A violência patrimonial contra a mulher

27/08/2021 às 15:23
Leia nesta página:

Você sabe o que é a violência patrimonial contra a mulher? Sabia que ela é uma das formas de violência doméstica contra a mulher?

Dentre os diversos tipos de violência doméstica tratados na Lei Maria da Penha, a violência patrimonial, apesar de muito comum, é pouco debatida no Brasil, principalmente pela sua invisibilidade decorrente das poucas reclamações registradas pelas suas vítimas.

Segundo a legislação, a violência patrimonial é caracterizada por toda e qualquer conduta que configure em uma forma de retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus pertences, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, inclusive aqueles destinados à satisfação das necessidades rotineiras da vítima.

Neste sentido, temos que o ato de deixar de pagar pensão alimentícia, determinada em juízo, para a ex-mulher, configuraria uma forma de violência doméstica.

É importante ressaltar que a Lei Maria da Penha não criou novos tipos penais, mas, apresentou mecanismos visando assegurar a proteção efetiva da mulher em situação de violência no âmbito doméstico e familiar.

Sabemos quem em boa parte do mundo, a pandemia de Covid-19, incrementou o número de mulheres vítimas de violência doméstico-familiar, por um lado, em decorrência do isolamento social imposto pelas Autoridades, e, por outro, pela vulnerabilidade econômica, destas, ante os graves efeitos sofridos pela economia mundial.

Diante de tal quadro, temos várias atitudes perpetradas contra as mulheres, seja pela privação de recursos financeiros, seja pelo não atendimento às suas necessidades materiais imediatas, fragilizando-as de forma a criar-lhes uma submissão eivada de violência, expondo-as, muitas vezes, aos familiares e, até mesmo, aos conhecidos menos chegados e aos vizinhos.

Temos, assim, as três formas básicas de violência patrimonial, segundo a legislação, a saber: subtrair, destruir e reter.

Em todas estas condutas, o objetivo é causar um dano moral, de cunho psicoemocional à mulher, seja pela subtração de seus bens e recursos, a destruição de seus pertences, ou a retenção, destes, injustificadamente.

O bem jurídico a ser protegido, é, no primeiro plano, a dignidade da pessoa humana da mulher agredida; em um segundo momento, o seu patrimônio. Temos que a utilização dos meios facilitados pela legislação visa evitar ou, até mesmo reverter todo e qualquer dano aos bens e direitos atingidos.

Devemos entender esta forma de violência contra a mulher em seu aspecto amplo. Não se trata apenas de privar ou dilapidar os recursos legítimos. Há outras condutas que, por possuírem reflexo patrimonial, como, por exemplo, desmerecer o esforço laboral da mulher, mesmo que desempenhe atividade não econômica, como o serviço doméstico. Outro meio de violência se dá quando o ex-marido, condenado a pagar alimentos, assim não o faz.

Há diversas situações, principalmente nas relações em vias de enfrentar um divórcio, nas quais a violência patrimonial se mostra claramente. Ela se dá quando o marido permanece com a posse dos bens, durante o processo, sem pagar pela utilização da quota-parte pertencente à mulher, ou quando gere o patrimônio do casal, sem prestar as devidas contas, privando-a dos frutos a que tem direito.

Outras condutas, que não possuam reflexo patrimonial, em primeira análise, podem ser consideradas uma forma de violência contra a mulher, por exemplo, no caso do cancelamento como beneficiária do plano de saúde familiar ou do casal; nesta situação, vemos que a questão patrimonial dá lugar à manutenção dos meios de vida dignos.

Vemos, que a violência patrimonial é uma das formas mais covardes de prender as mulheres em um contínuo tormento psíquico, resultante de relacionamentos abusivos, principalmente quando estas dependem financeiramente do agressor.

A retórica do controle é a base desta forma de violência, de modo a submeter e aprisionar a mulher, aos desmandos do agressor, retirando-lhe todo e qualquer recurso seja financeiro, seja emocional, que possa ser usado para a sua fuga de tamanha crueldade.

Diante de tal quadro de constante humilhação e os efeitos que isso causa à psique da vítima, a violência patrimonial se mostra difícil de ser identificada, até mesmo pela pessoa que a sofre. Contudo, os primeiros sinais da perda da independência financeira, outrora vivida, é o ponto principal de identificação de sua ocorrência.

A violência patrimonial ocorre em todos os extratos sociais, em todos os seus matizes econômicos. Há mulheres extremamente ricas, e outras extremamente pobres, que se vêm vitimadas, da mesma forma. Não é o tamanho do patrimônio que se encontra ameaçado que configura, ou não, a ocorrência desta forma de violência. Todo e qualquer ato contra os bens e recursos financeiros da mulher, ou contra os meios dignos de sua subsistência, são, ipso facto, formas de violência.

Vemos, diante da gritante subnotificação de casos, que a violência doméstica deve ser melhor esclarecida à população feminina, em campanhas especialmente elaboradas, para a identificação dos primeiros sinais de sua ocorrência, a fim de evitar maiores danos pessoais e patrimoniais.

Evidenciada a violência, deve-se buscar o Judiciário a fim de denunciá-la, e reverter os atos que, porventura, tenham sido praticados, na dilapidação patrimonial da mulher.

A independência tão arduamente conquistada pelas mulheres nos longos anos de luta, deve ser protegida, com os rigores da Lei, e o seu aspecto econômico-patrimonial é elemento essencial para a sua garantia e perpetuação. A proteção da mulher é fator de suma importância, por todos os seus aspectos intrínsecos e extrínsecos, ante a colaboração, fundamental que esta presta, para o desenvolvimento da sociedade e do mundo.

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Sobre a autora
Claudia Neves

Advogada. Pós-graduada em Direito das Mulheres e em Direito de Família e Sucessões, com atuação na área cível com ênfase na área de família, com seus reflexos patrimoniais e assessoria em contratos civis e comerciais, seja na celebração de negócios seja na defesa de interesses. Coordenadora Adjunta da Comissão da Mulher Advogada e membro da Comissão de Prerrogativas da OAB Santo Amaro (2019-2021). Instagram: @claudianeves.adv

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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