A irregular propositura de ações civis públicas contra a advocacia pública e os danos à imagem e ao patrimônio.

29/08/2021 às 20:08
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As ações civis públicas irregulares contra a advocacia pública devem ser combatidas, especialmente por conta dos severos danos à imagem e patrimonial que normalmente lhe são imanentes, descortinados, muitas vezes, apenas anos depois de propostas.

 

A irregular propositura de ações civis públicas contra a advocacia pública e os danos à imagem e ao patrimônio.

 

“Isto virou um pouco terra de ninguém. Não obstante, o que se ouve? Que hoje é um festival de investigação sem sequer controle judicial.” Citação com destaque de fala do ilustre Ministro do STF Gilmar Ferreira Mendes

1. Introdução.

Embora empregada em outra cercania e ocasião, a fala do ilustre Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Ferreira Mendes pode abarcar também a ambiência da irregular propositura de ações civis públicas por ato de improbidade administrativa em geral, e da advocacia pública particularmente.

Como consabido, para atuar com entes ou entidades do Poder Público, os prestadores de serviços jurídicos, ou seja, os escritórios de advocacia, sujeitam ao regime público de contratações, diretamente ou por meio de licitação (isso sem adentrar a essa discussão propriamente dita, por não fazer parte desta discussão).

 

2. Propositura irregular de ações civis e danos à imagem e ao patrimônio.

Nesta senda, corriqueiras as investidas por parte de algum(uns) representante(s) da digníssima instituição Ministério Público, constitucional e democrática – assim como a advocacia pública – que, na falsa premissa de apurarem (ir)regularidade(s) em nossa contratação, perfaze(m) verdadeira perseguição sem razão ou escoro adequado, muitas vezes recepcionadas sem o regular crivo pelo Poder Judiciário, por vezes atribuível à grande demanda judicante.

No entanto, passou da hora, em nosso país, de se estabelecerem critérios claros para a propositura de ações civis por ato de improbidade administrativa, hoje utilizada, por vezes, para a propagação de injustiças, articuladas para a afetação pública da imagem de autoridades e de terceiros que ofertam serviços públicos, ao final, inúmeras vezes, julgadas improcedentes, vez que principiadas sem qualquer respaldo na lei, sem uma investigação minuciosa, destituídas da causa pública.

Isso sem falar no uso amiúde eleitoreiro, camuflando posições políticas públicas contra, ou a favor, de pessoas eletivas, quando não manejadas em períodos de impacto nas eleições republicanas, turvando a espontânea intenção de voto popular. Tal o instrumento, senão uma ferradura que se tornou nas mãos humanas e promíscuas de alguns para causar dano à imagem, precisa encontrar controle judicial, contendo sua periculosidade imanente à democracia, à divisão de poderes e, particularmente, à advocacia pública.

Não pode, a proximidade do relacionamento diuturno, entre membros do Ministério Público e do Poder Judiciário, turvar a Thêmis da Justiça, que se espera recaia já quando da análise perfunctória e primitiva desse instrumento processual, verificando-se o desequilíbrio que tem sido ocasionado pelo manejo desvirtuado dessa ferramenta pública e, desde logo, combatendo-o.

 

3. Momento da admissibilidade da ação.

É o exame de admissibilidade judicial dessas ações o momento mais oportuno para uma severa análise do seu conteúdo e real viabilidade, sendo o mais adequado para servir de óbice ao prejuízo que virão a ocasionar.

Além do uso indevido, não se contentam alguma(mas) “autoridade(s)” ministerial(is) senão com a concretização também de dano patrimonial a autoridades públicas e terceiros, pretendendo vencer a batalha, entrincheirada e propositada, por meio do sucateamento financeiro e humilhação de autoridades públicas dignas e prestadores de serviços que labutam e sobrevivem com o suor de suas cabeças.

Eis o recorrente, e sem critério algum, emprego do pedido de bloqueio ou indisponibilidade de bens, engendrando anos de óbice injustificado e injusto a patrimônios pessoais construídos com trabalho que, algum(ns) acusadores jamais se darão ao luxo ou preocupação, na medida em que assegurados por uma estabilidade remuneratória vitalícia de um cargo público.

Ora, o sistema processual civil brasileiro por muito tempo foi moldado para atender à prestação da tutela jurisdicional em casos de lesões a direitos individuais. Foi o tempo em que não se previam instrumentos, seja para a tutela coletiva desses direitos, seja para a tutela de direitos transindividuais, de titularidade indeterminada, como são os denominados difusos e coletivos.

Hodiernamente, no entanto, a sociedade caracteriza-se por uma profunda e substancial alteração no perfil dos direitos desde sempre conhecidos, reconhecendo-se aqueles tipicamente vinculados à sociedade de consumo e à economia de massa, padronizada e globalizada, pertencentes não mais ao indivíduo, considerado como tal, mas sim a toda coletividade (como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e os direitos dos consumidores).

Assim, com o surgimento dessas novas categorias de direitos exigiu que o processo civil fosse remodelado. Com o aparecimento de normas de direito material decorrentes dos novos bens jurídicos ameaçados, foi preciso desenvolver mecanismos correspondentes de natureza processual para operacionalizar sua defesa em juízo.

 

4. Justa causa e afastamento do princípio do in dubio pro societate.

Não é por menos que o legislador inseriu na Lei 8.429/1992 a exigência de que a petição inicial fosse acompanhada de documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade (conforme seu artigo 17, parágrafo 6º), mas também com uma espécie de filtro judicial capaz de eliminar, no nascedouro, persecuções sancionadoras desprovidas de justa causa.

Aliás, a justa causa, a propósito, como derivativa do devido processo legal, retrata o conjunto de indícios mínimos aptos a legitimar o regular exercício de uma pretensão sancionadora por parte do Estado.

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Somente quem atua ou passa por um contexto como esse entende a devassa da vida pessoal e o constrangimento social de se figurar no polo passivo de uma demanda sancionadora ganham o acréscimo, na improbidade, da possibilidade de bloqueios e, até, de afastamento cautelar das funções, o que, em última análise, e inexistindo ato ímprobo, reverte em desfavor do próprio interesse público.

Por isso, alguns autores corretamente já tem enquadrado a a justa causa ao interesse processual, exigindo-se que, nestas ações, a petição inicial seja proporcionalmente mais substancial do que a de outras ações que não têm esta fase preliminar de admissibilidade da inicial em contraditório tão intensa. Daí porque tem-se que a delimitação dos fatos, da causa de pedir, e a produção da correspondente prova devem ser robustas desde o início, sob pena de inviabilizar o prosseguimento da ação e, até mesmo, sua rejeição com apreciação de mérito.

Malgrado, a ação de improbidade parece ter se tornado, sob a alegação de preservação de sua efetividade e do princípio do in dubio pro societate quando do recebimento da inicial tem ocasionado severas injustiças. A revisão da aplicação do princípio no momento da verificação de viabilidade da ação mostra-se de rigor, sob penas de continuar a justificar uma avalanche de demandas inúteis, senão ilegais, que oneram, sobremaneira, o próprio Poder Judiciário.

Não é incomum identificar uma associação daquela máxima, em sede de improbidade, à defesa do erário e do interesse público, a partir de uma leitura literal do parágrafo 8º do mesmo artigo 17. Contudo, não deveria ser menos caro ao interesse público a tutela dos direitos fundamentais, entre os quais o contraditório corporificado no tema pela justa causa nas ações civis públicas por ato de improbidade administrativa.

Eis que a apropriação do rito da ação civil pública pela pretensão sancionadora por ato de improbidade produziu como resultado franquear ao Ministério Público a possibilidade de instauração de procedimento preliminar inquisitório previamente ao eventual ajuizamento de ação.

Assim, a exigência de justa causa deveria ter sido na verdade agravada frente à possibilidade (ao menos para o órgão ministerial) de procedimento inquisitivo ao longo do qual lhe seria dado funcionar, antes, como juiz da sua própria pretensão, municiando-se de elementos para, então, deduzir ou não sua pretensão — em verdade, a possibilidade de inquérito onera o órgão ministerial em duas vertentes: se instaurado, e tendo resultado no ajuizamento de ação, deve ter tido o condão de municiar a inicial; não instaurado, quando poderia tê-lo sido, exige um exame rigoroso da inicial.

 

5. Conclusão.

Não pode mais, despeito de tudo isso, o in dubio pro societate, tornar-se uma espécie de álibi ou escoro argumentativo, um fundamento em si apto a desonerar fundamentações adicionais. Ora, o objetivo da decisão judicial prevista no art. 17, parágrafo 7º, da Lei 8.429/1992 é tão-só evitar o trâmite de ações clara e inequivocamente temerárias, não se prestando para, em definitivo, resolver – no preâmbulo do processo e sem observância do princípio in dubio pro societate aplicável na rejeição da ação de improbidade administrativa — tudo o que, sob a autoridade, poder de requisição de informações protegidas (como as bancárias e tributárias) e imparcialidade do juiz, haveria de ser apurado na instrução.

Destarte, merece reflexão e, porque não, revisão ou revisitação, a jurisprudência que trata do tema, deixando de adotar a vinculação do principio in dubio pro societate, no momento preliminar da verificação da justa causa da ação civil pública por ato de improbidade administrativa.

Com isso, uma avalanche de ações despropositadas seriam evitadas e se passaria a verificar um real controledesse festival que hoje vemos de ingressos dessas medidas tão caras e impactantes aos seus demandados, muitas vezes de modo bastante injusto, a justiifcar até mesmo medidas de resposta aos possíveis danos à imagem e ao patrimônio que ocasionam, sem sombras de dúvidas. Afinal, a advocacia pública também deve ser constitucionalmente assegurada e preservada de investidas torpes.

 

6. Referências Bibliográficas.

BUENO, Cássio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende (coords.). Improbidade administrativa: questões polêmicas e atuais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

GRINOVER, Ada Pellegrini. A ação civil refém do autoritarismo. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/9171-9170-1-PB.htm>. Acesso em: 1 de julho 2019.

NÓBREGA, Guilherme Pupe da; MUDROVITSCH, Rodrigo de Bittencourt. Justa causa e in dubio pro societate nas ações de improbidade, Revista Consultor Jurídico. Acesso em: 1 de maio de 2020.

MAIA FILHO, Napoleão Nunes; OLIVEIRA, Mariana Costa de. Direito sancionador: quatro temas das garantias do acusado na ação de improbidade administrativa (Lei 8.429/92). Fortaleza: Imprece, 2015.

MARINONI, Luiz Gulherme et al. Novo Curso de Processo Civil. 3. ed. V. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

Sobre o autor
Alexandre Massarana da Costa

Advogado, pós-graduado em direito constitucional e político, com atuação na área do direito público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Pela preservação da advocacia pública.

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