É preciso cuidado... Uma breve reflexão

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Este artigo visa chamar a uma breve reflexão sobre o mundo, os acontecimentos recentes e nosso papel enquanto seres políticos.

Os tempos atuais trazem consigo a (maior) abertura da sociedade para discutir e debater acerca de temas essenciais para o aprimoramento do convívio humano e para a construção de relações sociais sustentáveis, clarificando o pensamento e garantindo aos vários setores que a compõem espaço, vez e voz.

O século XXI estampa como sua marca fundamental comandos de ordem, como: garantia às liberdades, empoderamento feminino, respeito às diversidades, inclusão social, estabelecimento efetivo de igualdade material entre os indivíduos, conscientização ambiental global, repúdio aos discursos de ódio, combate às fake news, entre outros.

Todos, temas fulcrais que exigem, por sua natureza, profundidade, desdobramentos, efeitos e impactos sobre os indivíduos, atenção máxima não só das autoridades públicas, em sua tríplice esfera de atuação, mas também e principalmente, dos integrantes da sociedade civil, como sujeitos ativos que são na construção de uma consciência coletiva e como sujeitos passivos, receptores diretos das consequências positivas e negativas frutos de atuações comissivas e, quando menos, omissivas, dos agentes políticos, dos detentores do poder econômico e dos próprios indivíduos que a compõem.

A partir do final de 2019, um novo tema foi acrescido ao rol de questões relevantes, desafiando o mundo a travar uma dramática e complexa batalha contra um inimigo invisível, porém potencialmente danoso – o Coronavírus – e, desde então, esta tem sido a pauta mais discutida no cenário global. Contudo, não obstante a importância e seriedade do tema saúde pública, não se pode olvidar outras questões subjacentes trazidas à luz no decorrer de seu enfrentamento, que reclamam desvelo, cuidado da mesma forma, tais como a fome, o desemprego, a precariedade do sistema educacional (público e privado), o vitupério do sistema democrático e a violência. Esta última, desdobrando-se em tantas ramificações que levam a debates inúmeros por diversos grupos e segmentos sociais específicos e bem definidos (mulheres, negros, comunidade LGBTqia+, grupos étnicos etc).

Surpreendente, em meio a todo esse turbilhão de revelações, é perceber que tais adversidades (tais quais os comandos de ordem) não são temas exclusivos de um país específico ou de uma categoria determinada de países economicamente desfavorecida. Não. São conteúdos pertinentes e concernentes a toda a humanidade.

Fato é que, na atualidade, tomou-se a consciência inafastável de que somos todos uma grande comunidade mundial, e que as ações desencadeadas ou os atos impingidos no mais extremado local do planeta trará consequências para a vida de todos os seres humanos, por isso mesmo não podendo ser ignorados, a exemplo do que vem mostrando (e talvez ensinando) a COVID-19, ou a ampla repercussão no aumento das queimadas e a deflagração dos crimes ambientais na Amazônia, o profundo significado tomado pelo brutal assassinato do afro-americano George Floyd Jr em Minneapolis (EUA) ou o assassinato do jovem brasileiro Samuel Luiz Muñiz em Madri, a destruição de monumentos históricos como forma de protesto ou ainda a séria questão humanitária levantada pela situação migratória dos refugiados pelo mundo!

O acontecimento mais recente que chama e merece a atenção do planeta, doloroso e lamentável, está atestado pela retomada do Afeganistão pelo grupo extremista Talibã que, a despeito de tentar forjar um discurso dito “moderado”, não afasta seu passado e fama diretamente relacionados a atos de terror, violência, intolerância, arbitrariedade e constrangimento a que submete seu próprio povo, menos ainda faz esquecer seu discurso de supressão de direitos fundamentais, principalmente destinado às mulheres, no que concerne ao acesso à educação, à informação e à igualdade de tratamento.

É com imenso pesar que se testemunha o soerguimento de grupos que não só incitam, como verdadeiramente defendem e acreditam em discursos de ódio e violência, em ações antidemocráticas, em ceifamento de liberdades individuas, em repúdio ao conhecimento científico, em inferioridade de raças, grupos, etnias etc, indo na contramão de tudo aquilo que se defende nos tempos hodiernos.

É preciso ter cuidado com todo e qualquer argumento que se imponha por seus próprios fundamentos, sem possibilidades de debates e sem abertura de espaços para a discordância, para a divergência, para a diferença, para a dialética, que levam à construção de uma sociedade reconhecidamente democrática, justa e solidária.

Em um mundo conectado, não só do ponto de vista tecnológico, não se pode ter um olhar passivo diante de retrocessos, não se pode ficar calado diante de injustiças. Não se deve incorporar na “vida comum”, cotidiana, os atos de intolerância, de violência, de desrespeito às liberdades, ainda que pareçam um conflito distante e sem qualquer ligação direta com nossas vidas. Não se pode consentir que ações de regressão, retrocesso, involução venham a retomar espaço no cenário da vida pós-moderna, atingindo e desconstruindo as importantes conquistas obtidas ao longo da existência humana. É preciso ter cuidado com esse “patrimônio”, com esses valores, com esse legado erigido no decorrer dos séculos.

Significativas as palavras manifestadas pelo filósofo Edgar Morin (2021 – pág.42), em sua mais recente obra “é hora de mudarmos de via – as lições do Coronavírus”, que alertam: “A crise planetária nascida do coronavírus dá relevo à comunhão de destinos de todos os seres humanos, inseparavelmente vinculados ao destino bioecológico do planeta Terra. Ao mesmo tempo, intensifica a crise da humanidade que não consegue se constituir como humanidade. O humanismo está em crise em face das derivas e retrocessos nacionalistas, do recrudescimento do racismo e da xenofobia, do primado do interesse econômico sobre todos os outros. A consciência da comunhão de destinos dos seres humanos deveria regenerá-lo e conferir concretude a seu universalismo até agora abstrato: cada um poderá então sentir sua integração na aventura da humanidade. E se essa consciência se propagar pelo mundo e se tornar força histórica, o humanismo poderá suscitar uma política da humanidade”.

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Enfim, a máxima a que se chega a partir de todos os acontecimentos assistidos, vivenciados e sentidos pela humanidade ao longo de sua jornada até o dia presente é a consciência de que: o que atinge a um, atinge a todos, razão pela qual não podemos calar, não podemos consentir, não podemos compactuar, sob pena de voltarmos aos tempos de escuridão! Assim, vale refletir: é preciso cuidado...é preciso atrever-se!

Sobre a autora
Roberta de Oliveira Costa Campelo

Graduada em direito pela Universidade Federal do Ceará. Pós graduada em Processo civil, pela Escola Paulista da Magistratura- EPM. Funcionária Pública Federal do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo- TRE/SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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