Uma luz católica sobre o Estado moderno –

Resenha.

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O objeto de estudo é o livro “A Constituição Cristã dos Estados” do jurista e filósofo espanhol Miguel Ayuso Torres.

Nesta obra, o autor busca compreender os processos contemporâneos do Estado Moderno a partir da Doutrina Social da Igreja (DSI), especialmente no que concerne à política, à sociologia e ao direito constitucional.

O autor é professor de Ciência Política, Direito Constitucional e Direito Canônico na Universidade Pontifícia Comillas de Madri. Foi advogado no Tribunal Supremo da Espanha entre 1993 e 2000 e presidente da União Internacional de Juristas Católicos entre 2009 e 2019, além de ser doutor investido com doutor honoris causa pela Universidade de Udine e pela Universidade Inca Garcilaso de la Vega e presidente do Consejo de Estudios Hispánicos Felipe II, além de diretor da revista Verbo e dos Anales de la Fundación Francisco Elías de Tejada desde 1995. A obra foi publicada aqui no Brasil em 2019 pela Livraria Resistência Cultural Editora de São Luís – MA.

A questão central do livro é elucidar no que a aplicação da doutrina católica pode contribuir na resolução de problemas de legitimidade, apoio popular, liberdade religiosa, liberdade de consciência, entre outros, questões essas que assolam todas as nações modernas, bem como identificar os problemas da aplicação da DSI na sociedade, ou seja, inculturar. De forma elucidativa, cumpre citar o índice do livro:

- Prefácio – Ricardo Dip

- Prólogo à Edição Brasileira

- Introdução

- Capítulo 1: Religião e Sociedade

- Capítulo 2: Existe uma doutrina política católica?

- Capítulo 3: Variou a doutrina política católica?

- Capítulo 4: O problema do Estado católico hoje

- Capítulo 5: Igreja e Estado na Espanha: a singularidade do caso espanhol

- Conclusão: Do Laicismo à Laicidade

- Posfácio – Carlos Nougué

- Apêndice – Juan Fernando Segovia

Aqui nos restringiremos aos tópicos escritos pelo autor. Tratarei de cada tópico e trarei as ideias constantes nos seus textos, me escusando de acrescentar textos outros a título de comparação. O objetivo geral é apresentar o autor e alguns conceitos de sua obra, paralelamente, os objetivos específicos são: I – apontar inconsistências da teoria contemporânea do Estado; II – aclarar o papel da religião na contemporaneidade; III – observar a supressão da religião pelo Estado.

O prólogo exclusivo da edição brasileira começa com a seguinte afirmativa: “A sabedoria humana da Igreja escapa aos esquemas estreitos do mundo moderno” (TORRES, 2019, p. 29). Esta simples afirmação resume uma ideia central na obra: a incompatibilidade da doutrina política católica com quaisquer das correntes ideológicas em voga na contemporaneidade, a saber as principais: comunismo, liberalismo e conservadorismo. Ayuso irá defender que a obediência ao governante deve limitar-se ao que é lícito, o que não coincide com o permitido por lei. Se a doutrina católica é diversa das ideologias, assim também deve comportar-se o fiel. Porém, o autor observa que há um processo de extinção da fé, caracteristicamente lento, indolor e silencioso – chamado de secularização. “Não em vão Spinoza havia explicado com toda a clareza que a afirmação da liberdade de consciência e de religião – que não é a mesma coisa que liberdade da consciência e da religião – é o caminho mais seguro para que o Estado termine detendo o monopólio da moral” (TORRES, 2019, p. 3).

Ayuso, no texto introdutório, faz jus ao dito de que “a crítica começa em casa”. Contrariamente ao prólogo, aponta o método que a Igreja tem utilizado no processo necessário de enculturação e o critica. A sociedade atual, “tecnocrática e prometeica”, possui uma burocracia tão complexa que torna impossível o método sutil, fruto de certo humanismo maritainista.

O desenvolvimento principal no capítulo 1, Religião e Sociedade, é a divisão temporal na doutrina política católica:

1ª fase: de Cristo a Constantino, há uma evidente incomunicação dos polos político e religioso, quando a Igreja possui uma situação jurídico-social de excluídos, e até de inimigos públicos (Martírio e Distanciamento);

2ª fase: do Édito de Tessalônica (380 d. C.) a Revolução Francesa, comunhão dos dois polos e posterior crise;

3ª fase: pós Revolução Francesa, há a ruptura total da comunhão e supressão progressiva dos “espaços” da Igreja pelo Estado.

Em continuidade, Ayuso apresenta, no capítulo 2, outra divisão temporal, a saber, a evolução da Doutrina Social da Igreja em três fases (pós 1789):

1ª fase: defesa do trabalhador contra o poderio financeiro;

2ª fase: proteção dos direitos trabalhistas e sociais;

3ª fase: proposição e proteção aos direitos do homem.

No capítulo 3, o autor irá debruçar-se sobre o desenvolvimento da doutrina social da Igreja e identificar quais são os seus desafios. A Igreja traçou estratégia equivocada ao não buscar definir claramente qual sua posição política atual, não fomentando instituições cristãs e adotando postura reativa, recebendo as cartas do jogo e não dando. A falta de corpos intermediários, de claridade doutrinal na política pós-conciliar e de proposição firme fez com que os processos de secularismo, secularização e secularidade alavancassem até mesmo dentro do rebanho de Cristo. “Já não se trata de afirmar a necessidade de um cristianismo de massas, senão de ressaltar que não há cabimento um povo cristão sem instituições cristãs” (TORRES, 2019, p. 95).

Ayuso, no capítulo seguinte, enfrentará a viabilidade do ressurgimento de um Estado católico hoje diante do modelo de nação vigente atualmente: “contracristandade”, “sociedade permissiva” ou “open society”. Esse modelo estatal possuiria vários fundamentos, que por serem muitos inviabiliza sua devida elucidação, mas, que dividem-se em teológicos, filosóficos e sociológicos. Cumpre salientar, que a confessionalidade do Estado implicaria num totalitarismo religioso, infelizmente muito propagado na mídia erroneamente. “A sociedade se descristianizou – o que produziu a ruptura da unidade religiosa no sentido sociológico – e o caos ideológico alcançou, arrastando como uma de suas primeiras vítimas, o acervo doutrinal da confessionalidade do Estado e das diversas organizações” (TORRES, 2019, p. 130-131).

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Estreitando o enforque, ele analisa o caso espanhol no capítulo 5. A Espanha carrega o encargo de única herdeira, ainda que minimamente, fiel da Cristandade, mantendo a confessionalidade do Estado até a Revolução Gloriosa de 1868. Todavia, isso não impediu que ocorresse o processo de secularização, característico da contemporaneidade: a Lei da Liberdade Religiosa de 1867.

Por fim, na conclusão, o autor elenca os motivos que impedem a formulação de uma doutrina política católica e a vinculação do Estado à Igreja, como seu subordinado: a delimitação correta da separação entre o político e o religioso, subordinação daquele a este, a ruína espiritual atual e a variedade da pregação eclesiástica, sem uma posição definida. Cuidando de ressaltar que o “projeto” de um Estado Católico em quase nada se assemelha aos projetos originados nos seios das ideologias contemporâneas, sendo autêntico, nesse sentido, e afastando-se de qualquer espírito de imanência, mas ficando-se no transcendente.

Sobre o autor
Eric Hugo Albuquerque de Araújo

Advogado. Pós-graduando em Psicologia Forense no Sistema Penal. Membro-associado do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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