultados ou as mudanças desejadas no mundo real”.

As políticas públicas estão ligadas à ciência política e podem ser compreendidas como “o conjunto de políticas, programas e ações do Estado, diretamente ou por meio de delegação, com objetivo de enfrentar desafios e aproveitar oportunidades de interesse coletivo” (CASTRO; OLIVEIRA, 2014, p. 22) e são desenvolvidas pelo governo visando à melhoria da vida da população; contudo, são modificadas com a situação socioeconômica e política do país.

Segundo Lemos e Faceira (2015), a política social é policies, ou seja, política de ação, componente da área de conhecimento chamada policy science, que nasceu nos Estados Unidos e na Europa no Segundo Pós-guerra, devido à procura de pesquisadores em entender a dinâmica das relações entre governos e cidadãos.

As políticas sociais são comuns nas formações econômico-sociais capitalistas contemporâneas, de ação e controle acerca das necessidades sociais essenciais das pessoas.

Carvalho (2007) compreende que criar, fazer alterações e colocar em práticas as políticas sociais depende muito do sistema político de um país. Braide (2014, p. 32) traz os regimes de bem-estar usados como modelo de política pública social apresentado por Esping-Andersen na obra “As três economias políticas do welfare state”.

Vargas Velasques define o termo políticas sociais como “conjunto de sucessivas iniciativas, decisões e ações do regime político frente a situações socialmente problemáticas e que buscam a resolução delas, ou pelo menos trazê-las a níveis manejáveis” (DEUBEL, 2006).

Com base nisso, Castro (2012) entende que as políticas sociais são conjuntos de ações e programas que garantem ofertas de bens e serviços, procurando promover a proteção e a promoção social.

A responsabilidade atribuída às políticas públicas na área social é grande. Apesar de sozinhas não serem capazes de proporcionar o desenvolvimento econômico e promover a inclusão social, podem contribuir para luta contra o avanço do problema para o qual são destinadas.

Segundo Castro (2012), no Brasil, as políticas públicas na área social têm grande influência no processo de desenvolvimento, já que, por conta da sua disparidade (políticas setoriais ou transversais), são elementos emissores de várias relações e dependência, que estão unidas ao campo social (justiça e coesão social), ao campo econômico (inter-relações que potencializam o crescimento e a produtividade), às transformações no aparato institucional e ambiental.

Nesse contexto, entram os movimentos sociais. Segundo Montaño (2010), os movimentos sociais representam o processo de organização da classe trabalhadora e suas lutas.

O movimento trabalhador, no Brasil, foi influenciado pelas ideias anarquistas vindas com os imigrantes europeus. Na luta pela libertação, no início do século XX, a classe operária começou a organizar sindicatos, período caracterizado por mobilizações sociais e greves por melhores salários e condições de trabalho.

Uma série de eventos envolvendo ajustes a uma situação social; conectados por uma relação de causa e efeito; possuindo uma extensão no tempo e espaço, e revelando estágios, transições, tendências que são correlacionadas com um conceito mutante de sua função e indicativas de sua evolução (RAINWATER, 1922).

Conforme Gohn (2007), os movimentos sociais sempre foram diversificados em relação às temáticas e demandas, mas nos anos 90 se estabeleceram como redes dentro do próprio movimento social e redes com outros sujeitos sociais.

A ideia de rede de movimentos sugere procurar maneiras de articulação entre o privado e o universal, procurando ligações entre as identidades dos vários atores sociais.

Não há unidade entre os novos movimentos sociais, tanto em relação aos diversos tipos de movimentos, como em relação aos movimentos iguais, porém em distintos espaços geográficos.

Atualmente, os movimentos sociais vêm estabelecendo e levando ao espaço público temas e questões anteriormente considerados como de domínio privado e individual como as relações étnicas e de gênero, homossexuais, para serem discutidos no contexto coletivo e público, formando objetos de políticas públicas. Nesse sentido:

 Os movimentos sociais se inserem em conflitos relacionados não apenas à existência de propostas de políticas concorrentes, mas também de conflitos que envolvem a própria configuração institucional do subsistema e ideias mais gerais sobre a organização da vida social. Essa capacidade de acionar conflitos associados à forma de vida em sociedade distingue a atuação dos movimentos sociais de outras entidades ou organizações da sociedade civil que estabelecem parceria com o Estado e recebem recursos para implementar política pública. Assim, movimentos sociais são um tipo particular de ator/rede (ou coalizão) que participa do processo de produção de políticas públicas, elaborando, experimentando e disputando modelos alternativos de políticas, que traduzem seu projeto político em um subsistema específico (TEIXEIRA, TATAGIBA e BLIKSTAD, 2015; TEIXEIRA et al, 2016; TATAGIBA e TEIXEIRA, 2016 apud TATAGIBA, ABERS e SILVA, 2018, p. 109).

A crescente geração de resíduos sólidos por uma sociedade consumista, baseada no sistema capitalista, que visa o lucro pelo lucro, sem considerar o meio ambiente e a saúde humana, é um grave problema político, econômico, social e ambiental.

É indispensável procurar novos modelos de produção e consumo sustentáveis, frente todo um esforço conjunto e contínuo da sociedade, dos governos, empresários e sociedade de um modo geral (BRASIL, 2019).

Segundo Farias (2013), anualmente, cerca de 3 bilhões de toneladas de resíduos são jogados no lixo, sendo que aproximadamente 90 milhões de toneladas são de resíduos perigosos. Esse número equivale a 6 toneladas de resíduos sólidos para cada pessoa por ano.

De acordo com o Portal do Meio Ambiente, o brasileiro produz, em média, 1,1kg de lixo por dia. No Brasil, são coletadas 188,8 toneladas de resíduos sólidos todos os dias. Em 50,8% dos municípios, ainda descartam e depositam resíduos em locais impróprios.

Existem cerca de 2.906 lixões no país, ambiente no qual as condições de vida e de trabalho dos catadores de materiais recicláveis são insalubres. Para Montaño (2010), os movimentos sociais representam o processo de organização dessa classe trabalhadora e suas lutas.

A atividade de catação de lixo não é uma novidade. Há muito tempo, é um trabalho comum, uma tática de sobrevivência desenvolvida por uma parcela socialmente e economicamente excluída do Brasil, dos países latino-americanos e de várias partes do mundo (SILVA et al., 2013; LEITE et al., 2015).

Nesse cenário, surge o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), um movimento social que procura organizar os catadores e valorizar a classe dentro dos princípios da autogestão, ação direta e autonomia de classe (MNCR, 2013).

O MNCR conta com mais de dez anos de luta, celebra resultados e vem organizando os trabalhadores de material reciclável por todo o Brasil, mas ainda convive com a realidade dos catadores que trabalham em lixões e nas ruas em condições difíceis.

No campo das políticas púbicas que beneficiam a ocupação de catadores, procura-se incluir os catadores de forma legal, para garantir que os materiais recicláveis sejam destinados a associações e cooperativas (MNCR, 2013).

A discussão entre catadores e os vários atores sociais colaborou para que, em 1999, nascesse o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), resultado do 1º Encontro Nacional de Catadores de Papel, fundado oficialmente em 2001 durante o 1º Congresso Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis.

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Em 2002, o MNCR alcançou a sua primeira conquista: a atividade de catador foi regulamentada e entrou na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) (AMORIM, 2012; MNCR, 2015).

O trabalho dos catadores de materiais recicláveis, apesar de possuir um caráter de grande relevância social e ambiental, é, indubitavelmente, um dos mais degradantes, pelo fato de lidar com o que é descartado por outros (MNCR, 2013), tantas vezes sem a menor responsabilidade sobre a forma como isso é feito.

Há ainda muito o que avançar numa sociedade em que apenas uma pequena parcela se preocupa com o descarte responsável e com a aquisição de produtos ecológicos.


Referências

BRASIL. Gestão do lixo: reciclagem. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/sobre/meio-ambiente/gestao-do-lixo/reciclagem>. Acesso em 24 mar. 2019.

BRAIDE, S. M. Estado de Bem-Estar, desenvolvimento econômico e cidadania: algumas lições da literatura contemporâneo. In: HOCHMAN, G.; ARRETCHE, M.; MARQUES, E. (Org.). Políticas Públicas no Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2014.

CASTRO, J. A. de; OLIVEIRA, M. G. de. Políticas públicas e desenvolvimento. In: MADEIRA, L. M. (Org.). Avaliação de Políticas Públicas. Porto Alegre: UFRGS/CEGOV, 2014.

CASTRO, J. A. de. Política social e desenvolvimento no Brasil. In: Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, Número Especial, p. 1011-1042, dez. 2012.

LEMOS, Amanda dos Santos; FACEIRA, Lobelia da Silva. Os movimentos sociais e as políticas públicas no cenário brasileiro. Seminário Nacional de Serviço Social. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis/SC – 27 a 29 de outubro de 2015. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/180727/Eixo_3_056.pdf?sequence=1>. Acesso em: 1 mar. 2019.

MORDEUBEL, Andre-Noel Roth. Políticas públicas: formulación, implementación y evaluación. Bogotá, Colômbia: Ediciones Aurora, 2006.

GOHN, Maria da Glória. 500 anos de lutas sociais no Brasil: movimentos sociais, ONGs e terceiro setor. Revista Mediações, Londrina, v. 5, n. 1, p. 11-40, jan./jun. 2000. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/view/9194/7788>. Acesso em: 28 fev.2019.

Movimento Nacional dos Catadores(as) de Materiais Recicláveis (MNCR). História do MNCR. Jan. 2018. Disponível em: <http://www.mncr.org.br/sobre-o-mncr/sua-historia>. Acesso em: 15 fev. 2019.

Movimento Nacional dos Catadores(as) de Materiais Recicláveis (MNCR). O que é o Movimento? Out. 2017. Disponível em: http://www.mncr.org.br/sobre-o-mncr/sua-historia. Acesso em: 15 fev. 2019.

Movimento Nacional dos Catadores(as) de Materiais Recicláveis (MNCR). Marcha dá visibilidade aos catadores/as do Ceará. Out. 2012. Disponível em: http://www.mncr.org.br/sobre-o-mncr/sua-historia. Acesso em: 15 fev. 2019.

MONTAÑO, C. & DURIGUETTO, M. L. Estado, classe e movimento social. São Paulo: Cortez, 2010.

RAINWATER, Clarence Elmer. The Play Group in the United States. Chicago: The University of Chicago Press, 1922.

TATAGIBA, Luciana; ABERS, Rebecca; SILVA, Marcelo Kunrath. Movimentos sociais e políticas públicas: ideias e experiências na construção de modelos alternativos. In: PIRES, Roberto; LOTTA, Gabriela; OLIVEIRA, Vanessa Elias de (Org.). Burocracia e políticas públicas no Brasil: interseções analíticas. Brasília, IPEA, ENAP, 2018.

Sobre as autoras
Narjara Soares Magalhães

Graduada em Direito, pós-graduada em Direito Público, mestre em Planejamento e Políticas Públicas, servidora do Ministério Público do Estado do Ceará.

Janile Gadelha Rocha

Graduada em Direito, pós-graduada em Direito Empresarial, mestre em Ciência Política, servidora do Ministério Público do Estado do Ceará.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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