DIREITO CONCORRENCIAL E BIG TECHS

Um mundo concentrado em plataformas elimina qualquer possibilidade de concorrência.

22/08/2021 às 08:57
Leia nesta página:

As Grandes Plataformas Digitais eliminaram a possibilidade de concorrência para novos atores.

A disputa com as big techs, em qualquer segmento que elas resolvam se posicionar, é cada dia mais uma luta de Davi contra Golias e é óbvio que vamos assistir todas as semanas a novos processos investigatórios sobre a forma em que esse domínio é exercido e construído.
Para se ter uma ideia desses números que saltam aos olhos, basta dizer que no fim de 2018, a participação de mercado da Amazon no e-commerce nos Estados Unidos foi próximo de 50%, ou seja, metade de todas as compras feitas pela internet e de cerca de 5% sobre o comércio varejista total, o que é ainda mais assustador, pois, nesse caso entram diversos serviços englobando muitas atividades de varejo em todos os tipos de ambientes, da troca de óleo a compra de carne no açougue, o que faz acender um alerta por estar indicando uma perigosa tendência de concentração. Isso significa que além de dominar o mercado online, coloca em risco a boa e saudável concorrência, com mudanças que podem ser uma ameaça para pequenas lojas que cobrem apenas determinadas categorias de consumo.
Logo, precisamos refletir: Precisamos estabelecer então limites legais a Amazon? Punir quando a eficiência é muito eficiente? Ou punir pelos riscos que essa eficiência possa representar?
Sabemos que certas práticas da Amazon em relação aos seus fornecedores, como analisar o desempenho de seu portfólio de produtos para buscar categorias para desenvolver alternativas de white label, nos faz lembrar o que os grandes distribuidores fizeram e ainda fazem por muitos anos, mas com um poder infinitamente menor do que estamos assistindo agora e assim, estamos assistindo a mais e novos processos investigatórios, sobre o exercício ou não dessa limitação a concorrência.
No mês passado a União Europeia anunciou que planejava tomar medidas contra a Amazon por seu tratamento anti competitivo em empresas que comercializam produtos em sua plataforma, com base em pesquisas que abriu há cerca de um ano. O mesmo vem ocorrendo nos Estados Unidos, onde o estado da Califórnia também anunciou que investigará tais práticas pela gigante do comércio eletrônico.
O que a Amazon faz com os chamados vendedores terceirizados (política de Marketplace), fornecedores de terceiros ou independentes, que atuam em sua plataforma? Essa estratégia de plataforma é em grande parte o que possibilitou o enorme crescimento da empresa, pois cada vez mais, vendedores em todo o mundo estão aproveitando a plataforma que a Amazon lhes oferece, com ferramentas que vão desde o cumprimento e o gerenciamento de estoque, até questões como meios de pagamento, logística de envio, etc. para aparecer aos usuários de forma mais atraente e eficiente, muito mais do que se tentassem vender em suas próprias páginas na rede. Assim, o Marketplace da Amazon vem se tornando o mais completo.
Isso levou a marca privada da Amazon a se tornar um verdadeiro gigante, com produtos em todos os tipos de variedades, livros a material de pesca, e que é possível ao fornecedor promover com total liberdade sobre os vendedores que atuam em sua plataforma, basta ajustar o algoritmo para que os produtos da Amazon domine pesquisas e obtenha vendas mais altas. Se nos juntarmos isso com a capacidade de gerenciar arbitrariamente a classificação influente da Amazon’s Choice, ou introduzir produtos em seu programa de logística de taxa fixa Amazon Prime, com mais de 150 milhões de assinantes em todo o mundo, o resultado é basicamente o que é, que a Amazon possui um poder sem paralelo na história do comércio físico mundial!
Se esta não é a definição clássica do comportamento anticompetitivo, nada é. Agora, a Amazon está fazendo algo especialmente original, ou é uma prática exclusiva da empresa? De modo algum. Na verdade, a grande distribuição tem feito exatamente a mesma coisa por muitas décadas e sem dúvida inspirou Jeff Bezos a desenhar as linhas mestras de seu império atual. Em qualquer grande área, os critérios para tomar decisões sobre a introdução de produtos em seu selo branco ou privado é exatamente o mesmo da Amazon: os dados que você possui sobre os produtos vendidos em sua própria plataforma. Além disso, eles chegam a acordos, geralmente muito pouco transparentes com seus fabricantes, baseados nessas mesmas informações e os forçam a adquirir compromissos de preço, publicidade, promoção ou merchandising se desejarem obter.
Isso é, não mais ou menos, o que a Amazon faz, algo que a grande distribuição vem fazendo a vida toda, sem aparentemente dedilhar as roupas. Podemos argumentar que a Amazon é maior e, portanto, mais propensa a se enquadrar na definição de práticas anticoncorrenciais exercidas pelo monopólio? Agora, talvez, mas anos atrás obviamente não era e aqueles que dominaram a distribuição foram as grandes áreas, que sistematicamente usavam tais práticas.
No processo de investigação antitruste aberto pela Comissão Europeia o propósito é avaliar se o uso da Amazon de dados confidenciais de varejistas independentes que vendem em seu mercado viola as regras de concorrência da UE.
Para as autoridades que já se manifestaram o e-commerce aumentou a concorrência no varejo e trouxe mais opções e melhores preços. Logo, nesse momento é preciso preservar a garantia de que grandes plataformas online não eliminem esses benefícios através de comportamentos anticoncorrenciais.
A Amazon tem um papel duplo como plataforma: (i) vende produtos em seu site como varejista e; (ii) fornece um marketplace onde vendedores independentes podem vender produtos diretamente aos consumidores.
Ao fornecer um marketplace para vendedores independentes a Amazon coleta continuamente dados sobre a atividade em sua plataforma. Com base na apuração preliminar de fatos da Comissão a Amazon parece usar informações competitivamente sensíveis sobre vendedores de marketplace, seus produtos e transações no mercado.
Como parte de sua investigação aprofundada, a Comissão hoje investiga:

  1. Os acordos padrão entre a Amazon e os vendedores de marketplace, que permitem que o negócio de varejo da Amazon análise e use dados de vendedores de terceiros. Em particular, a Comissão se concentrará em saber se e como o uso dos dados acumulados de vendedores de marketplace pela Amazon como varejista afeta a concorrência.
  2. O papel dos dados na seleção dos vencedores da “Buy Box” e o impacto do potencial uso da Amazon de informações competitivamente sensíveis do vendedor de marketplace nessa seleção. O “Buy Box” é exibido com destaque na Amazon e permite que os clientes adicionem itens de um varejista específico diretamente em seus carrinhos de compras. Ganhar a “Buy Box” parece fundamental para os vendedores de marketplace, pois a grande maioria das transações são feitas através dele.
    Se comprovadas, as práticas sob investigação podem violar as regras de concorrência da UE sobre acordos anticompetitivos entre as empresas (artigo 101º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFEU)) e/ou sobre o abuso de uma posição dominante (artigos 102º TFEU).
    O artigo 101º da TFEU proíbe acordos anticompetitivos e decisões de associações de empresas que impeçam, restrinjam ou distorçam a concorrência no Mercado Único da UE. O artigo 102º da TFEU proíbe o abuso de uma posição dominante. A implementação dessas disposições está definida no Regulamento Antitruste (Regulamento do Conselho nº 1/2003), que também pode ser aplicado pelas autoridades nacionais de concorrência.
    Não há prazo legal para encerrar uma investigação antitruste. A duração de uma investigação antitruste depende de uma série de fatores, incluindo a complexidade do caso, até que ponto as empresas em causa cooperam com a Comissão e o exercício dos direitos de defesa.
    Essas investigações vão se intensificar, pois nenhuma nova tecnologia, está fora do alcance das cinco big techs e a Amazon, como as demais, será examinada com a lupa do Direito.
    Os seus dados, a luz da LGPD e do RGPD são o grande diferencial e ter o histórico de consumo, busca, curtidas e comentários já faz toda diferença na performance comercial dessas empresas. Será um mercado a cada dia menos competitivo, onde essas empresas são um muro intransponível para as demais.
Sobre o autor
Charles M. Machado

Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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