Covid-19 e dispensa de licitação

Corrupção no ano de 2020

31/08/2021 às 22:20
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O presente artigo versa sobre as desconformidades jurídicas e os casos de corrupção atrelados a flexibilização de atos das compras públicas como medida de enfrentamento à Pandemia do Coronavírus.

INTRODUÇÃO

A pandemia do Covid-19 fez o Governo Federal brasileiro reconhecer o estado de emergência e calamidade pública no país. Neste sentido a Lei 13.979/2020 criou medidas de enfrentamento à pandemia, que dispõe sobre o afastamento e isolamento social, a colaboração da população quanto à comunicação as entidades sanitárias sobre contato e possível infecção pelo coronavírus e sobre os procedimentos licitatórios.

Quanto aos procedimentos licitatórios, a Lei 13.979/2020 e a medida provisória 926/2020, trouxe uma série de simplificações para os processos de aquisições relacionadas ao enfrentamento da pandemia, a exemplo de: Dispensa de licitação, termo de referência ou projeto básico simplificado, dispensa de estudo prévio, estimativa de preços, possibilidade de contratação de empresas consideradas inidôneas, redução de prazos dos pregões, possibilidade de contratação com dispensa de apresentação de documentação referente à regularidade fiscal e trabalhista, prazos de contratos, supressões e acréscimos do objeto de contrato, efeitos de recursos e dispensa de audiência pública prévia. As medidas adotadas também enfatizaram em alguns momentos a utilização da discricionariedade do Gestor Público acerca de decisões a serem tomadas no ato da contratação. As mudanças desses processos vislumbram um desempenho mais célere da administração no momento da aquisição de insumos destinados ao enfrentamento do Covid-19.

A simplificação desses processos de contratação correlacionada com a discricionariedade do gestor, no que tange as dispensas dos procedimentos licitatórios, poderá ter sido o principal fator gerador do surgimento de casos de corrupção oriundos da aquisição de insumos e serviços destinados ao enfrentamento da emergência atual. Portanto, o presente artigo tem por objetivo abordar os assuntos referentes aos acontecimentos trazidos pela covid-19, que influenciaram no mundo das licitações, sobretudo, no que tange a contratação direta, que durante o ano de 2020, foi o principal instrumento jurídico legal utilizado para as aquisições de insumos e serviços destinados ao combate a pandemia, bem como atrelá-los aos déficits orçamentários que, possivelmente, serão ocasionados devido aos casos de corrupção atrelados as medidas de flexibilização adotadas durante o ano de 2020, além de apresentar quais as prerrogativas que o governo poderá adotar para minimizar os impactos sofridos mediante esta problemática.

Foi utilizado como método a pesquisa exploratória, para buscar a compreensão da problemática apresentada, através de um levantamento bibliográfico, para subsidiar a apresentação dos principais aspectos jurídicos que norteiam as licitações públicas, bem como os aspectos jurídicos que amparam a contratação direta, e portanto, correlacionar tais aspectos com as atuais medidas de flexibilização da Covid-19 e possíveis casos de corrupção atrelados as flexibilizações das compras públicas, no ano de 2020.

1. INSTRUMENTOS JURÍDICOS DA LEI 8.666/93 E A DISPENSA DE LICITAÇÃO

A doutrina de Calos Ari Sundfeld considera que o processo licitatório é um procedimento administrativo destinado para a escolha de pessoa a ser contratada pela Administração Pública. Esse procedimento assegura os direitos dos interessados em participar da disputa e também o direito da administração de escolher o beneficiário mais adequado ao interesse público (SUNDFELD, 1994). Neste sentido a licitação é um conjunto de procedimentos para aquisição de serviços ou insumos para a Administração pública, que busca exercer a competitividade em busca de melhores condições para a administração e garantindo também o direito dos interessados atrelados à competição.

Medauar (1996) enfatiza sobre as fases do processo licitatório na sua definição sobre a licitação quando diz que, as fases e os atos que compõe o processo administrativo destinado à licitação, comungam para a decisão final sobre a escolha do fornecedor. Assim, é possível compreender que o processo licitatório é composto por fases que devem ser respeitadas para a sua finalização e garantia da seguridade jurídica do procedimento bem como a garantia de não haver improbidades administrativas que causem danos ao erário.

Conforme o exposto, Costa (2008) acrescenta que o processo licitatório é um procedimento vinculado, composto por atos administrativos e fases que devem ser obedecidas na realização dos certames de licitação, pois essas fases corroboram com a premissa de assegurar a justa competitividade entre os participantes e a busca pela proposta mais vantajosa para a administração. Neste sentido, Faria (2007) explica como ocorrem as fases do processo licitatório, demonstrando que:

A licitação em qualquer de suas modalidades, é dividida em duas grandes fases interna e externa. A interna compõe-se de diversos procedimentos formais, e a externa subdivide-se em quatro fases distintas, mas que se complementam. São elas apresentação das propostas e documentos; habilitação; julgamento e classificação; e homologação e adjudicação. (FARIA, 2007, p.351).

Diante isso, a fase interna e a fase externa da licitação se completam na segurança de direitos e deveres da administração e dos licitantes.

Os procedimentos da fase interna elencam diversos tópicos que necessitam de estudos prévios de causa e objetificação da necessidade da administração. Neste sentido, Costa (2008), dispõe que a fase interna de licitação, prevista no art.38 da Lei 8.666/1993, compreende no nascimento do processo licitatório através do interesse público de adquirir determinado bem ou serviço para atingir a finalidade do bem comum. Sobre a fase interna, Costa (2008) ainda ressalta que:

Essa fase compreende aquelas diversas medidas de ordem administrativa necessárias ao regular desenvolvimento do processo de aquisição (do material, da obra, do serviço, enfim, daquilo que efetivamente está se objetivando), tais como a identificação, quantificação e delimitação do objeto, verificação e constatação de existência de previsão orçamentária etc., seguindo-se nas repartições públicas com uma cotação prévia para a apuração do desembolso a ser realizado, para daí verificar-se a existência de dotação orçamentária. (COSTA, 2008, p.2001).

Contudo, entende-se que tais procedimentos da fase interna de licitação, se bem planejadas, orientam o procedimento licitatório e colabora para o equilíbrio entre a dotação orçamentária e a necessidade da administração, além de correlacionar as informações de pesquisa da fase interna com o preço de mercado e com isso viabilizar o processo licitatório garantindo a ampla concorrência e o resultado mais adequado para a administração, assegurando também o direito dos licitantes participantes. Conforme Faria (2007), A fase interna, nem sempre recebe a importância que merece e o não cumprimento das formalidades prescritas na legislação que dispõe sobre a fase interna, pode prejudicar o certame do processo.

Após aferir e instruir todos os elementos necessários para o processo licitatório, na fase interna, inicia a fase externa de licitação, que de acordo com Costa (2008), a mesma começa com a divulgação do edital e posteriormente a habilitação o julgamento das propostas, a adjudicação e homologação.

Contudo, embora o artigo 1º da Lei 8.666/1993 traga a exigência da obrigatoriedade da Administração pública, direta ou indireta, de licitar, essa obrigatoriedade não é absoluta como explica Borges e Bernardes (2008):

Contudo, como não teremos contato no presente capítulo, a obrigatoriedade não é absoluta, pois o próprio Texto Constitucional abre a possibilidade de a Lei afastar o dever de licitar (norma de eficácia contida). Nesse sentido a Lei n 8.666/1993 trata de duas formas de contratação direta, ou seja, sem licitação: A dispensa e a inexigibilidade. Abrimos um parêntese para explicar que, embora a doutrina mencione o termo “contratação sem licitação”, na verdade, a contratação direta (sem licitação) não deixa de ser um procedimento de licitação, o que a doutrina quis dizer, nesses tipos de contratações, é que as modalidades de licitação (concorrência, tomada de preços, convite etc.) não serão realizadas como condições para as contratações. (BORGES E BERNARDES, 2008, p.131).

Portanto, embora a licitação seja ato obrigatório vinculado a legalidade, a própria legislação possibilita algumas excepcionalidades a exemplo da não realização de tais procedimentos de forma completa, trazendo a dispensa de licitação como um instrumento legal de contratação para alguns casos.

Borges e Bernardes (2008), explica que a doutrina divide a questão da dispensa de licitação em dois casos, licitação dispensada e dispensável: O primeiro, através do artigo 17 da Lei 8.666/1993, quando a licitação é dispensada e a própria legislação prevê e estabelece os casos que se configuram como licitação dispensada. Não sendo possível o gestor ter a discricionariedade no momento da decisão da dispensa, ou seja, a administração já é obrigada a realizar a dispensa da licitação. No âmbito do regramento da dispensa de licitação, a Lei 8.666/93 dispõe os casos que se enquadram como licitação dispensada. Neste aspecto, o artigo 17, descreve os casos de licitação dispensada que teoricamente trata dos casos de alienação de bens da administração. No entanto, a licitação dispensável, ocorre juntamente com a discricionariedade do gestor de realizar ou não o processo licitatório, ou seja, quando é: “possível, mas não precisa ser feita. Assim o administrador não precisa licitar nas hipóteses previstas no art. 24 da Lei 8.666/93” (MELLO, 2011). As hipóteses para licitação dispensável estão previstas no art. 24 da Lei 8.666/1993 e conforme aponta Mello (2011), é um rol taxativo e exaustivo, ou seja, o administrador não pode prever outra situação que a licitação se dispensável.

Além das dispensas de licitação, é possível haver contratação direta por intermédio da inexigibilidade de licitação que conforme o art.25, acontece quando não há possibilidade de competição entre os licitantes. Carvalho Filho (2009), ainda ressalta que:

A dispensa de licitação caracteriza-se pela circunstância de que, em tese, poderia o procedimento ser realizado, mas que, pela particularidade do caso, decidiu o legislador não torná-lo obrigatório. Diversamente ocorre na inexigibilidade, porque aqui sequer é viável a realização do certame. (CARVALHO FILHO, 2009, p.238).

Importante ressaltar que existem limites de valor de dispensa de licitação, nos casos de licitação dispensável, conforme explica a Lei 8.666/93, no art. 24. Neste caso é previsto na licitação dispensável, para a contratação de obras e serviços de engenharia, dispensar a licitação quando o valor for de até 10% (dez por cento) do limite previsto de aquisição da modalidade convite, que conforme atualização de valores através do Decreto 9.412/2018, passou a ser R$ 330.000,00 (trezentos e trinta mil reais), ou seja o limite para dispensa nesse caso passou a ser de R$ 33.000,00 (trinta e três mil reais). Para os casos de aquisição de outros serviços e compras, fica fixado o limite de dispensa de licitação até 10% (dez por cento) previsto de aquisição da modalidade convite, que conforme atualização de valores através do Decreto 9.412/2018, passou a ser R$ 176.000,00 (Cento e setenta e seis mil reais), ou seja o limite para dispensa nesse caso passou a ser de R$ 17.600,00 (dezessete mil e seiscentos).

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Contudo, fica compreendido que a licitação é instrumento necessário para a aquisição de serviços e insumos de forma segura e efetiva pela Administração Pública sendo admitida em algumas exceções a sua dispensa e considerando que a dispensa de licitação, em alguns casos, ocorre mediante a discricionariedade do gestor, é possível que haja atos ilegais nos atos que concerne à dispensa de licitação. Nesses casos, podemos citar a discricionariedade do gestor relacionada a ilegalidade que beneficia determinado fornecedor no ato da dispensa ou inexigibilidade de licitação.

2. A DISPENSA DE LICITAÇÃO E AS CONTRATAÇÕES EM TEMPOS DE COVID-19

O Estado brasileiro no âmbito das suas atribuições legais decretou o estado de emergência e calamidade pública através do Decreto Legislativo nº 6/2020 em decorrência da pandemia do COVID-19. Diante disto o cenário das compras públicas brasileiras necessitou de uma atenção especial para trazer celeridade principalmente no que dizia respeito as compras para o enfrentamento a pandemia do COVID-19. Neste sentido, no aspecto jurídico, de imediato foram instituídos instrumentos, a exemplo da Lei 13.979/2020 e posteriormente as Medidas Provisórias 926/2020, 961/2021, as quais dispõem sobre a dispensa de licitação durante o estado de emergência e calamidade pública.

Explicitamente, a primeira alteração no cenário das compras públicas brasileiras, foi a dispensa de licitação para aquisição de bens, serviços, serviços de engenharia e de insumos, destinados ao combate a pandemia do Coronavírus, com amparo legal no artigo 24 da Lei 8.666/93:

“[...]”IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos; (BRASIL, 1993).

Além disso, tal medida de dispensa de licitação tem amparo legal na Lei 13.979/2020 e na MP 926/2020 a qual posteriormente foi convertida na Lei Ordinária 14.035/2020, conforme explica Pinto et al (2020).

Portanto, a licitação dispensável, uma das hipóteses de dispensa de licitação, tornou-se uma realidade atual, diante do cenário de emergência e calamidade pública que se estabeleceu no Brasil no ano de 2020. Com o enfrentamento da Pandemia do Coronavírus, o Brasil buscou adotar medidas de enfrentamento, sobretudo no setor de compras e contratações públicas, com o intuito de inserir agilidade nas contratações destinadas ao combate ao COVID-19. Dentro do cenário da dispensa de licitação destinada as contratações emergências, podemos ressaltar, como medida preconizada no aspecto da covid, a dispensa de licitação por valor, o qual foi alterado mediante a MP 962/2020:

Art. 1º Ficam autorizados à administração pública de todos os entes federativos, de todos os Poderes e órgãos constitucionalmente autônomos:

I - a dispensa de licitação de que tratam os incisos I e II do caput do art. 24 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, até o limite de:

a) para obras e serviços de engenharia até R$ 100.000,00 (cem mil reais), desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou, ainda, para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente; e

b) para outros serviços e compras no valor de até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e para alienações, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez; (BRASIL, 2020)

No que tange a não obrigatoriedade de licitar, vinculada ao fator emergencial disseminado pela pandemia do Coronavírus, os instrumentos jurídicos utilizados tais aquisições, possibilitaram a facilidade de atos ilegais no cenário das licitações públicas. Neste sentido, podemos citar o art. 4ºB, da MP 926/2020 e posteriormente previsto na Lei 14.035/2020, o qual dispõe que, as dispensas de licitações decorrentes do fator emergencial, fica entendido que as mesmas já comprovam as condições de:

“[…]” I – ocorrência de situação de emergência;

II – necessidade de pronto atendimento da situação de emergência;

III – existência de risco à segurança de pessoas, de obras, de prestação de serviços, de equipamentos e de outros bens, públicos ou particulares; e

IV – limitação da contratação à parcela necessária ao atendimento da situação de emergência.” (BRASIL, 2020)

Logo, a ausência de demonstrações a este nível de comprovação de situações emergenciais enfatizou as possibilidades dos casos de corrupção atrelados as contratações destinadas ao enfrentamento da pandemia, bem como contratos superfaturados destinados para as aquisições de insumos em grande vulto que não detêm de uma real necessidade, a exemplo do que ocorreu no Estado do Rio de Janeiro, onde foram adquiridos respiradores sem uso, 50 mil testes, quatro milhões de frascos de soros que eram suficientes para abastecer 11 unidades básicas de saúde durante 60 anos2. Para Santos e Oliveira (apud Dotti, 2020), mesmo no cenário emergencial o gestor deverá se ater ao princípio da economicidade que traduz no dever de adquirir bens e serviços no limite indispensável para o enfrentamento da emergência.

Podemos citar também, como medida necessária ao enfrentamento da pandemia, a contratação de empresas consideradas impedidas de participar dos processos licitatórios, foi outra medida adotada para trazer agilidade nas contratações emergenciais, desde que a empresa fosse considerada a única fornecedora do insumo ou serviço necessário. No entanto, tal medida também enalteceu os casos ilícitos no âmbito das compras públicas.

Conforme o relato, é possível entender que as facilidades trazidas pela flexibilização do regramento da contratação pública destinada ao enfrentamento da pandemia, resumidamente atreladas a dispensa de licitação foram medidas necessárias, no entanto, prejudiciais para as contas públicas. Santos e Oliveira (apud Dotti, 2020), ressaltam que, embora haja a necessidade de flexibilização do regramento das licitações públicas não se deve abster-se da observância dos princípios que regem a administração públicas. Portanto, neste caso, deve-se observar como princípio primordial para exercer tais procedimentos emergenciais o princípio da legalidade. Além do princípio da legalidade, Santos e Oliveira (apud Dotti, 2020), entendem que é dever do Gestor observar o princípio da motivação e aplicá-lo, mesmo estando diante de um cenário de emergência. Com isto, é possível atestar a justificativa da contratação, mediante sua necessidade, além de garantir a utilização responsável dos recursos públicos.

3. AS COMPRAS EMERGENCIAIS E A CORRUPÇÃO

Os casos de corrupção atrelados a pandemia do Coronavírus, são oriundos da flexibilização do regramento dos processos licitatórios. Embora essas medidas são de caráter necessário para o combate a pandemia do COVID-19, a fragilização das compras públicas tem atingindo de forma negativa os cofres públicos e a prestação de serviço público efetivo para o combate a pandemia, gerando assim a ausência de medidas efetivas e essenciais para enfrentar a pandemia. No ano de 2020 o Governou Federal investiu cerca de R$ 509,1 bilhões para o combate a pandemia do COVID-19, conforme o Portal “Siga Brasil” e o portal da transparência relacionado à execução orçamentária. O valor corresponde a 90% do que foi liberado para o combate a pandemia até dezembro de 2020, que constitui cerca de R$ 564,14 bilhões, além disso corresponde a 81,4% dos valores planejados, que corresponde a R$ 625,57 bilhões, sendo 12,3% deste valor destinado as políticas de saúde pública, que corresponde a R$ 63 bilhões3, tendo, 2020 um orçamento considerado restrito, provado com um valor de R$ 3,8 trilhões4. No ano de 2020, no primeiro semestre, aproximadamente, 1,48 bilhão em contratos de compras de insumos destinados ao enfrentamento da pandemia estavam sendo investigados5. Até o dia 3 de dezembro de 2020 cerca de R$ 2 bilhões, em contratos relacionados ao enfrentamento da pandemia estavam sob investigação e suspeita de desvio de recursos; contratos que possivelmente estavam amparados pelas medidas de flexibilização das compras públicas, bem como dispensa de licitação, para atender as demandas da pandemia. Pode-se afirmar que a ausência de recursos, atrelados a corrupção instalada no Brasil, durante o estado de emergência e calamidade pública, enfraqueceu e fragilizou ainda mais o combate a pandemia, ocasionando pressão no que diz respeito ao orçamento público Brasileiro, tendo em vista que os contratos investigados eram destinados em sua maioria para aquisição de equipamentos respiradores e gestão de hospitais de campanha6. Portanto os valores desviados, os quais poderiam ter sido utilizados de forma eficiente no combate a pandemia, pode ter ocasionado um déficit no atendimento a saúde pública e ajudado na disseminação da pandemia, deixando o poder público como o principal vilão deste momento, sendo o mesmo o grande responsável pelas tragédias ocasionada pela COVID-19, o que poderá ser considerado inconstitucional, tendo em vista que é dever do Estado assegurar a saúde para todos os cidadãos de forma efetiva, conforme dispõe a Constituição Federal de 1988.

Para Ribas e Silveira (2020), os Gestores das pastas e os agentes públicos que corroboram com os atos criminosos no âmbito dos contratos de cunho emergencial, devem ser responsabilizados nas esferas civil, administrativa e criminal:

A possibilidade de responsabilização nesses casos foi prevista na Medida Provisória n° 966 de 13 de maio de 2020, que dispõe em seu artigo 1° que os agentes públicos poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, ao enfrentamento da emergência de saúde e ao combate de efeitos econômicos e sociais decorrentes da covid-19 (BRASIL. Medida Provisória n° 966. 2020). Entretanto, por se tratar de fraude nas contratações, entende-se, ainda, que, apesar das divergências doutrinárias, poderá haver responsabilização cumulada nas três esferas: administrativa, civil e penal. A primeira delas fundamenta-se na Lei Federal nº 8.429/1992, a qual regula a improbidade administrativa. Segundo o inciso VIII do artigo 10 da Lei estabelece-se como ato de improbidade administrativa “frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente”. A finalidade é justamente combater à corrupção e aos atos de enriquecimento ilícito evitando prejuízo às contas públicas ou violação aos princípios que regem à Administração.

Já a responsabilidade civil fundamenta-se no dever de reparação ou ressarcimento a prejuízos causados a uma vítima, com fundamento no art. 186 do Código Civil de 2002 que diz que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL. Lei 10.406. 2002). Por fim, a responsabilidade criminal decorre do próprio art. 90 da Lei de licitações que estabelece pena de detenção de 2 a 4 anos e multa para quem “frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação”. (BRASIL. Lei 8.666. 1993). Ainda no campo criminal, é possível que a conduta se encaixe nos casos de falsidade documental e ideológica; corrupção ativa e passiva; prevaricação (Decreto-Lei 2.848 de 07 de dezembro de 1940 - Código Penal); ou, ainda, no crime de lavagem de dinheiro, da Lei nº 9.613/98. (RIBAS; SILVEIRA, 2020)

Ribas e Silveira (2020) ressaltam que a importância do poder judiciário no controle das atividades administrativas, embora seja compreensível que tal controle jurisdicional do Poder Judiciário, seja entendido, para ser utilizado no âmbito da legalidade, porém com a constitucionalização do direito e da ampliação da legalidade fica conferido aos órgãos de controle e ao Poder Judiciário a possibilidade de auferir aspectos antes vedados, nos atos administrativos. Portanto o papel do poder judiciário na investigação da legalidade bem como no controle de determinados atos, que possam ser considerados ilícitos, possui importância neste momento de disseminação da ilegalidade perante as compras públicas emergências.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do contexto de pandemia que fragiliza o cenário da Saúde no Brasil, o Estado na conjuntura dos seus três poderes buscou medidas efetivas para o combate a pandemia, a exemplo da flexibilização das regras para a aquisição de insumos e serviços destinados ao enfrentamento a pandemia do Coronavírus.

No âmbito das compras públicas, existe o regramento dos processos licitatório que no amparo legal brasileiro existe como uma regra para as aquisições públicas, sendo possível haver exceções, principalmente nos casos de emergência e/ou calamidade pública. Neste aspecto a dispensa de licitação entrou como principal instrumento para a aquisição de insumos destinados ao combate a pandemia, no entanto, a flexibilização de tais regras ocasionou em casos de corrupção atrelados as compras públicas emergenciais.

O estado, por sua vez, precisará buscar medidas mais efetivas de controle dos gastos públicos, com o intuito de garantir para as contas públicas futuras segurança. A utilização de recursos públicas de forma efetiva e segura é matéria a ser pensado sob vários aspectos, inclusive no momento emergencial. O grande desafio da administração pública neste momento foi o de atender as demandas da sociedade no âmbito da COVID-19, realizar o controle do orçamento público, e extinguir no âmbito da legalidade os casos de corrupção, não sendo possível manter esse equilíbrio num cenário caótico que afetou a saúde pública brasileira. Portanto, após a pandemia será necessário um trabalho assertivo dos agentes públicos e do poder judiciário no que concerne a busca pela legalidade no cenário das compras públicas, direcionado a pandemia do COVID-19, para proteger os cofres públicos de danos irreparáveis futuramente. Por fim, é perceptível que a corrupção é uma realidade no mundo das compras públicas e que por isso é necessário um regramento mais efetivo e rigoroso no cenário das aquisições públicas, porém, quanto mais há brechas na legislação mais há possibilidades de corrupção e o momento da pandemia do COVID-19 foi o cenário ideal para a disseminação dessa realidade obscura das compras públicas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SANTOS, Franciele; OLIVEIRA, Lilian. Crimes licitatórios durante a pandemia da Covid-19: O aumento da corrupção em razão das causas de dispensa. SOUZA, Souza Luís Paulo (org.). COVID-19 no Brasil: os múltiplos olhares da ciência para compreensão e formas de enfrentamento. Ponta Grossa: Antena, 2020.

1 Gestora pública, Especialista em Docência do Ensino Superior, Pós graduanda em MBA em Gestão e Políticas Públicas Municipais e Contabilidade Pública.

2 https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2021/01/24/rio-tem-respiradores-sem-uso-e-300-t-de-remedios-e-insumos-vencidos-diz-tv.htm . Acesso em: 19 fev, 2021 as 09:52. Uol (2021)

3 https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/12/22/governo-federal-ja-gastou-r-509-bilhoes-no-enfrentamento-a-pandemia. Acesso em 25 fev, 2021, ás: 9:17. (SENADO NOTÍCIAS, 2020)

4https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/12/27/orcamento-aprovado-pelo-congresso-para-2020-e-o-mais-restritivo-dos-ultimos-anos. Acesso em 25 fev, 2021, ás: 9:14. (SENADO NOTÍCIAS, 2020)

5 https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2020/06/11/interna_politica,1155732/corrupcao-ataca-r-1-48-bilhao-destinados-ao-combate-a-covid-19.shtml . Acesso em 25 fev, 2021, ás: 9:12. (PEIXOTO, 2020)

6https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2020/12/17/quase-r-2-bilhoes-relembre-operacoes-da-pf-contra-desvios-na-pandemia. Acesso em 25 fev, 2021, ás: 9:26. (JUCÁ; BRONZE, 2020)

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