A DESISTÊNCIA DA AÇÃO E SUA REPROPOSITURA POSTERIOR

28/08/2021 às 12:06

Resumo:


  • A desistência da ação não implica renúncia ao direito, permitindo a repropositura da demanda, mas se a ação for desistida após a contestação, necessita do consentimento do réu.

  • A nova ação após desistência deve ser distribuída por dependência ao mesmo juízo da ação anterior, evitando que o autor busque um juízo mais favorável através de múltiplas distribuições.

  • Se uma sentença for proferida desrespeitando a regra de distribuição por dependência após a desistência de uma ação, essa sentença é considerada nula, conforme jurisprudência do TJSP e TJMG.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O ARTIGO DISCUTE O TEMA À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ E TRIBUNAIS ESTADUAIS E AINDA DA DOUTRINA.

A DESISTÊNCIA DA AÇÃO E SUA REPROPOSITURA POSTERIOR

Rogério Tadeu Romano

Determina o artigo 286 do CPC de 2015:

Serão distribuídas por dependência as causas de qualquer natureza:

I - quando se relacionarem, por conexão ou continência, com outra já ajuizada;

II - quando, tendo sido extinto o processo sem resolução de mérito, for reiterado o pedido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus da demanda;

III - quando houver ajuizamento de ações nos termos do art. 55, § 3º, ao juízo prevento. [[CPC/2015, art. 55.]]

Parágrafo único - Havendo intervenção de terceiro, reconvenção ou outra hipótese de ampliação objetiva do processo, o juiz, de ofício, mandará proceder à respectiva anotação pelo distribuidor.

A desistência da ação não importa renúncia ao direito. Por isso, a sentença homologatória de desistência da ação não impede o ajuizamento de nova demanda contra o réu, visando ao mesmo objetivo.

Assim, antes de proferida a sentença, pode o autor, a qualquer momento, desistir da ação por ele proposta, desistência esta que, como analisado anteriormente, produzirá efeitos apenas a partir de sua homologação judicial.

Porém, a depender do momento em que o autor manifestar sua desistência, pode esta ficar condicionada a mais um requisito: o consentimento do réu; isto porque a relação processual, quando aperfeiçoada, tem em sua composição também o réu, que, assim como o autor, possui direito à prestação jurisdicional. Segundo os dizeres de Chiovenda (Instituições de direito processual civil, tradução de Paolo Vapitanio, 4ª edição, 2009, pág. 1.164), o réu "tem direitos iguais ao autor, particularmente, o direito de pedir a sentença de mérito".

Sobre a matéria entendeu o STJ:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL DESISTÊNCIA DA AÇÃO. CONCORDÂNCIA DO RÉU. NECESSIDADE. FUNDAMENTAÇÃO RAZOÁVEL. EXTINÇÃO DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE.1. Após a contestação, a desistência da ação pelo autor depende do consentimento do réu porque ele também tem direito ao julgamento de mérito da lide.2. A sentença de improcedência interessa muito mais ao réu do que a sentença de extinção do processo sem resolução do mérito, haja vista que, na primeira hipótese, em decorrência da formação da coisa julgada material, o autor estará impedido de ajuizar outra ação, com o mesmo fundamento, em face do mesmo réu.3. Segundo entendimento do STJ, a recusa do réu deve ser fundamentada e justificada, não bastando apenas a simples alegação de discordância, sem a indicação de qualquer motivo relevante.4. Na hipótese, a discordância veio fundada no direito ao julgamento de mérito da demanda, que possibilitaria a formação da coisa julgada material, impedindo a propositura de nova ação com idênticos fundamentos, o que deve ser entendimento como motivação relevante para impedir a extinção do processo com fulcro no art. 267, VIII, e § 4º do CPC.5. Recurso especial provido.(REsp 1318558/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/06/2013, DJe 17/06/2013)

Discute-se a questão do ajuizamento de várias demandas, com mesmas partes, causa petendi e objeto mediato e imediato. Ajuizada a primeira, em havendo indeferimento de liminar satisfativa, é ajuizada outra para cair por distribuição para outra Vara. O que fazer?

Recorro a Augusto Cury, em seu blog, no que concerne à eventual repropositura de ação em face de desistência anterior de outra:

"Conforme analisado ainda no primeiro item deste texto, a parte que, desistindo da ação, obtiver, com sua homologação, a extinção do feito sem resolução do mérito, poderá propor novamente a mesma ação, tendo em vista que a desistência não gera abdicação ao direito substancial debatido na lide, e que, na ação desistida, não há formação de coisa julgada material.

Deve-se clarear, porém, que, extinta uma ação por desistência, posto não haver julgamento de mérito, sua posterior repropositura ensejará distribuição por dependência, consoante disposição que já constava do artigo 253, II, do Código de Processo Civil de 1973, mantida, agora, pelo artigo 286, II, do novo Código.

Desse modo, a nova ação será distribuída obrigatoriamente à mesma vara judicial em que tramitou a ação anterior extinta em virtude da desistência, medida esta que tem por objetivo impedir que o autor da ação se valha de meios escusos para conseguir a tutela que busca com o processo.

Isto porque, como bem se sabe, ante a ausência de uma uniformidade de entendimento no Poder Judiciário, atualmente existe verdadeira" loteria judiciária "(também denominada" jurisprudência lotérica ": uma mesma ação, com mesma causa de pedir e pedido, pode ter provimentos totalmente distintos a depender da comarca e da vara para a qual for distribuída.

E exatamente por isso obsta-se que o possa o indivíduo, fazendo uso dessa pluralidade de entendimentos judiciais, desistir e repropor a ação tantas vezes quanto o necessário para que, finalmente, seja ela distribuída a uma vara judicial cujo entendimento aponte pela procedência de seu pleito.

Nesse sentido, asseveram MARINONI e ARENHART (Curso de processo civil, volume II, processo de conhecimento, 11ª edição, 2013, pág. 91 e 92) que" o objetivo dessa norma foi exatamente o de impedir ao autor desistir da ação e, após, ver a mesma ação distribuída a outro juiz ", já que em tempos passados, conforme apontam os mesmos autores,"a prática passou a assistir a um fenômeno curioso: após a distribuição da petição inicial a um juiz não favorável à sua pretensão, o autor deixava de pagar as custas do processo - e assim permitia a extinção do processo - ou desistia da ação, para então propor novamente a ação e ter a oportunidade de vê-la distribuída a outro juiz".

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Por esses fundamentos, a ação extinta por desistência, quando reproposta, deve ser distribuída por dependência ao mesmo órgão judicial em que tramitou a ação anterior desistida.”

Sobre a hipótese trago a lição de Antonio do Passo Cabral e Ronaldo Cramer (Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 449):

"A segunda situação que autoriza a distribuição dirigida é aquela em que o processo primitivo tiver sido extinto sem resolução de mérito. Neste caso, quando o demandante for repetir novamente a mesma ação, a distribuição será direcionada ao mesmo órgão jurisdicional em que o processo anterior tiver tramitado, ainda que em companhia de novos litisconsortes. Este dispositivo busca a prestigiar o princípio constitucional do juiz natural (art. XXXVII e LIII, da CRFB), mas a única crítica seria que o órgão primitivo estaria prevento tão somente para o autor primitivo. Quanto aos demais, deveria o magistrado determinar a extração de cópias reprográficas das peças eu instruem o processo e determinar que sejam remetidas ao Cartório Distribuidor para ulterior distribuição. Do contrário, acaso mantidos os novos litisconsortes, esta situação poderia caracterizar um estratagema para burlar as regras de distribuição e, consequentemente, o próprio princípio do juiz natural."

Assim em havendo desistência da ação anterior, não fica ao alvedrio do autor ajuizar ação que passe por nova distribuição. A nova ação será distribuída obrigatoriamente à mesma vara judicial em que tramitou a ação anterior extinta em virtude da desistência, medida esta que tem por objetivo impedir que o autor da ação se valha de meios escusos para conseguir a tutela que busca com o processo.

Extrai-se a existência do instituto da prevenção, ressaltando que, para fins do artigo 286, inciso II, do Código de Processo Civil, considerar-se-á prevento o juízo onde se processou a desistência da ação, seu arquivamento ou a extinção do processo sem exame de mérito.

Sendo assim uma sentença que seja formulada em desobediência a esses mandamentos legais é nula.

Atento ao julgamento do TJSP na Apelação Cível nº: 1028880-44.2016.8.26.0577 onde se disse:

APELAÇÃO e REEXAME NECESSÁRIO. Ação acidentária procedente.

SENTENÇA ANULADA. Desistência da primeira ação. Repropositura da ação. Hipótese do art. 286II do CPC. O Juízo da primeira ação está prevento. Nulidade configurada.

Do mesmo modo tem-se o julgamento pelo TJMG, no AI 5025281-35.2020.8.13.0000 MG:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO - REITERAÇÃO DE PEDIDO FORMULADO EM AÇÃO JÁ EXTINTA, SEM JULGAMENTO DO MÉRITO - PREVENÇÃO NA INSTÂNCIA DE ORIGEM. Na hipótese do art. 286II, do CPC, quando o autor ajuizar novamente uma ação já extinta, sem resolução de mérito, a distribuição será direcionada ao mesmo órgão jurisdicional em que o processo anterior tiver tramitado. Havendo identidade entre pedidos e causas de pedir, há que ser reconhecida a prevenção.

Essa nulidade é absoluta alcançando todos os atos do processo posterior aberto após a desistência da primeira ação. Isso em face do princípio da causalidade.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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