A COBRANÇA DA TAXA DE OCUPAÇÃO E O ADIAMENTO DO LEILÃO POR INICIATIVA DO DEVEDOR FIDUCIANTE

19/08/2021 às 17:30
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE O TEMA VERSADO DIANTE DE DECISÕES DO STJ E DA DOUTRINA.

A COBRANÇA DA TAXA DE OCUPAÇÃO E O ADIAMENTO DO LEILÃO POR INICIATIVA DO DEVEDOR FIDUCIANTE

Rogério Tadeu Romano

Informou o site do STJ, em 19 de agosto do corrente ano, que para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a suspensão judicial do leilão, por iniciativa do devedor fiduciante, autoriza que a taxa pela ocupação indevida do imóvel seja cobrada desde o momento da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário – mesmo na vigência da antiga redação do artigo 37-A da Lei 9.514/1997, que fixava o termo inicial da taxa na data de alienação do bem em leilão.

Com esse entendimento, o colegiado deu provimento ao recurso de uma cooperativa de crédito para determinar que a taxa de ocupação do imóvel – retomado do comprador depois que ele deixou de pagar o contrato garantido por alienação fiduciária – incida na data da consolidação da propriedade. Atualmente, este é o marco inicial de incidência da taxa, conforme a Lei 13.465/2017, que alterou o artigo 37-A da Lei 9.514/1997.

Segundo o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, autor do voto que prevaleceu no julgamento, o fato de o devedor ter obtido na Justiça a suspensão do leilão, postergando a reintegração na posse, justifica a incidência da taxa antes da alienação do imóvel (ou da sua adjudicação pelo credor, na hipótese de frustração do leilão), pois assim se indeniza o credor fiduciário pelo tempo em que esteve alijado da posse do bem.

A matéria foi discutida no REsp 1.862.902.

Em seu voto, o ministro ressaltou ainda que a lei dá o prazo de apenas 30 dias após o registro da consolidação da propriedade para a realização da alienação extrajudicial, independentemente da desocupação do imóvel – período no qual as perdas experimentadas pela instituição financeira já são compensadas pela multa contratual.

Se o primeiro leilão for frustrado, a lei prevê a realização de um segundo em 15 dias, após o qual a dívida será extinta e as partes ficarão livres de suas obrigações.

"Havendo extinção da dívida, o imóvel deixa de estar afetado ao propósito de garantia, passando a integrar o patrimônio do credor de forma plena, o que se assemelha a uma adjudicação. A partir de então, o credor passa a titularizar todos os poderes inerentes ao domínio, fazendo jus aos frutos imóvel, inclusive na forma da taxa de ocupação", afirmou Sanseverino.

A alienação fiduciária em garantia não é negócio fiduciário; suas estruturas são diversas substancialmente. A propriedade fiduciária decorrente da alienação fiduciária em garantia não se confunde com a propriedade que se transferiu ou se prometeu transferir através do negócio fiduciário propriamente dito.

É ilícito o pacto comissório, estipulado ab initio ou ex intervalo, em qualquer das modalidades em que pode surgir, ou seja, o que, antes do vencimento da dívida, autoriza o credor a tornar-se proprietário pleno da coisa:

a) Pelo valor do débito;

b) Por preço ajustado; ou

c) Pelo valor que o credor estimar.

A alienação fiduciária em garantia não é negócio fiduciário; suas estruturas são diversas substancialmente. A propriedade fiduciária decorrente da alienação fiduciária em garantia não se confunde com a propriedade que se transferiu ou se prometeu transferir através do negócio fiduciário propriamente dito.

Fala-se na propriedade fiduciária.

A propriedade fiduciária, como as demais garantias reais, não é indivisível por natureza, mas, sim, por força da lei, para assegurar o cumprimento das obrigações.

A propriedade fiduciária, pendente o vencimento da dívida, significa para o devedor, seu direito expectativo à recuperação da propriedade. Nâo existe para o alienante apenas uma expectativa de direito. O alienante não é um proprietário sob condição suspensiva.

Disse o ministro Moreira Alves (Da alienação fiduciária em garantia, pág. 133/135): "É esta propriedade fiduciária uma nova garantia real que se não confunde com a propriedade que, através do negócio fiduciário, se transmite ao credor com escopo de garantia (e que os autores, em geral, também denominam propriedade fiduciária), nem com qualquer dos direitos reais limitados de garantia (penhor, anticrese ou hipoteca)".

Explica-se tal situação diante do fenômeno da elasticidade da propriedade.

Enquanto não vence o débito, o proprietário fiduciário não desfruta de todas as faculdades jurídicas que se contém na propriedade plena, porque seria da natureza da propriedade fiduciária o desdobramento da posse, ficando o devedor como possuidor direto, podendo usar, desfrutar do bem. Se paga a dívida, o alienante (devedor) volta a ser titular, não da propriedade restrita que cabia ao adquirente (credor), mas do domínio pleno. Se vencida a dívida, e não paga, o credor entra na posse plena e tem o ônus de vender o bem. À luz da doutrina alemã, com Pagenstecher, “Lehrbuch der Pandekten”, costuma-se chamar este fenômeno jurídico de elasticidade da propriedade. Até o pagamento do débito, possui o alienante (devedor), ainda chamado de fiduciante, um direito expectativo à recuperação da propriedade passada ao credor (fiduciário) com a alienação fiduciária.

Há o que chamamos de “elasticidade da propriedade”, fenômeno jurídico que ocorre na ocorrência das hipóteses acima citadas. Surge um direito expectativo para o credor.

Francisco Eduardo Loureiro( explicou: in : Código civil comentado: doutrina e jurisprudência . Coord. Cezar Peluso. 5º ed. Barueri, SP: Manole, 2008, p. 1425):

A propriedade fiduciária constitui patrimônio de afetação, porque despida de dois dos poderes federados do domínio - 'jus utendi' e 'fruendi' -, que se encontram nas mãos do devedor fiduciante. O credor fiduciário tem apenas o 'jus abutendi' e, mesmo assim, sujeito à condição resolutiva, destinado, afetado somente a servir de garantia ao cumprimento de uma obrigação. O direito de dispor, na verdade, está atrelado à cessão do crédito garantido. A propriedade-garantia é acessória à obrigação e segue sua sorte. A peculiaridade é que, ao contrário das demais garantias reais, incide não sobre coisa alheia, mas sobre coisa própria transferida ao credor, embora sob condição resolutiva.

 A propósito disse Frederico Henrique Viegas de Lima( Da alienação fiduciária em garantia de coisa imóvel . 4ª ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 179):

Uma vez registrada a consolidação da propriedade fiduciária, tendo como novo titular o credor fiduciário, desaparece a propriedade fiduciária resolúvel com escopo de garantia. Porém, esta nova propriedade, recém-adquirida pelo credor fiduciário não é propriedade plena. Isto porque o poder do credor não é ilimitado como em geral ocorre nesta forma de propriedade, já que tem ele a obrigação de, no prazo de trinta dias contados da data do registro da consolidação, de aliená-la para satisfazer seu crédito. Ensina Ebert Chamoun que:

O proprietário, e agora possuidor, é obrigado de imediato, a vender a coisa. Não pode continuar sendo proprietário, em razão da proibição trazida pela alienação fiduciária, inclusive pelo projeto, de pacto comissório, que permitiria ao credor, tornando-se dono automaticamente, com o não pagamento da obrigação. Isto não pode acontecer. Então ele tem que vender.

Em virtude do credor fiduciário não poder incorporar a nova propriedade em seu patrimônio, nem tampouco, dela dispor como bem lhe aprouver, não podemos dispensar a esta espécie de propriedade o tratamento de propriedade plena. Em realidade, o que existe é uma limitação à mesma, no sentido da obrigatoriedade do credor fiduciário em aliená-la em público leilão. Isto faz com que a propriedade que é transmitida ao credor fiduciário seja uma propriedade limitada com escopo de garantia, deixando de existir a propriedade fiduciária nos molde de propriedade resolúvel.

Presente a previsão do artigo 37-A da Lei nº 9.514⁄97, é perfeitamente cabível a cobrança de taxa mensal de ocupação pelo período em que o réu ocupante esteve na posse indevida do imóvel cuja propriedade foi consolidada em favor da credora fiduciária. O termo inicial do pagamento é a data de consolidação da propriedade fiduciária, e o termo final é a data da efetiva reintegração da autora na posse do bem.

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Afinal, o que é a taxa de ocupação referenciada?

Essa taxa, pela sua própria definição, tem natureza de fruto do imóvel objeto da alienação fiduciária.

Ora, se o credor fiduciário não dispõe do jus fruendi (como já demonstrado), não pode exigir do devedor o pagamento de taxa de ocupação.

Efetivamente, os únicos frutos que podem ser exigidos pelo banco credor são os juros, frutos do capital mutuado.

Entendimento diverso geraria bis in idem e enriquecimento sem causa do banco credor, pois, em razão do mútuo de certa quantia em dinheiro, o banco receberia dois frutos, os juros e a taxa de ocupação, como disse o ministro Tarso Sanseverino, no julgamento do REsp 1.401.233 – RS.

Ora, havendo extinção da dívida, o imóvel deixa de estar afetado ao propósito de garantia, passando a integrar o patrimônio do credor de forma plena, o que se assemelha a uma adjudicação.

A partir de então, o credor passa a titularizar todos os poderes inerentes ao domínio, fazendo jus aos frutos imóvel, inclusive na forma da taxa de ocupação.

O STJ já teve oportunidade de se manifestar sobre o tema:

Se os leilões são suspensos, como ocorreu na hipótese dos autos, a lacuna legislativa não pode implicar a imposição, ao credor fiduciante, de um prejuízo a que não deu causa.

4. Recurso especial não provido. (REsp 1.155.716⁄DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 22⁄03⁄2012, sem grifos no original)

A taxa de que ora se cuida, como registrei no voto condutor do Resp 1.401.233/RS, foi prevista inicialmente no Decreto-Lei 70/66, e já naquela época o legislador, assim, como em 2001, com a MP 2.223/01, estabelecera que a taxa de ocupação deveria incidir desde a arrematação. A propósito, dispunha o referido Decreto-Lei: Art. 38. No período que mediar entre a transcrição da carta de arrematação no Registro Geral de Imóveis e a efetiva imissão do adquirente na posse do imóvel alienado em público leilão, o Juiz arbitrará uma taxa mensal de ocupação compatível com o rendimento que deveria proporcionar o investimento realizado na aquisição, cobrável por ação executiva.

Já a redação do art. 37-A, incluído pela Medida Provisória nº 2.223/01:

Art. 37-A. O fiduciante pagará ao fiduciário, ou a quem vier a sucedê-lo, a título de taxa de ocupação do imóvel, por mês ou fração, valor correspondente a um por cento do valor a que se refere o inciso VI do art. 24, computado e exigível desde a data da alienação em leilão até a data em que o fiduciário, ou seus sucessores, vier a ser imitido na posse do imóvel.

Relembre-se que a alienação em toda e qualquer situação é que a propriedade fiduciária não se equipara à propriedade plena, por estar vinculada ao propósito de garantia da dívida, conforme expressamente dispõe o art. 1.367 do Código Civi.

Assim quando o devedor obtém a suspensão judicial dos leilões que, assim, do mesmo modo, não ocorrem, postergando de modo indevido a reintegração do credor, justifica-se, aí sim, a incidência da taxa de ocupação antes da alienação/adjudicação, pois se está a indenizar o credor fiduciante pelo período de indevido alijamento da posse do imóvel.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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